Com
a morte em Alvor, do rei Dom João II, no dia 24 de Outubro de 1495, fica aberto
o caminho para o trono, a Dom Manuel, duque de Beja, culminando uma incrível
sucessão de factos, provavelmente das mais invulgares da História do ocidente
europeu. Trata-se duma subida ao trono do único rei português sem ser nem
descendente, nem irmão do seu antecessor, beneficiando da morte de um primo e
de cinco irmãos.
Nem
sempre aludo ao facto um pouco inverosímil da História de Portugal, de todos os
reis terem um cognome, muitas vezes desajustado até, da realidade dos
acontecimentos no período do respectivo reinado, porém, apelidar de 'Venturoso' a
Dom Manuel I, parece-me perfeitamente ajustado, não só devido à conjugação dos
factores que anteriormente referi e que o conduziram ao trono, mas naturalmente
por tudo o que irá acontecer no decorrer da sua regência. O
desenho da sua aproximação à sucessão real, quando em 13 de Julho de 1491,
morreu o príncipe Dom Afonso, herdeiro da coroa. Formalmente é certo, porque
por essa altura, o rei Dom João apenas com 36 anos estaria ainda a tempo de vir
a ser pai de novo herdeiro do trono. A estranheza de ‘comportamento da roda da
fortuna’, não faria crer, apenas 6 meses antes, do trágico desaparecimento do
príncipe herdeiro, que o seu casamento com Dona Isabel de Castela, era o
corolário a consolidação do reino do Príncipe Perfeito, e os êxitos dos
navegadores portugueses pelo Atlântico Sul e a passagem da Boa Esperança.
A
preocupação era com o Duque de Beja, seu cunhado, que Dom João II cuidava. Sem
descendência o seu ducado poderia até extinguir-se pelo que o rei, lhe assegura
em 19 de Maio que assumirá por completo todos as responsabilidades que uma
eventual morte prematura de Dom Manuel, pudesse ocasionar. Situação totalmente
invertida apenas 2 meses depois, seria afinal o príncipe herdeiro a
desaparecer. Durante
os poucos anos em que Dom João II, sobreviveu ao seu filho, procurou promover à
sua sucessão o filho bastado Dom Jorge, fruto duma relação que tivera com Ana
Furtado de Mendonça. Todos os cronistas referiram a atitude de Dom Manuel
acerca da aceitação da legitimação de Dom Jorge de Lencastre, mas a forte oposição
de sua irmã a rainha Dona Leonor, acabou por conduzir ao malogro dessa
pretensão. No
seu último testamento, Dom João II nomeia Dom Manuel como seu sucessor, mas
apenas por um ano, sinal que além de prever a melhoria da doença que o
afectava, também assinalava por certo o desejo que algo pudesse mudar, no que
pretendia para Dom Jorge. Quando
a morte de Dom João II aconteceu, Dom Manuel estava em Alcácer do Sal, tendo
sido aclamado como rei no dia 27 de Outubro de 1495, tinha então 26 anos e iria
reinar em Portugal outros tantos 26 anos.

Dom
Manuel I de Portugal nasceu em Alcochete, a 31 de Maio de 1469 e faleceu em Lisboa, a 13 de Dezembro de
1521, foi o 14.º Rei de Portugal, cognominado ‘O Venturoso’, ‘O Bem-Aventurado’
ou ‘O Afortunado’ tanto pelos eventos felizes que o levaram ao trono, como
pelos que ocorreram no seu reinado. Dom Manuel I ascendeu inesperadamente ao
trono em 1495 em circunstâncias excepcionais, sucedendo ao seu primo direito Dom João II de Portugal, de quem se tornara protegido. Prosseguiu as explorações
portuguesas iniciadas pelos seus antecessores, o que levou à descoberta do
caminho marítimo para a Índia, do Brasil e das ambicionadas ‘ilhas das
especiarias’, as Molucas, determinantes para a expansão do império português.
Foi o primeiro rei a assumir o título de ‘Senhor do Comércio, da Conquista e da
Navegação da Arábia, Pérsia e Índia’. Em 1521, promulgou uma revisão da legislação
conhecida como Ordenações Manuelinas, que divulgou com ajuda da recente
imprensa. No seu reinado, apesar da sua resistência inicial, cumprindo as
cláusulas do seu casamento com Dona Maria de Aragão, viria a autorizar a
instalação da inquisição em Portugal. Com a prosperidade resultante do
comércio, em particular o de especiarias, realizou numerosas obras cujo estilo
arquitectónico ficou conhecido como manuelino.

Constantes
surtos de peste negra em Lisboa, capital do Reino, levaram a corte e a nobreza
dos séculos XIV e XV a instalarem-se em Alcochete, nomeadamente o rei Dom João
I e, em meados do século XV, o seu neto infante Dom Fernando, Duque de Viseu.
Aí, na vila de Alcochete, nasceu em 1469 Dom Manuel, filho de Dom Fernando,
Duque de Viseu e de Beatriz de Portugal. Durante
a infância e a juventude, assistiu à guerra de intriga e conspiração entre a
aristocracia e o seu primo direito Dom João II, muito cioso do seu poder.
Alguns homens do seu círculo próximo foram mortos ou exilados, incluindo o seu
irmão mais velho Diogo, Duque de Viseu, assassinado pelo próprio rei.
Sucedeu-lhe como 5º Duque de Viseu, 5º Senhor da Covilhã e 4º Duque de Beja, 4º
Senhor de Moura. Portanto, quando em 1493 recebeu uma ordem real de comparência
no paço, Dom Manuel deveria estar preocupado. Mas o propósito de Dom João II
era nomeá-lo herdeiro da coroa, depois da morte do seu filho Afonso de Portugal
e das tentativas frustradas de legitimar o bastardo Jorge de Lencastre. Dom
Manuel ascendeu ao trono em circunstâncias excepcionais, sucedendo João II de
Portugal em 1495 de quem se tornara uma espécie de filho adoptivo.
Aclamado
em 27 de Outubro de 1495, Dom Manuel I provou ser um sucessor à altura, apoiando
os descobrimentos portugueses e o desenvolvimento dos monopólios comerciais.
Durante seu reinado, Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia
(1498), Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil (1500), Dom Francisco de
Almeida tornou-se no primeiro vice-rei da Índia (1505) e o Almirante Dom Afonso
de Albuquerque assegurou o controlo das rotas comerciais do oceano Índico e
golfo Pérsico e conquistou para Portugal lugares importantes como Malaca, Goa e
Ormuz. Também no seu reinado organizam-se viagens para ocidente, tendo-se
chegado à Gronelândia e à Terra Nova. O seu reinado decorreu num, contexto
expansionista, já preparado por seu antecessor e marcado pela descoberta do
caminho marítimo para a Índia em 1498 e pelas consequências políticas e económicas
que advieram deste facto.
A
extensão de seu reinado permite surpreender nele uma personagem determinada,
teimosa, voluntariosa, autocrática, detentora de um programa político de
potenciação do seu poder dotado de uma assombrosa coerência, posto em prática
até ao seu mais ínfimo detalhe. Dom Manuel I opta por uma política de expansão
indiana e põe em prática os seus princípios, criando a oportunidade para a
realização da viagem de Vasco da Gama em 1497, contra, ao que parece, a
oposição de parte do seu conselho. Escolhe, ainda, a via da inversão
pró-aristocrática, ou seja, de restauração de privilégios e direitos antes
postos em causa e isto certamente por opção política de Estado. O rei edifica,
igualmente, um Estado que prenuncia em boa medida o absolutismo régio e o
governo iluminado, por contraponto, aliás, ao problemático e agitado centralismo
do seu antecessor Dom João II.
Tudo
isto contribuiu para a constituição do Império Português, fazendo de Portugal
um dos países mais ricos e poderosos da Europa. Dom Manuel I utilizou a riqueza
obtida pelo comércio para construir edifícios reais, no que se chamaria muito
posteriormente estilo manuelino, dos que são exemplo o Mosteiro dos Jerónimos e
a Torre de Belém. Atraiu cientistas para a corte de Lisboa e estabeleceram-se
tratados comerciais e relações diplomáticas com a China e a Pérsia, além de
que, em Marrocos, realizaram-se conquistas como Safim, Azamor e Agadir.
A
sua completa consagração europeia deu-se com a aparatosa embaixada em 1514, chefiada
por Tristão da Cunha, enviando ao papa Leão X presentes magníficos como
pedrarias, tecidos e jóias. Dos animais raros, destacaram-se um cavalo persa e
um elefante, chamado 'Hanno', doravante mascote do papa, que executava várias
habilidades. Mas uma das inúmeras novidades que encantaram os espíritos
curiosos das cortes europeias da época terá sido sem dúvida o rinoceronte
trazido das Índias, que assumiu, então, um papel preponderante na arte
italiana.

Na
vida política interna, Dom Manuel I seguiu as pisadas de Dom João II e
tornou-se quase num rei absoluto. As cortes foram reunidas apenas três vezes
durante o seu reinado de mais de vinte e cinco anos, e sempre no paço de
Lisboa. Dom Manuel I dedicou-se à reforma dos tribunais e do sistema
tributário, adaptando-o ao progresso económico que Portugal então vivia. Analisando-se
a sua obra, verifica-se que avulta a tentativa de reforma do reino, através da
criação de instrumentos unificadores de carácter estatal, como sejam a
publicação dos Forais Novos, reformando os antigos, a Leitura Nova (1504-1522),
a compilação e revisão da legislação, consagrada pelas Ordenações Manuelinas, a
reorganização da Fazenda Pública e a estruturação administrativa daí
decorrente. Com ele organiza-se o Estado moderno. Prova de que Dom Manuel foi
um rei que se preocupou em preservar a justiça e a boa ordem do Reino, é que
durante seu reinado não apenas as Ordenações do Reino foram reformadas, mas
também os Forais, a Ordenação e Regimento dos Pesos (1502), o Regimento dos
Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos (1504), os Artigos das
Sisas (1512), o Regimento dos Contadores das Comarcas (1514), o Regimento das
Ordenações da Fazenda (1516) e as Ordenações da Índia (1520). Obras de carácter
burocrático fundamentais para, a administração e organização do Reino
português.

Em
seis gravuras constantes da edição das Ordenações de 1514 (a única ilustrada)
vemos o rei em majestade, portando uma coroa aberta e armadura, ladeado pela
sua divisa, a esfera armilar e pelas armas do Reino, representada pelo escudo
manuelino. Na sua mão direita está sempre o ceptro real, símbolo da justiça, a
que se prende uma fita, chamada filactério, onde se lê ‘DEO IN CELO TIBI AVTEM
IN MVNDO’ (A Deus no céu e a ti na terra). É evidente a intenção de representar
a ligação entre o terreno e o divino, e lembrar a noção de dualidade especular
entre uma corte terrena, encabeçada pelo rei e uma corte celestial encabeçada
por Cristo. Isto reforça a ligação de Dom Manuel com o messianismo e com a
ideia de um Rei enviado por Deus, um escolhido para representar a cristandade
ante o novo horizonte que se descortinava com os descobrimentos. E de fato a
sua imagem que passou à História foi a de um rei representante de Cristo,
Senhor personificado na figura divina da Justiça, do ‘perfeito-monarca’ e do ‘rei
arquétipo’. O Rei era representado como o centro coordenador e a ele cabia, na mais alta
composição, o mais nobre dos ofícios: ministrar a justiça. Essa ligação entre o
terreno e o espiritual está também presente no ideal régio que é justificado
por João de Barros no Panegírico, “porque sendo Deus perfeita justiça, os reis,
que por ele são ordenados e cujo poder representam, a ele só em tudo devem
seguir”. Esse tino requerido para a figura real se faz necessário para que o
povo tenha em seu governante o “paradigma a seguir em todas as circunstâncias”,
sendo para o mesmo, exigido ainda, qualidades que o tornem afamado e digno,
dentre elas “temperança, honestidade, humanidade, comedimento, bondade,
fortaleza, lealdade, prudência, magnanimidade, amor às letras (...) e seus
pensamentos em Deus”.
Dom
Manuel I era um homem bastante religioso que investiu uma boa parte da fortuna
do país na construção de igrejas e mosteiros, bem como no patrocínio da
evangelização das novas colónias através dos missionários católicos. O seu
reinado é lembrado pela perseguição feita a judeus e muçulmanos em Portugal,
particularmente nos anos de 1496 a 1498. Esta política foi tomada por forma a
agradar aos Reis Católicos, cumprindo uma das cláusulas do seu contrato de
casamento com a herdeira de Espanha, Isabel de Aragão. O Massacre de Lisboa de
1506 foi talvez uma das consequências da política de Dom Manuel I. Seguiram-se
as conversões forçadas dos judeus e, depois, confiou ao seu embaixador em Roma
a missão secreta de pedir ao papa, em 1515, a permissão de estabelecer a
Inquisição em Portugal. Na
cultura, Dom Manuel I procedeu à reforma dos Estudos Gerais, criando novos
planos educativos e bolsas de estudo. Na sua corte surge também Gil Vicente, o
pai do teatro português, e Duarte Pacheco Pereira, o geógrafo, autor do
Esmeraldo de Situ Orbis.
I) Filhos
do primeiro matrimónio, com Isabel de Aragão, infanta de Espanha (1470-1498).
Dom Miguel da Paz (1498-1500), presumível herdeiro das Coroas de Portugal, Castela
e Aragão.
II) Filhos
do segundo matrimónio, com a sua cunhada Maria de Aragão, Infanta de Espanha
(1482-1517), a 30 de Outubro de 1500.
1º
Dom João III, Rei de Portugal (1502-1557).
2º
Dona Isabel de Portugal (1503-1539), casada com Carlos V, Imperador da Alemanha
que se tornaria mãe de Filipe II de Espanha e I de Portugal.
3º
Dona Beatriz de Portugal, Duquesa de Sabóia (1504-1538), casada com Carlos III,
Duque de Sabóia.
4º
Dom Luís, Duque de Beja (1506-1555), condestável do Reino e Prior da Ordem de
São João de Jerusalém, pai do polémico Dom António, prior do Crato.
5º
Dom Fernando, Duque da Guarda (1507-1534), casado com Guiomar Coutinho,
Condessa de Marialva.
6º
Dom Afonso de Portugal, cardeal (1509-1540), arcebispo de Évora e de Lisboa.
7º
Dona Maria de Portugal (1511-1513).
8º
Cardeal Dom Henrique, rei de Portugal (1512-1580), cardeal, arcebispo de Braga,
de Évora e de Lisboa, Inquisidor Geral, regente do reino e rei.
9º
Dom Duarte, Duque de Guimarães (1515-1540), casado com Isabel de Bragança,
bisavô de Dom João IV de Portugal.
10º Dom
António de Portugal (1516) que viveu poucos dias.
III) Filhos
do terceiro matrimónio, com Leonor da Áustria (1498-1558), infanta de Espanha,
irmã do imperador Carlos V.
1º
Dom Carlos de Portugal (1520-1521).
2º
Dona Maria de Portugal (1521-1577), famosa como a mais culta das infantas.
Poucos dias depois da sua aclamação, Dom Manuel muda-se para Montemor-o-Novo,
convocando cortes, a fim de ser jurado Rei de Portugal pelos Três Estados,
visto que os seus direitos dinásticos não haviam ainda sido reconhecidos pelos
representantes, muito embora estes, não tenham sido nunca contestados. Ali
em Montemor, deu-se o reencontro entre o filho bastardo de Dom João II, Dom Jorge
e o Rei, que ainda não tinha acontecido, pois Dom Jorge havia acompanhado os
últimos dias de seu pai, no Alvor. Relata
Damião de Góis uma cena comovente, onde são transmitidas ao Rei pelo aio de Dom
Jorge, os últimos momentos de Dom João II. Segundo ele os últimos pensamentos
do falecido soberano, eram de alegria, pela qualidade da sua sucessão e de
ansiedade por não estar certo do tratamento que viria a ser dado a Dom Jorge. Se
dúvidas houvesse sobre as intenções de dispensar ao jovem primo o tratamento
jurado, que o trataria como se de um filho se tratasse, que a partir daí, ainda
sobre Damião de Góis, e até se casar Dom Manuel dormiu com Dom Jorge na mesma
cama. Esta atitude de bom entendimento, entre os eventuais seguidores de Dom
Manuel e de Dom Jorge, cerceou a hipótese de guerra civil, que na vizinhança
ibérica era tida como certa. Nesta assembleia, o monarca ocupou-se de vários
assuntos importantes para o governo do país. Determinou-se
enviar a Espanha um emissário para comunicar aos nobres fugidos às injustiças
de Dom João II que podiam voltar ao reino, confirmou também todas as doações do
seu antecessor, mas ordenou que todos “que tivessem privilégios, liberdades, e
cartas de mercês, e outras has viessem, ou mandassem cõfirmar, pera ho que
ellegeo por cujo pareçer confirmava, derrogava, ou limitava, segundo ha
qualidade das cousas requeria”. Dom
Manuel I haveria de permanecer em Montemor-o-Novo, entre Novembro de 1495 e Março
do ano seguinte porque Lisboa estava infestada pela peste, que por ali grassava
já por década e meia. Nos
post em que se relata o casamento de Dom Manuel, alude-se ao facto do irmão da Rainha de Portugal, Dona Isabel, estar agonizando. Acabou por falecer apenas 2
dia depois do casamento da irmã com Dom Manuel, o que traria com consequência
que a Rainha de Portugal, se encontrava perto da linha de sucessão ao trono de
Castela. Porém a cunhada Margarida de Áustria viúva de Dom João de Castela
esperava um filho, cujo nascimento solucionaria a questão sucessória. Aconteceu
contudo que, o aguardado herdeiro de Castela, acabou por nascer morto,
extinguindo-se a descendência varonil dos Reis Católicos, acabando por ser Dona
Isabel a herdeira de Castela e Aragão, mas que entretanto já se encontrava
grávida de 2 meses, pelo Natal do ano de 1497.
Inicialmente
previstas para Évora, acabaram por decorrer em Lisboa, entre 11 de Fevereiro e
24 de Março, as segundas cortes convocadas por Dom Manuel I. Cortes que se
iniciaram sob um clima de certa inquietação, pelas notícias da ‘herança’ que indirectamente
também lhe dizia respeito, pois os portugueses receavam que essa condição de Rei Ibérico que poderia, recair na cabeça de Dom Manuel, viesse a resultar a
longo prazo, em prejuízo e viessem a ser subalternizados numa monarquia
conjunta. Para
além dos assuntos do Reino, normalmente tratados em cortes, queixas e propostas
apresentadas pelos representantes concelhios, também o rei preparou a sua
viagem a Castela, que se impunha dadas as circunstâncias. A regência ficou
entregue à sua irmã Leonor, a ‘rainha velha’, viúva de Dom João II e nomeado um
sucessor ainda que provisório, cuja escolha recaiu em Dom Jaime o seu sucessor
natural, contrariando os desejos de Dom João II que em testamento indicara o
seu filho bastardo Dom Jorge, como herdeiro de Dom Manuel enquanto este não
tivesse filhos. Dom Jorge aliás seguira integrado na comitiva real para
Castela, um detalhe próprio de quem pensava que se algo lhe acontecesse, Dom Jorge
estaria afastado do Reino.
Uma
vez Rei, a prioridade principal de Dom Manuel I, passou a ser o casamento e o
assegurar da continuidade da dinastia. E as condições da sua ascensão no trono,
requeriam que o fizesse fora de Portugal, por forma a acentuar a legitimidade e
a dignidade de quem não tinha nascido filho de rei. Quase de imediato os Reis
Católicos, Isabel e Fernando, ofereceram a Dom Manuel a mão da sua filha Maria,
uma das suas filhas ainda não comprometida. A forte desavença que se vinha
acentuando pelo menos desde meados deste século, entre a Espanha e a França,
tinha aumentado em muito a importância de Portugal, junto daqueles países e é
neste contexto, que se deve entender o interesse dos Reis Católicos, nesse
casamento. Dona
Maria era a terceira filha de Fernando e Isabel, então com 14 anos, mas a
resposta que Dom Manuel enviou à corte dos Reis vizinhos, foi a de que
pretendia antes casar com a infanta Dona Isabel que fora antes casada com o
príncipe herdeiro Dom Afonso, filho de Dom João II e prematuramente
desaparecido como se sabe em 1491.
Várias
razões se podem apontar para esta escolha
1. A diferença de idades Maria tinha 14 anos,
Isabel 26, o que poderia significar bastante, no rápido nascimento dum
herdeiro.
2. Isabel era a segunda pessoa na linha de
sucessão das coroas de Castela e Aragão, depois do seu irmão Dom João.
3. Dom Manuel já conhecia Dona Isabel desde 1490,
quando a 19 de Novembro, fora ele quem a recebera para a conduzir ao casamento
com Dom Afonso. Já a conhecia dessa altura e talvez tenha fica uma boa
recordação.
O
contrato de casamento acabou por ser selado em Burgos a 30 de Novembro de 1496.
Se as negociações deste casamento até ai tinham sido demoradas, atendendo a que
se negociava igualmente um conjunto de vários casamentos da descendência das
coroas de Aragão e Castela, que a complexidade inerente á respectiva política
de alianças comportava, ainda mais complicada ficou a consumação do casamento,
que os Reis católicos se comprometeram a efectivar até Maio de 1497, com a
condição do compromisso de Dom Manuel que expulsaria os judeus e mouros do seu
reino. Muito
embora o tratamento aos judeus e mouros não tivesse sido totalmente correcto no
reinado de Dom João II e algumas atitudes bárbaras tenham sido cometidas, o
certo que muita gente permanecia em Portugal nessa altura e só a grande vontade
de Dom Manuel em casar com Dona Isabel o levou a alterar, atitude de
complacência que havia demonstrado no início do seu reinado, assinando em 5 de
Dezembro em Muge a ordem de expulsão dos judeus e mouros, tendo-lhes dado um
prazo até Outubro do ano seguinte para abandonarem o reino. Ele tinha, ainda
assim um plano diferente, que iria tentar experimentar no ano seguinte. O
séquito real partira de Lisboa a 31 de Março de 1498, com destino a Saragoça,
na altura residência oficial dos Reis Católicos, numa longa viagem, ao encontro
da glória. A viagem decorreu pelo Alentejo, até Elvas onde chagaram 5 dias
depois. A comitiva era numerosa e de requinte, envolvendo as principais cabeças
da nobreza portuguesa, algumas a história próxima daquele tempo, se encarregaria
de tornar famosos, como Dom Francisco de Almeida que haverá de ser o 1º Vice-Rei da Índia, ou Tristão da Cunha.
O
plano de viagem era vasto, previa-se que Dona Isabel e Dom Manuel, fossem
jurados herdeiros, percorrendo os ‘reinos da Espanha,’ depois da nomeação pelas
cortes de Castela em Toledo e pelas e pelas de Aragão em Saragoça, seguindo-se
Barcelona, Valência e Granada. A comitiva foi recebida, com igual pompa à da
qualidade da comitiva portuguesa, com os duques de Alba e de Medina Sidónia
entre outras, das figuras mais proeminentes daqueles reinos. Demoram a chegar a
Toledo, mais de 20 dias, já que pelo caminho imensas foram as paragens, porque
se atravessava o período da Páscoa, mais os respectivos festejos. O
cerimonial foi longo, nada menos que em 4 sessões, terminando a última apenas
em 13 de Maio, só depois como previsto se deu a saída das duas enormes
comitivas com destino a Saragoça. Como se sabe os reinos de Castela e Aragão,
estavam ainda separados e se a nomeação em Toledo, no reino de Isabel, não
tinha havido a menor objecção, já em Aragão, no reino de Fernando, as coisas se
passaram de modo diferente. Alegavam os aragoneses que o seu rei ainda podia
ter filhos legítimos e um futuro casamento de Fernando poderia trazer um novo
herdeiro à sua casa real. Discussão que demonstra que, pelo menos nas hostes
aragonesas a união das coroas, não era ainda um facto, celebrado com muita
alegria. As cortes de Saragoça levantaram, uma serie de questões pertinentes,
que afastavam os reis de Portugal, o verdadeiro facto já consumado, como
herdeiros de Aragão, mesmo atendendo à vaga ‘herança genética’ de Dom Manuel
nessa matéria, pois a sua avó paterna, era aragonesa. De tal modo foram
demoradas estas discussões em cortes, que a 24 de Agosto, chegou a hora de Dona
Isabel dar à luz o herdeiro de Portugal e que se aventava como uma das
hipóteses a encarar na resolução deste problema. Contudo o nascimento do
aguardado herdeiro Dom Miguel da Paz, trouxe um desenlace fatal para sua mãe, Dona
Isabel, que morreu durante o parto, o que de imediato, afastou Dom Manuel, da
herança dos Reis Católicos, mas abria de imediato um novo horizonte aos
negociadores em cortes e ao jovem bebé acabado de nascer. Seria o herdeiro de
três monarquias hispânicas e o seu nome fazia jus a um sinal de esperança de
unidade peninsular, que durante séculos se havia guerreado.
Bartolomeu
Dias morre a 29 de Maio de 1500 foi um navegador português que ficou célebre
por ter sido o primeiro europeu a navegar para além do extremo sul da África, ‘dobrando’
o Cabo da Boa Esperança e chegando ao oceano Índico a partir do Atlântico. Dele
não se conhecem os antepassados, mas mercês e armas a ele outorgadas passaram a
seus descendentes. Ignora-se onde e quando nasceu, no entanto alguns
historiadores sustentam ter ele nascido em Mirandela, Trás-os-Montes.
Em
1486, Dom João II confiou-lhe o comando de duas caravelas e de uma naveta de
mantimentos com o intuito público de saber notícias do Preste João. Ao comando
da caravela ‘São Pantaleão’ estava João Infante. O propósito não declarado da expedição
seria investigar a verdadeira extensão para Sul das costas do continente
africano, de forma a avaliar a possibilidade de um caminho marítimo para a
Índia. Porém antes disso, capitaneara um navio na expedição de Diogo de
Azambuja ao Golfo da Guiné.
Marinheiro
experiente, o primeiro a chegar ao Cabo das Tormentas, como o baptizou em 1488
(chamado assim pois lá encontrou grandes vendavais e tempestades), um dos mais
importantes acontecimentos da história das navegações. Antes
para se chegar à Índia era preciso apenas cruzar o Mar Mediterrâneo passando
por Génova e Veneza, que eram grandes centros comerciais graças ao
Renascimento, só que eram agora dominados pelos turcos. Acompanhou
a construção dos navios e acompanhou a esquadra de Vasco da Gama, em 1499 como
capitão de um dos navios que tinha como destino até São Jorge da Mina. A
expedição partiu em 1497. Em 1500, acompanhou Pedro Álvares Cabral na famosa
viagem em que este descobriu o Brasil. Quando a frota seguia para a Índia, o
navio em que ia Bartolomeu Dias naufragou e o valente marinheiro achou a morte
junto da sua descoberta mais famosa - o Cabo da Boa Esperança.
A
viagem de regresso de Dom Manuel a Portugal, foi penosa e bem solitária tendo
deixado para trás uma esposa que amava e o filho recém-nascido, que ficara aos
cuidados dos avós. Não se sabe ao certo que tipo de acordo terá existido, entre
Dom Manuel e os sogros, mas o facto é que o jovem herdeiro por lá ficou
eventualmente pelo peso decisório dos Reis Católicos. Dom
Manuel deixou Saragoça a 9 de Setembro de 1498, tendo sido sempre acompanhado no
seu percurso até à fronteira pelo Duque de Alba, o que demonstra a consideração
que pelo menos Fernando de Aragão, dispensava a seu genro, tendo el-rei chegado
a Lisboa 1 mês depois. Nunca mais Dom Manuel, veria o seu filho, porque a vida
do infante herdeiro, também não foi longa, acabou por falecer em Granada a 20
de Julho de 1500, com quase 2 anos, embora o seu falecimento não tenha
constituído surpresa para ninguém, tal a debilidade do seu estado de saúde.
Provavelmente por isso a sua morte foi acolhida em toda a Península Ibérica,
com um certo alívio, porque não se adivinhava em tal enfermo, capacidade de
herdar tão pesada coroa. Curiosamente, pelo príncipe mais poderoso da Ibéria,
nem luto se pôs e os cerimoniais do seu funeral, bastante singelas. Enquanto
foi vivo, mesmo com apreensões de natureza política, Dom Miguel da Paz foi
jurado herdeiro da coroa de Aragão em 22 de Setembro de 1498, Castela em Ocaña
em Janeiro de 1499 e Portugal em cortes formadas em Lisboa a 7 de Março do
mesmo ano.
As
reservas levantadas em Portugal a esse herdeiro, foram múltiplas, mas
compreender-se-á o receio que a coroa ibérica comum, fosse desvantajosa para
Portugal, de tal modo que Dom Manuel, acaba por assinar um documento em que
procura salvaguardar a autonomia portuguesa, nesse contexto duma coroa ibérica.
Eram muito precisas as precauções, em relação aos assuntos de natureza
administrativa, como cargos políticos e demarcação de poderes, para que não se
misturassem os assuntos e que Portugal não viesse a tornar-se apenas uma das
províncias do reino das Espanhas. Também as questões africanas dos domínios da
Guiné, Fez da Mina e da India, deveriam ser sempre tratados enquanto
territórios portugueses. Determinava-se ainda que os assuntos sobre o governo
de Portugal deveriam ser resolvidos em reunião de cortes em Portugal. Todas as
precauções, foram contudo inúteis atendendo ao desfecho causado pela morte do
jovem herdeiro.

Por
muito que ainda recordasse Isabel a esposa falecida, o certo é que o Rei de
Portugal, necessitava de casar e de gerar herdeiros para a coroa portuguesa. O
objectivo de Dom Manuel era casar com uma filha de reis, mas as opções de
escolha eram muito restritas, ou mesmo com um pouco de exagero referir que a
única disponível seria a princesa Maria, a filha dos Reis Católicos e que Dom Manuel
havia rejeitado a favor da irmã, Dona Isabel. As negociações para o casamento iniciaram
a 22 de Abril de 1500 em Sevilha, quando os reis católicos aceitaram o
casamento entre Dom Manuel e Dona Maria depois de ter sido assegurado que as mesquitas
haviam sido destruídas em ambos os reinos e se garantia o auxílio reciproco no
caso de luta contra o turco, o ‘infiel’ mais activo, nesse tempo. A 20 de Junho
os ais da noiva atribuem-lhe o dote anual de 4.500.000 de maravedis, para ajuda
dos gastos de casa e quando da sua chegada a Portugal a 14 de Dezembro, a
doação da cidade de Viseu e da vila de Torres Vedras. Processo rápido sem
dúvida em contraste com os 20 meses que demoraram a consumar os preparativos do
primeiro casamento de Dom Manuel I. Não fora o empate de tempo que o papa
Alexandre IV causara para a emissão de bula de dispensa, devido ao parentesco
entre os noivos e por certo ainda o casamento se teria realizado em menos tempo
que os 6 meses, que demorou o seu preparo. Nem mesmo o falecimento de Dom Miguel
da Paz, primeiro filho de Dom Manuel, fez alterar as condições do casamento,
embora a urgência do nascimento dum herdeiro fosse ainda mais premente.
O
casamento foi formalizado em Granada em Agosto, sem qualquer festa, e sem a
presença do rei português que se fez representar. Só a 23 de Outubro a nova
rainha entra em Portugal, sendo recebida pelo duque de Bragança, enquanto Dom Manuel
só a esperava em Alcácer do Sal, onde decorreu a cerimónia oficial do casamento
no dia 31 de Outubro de 1500. Quando
chegou a Lisboa, em 1501 um enviado de Veneza pedindo auxílio, para enfrentar o
sultão turco que os estava atacando, correspondeu Dom Manuel da melhor maneira
ao pedido dos venezianos, pondo de imediato à disposição do seu rival comercial
uma armada de 30 barcos e cerca de 3.500 homens. Parte dessa força naval,
estava praticamente aprontada, para uma incursão ao norte de África, há muito
gizada nos planos do rei e na qual pretendia empenhar-se pessoalmente, mas que
afinal o recente casamento e o facto dos seus conselheiros o não recomendarem,
por não haver descendência real, fizeram abortar.
No
final do Verão de 1501, Dona Maria engravidou e o herdeiro tão desejado, acabou
por nascer no dia 7 de Junho de 1502 e foi-lhe dado o nome de João. Baptizado a
16 do mesmo mês, apadrinhado pelo doge de Veneza e as madrinhas a avó Dona Beatriz
e a tia Dona Leonor. Dom
Manuel não perdeu tempo e ainda no mesmo mês de Junho, convocou cortes para
Lisboa com o objectivo do novo príncipe ser jurado herdeiro do trono. Assim
aconteceu nas cortes de Lisboa de 15 de Agosto.
Em
Abril de 1503 partiu de Lisboa mais uma armada com destino à Índia, onde seguia
Afonso de Albuquerque, que terá adquirido conhecimentos sobre a realidade
indiana que bastante úteis lhe seriam mais tarde. O objectivo era ajudar o rei
de Cochim que havia estabelecido já relações de amizade com Portugal e que
sofria ataques constantes do Samorim de Calecute. Uma vez cumprida essa missão
Afonso de Albuquerque regressou a Portugal deixando Duarte Pacheco, a cumprir
outro dos objectivos da coroa portuguesa, a presença assídua nos mares da
Índia. O rei pretendia não ir lá, mas estar em permanência, daí a razão de
permanecerem por lá embarcações de menor porte, mas que se podiam encarregar de
missões de vigilância costeira. A ideia clara era a da fundação dum Império que
se estendia por Sofala e Ormuz, na parte ocidental, apenas cinco anos após os
primeiros contactos com a terra indiana recém-descoberta. Para já o reino de
Calecute fora castigado, Portugal metia respeito, havia uma fortaleza em Cochim
e o comércio fazia-se com naus que voltavam carregadas com pimenta e outras
mercadorias e além disso as embarcações mouras capturadas ofereciam excelente
saque em ouro.
Neste
mesmo ano, a Coroa portuguesa, firmou contrato com um grupo de comerciantes que
financiou a realização duma expedição ao litoral brasileiro, comandada por
Gonçalo Coelho. Pouco se sabia em Portugal da cartografia da costa norte
brasileira e surgira assim a necessidade de ser despachada para a nova terra
uma expedição exploradora que reconhecesse principalmente a parte situada aquém
da linha divisória de Tordesilhas, por isso pertencente à coroa portuguesa. Os
comerciantes que financiaram a expedição, dentre eles Fernão de Noronha,
conseguiram arrendar as terras brasileiras por um período de três anos para
exploração do pau-brasil. Em troca, os arrendatários se comprometiam a
construir feitorias e pagar, à Coroa, parte do lucro obtido. Fernão de Noronha,
foi um judeu português convertido ao catolicismo, era o representante do banqueiro
Jakob Fugger na Península Ibérica.
Como
já referira atrás a armada que Afonso de Albuquerque comandava e que saiu de
Lisboa em 1503 integrava uma nau chamada ‘Espírito Santo’ sob o comando de Duarte
Pacheco Pereira, mas que permaneceu em Cochim em apoio a Cochim, com quem
mantínhamos relações comerciais e que sofria o assédio do Samorim de Calecute.
O apoio valoroso de Pacheco Pereira os 150 homens que compunham a sua guarnição
foi de tal modo valoroso que não queriam que ele regressasse a Portugal. Tal
não aconteceu e o navio de Duarte Pacheco Pereira acabou por regressar a
Portugal, acompanhando a esquadra de Lopo Soares de Albergaria, chegando com
verdadeira aura de herói nacional e em todo o lado, os seus feitos da Índia
foram divulgados. Um relato dos mesmos foi enviado ao Papa e a outros reis da
cristandade.
Dom
Manuel I com os Bispos do Reino solicitou ao Papa Leão X a oficialização dessa
devoção já muito alastrada, ao que o Papa acedeu em 1504 com a instituição da
Festa do Anjo Custódio do Reino de Portugal. O Rei determinou depois que em
todas as igrejas esta festa fosse solenizada com grande devoção e maior
solenidade, e que toda a sociedade estivesse realmente presente, desde os
homens de maior responsabilidade até ao mais pequeno súbdito. A
data da festividade nem sempre foi a mesma. É posterior a data fixa de 10 de
Junho, sendo que antes calhava no terceiro Domingo de Julho ou Junho (o
terceiro Domingo de Junho prevaleceu).
A
22 de Abril de 1504, Lopo Soares capitaneou a Armada que partiu para a Índia,
onde derrotou os muçulmanos, em Calecute a 31 de Dezembro do mesmo ano. Regressou
a Portugal logo no ano seguinte, para rumar novamente para a Índia, depois de
ter sido nomeado governador desse território, sucedendo a Afonso de Albuquerque
em 1515. Em
1503 Duarte Pacheco Pereira partiu para a Índia como capitão do 'Espírito Santo',
um dos três navios da frota liderada por Afonso de Albuquerque. Em 1504, ele
foi colocado no comando da defesa de Cochim, um protectorado Português na
Índia, que sofrera ataques do Samorim de Calecute, entre Março e Julho 1504. Com
apenas 150 portugueses e um pequeno número de auxiliares malabares à sua
disposição, em confronto com o exército do Samorim de 60.000 homens, no
entanto, através do posicionamento inteligente, heroísmo individual e de muita
sorte, Duarte Pacheco conseguiu resistir aos ataques por cinco meses, até que o
Samorim humilhado, finalmente, deu a luta por terminada. Por
suas façanhas na defesa de Cochim a Duarte Pacheco foi dado um subsídio e
recebido com honras pelo rei quando do seu retorno a Lisboa em 1505.
A
31 de Dezembro nasceu em Lisboa Dona Beatriz, Infanta de Portugal terceira
filha do segundo casamento do rei Dom Manuel I com Dona Maria, Infanta de
Aragão. Casou em Villefranche-sur-Mer em 29 de Setembro de 1521 com o duque de
Sabóia Carlos III, sendo mãe, entre outros, de Emanuel Felisberto, duque de
Sabóia, pretendente ao trono português em 1580. Viria a morrer em Nice a 8 de
Janeiro de 1538.
A
estratégia de Dom Manuel I era bastante ambiciosa, pois para além do Próximo
Oriente. Ele olhava mais para diante, ou seja mais para Oriente. Claramente
queria controlar toda a área que lhe cabia na sequência do Tratado de
Tordesilhas. Primeiro escreveu a Lourenço de Almeida, pedindo-lhe para que
promovesse a exploração do sueste asiático, mas impaciente ainda antes de saber
os resultados, enviou uma expedição comandada por Diogo Lopes de Sequeira para
fazer o reconhecimento da costa de Madagáscar, então nomeada Ilha de São
Lourenço, e avaliar as respectivas potencialidades comerciais, aportando depois
a Índia. Diogo Lopes também tinha por missão obter informações sobre os chineses,
mostrando a atenção que Dom Manuel dispensava às nações do Oriente. Como já
disse o envio desta expedição revelava alguma impaciência, porque como se verá
não seria a última, que ordenava, mesmo sem saber os resultados de anteriores
diligências.

Diogo Lopes de Sequeira, durante esta viagem, que se prolongou por
vários anos, chegou a Samatra e Pacém, onde ergueu padrões com as armas
portuguesas. Em outras viagens passou por Ceuta, Arzila, Alcácer Ceguer, Diu e
Goa, reparando fortalezas em diversas paragens. A 22 de Abril de 1504, Lopo
Soares capitaneou a Armada que partiu para a Índia, onde derrotou os
muçulmanos, em Calecute a 31 de Dezembro do mesmo ano. Regressou a Portugal
logo no ano seguinte, para rumar novamente para a Índia, depois de ter sido
nomeado governador desse território, sucedendo a Afonso de Albuquerque em 1515.
Em
1505 foi autorizada a construção duma fortaleza em Marzagão um entreposto
comercial para servir os navegadores que faziam a Rota do Cabo, foram nomeados
os irmãos Diogo e Francisco de Arruda, que definiram os traços iniciais para o
abrigo de soldados portugueses. O projecto era construir um edifício de forma rectangular
(47 x 56 m) com quatro torres e no seu subsolo 25 colunas e pilares, com
volutas góticas em tijolo aparente. No piso térreo se instalaria os celeiros e
os armazéns, e o andar superior seria destinado para atividades administrativas. Fortificação
erguida a partir de 1505 pelo comerciante português Diogo Lopes de Sequeira
para fazer face às investidas de castelhanos sobre Agadir, foi vendida ao rei
Dom Manuel I em 1513. Conquistada pelo Xerife de Suz em Março de 1541, a sua
perda determinou o início do recuo estratégico português na região sul do
Marrocos, que se inicia com o abandono da Fortaleza de Azamor e da Praça-forte
de Safim (ambas em 1542), e culmina, após a queda da Praça-forte de Fez (1549),
com o abandono da Praça-forte de Alcácer-Ceguer (1549) e da Praça-forte de
Arzila (1550).
O
Forte de Mogador, melhor conhecido como Castelo Real de Mogador, localizava-se
na cidade de Mogador, atual Essauria no litoral do Marrocos. Esta fortificação
foi erguida a partir de 1506, sob o comando de Diogo de Azambuja, com a função
de controlo daquele pequeno porto e de apoio às rotas ao longo da costa
marroquina entre Safim, onde forças portuguesas estavam estabelecidas desde o
final do Séc., XV e Arzila. A sua posição, no litoral, permitia que recebesse,
com facilidade, suprimentos dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Para o
efeito foi escolhida uma pequena ilha, actualmente denominada 'La Petite
Île', em estilo manuelino, em uso naquela época no ultramar português. Concluída
a construção, Diogo de Azambuja assumiu o seu comando. Dom
Luís de Portugal nasceu em Abrantes no dia 3 de Março e foi 5.º Duque de Beja,
9º Condestável de Portugal e Prior da Ordem Militar de S. João de Jerusalém,
com sede portuguesa no Crato. Afirmou
ter casado em segredo em Évora com Violante Gomes, 'a Pelicana ,
filha de Pedro Gomes, de Évora e de sua mulher, tendo um filho, Dom António,
Prior do Crato, o que garante a Legitimidade de Dom António, que não é
socialmente aceite, e que mais tarde viria a ser aclamado rei de Portugal e
lutado contra o domínio Filipino.´
Do Infante Dom Luís, diz-se que só faltou ser
rei, dadas as suas qualidades. Esteve, durante algum tempo, noivo de Maria I de
Inglaterra. O
seu nascimento em Abrantes deve-se ao facto de ter deflagrado em finais do ano
anterior uma peste em Lisboa, que levou a família real a deslocar-se para
Abrantes. Pensa-se que essa peste tenha sido trazida por uma das naus em que
vinha a embaixada enviada a Júlio II. No
ano de 1506 Dom Manuel manda Afonso de Albuquerque percorrer a costa da Arábia,
levando Tristão da Cunha como comandante de uma das suas naus de viagem. Um
homem que não fora ter ficado temporariamente cego teria sido o primeiro
vice-rei da India, facto que levou à sua substituição por Dom Francisco de
Almeida. Já recuperado em 1506, foi-lhe entregue então o comando duma das naus,
que saíram de Lisboa no dia 6 de Março, uma poderosa esquadra composta por 14
unidades, comandadas por capitães de valor reconhecido.
O
começo foi trágico com numerosas mortes ao que se julga motivada por peste, pela
contaminação que traziam já de Lisboa e que causou naturalmente imenso pânico.
Uma vez afastada a peste, Afonso de Albuquerque com a sua armada, seguiu para a
ilha de Moçambique, para reabastecer porque as ordens eram, para Albuquerque
além de fustigar a navegação muçulmana nas imediações da Arábia, posteriormente
atacar Ormuz. Enquanto as forças de Tristão da Cunha, seguiam a rota normal da
Índia e já antes se haviam separado das naus de Albuquerque acaba por descobrir
no Atlântico sul, o pequeno arquipélago que viria a ostentar o seu nome,
Tristão da Cunha. Fazendo depois o reconhecimento de Madagáscar, seguiu ao
longo da costa de África, onde venceu os muçulmanos de Hoja e Brava,
conquistando, pouco depois, a ilha de Socotorá aos árabes fartaques. Grande
epidemia de febre tifóide, fez numerosas vítimas em Lisboa e alastrará à
província a partir de 1507. Ao que parece a origem da mesma foi na Itália. Uma
história curiosa relacionada com esta peste, está na origem da Festa da
Fogaceiras que ainda hoje se celebra.
Preocupados
com todas as mortes provocadas pela peste, a que chamaram uma 'epidemia brava e
cruel', os condes do Castelo e da Feira apelaram ao Mártir São Sebastião que os
ajudasse. Fizeram a promessa de que todos os anos iriam realizar uma festa em
seu louvor, em que o 'voto' seria a fogaça (um bolo cuja forma lembra as
ameias da torre de um castelo). Assim, desde então, a cada, 20 de Janeiro, salvo
muito raras excepções, a promessa tem sido cumprida. E já lá vão cinco séculos. No cortejo da procissão, as fogaceiras (meninas vestidas de branco) levam
sobre as cabeças as 'fogaças do voto' até à igreja matriz, para serem benzidas
e depois entregues às autoridades política e militar, que têm jurisdição sobre
o Município de Santa Maria da Feira. Os populares juntam-se e as fogaças são
vendidas em leilão.
Por
iniciativa do sultão do Cairo entrou no oceano Índico uma armada de Mamelucos
do Egipto, composta por quatro naus, duas galés e quatro galeotas, sob o
comando do Emir Husain al-Kürdï, que em Março de 1508, depois de ter escalado
Diu, se dirigiu para Chaul onde se encontrava a armada portuguesa da Índia sob
o comando de Dom Lourenço de Almeida, filho do vice-rei. Teve então lugar uma
encarniçada batalha, tendo sido a armada lusitana apanhada desprevenida por se
encontrar em escolta a uma armada de mercadores, tendo então Dom Lourenço de
Almeida perdido a vida. Primeiramente encurralados dentro de um rio, os
portugueses conseguiram manter os inimigos à distância mas quando lograram sair
para o mar aberto o navio do capitão-mor, ficou enredado em redes de pesca,
acabando por encalhar, sendo então chacinados. Os
portugueses eram poucos e sem ajudas, e eles muitos, os inimigos entraram definitivamente.
Nesta luta morreram oitenta portugueses entre capitães e marinheiros. Ao todo
na nau de Dom Lourenço e nas outras, morreram cento e quarenta homens e ficaram
feridos cento e vinte e quatro. Os Rumes (nome que os Portugueses usavam para
designar indistintamente os Mamelucos e os Turcos), com a sua armada igualmente
danificada recolheu-se a Diu, enquanto a portuguesa regressava a Cochim.
Dom
Afonso nasceu em Évora, a 23 de Abril de 1509, vindo a falecer em Lisboa, a 21
de Abril de 1540, foi sepultado na sé de Lisboa e mais tarde trasladado para os
Jerónimos. Com apenas três anos de idade, em 1512, o seu pai Dom Manuel tentou
fazê-lo cardeal, contudo, o Papa Júlio II negou-lhe a pretensão, por não ser
conforme às leis canónicas, segundo as quais só podia ser eleito cardeal homem
com não menos de 30 anos de idade. Conseguiu, no entanto, que o Papa designasse
o jovem infante como protonotário apostólico no reino de Portugal. Dom
Manuel I conseguiu também elevá-lo a bispo da Guarda, com apenas sete anos de idade,
em 9 de Setembro de 1516, obteve dispensa papal para o exercício do cargo por
não ter atingido ainda a idade canónica para a prelatura. Embora não
desempenhasse qualquer acção pastoral, recebia as rendas do respectivo bispado.
Em 6 de Julho de 1525, contando apenas dezasseis anos, recebeu enfim, em
Almeirim, o barrete cardinalício, e dez anos mais tarde, a 6 de Julho de 1535,
o pálio, fazendo-se enfim sagrar arcebispo de Lisboa.
Quando
Diogo Lopes de Sequeira chegou a Malaca, foram bem recebidos pela "mais
nobre gente da cidade”, conforme relata João de Barros no segundo capítulo das ‘Décadas’
que lhe é dedicado. Os portugueses explicaram ao rei de Malaca, Mahammed, serem
portadores de uma carta de Dom Manuel escrita em arábico que constituía um
"nó de paz, e amizade, que nenhum tempo teria poder de desatar". Contudo
uma campanha de intrigas conduzidas pelo governador da cidade, de nome Bendirá,
junto do próprio rei por forma a satisfazer os interesses dos "moradores
mouros ali residentes, em cujas mãos andava o comércio desta cidade para a
Índia", veio a redundar numa armadilha por parte dos mouros e rodeados por
"grande número de velas", acabando Diogo Lopes de Sequeira por
abandonar rapidamente a costa com três dos navios, deixando para trás dois
navios incendiados, várias baixas e dezanove prisioneiros.
As
ordens que Afonso de Albuquerque trazia de Lisboa, quando de lá partira no ano
de 1506, ordenavam-lhe que corresse a costa da Arábia e a entrada do Mar
Vermelho, procedendo á conquista de alguns lugares daquela área de Omã a Ormuz.
Assim
foi feito, o que aumentava enormemente o prestígio e o temor que Afonso de
Albuquerque infundia naquela zona, mas que não tinham bom acolhimento por parte
do vice-rei Dom Francisco de Almeida que não concordava, com esse tipo de estratégia,
tendo insistido com Dom Manuel, advertindo-o:
“Quanto
mais fortalezas tiverdes, mais falho será o vosso poder, toda a nossa força
seja no mar, porque se nele não formos poderosos, tudo logo será contra nós.
Enquanto no mar fordes poderoso, tereis a Índia por vossa”.
Quando
Afonso de Albuquerque, fundeou a sua armada frente a Ormuz, Coge Agar o senhor
da cidade enviou um representante para saber das intenções de Albuquerque. Que
clarificou a situação propondo-lhe a submissão ao Rei de Portugal e o pagamento
de tributo, em sinal de vassalagem ou bombardearia a cidade. Como a proposta de
rendição não foi aceite, deu-se a batalha que foi dura e prolongada, acabando
Coge Agar por aceitar a rendição comprometendo-se a pagar elevado tributo em
nome do seu rei.
De
posse da cidade, logo Albuquerque se preocupou em mandar levantar uma fortaleza
que assegurasse a defesa da cidade. Medida essa que não foi muito bem acolhida
pelos seus capitães, que viam nessa construção a intenção de os fixar num único
ponto, quando poderiam andar ao corso das naus muçulmanas da Meca sempre carregadas
de riquezas. Desse desacordo e da indisciplina que se instalou a fortaleza
acabou por ser abandonada mais tarde, ainda por acabar.
Rui
Gonçalves da Câmara, atingida a maioridade, sucedeu a seu pai na capitania de
São Miguel como 5.º capitão do donatário, o filho primogénito que se encontrava
na corte. Era
casado com Dona Filipa Coutinho, da família dos condes de Marialva. Pouco
depois do novo capitão chegar a São Miguel, a sua mãe e irmãos desaparecem no
mar durante uma viagem para Lisboa (o navio perdeu-se sem deixar rasto). A
presença do corregedor, novo cargo criado no ano anterior à sua posse, veio
desencadear um grave conflito de competências, envolvendo o capitão, o contador
da fazenda real e o ouvidor eclesiástico, tendo-se este último arrogado
competências que excediam em muito a tutela sobre o clero, já que conhecia de
matérias civis e se considerava isento de obediência às restantes autoridade
O Livro das Fortalezas é um manuscrito quinhentista de autoria de Duarte de
Armas, executado em 1509-1510 por iniciativa de Dom Manuel I de Portugal. A obra
contém desenhos de ao todo 56 castelos fronteiriços do reino de Portugal, que
foram pessoalmente visitados pelo autor para o propósito. Um livro
verdadeiramente sui generis, com poucos paralelos a nível internacional, é uma
valiosa fonte para o estudo da cartografia e da arquitectura militar do reino
de Portugal. Dom Manuel I realizou vasta obra para centralizar e modernizar o governo de
Portugal. Entre as mais importantes reformas, destacam-se as Ordenações
Manuelinas e a chamada Leitura Nova, a reforma dos forais que resultou em 596
novos forais em todo o reino. Noutro campo, o monarca decretou a execução do
Livro do Armeiro-Mor, da Sala de Sintra e do Livro da Nobreza e Perfeição das
Armas, para regulamentar o uso de armas heráldicas no reino e tornar manifesta
a vontade do soberano como fonte da honra.
O
Livro das Fortalezas insere-se nesta corrente centralizadora e reformadora. O
monarca incumbiu Duarte de Armas, escudeiro da Casa Real, de vistoriar as
fortificações lindeiras com Castela, desejando inteirar-se do estado de
conservação das mesmas. Duarte de Armas, acompanhado de um criado a pé,
percorreu a cavalo a maioria das povoações acasteladas da fronteira, elaborando
esboços em papel (debuxos) com as suas panorâmicas (ao menos duas por povoação,
de diferentes direcções) e as plantas dos respectivos castelos, nelas indicando
os trechos mais arruinados, onde obras se faziam mais necessárias. A
pesquisa contemporânea aponta o início da Primavera de 1509 como a data de
início da viagem de trabalho em Castro Marim, até à sua conclusão, sete meses
mais tarde, em Setembro, em Caminha. Foram visitadas nesse percurso 56
povoações/castelos. No regresso a Lisboa, foram visitadas ainda Barcelos e
Sintra. Tendo coligido o material, o autor organizou um códice de dois volumes,
concluídos em Março de 1510. Os
dois volumes da obra de Duarte de Armas viriam a ser conhecidos como Livro das
Fortalezas, uma vez que o autor não nomeou a sua obra, fazendo-a anteceder
apenas por uma nota de próprio punho, que reza:
“Este livro he das fortalezas
que sam setuadas no estremo de portugall e castella (...).”
Para
além destas figuras, o próprio Duarte de Armas e o seu criado podem ser vistos
numerosas vezes ao longo da obra. Um a cavalo, o outro a pé, de chegada ou de
partida, as duas figuras conferem aos desenhos grande dinamismo (veja-se, por
exemplo, os casos de Olivença e de Freixo de Espada à Cinta). O autor desenhou
ainda por vezes pequenos detalhes de grande beleza, como os pássaros em Penas
Rojas e Castro Laboreiro. Note-se também os ninhos e cegonhas nas torres de
Nisa. Um
estudo detalhado da obra mostra no entanto que Duarte de Armas prestou atenção
também a outros pormenores mais importantes. No rio Minho, por exemplo, podemos
ver caravelas e grandes naus em Caminha, na foz do rio. Também em Vila Nova de
Cerveira e em Valença se vêem naus; mas em Monção, mais a montante, Duarte de
Armas desenhou já apenas uma barca (indicando assim a navegabilidade do rio, e
até que ponto o transporte de mercadorias seria feito por via fluvial). Do
mesmo modo podemos analisar a tipologia e evolução dos diversos castelos,
afinal o tema principal da obra. Para além dos comentários escritos, os
próprios desenhos revelam o grande poder de observação do autor e a atenção ao
essencial da sua missão: as fortalezas, isto é, as muralhas, torres albarrãs e
de menagem, barbacãs, couraçam, cubelos, ameias, etc. A
obra é considerada o mais vivo testemunho do debuxo, técnica de ilustração
vigente à época de Dom Manuel I. O autor indica, nas panorâmicas, os percursos
entre cada povoação com as distâncias, principais acessos, estado dos caminhos,
conformação do terreno, cursos de água e navegabilidade, pontes, fontes, poços,
culturas e pomares, edifícios militares, religiosos e civis e outros, em alguns
casos até mesmo da povoação castelhana vizinha. O mesmo, se repete em relação às
plantas, onde se indicam as dimensões, tipos e estado das defesas, altura e
espessura dos muros, distância entre torres e cubelos, finalidade dos
compartimentos, acessos, caminhos e outros. Com
relação aos instrumentos utilizados pelo profissional, o trabalho ilustra o
emprego da lança (que à época substituía a vara medieval), do cordel e da
bússola. Excepto
quando notado, o Livro das Fortalezas contém duas vistas e uma planta de todos
os seguintes castelos e lugares raianos. A ordem dada é a que aparece na obra,
que ilustra o percurso do autor durante a sua viagem de estudo em 1509.
(Duarte de Arnas)
(De Fevereiro de 1509, a Setembro de 1509)
Castelo de Serpa
Olivença,
com Badajoz ao longe
Castelo de Ouguela
Castelo de Assumar - sem planta
Castelo de Castelo de Vide
Castelo de Nisa
Castelo de Montalvão - sem planta
Castelo de Castelo Branco
Castelo de Penas Roías
Castelo de Monsanto (I)
Castelo de Monsanto (II)
Castelo de Penamacor
Castelo de Sabugal
Castelo de Almeida (I)
Castelo de Almeida (II)
Castelo de Castelo Rodrigo (I)
Castelo de Castelo Rodrigo (II)
Castelo de Freixo de Espada à Cinta
Castelo de Miranda
do Douro
Castelo de Linhares
Castelo de Chaves
Castelo de Montalegre
Castelo de Castro Laboreiro
Castelo de Melgaço
Castelo de Valença - sem planta
Castelo de Caminha
Castelo de Barcelos - uma vista; não se encontra na fronteira
Castelo de Sintra - três vistas, sem planta; não se encontra na fronteira
Castelo
de Mértola-Castelo
de Moura-Castelo
de Nouda-Castelo de Serpa
Almeida,
Miranda do Douro e Lapela são as únicas fortificações ilustradas na obra que
ostentam o estandarte pessoal de Dom Manuel I, com a esfera armilar.
A
praça de Goa não estava nos planos inicialmente estabelecidos pela coroa
portuguesa, que passava prioritariamente pela conquista de Ormuz, Áden e
Malaca, contudo Afonso de Albuquerque viria a atacar Goa, a convite de um hindu
de Goa, que fora almirante da frota Honavar que tinha recebido apelos da
população hindu de Goa no sentido de ajudar a liberta-os do domínio muçulmano.
Albuquerque viria então a aperceber-se que Goa era um porto comercial grande e
próspero. Fracassada uma primeira tentativa em 17 de Fevereiro, Albuquerque
voltaria alguns meses depois, em 25 de Novembro, com um reforço da frota,
composta por 34 navios mais uma vez contando com ajudas de forças hindus capturaram
Goa em menos de um dia. Albuquerque havia capturado Goa sem ordens reais, e foi
por isso contestado por seus capitães e pelo próprio rei que não aprovara o
estabelecimento em Goa mas o conselho da nobreza viria a confirmar essa
conquista para o desagrado do rei.
A
realidade viria contudo a dar razão quer a Albuquerque quer ao conselho, porque
Goa entre outras riquezas era o centro de um dos principais postos de venda de
cavalos árabes e persas, que contribuiu para vir a ser a capital do estado da
Índia e igualmente, como centro coordenador da acção da Igreja Católica
valendo-lhe o epíteto de Roma do Oriente.
A
primeira referência a Goa data de cerca de 2200 A.C., em escrita cuneiforme da
Suméria, onde é chamada Gubio. Formada por povos de diferentes etnias da Índia,
a influência dos sumérios aparece no primeiro sistema de medidas da região. No
período védico tardio (1000-500 A.C.) é chamada, em sânscrito, Gomantak, que
significa "terra semelhante ao paraíso, fértil e com águas boas". O
Mahabharata conta que os primeiros arianos que chegaram a Goa eram fugitivos da
extinção, pela seca, do rio Saraswati, noventa e seis famílias que chegaram por
volta de 1000 A.C. A eles se uniram os Kundbis vindos do sul, para, durante 250
anos, resgatar solo do mar, aumentando o espaço fértil entre este e as
montanhas. Cerca
de 200 A.C. Goa tornou-se a fronteira sul do império de Ashoka, os dravidianos
tinham sido empurrados para o sul pelos arianos, como refere a Geografia de Estrabão.
Por volta de 530-550, Goa é citada como um dos melhores portos do Indostão,
sendo chamada de Sindabur, Chandrapur ou Buvah-Sindabur pelos árabes e turcos. Depois
do Império Máuria (321-185 A.C.) Goa foi disputada por vários impérios em
batalhas sangrentas. Por volta do século X Goa, então concentrada em torno do
rio Zuari, prosperou pelo comércio com os árabes. Em 1347 caiu sob domínio
islâmico do Sultanato de Déli, e muitos templos a deuses hindus foram
destruídos. Em 1370 o território foi conquistado pelo Reino de Bisnaga, que
dominou a região até 1469, quando foi conquistada pelo Sultanato de Bahmani, do
qual se separou em 1489 o Sultanato de Bijapur, que pôs a zona nas suas mãos, e
estabeleceu como sua capital auxiliar a Velha Goa.
Goa
foi cobiçada por ser o melhor porto comercial da região. A primeira investida
portuguesa deu-se em 1510, de 4 de Março a 20 de Maio. Nesse mesmo ano, em uma
segunda expedição, a 25 de Novembro, Afonso de Albuquerque, auxiliado pelo
corsário hindu Timoja, tomou Goa aos árabes, que se renderam sem combate, por o
sultão se achar em guerra com o Decão. Nesse período, um cronista português
descreve Goa, no período de 1512-1515:
"Os
gentios do reino de Goa são mais válidos que os do reino de Cambaia. Têm
formosos templos seus neste reino, têm sacerdotes ou brâmanes de muitas
maneiras. Há entre estes brâmanes gerações muito honradas deles, não comem
coisa que tivesse sangue nem coisa feita por mão de outrem (…). As gentes do
reino de Goa por nenhum tormento não confessarão coisa que façam. Sofrem
grandemente e soem ser atormentados de diversos tormentos. Antes morrem que
confessar o que determinaram calar. E as mulheres de Goa são jeitosas no
vestir, as que dançam e volteiam o fazem com melhor maneira que todas as destas
partes. (…) E costuma-se grandemente neste reino de Goa, toda mulher de gentio
queimar-se por morte de seu marido. Entre si têm todo isto em apreço e os
parentes dela ficam desonrados quando se não querem queimar e eles com
admoestações as fazem queimar. As que de má mente recebem o sacrifício e as que
de todo os pontos não se queimam ficam públicas formicárias e ganham para as
despesas e fábricas dos templos donde são freguesas. Estes gentios têm cada um,
uma mulher por ordenança, e muitos brâmanes prometem castidade e sustêm-na
sempre. Nos outros portos de Goa se carrega muito arroz, sal, bétele,
areca."
Uma
outra descrição coeva fornece maiores detalhes:
"
[Goa] é habitada de muitos mouros honrados, muitos deles estrangeiros de muitas
partidas. Eram homens brancos, entre os quais, além de muito ricos mercadores
que aí havia, eram outros lavradores. A terra por ser muito bom porto, era de
grade trato, onde vinham muitas naus de Meca e da cidade de Adem, Ormuz, de
Cambaia e do Malabar (…). É a cidade mui grande, de boas casas, bem cercada de
fortes muros, torres e cubelos; ao redor dela muitas hortas e pomares, com
muitas formosas árvores e tanques de boa água com mesquitas e casas de oração
de gentios. A terra é em todo arredor muito aproveitada (…). Neste porto de Goa
há grande trato de muitas mercadorias de todo o Malabar, Chaul e Dabul, do
grande reino de Cambaia, que se gastam para a terra firme. Do reino de Ormuz
vem aqui cada ano muitas naus carregadas de cavalos, os quais vêm aqui comprar
muitas mercadorias do grande reino de Narsinga e Daquem, e compram cada um a
duzentos e trezentos cruzados e segundo é, e vão-nos a vendermos aos reis e
senhores aqui das suas terras, e, todos, uns e outros, ganham nisso muito e
assim el-rei nosso senhor, que de cada cavalo tem quarenta cruzados de
direitos."
Com a derrota dos muçulmanos da região, em
1553 um quinto dela estava sob domínio português, recebendo o nome de 'Velhas
Conquistas'. Os governadores portugueses da cidade pretendiam que fosse uma
extensão de Lisboa no Oriente e para tal criaram algumas instituições e
construíram-se várias Igrejas para expandir o cristianismo e fortificações para
a defender de ataques externos. A partir de meados do século XVIII verifica-se
um alargamento dos territórios de Goa, que passam a integrar as 'Novas
Conquistas'. Apesar
de, com a chegada da Inquisição (1560-1812), muitos dos residentes locais terem
sido convertidos violentamente ao Cristianismo ameaçados com castigos ou
confisco de terra, títulos ou propriedades, a maior parte das conversões foram
voluntárias tendo muitos dos missionários que aí pregaram alcançado fama. Entre
estes conta-se São Francisco Xavier, que ficou conhecido como o ‘Apóstolo das
Índias’ por ter exercido a sua missionação não só em Goa, mas também noutros
pontos da Índia, como Uvari que não se encontravam sob domínio Português.
A
decadência do porto no século XVII foi consequência das derrotas militares dos
portugueses para a Companhia Neerlandesa das Índias Orientais dos Países Baixos
no Oriente, tornando o Brasil e, mais tarde, no século XIX, as colónias
africanas, o centro económico de Portugal. Houve dois curtos períodos de
dominação britânica (1797-1798 e 1802-1813) e poucas outras ameaças externas
após este período. Goa
destacou-se por ter sido sede de duas grandes acções civilizadoras portuguesas
no Oriente: a religiosa e a educacional. Foi considerada a ‘Roma do Oriente’,
erigida em Sé Metropolitana das dioceses de Moçambique, Ormuz, Cochim, Meliapor,
Malaca, Nanquim e Pequim na China, e Funay no Japão, a partir de 4 de Fevereiro
de 1557. Dali partiram para o apostolado os grandes vultos do catolicismo
português no Oriente, como São Francisco Xavier e São João de Brito.
No
que tange à acção educacional, em Goa foram erguidas inúmeras escolas e liceus,
uma escola médica e institutos profissionais e técnicos. Vultos das letras
portuguesas como o poeta Luís Vaz de Camões (‘Os Lusíadas’), Garcia de Orta (‘Colóquios
dos Simples e Drogas da India’) e Manuel Maria Barbosa du Bocage, ali redigiram
parte das suas obras.
Depois
de nomeado governador Afonso de Albuquerque não se esqueceu dos seus objectivos
e de imediato começou os preparativos para conquista de Malaca e libertação dos
prisioneiros que Diogo Lopes de Sequeira, lá deixara. Assim se fez de vela a 7
de Abril de 1511 comandando uma armada composta por um total de dezoito navios. A
1 de Julho de 1511 Albuquerque fundeia diante de Malaca, vindo a saber que
muitos negociantes tinham abalado com medo do castigo que os portugueses iriam
dar a Mahammed por causa das ofensas feitas a Diogo Lopes de Sequeira. Contudo,
o governador tenta levar tudo a bem, pois que não ignora que dentro de Malaca
havia muitos cativos portugueses do tempo de Sequeira, e assim espera durante
dois dias. Em 24 de Agosto de 1511 em nome do rei de Portugal, Afonso de
Albuquerque conquistou Malaca, que era ao tempo o centro do comércio asiático.
Após
renhidos combates, o sultão fugiu com a sua família e a sua corte, aguardando
que os vencedores, como era tradição na Ásia do Sueste, saqueassem a cidade e
regressassem ao seu país de origem. Foi com amarga surpresa que verificou que
os intrusos, que inicialmente haviam sido tomados por “gente branca do Bengala”
mas que começavam a ser conhecidos como ‘francos’ ou ‘frangues’, não só não
partiram como ergueram uma torre de pedra, sinal inequívoco de que tinham vindo
para ficar.
O momento era de retumbante vitória para os portugueses. A tomada de Malaca,
inimaginável até há tão pouco, abria agora o caminho para o Extremo Oriente. O
Sião, a Cochinchina, o Tonquim e as costas da China, mas sobretudo o
Arquipélago Oriental estavam ao alcance dos navios portugueses, pelo que se
procedeu ao rápido reconhecimento e avaliação de várias regiões. Dos mil e
duzentos homens que tomaram Malaca, quatro dezenas seguiram à letra as
indicações do vice-rei, largaram as armas e assentaram arrais na cidade, a meio
caminho entre a Índia e a costa sudoeste da China. São estes quarenta que estão
na génese da quase mítica identidade portuguesa que continua hoje a ser
reclamada pelos dois mil residentes do kampung portugais. O
encorajar os casamentos mistos dos portugueses com a população local, levou ao
nascimento de uma comunidade cristã (que se identificou e ainda identifica como
‘Kristang’) e ao aparecimento de uma linguagem crioula conhecida por ‘Papia
Kristang’ que é basicamente uma mistura de português arcaico com gramática
malaia. Ainda hoje persiste, quer esta comunidade que se orgulha da sua cultura
(na linguagem, religião, música, festas populares e rituais de casamento e de
noivado)
Após
ter sido substituído no cargo de vice-rei da Índia por Afonso de Albuquerque, Dom
Francisco de Almeida, regressou a Portugal em 1510, vindo a morrer numa
escaramuça com indígenas perto do Cabo da Boa Esperança. Contam as crónicas que:
“depois de entregar o governo, partiu de Cochim para Cananor em 19 de Novembro
de 1509; velejou no primeiro dia de Dezembro e foi ter à aguada de Saldanha
junto do Cabo da Boa Esperança, onde o mataram os negros naturais da terra a
que chamam cafres. Tendo tirado o barbote, lhe deram com um zaguncho de ferro
na garganta que lha atravessou de parte a parte - de dor, caiu de joelhos no
chão com as mãos na haste para a arrancar, mas sentindo que se afogava, as
levantou para o céu e sem poder dar outro sinal de católico cristão caiu morto,
junto do qual mataram os cafres Diogo Pires, que fora aio de seu filho.”
Depois
de Vasco da Gama ter descoberto o Caminho Marítimo para o Oriente, em 1498, o
Rei Dom Manuel I, desde logo tem nos seus planos a conquista de Malaca. A ilha
é banhada pelo Mar de Andaman, ao sul da Baía de Bengala e o maior entreposto
comercial de toda a Ásia, onde os reinos do extremo-Oriente e das redondezas
chegavam exóticas mercadorias. Entre estas a pimenta, a canela, a pedraria, o
cânhamo, o gengibre, o estanho, prata e as porcelanas da China
Depois
de conquistada Malaca, Afonso de Albuquerque, observa o êxodo das populações e
decide enviar a a Ayuthaya com credenciais de Embaixador António Miranda de
Azevedo para informar o Rei do Sião que os mercadores poderiam, em paz, voltar
a Malaca e continuar, como antes, a comercializar livremente e professar a
religião muçulmana debaixo da jurisdição portuguesa. Não tardou que as gentes
de Malaca voltassem. Miranda de Azevedo ancora a sua esquadra diplomática no
porto internacional de Ayuthaya.
A delegação portuguesa, é conduzida, em procissão, no dorso de elefantes
paramentados, pela avenida das grandes cerimónias protocolares, ao Palácio do
Rei Rama Tibodi II. Os siameses apinham-se nas margens e observam, em delírio,
pela primeira vez no seu Reino homens europeus de grande estatura e de longas
barbas, nunca vistos em Ayuthaya. Entre
António Miranda de Azevedo e o Rei do Sião houve troca de presentes. Nestes
está uma espada de ouro cravada de pedras finas, oferta de Rama Tibodi II, para
o Rei Dom Manuel I. Esta,
seria depois, a única peça que Afonso de Albuquerque conseguiu salvar no
naufrágio da Flor de La Mar, pouco depois no estreito de Malaca, quando a nau
sobrecarregada de valores incalculáveis seguia gloriosa a caminho de Goa.
As
relações entre Portugal e o Sião são encetadas pois em 1512. É oferecida uma
grande área de terreno, destinada aos portugueses, para nela se estabelecerem,
construírem casas, igrejas, os missionários do Padroado Português do Oriente,
sem entraves, divulgar a doutrina da Igreja Católica e comercializar. Ao lugar,
ainda hoje conhecido, foi-lhe dado como nome: Ban Português (Ilha dos
Portugueses).
No
Reino do Sião, as armas de fogo, antes da chegada dos portugueses não eram
conhecidas. O sistema de defesa era obsoleto, reduzido a rudimentares paus com
uma ponta de ferro na extremidade que eram usados pelos soldados siameses em
terra ou no dorso de elefantes, no campo de batalha, contra ataques. Os
portugueses são homens com larga experiência no manejo das armas de fogo.
Hábeis artilheiros pela experiência adquirida nas guerras do Norte de África e
na defesa do território contra as várias investidas dos castelhanos.
Pouco
depois, em Ayuthaya, são os soldados portugueses contratados pelo Rei do Sião
para a guarda do palácio real e artilheiros estacionados em 'Salas de
Artilharia' junto aos templos budistas, sagrados, em fortins no porto de
Pom Phet e nos locais estratégicos por onde as forças do Reino do Pegu (Birmânia)
poderiam infiltrar-se.
As
Ordenações Manuelinas são três diferentes sistemas de preceitos jurídicos que
compilaram a totalidade da legislação portuguesa, de 1512 ou 1513 a 1605. Fizeram
parte do esforço do Rei Dom Manuel I de Portugal para adequar a administração no
Reino ao enorme crescimento do Império Português na era dos descobrimentos.
Consideradas como o primeiro corpo legislativo impresso no país, elas sucederam
as pioneiras Ordenações Afonsinas, ainda manuscritas, e vigoraram até a publicação
das Ordenações Filipinas, durante a União Ibérica. Representam um importante
marco na evolução do direito português, consolidado o papel do rei na
administração da Justiça e afirmando a unidade nacional. É
sabido que a imprensa (prensa móvel) foi trazida para Portugal pelos judeus e
as primeiras obras impressas eram religiosas, ou relacionadas. A arte da prensa
também já era usada pela Igreja Católica, mas até então nunca havia sido usada pelo
Estado. Dom Manuel I foi "o primeiro monarca português a servir-se das
vantagens da produção tipográfica para expor a sua política governativa” e
“procurou utilizá-la para fins propagandísticos relacionados com a sua política
imperial” Brito Aranha chega afirma que “em tal conta el-rei Dom Manuel teve
essa arte, e tão importante a julgou pelo seu fulgurante clarão, que aos que a
exerciam concedeu, como é sabido, privilégios e isenções que por então eram
regateados e só concedido a pessoas de nobre estirpe”
Quando
assumiu o trono em 1495, visando corrigir e actualizar as Ordenações Afonsinas,
Dom Manuel já tinha em mente um novo Código e a tarefa incumbiu a Rui Boto,
conselheiro régio desde 1491 e Chanceler-Mor do Reino desde 1505. A tarefa de
imprimir os cinco livros das Ordenações coube a Valentim Fernandes, alemão da
Morávia, mas que servia o monarca português tendo inclusive aportuguesado seu
nome. A tarefa se mostrou demorada, pois o primeiro livro saiu em 1512 e o
terceiro apenas em 1513. Até hoje não se sabe se houve ou não uma edição completa
de Valentim Fernandes. A
esta seguiu-se outra em papel, em 1514, em que foram feitas correcções
pontuais. O trabalho foi feito por João Pedro Bonhomini de Cremona usando os
aparelhos da oficina de Valentim Fernandes, tendo sido feita também uma versão
em pergaminho. Curiosamente os livros não foram impressos na ordem numérica,
mas começando pelo terceiro e terminando pelo segundo. O terceiro e quarto
livro ficaram prontos em 11 e 24 de Março, respectivamente, o quinto em 28 de
Junho, o primeiro em 30 de Outubro e o segundo em 15 de Dezembro. A tiragem foi
inicialmente de cinco mil exemplares, mil de cada tomo. O custo de realização
da obra foi considerável, da ordem dos 700 mil réis. Um alvará de Dom Manuel I6,
de Outubro de 1514, dá autorização à Casa da Índia a entregar a Valentim
Fernandes especiarias no valor de 300 mil réis, como parte do pagamento pelos
serviços prestados. Fragmentos
de um segundo sistema até agora desconhecidos foram recentemente descobertos
pela Doutora Helga Maria Justen, ao restaurar um livro também do séc. XVI
(Breve Memorial dos pecados, de Garcia de Resende, impresso por Germão
Galharde, em 1521). Essa versão foi chamada ‘o segundo sistema das Ordenações
Manuelinas’, periodizado entre cerca 1517-1518, com impressão ao alemão Jacobo
Cromberger, chamado por Dom Manuel a Portugal para "usar da nobre arte de
impressão". Desse modo, o sistema de Ordenações que vigorou entre 1521 e
1603, e que ao longo desses anos conheceu diferentes impressões, passa a ser
considerado o ‘terceiro sistema das Ordenações Manuelinas’.
A versão definitiva foi publicada parcialmente em Sevilha e foi finalizada em
Évora em 11 de Março de 1521. Neste ano, para evitar confusões, por Carta Régia
de 15 de Março, o monarca determinou que todos os possuidores de exemplares das
Ordenações de 1514 os destruíssem no prazo de três meses, ao mesmo tempo que
determinou aos concelhos a adquisição da nova edição. A
esta primeira edição do terceiro sistema seguiram-se mais três: a segunda, de
cerca de 1533, foi impressa na oficina de um certo francês Germão Galhardo, que
trabalhava em Lisboa. A terceira foi terminada em 1539 e impressa pelo
sevilhano Juan Cronberger, com a colaboração de Germão Galhardo, que imprimiu
partes da edição. A quarta e última, foi finalizada em Março de 1565 na
tipografia de Manoel João, em Lisboa, às custas de Francisco Fernandes. Sabe-se
que a obra era vendida por 500 reais, sendo que 100 eram para pagar o
licenciado Mateus Esteves, que conferia e atestava a sua fidelidade, autenticando
na última folha da obra. Seguindo
o plano das Ordenações Afonsinas, a nova compilação abrangia também cinco
livros, subdivididos em títulos e parágrafos, mas com a supressão das normas
revogadas. Quanto à forma, a principal diferença residia no facto de se
apresentarem redigidas em estilo mais conciso, com todos os preceitos redigidos
em estilo decretório, mesmo quando na reprodução de normas já vigentes. A
ordenação da recém-descoberta segunda versão é bem diferente da primeira, mas
parecida com a agora chamada terceira versão.
Azamor
era uma praça no norte de África dependente do reino de Fez, perto de Mazagão
em Marrocos. Embora gozando de grande autonomia, já prestava vassalagem a Dom
João II desde 1486, porém desavenças geradas pelo governador da praça, que se
recusava a pagar o tributo inerente a essa mesma vassalagem, ocasionaram o
envio duma armada portuguesa saída de Lisboa a 15 de Agosto de 1513 sob o
comando de Dom Jaime 4º Duque de Bragança, a batalha teve lugar a 28 e 29 de
Agosto e a 1 de Setembro, o exército português, tomava a cidade sem
resistência. Fernão de Magalhães participou nesta expedição, após ter
regressado a Lisboa nesse mesmo ano de 1513, após ter servido na Índia e em
África. No
mês de Janeiro de 1513 apareceu diante de Malaca uma enorme armada comandada
por Pateonuz, de Java, que pretendia tomar Malaca. Sabendo que nesta cidade,
havia menos de quatrocentos homens, entre soldados, marinheiros e mercadores, desde
logo se antevia tarefa a difícil a sua defesa.
A
armada portuguesa decidiu fazer-se ao mar, confrontando os javaianos no mar,
certos que muito embora os barcos de Pateonuz, fosse de forte construção e
grande robustez, o seu ponto fraco era a ausência de artilharia, limitando-se
ao lançamento de flechas antes da abordagem, ao contrário do nosso forte
contingente de artilharia, espingardas e bombas incendiária que os marinheiros
lançavam das vergas para dentro dos navios inimigos a fim de os incendiar.
Contudo
não tinham conseguido afundar nenhum dos navios inimigos, numa primeira fase, mas
o comandante da força naval Fernão Peres de Andrade no dia seguinte, voltaram a
atacar a armada de Pateonuz atacando-os com o fogo da artilharia a curtíssima
distância e o lançamento de panelas de pólvora, que iam afundando os juncos
inimigos que depois de saqueados, eram queimados. No final só o grande junco de
Pateonuz conseguiu escapar.
A
primeira diocese criada nos domínios das nossas conquistas e descobertas foi a
do Funchal. O aumento contínuo da população e a importância que notavelmente
foi adquirindo o Funchal deram motivo a que Dom Afonso V elevasse essa povoação
á categoria de vila, pelo ano de 1451. Era
também indispensável regularizar a situação religiosa do arquipélago duma
maneira mais satisfatória, pois pertencendo a Madeira á Ordem de Cristo, que
tinha a sua sede em Tomar, era a ela que cabia superintender nos assuntos de
jurisdição eclesiástica tendo para isso delegado no vigário de Nossa Senhora do
Calhau a direcção de todas as questões religiosas nesta ilha. Impunha-se pois a
criação duma diocese autónoma, que tivesse á sua frente um prelado que pudesse
exercer todos os actos do culto e superintender livremente em todos os negócios
da disciplina eclesiástica. Assim o compreendeu o rei Dom Manuel, e solicitando
a criação da diocese funchalense, foi esta estabelecida pelo papa Leão X, pela
Bula ‘Pro Excelenti’ de 12 de Junho de 1514 desligando o novo bispado da
jurisdição do mestrado da Ordem de Cristo. O primeiro bispo desta diocese foi
Dom Diogo Pinheiro, que exercia um elevado cargo na Ordem de Cristo, a que a
Madeira pertencia no espiritual. O fim principal da criação da diocese foi entregar
a direcção pessoal e imediata das questões religiosas neste arquipélago a um
prelado, que pudesse também exercer todos os actos do culto e da jurisdição
canónica privativos da hierarquia eclesiástica a que pertencem os bispos. Não
sucedeu, porém, assim. Só cinquenta e dois anos depois da criação da diocese
funchalense é que o quarto bispo dela, Dom Jorge de Lemos, veio pessoalmente
tomar posse do seu cargo, que desempenhou durante alguns anos.
Para
além da consolidação do reino nas Índias, Dom Manuel não esquece o desejo de
consolidação da presença portuguesa no norte de África. Em 1514 mandara Estêvão
Rodrigues Bérrio e a João Rodrigues proceder a um reconhecimento na barra do
rio Cebu, tomando medidas do seu fundo, da amplitude da maré, da quantidade de
navios que ali poderiam entrar, das características da terra em ambas as
margens, da existência de madeira e pedras para construção. De posse dessas
informações foi estabelecido um plano que passava pela construção dum ponto de
apoio na zona. Deste modo a 13 de Junho de 1515 uma forte armada (200
embarcações e 8.000 homens), sob o comando de Dom António de Noronha, deixou o
rio Tejo e viria a ancorar na foz do Cebu em 24 de Junho, dia de São João,
desembarcando e ocupando a povoação sem resistência. Iniciaram
então uma fortificação de campanha, em faxina e terra, com a função de dar
protecção à construção de outra mais sólida, em alvenaria de pedra. Esse local
contudo não se mostrou adequado porque apenas previa a defesa pelo lado do mar mas
esqueceram a possibilidade dum ataque por terra o que se revelaria desastroso
quando dum ataque desfechado pelos muçulmanos, que impôs uma pesada derrota aos
portugueses. Ao ser dada a ordem para a retirada (10 de Agosto), os defensores
fizeram-no em debandada, com a perda de mais da metade dos homens, de grande
quantidade de artilharia e de cerca de cem navios, afundados ou encalhados na
barra. As informações previamente recolhidas, pelos vistos não se mostraram
minimamente eficazes na obtenção dos resultados que se pretendiam.
Em
1 de Abril de 1515, Albuquerque retornou a Ormuz, à frente de uma frota de 27
navios, com um efectivo de 1.500 soldados portugueses e 700 malabares,
determinado a reconquistá-la. Bem-sucedido, ocupou a posição da antiga
fortaleza retomando a construção, do Forte de Nossa Senhora da Vitória, agora
sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição e estabeleceu a suserania
portuguesa, subordinada ao Estado da Índia. Como nessa época, os principais
portos do golfo Pérsico e da Arábia, tais como Julfar, Bahrain, Calaiate
(Qalhat), Mascate, Catifa (al Qatif), Corfacão, e as ilhas de Queixome (Qeshm)
e Lareca, encontrava-se sob o domínio do reino de Ormuz, com a sua queda, todas
as cidades e portos da região tornaram-se tributárias do rei de Portugal.
O
reino de Ormuz permaneceu como uma potência regional, em articulação com o
Estado Português da Índia. Sob esta fórmula, a presença portuguesa na região
estendeu-se por mais de um século, até aos anos de 1620-1650.
Em
1516, parte para Cantão uma frota de Fernão Pires de Andrade, dirigindo uma
embaixada que o rei tinha decidido enviar à China. Nessa
frota seguia Tomé Pires, nascido em Portugal nos finais do século XV, foi como
boticário que partiu para o Oriente onde, para além das funções de feitor para
o comércio das especiarias, reuniu importante pecúlio. Afonso de Albuquerque
enviou-o a Malaca, a que se seguiu, em 1516, a nomeação como embaixador de
Portugal na China, missão da qual jamais regressaria. Na chegada, Fernão Peres
de Andrade, capitão da armada, em jeito de saudação, mandou hastear a bandeira
portuguesa e disparar os canhões, comportamento que não foi bem recebido pelos
chineses, pois não se coadunava com os seus costumes. Por outro lado, e apesar
de chegar a confirmação de que Tomé Pires e o seu séquito seriam recebidos pelo
Imperador, esse encontro foi por demais demorado, só vindo a realizar-se três
anos mais tarde (1520), o que fez atrasar o seu regresso e comprometer
irremediavelmente a missão.
Entretanto,
ainda em meados de 1519, chegou o capitão Simão de Andrade, irmão de Fernão
Peres de Andrade, com a intenção de recolher Tomé Pires, mas, pouco dado ao
trato diplomático, toma atitudes que ofendem tremendamente os chineses,
nomeadamente o facto de ter erguido um fortim e mandado enforcar um dos seus
marinheiros. Por isso, quando a embaixada partiu de Cantão, em 1520, para
Pequim, tinha poucas hipóteses de se tornar um sucesso. Também as erróneas
traduções dos textos, motivadas pela falta de preparação dos intérpretes, assim
como o presente, pouco sumptuoso, que os portugueses levavam, da parte do rei
D. Manuel para o imperador da China, em nada favoreceram a imagem dos
lusitanos, que acabam por ter um acolhimento desagradável por parte do
Imperador e dos mandarins.
Com
a embaixada recusada, voltam a Cantão, onde as hostilidades culminaram na
prisão e posterior execução do embaixador e seus acompanhantes. Na verdade,
desconhece-se, com rigor, se Tomé Pires chegou a ser executado, ou se veio a
ser libertado. Porém, no dizer de Fernão Mendes Pinto, o boticário deixou descendência
na China e lá morreu, por volta de 1540. Dona
Maria de Aragão, e Castela, ou Dona Maria de Trastâmara y Trastâmara, que nascera
em Córdoba a 29 de Junho de 1482, viria a morrer em Lisboa a 7 de Março de
1517, foi uma princesa aragonesa, segunda esposa de Dom Manuel I, que fora
rainha de Portugal desde 1501 até à sua morte. Maria era filha dos Reis
Católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão. Teve quatro irmãos,
entre os quais Joana a Louca, rainha de Castela, e Catarina de Aragão, esposa
de Henrique VIII de Inglaterra (da qual o rei inglês se virá a querer divorciar
e que estará na origem da separação da Igreja Anglicana da Católica Romana), e
ainda Isabel de Aragão (esposa do príncipe Afonso de Portugal e primeira mulher
de Dom Manuel I). A
morte desta última, em 1498, durante o parto do seu filho, levou a que Dom Manuel, numa política de aproximação entre as duas casas reais peninsulares, se
viesse a consorciar com a sua irmã Maria em 30 de Agosto de 1500, tendo aí iniciando-se
uma ligação dinástica com a Espanha tão profunda que, em última análise, estará
na origem dos acontecimentos de 1580. Dona
Maria faleceu em 1517, com apenas 35 anos, sofrendo durante 6 meses por nunca
ter recuperado do seu último parto a 9 de Setembro de 1516. Foi sepultada na
Madre de Deus, donde foi trasladada para o mosteiro de Belém. Após
a morte de Dona Maria o rei recolheu-se no convento de Penha Longa, durante
largo tempo, provavelmente não só para chorar a morte da mulher, mas para
reflectir sobre os acontecimentos no reino e de alguns factos que ultimamente
tinha ensombrado os seus sonhos imperiais. O desastre de Mamora, o falecimento
de Afonso de Albuquerque, foram alguns dos factos que o abatiam e desanimavam
ao ponto de ter ponderado a possibilidade de abdicar do trono, guardando para
si apenas o reino de Algarve e a Ordem de Cristo. Não foi essa contudo a
conclusão que retirou das suas reflexões, muito embora algum tempo mais tarde
tivesse voltado à Penha Longa para redigir o seu testamento. Nos
princípios do séc. XVI, vislumbram-se em São Tomé, já pequenas confrontações
sociais, tendo como causa o choque de interesses entre as diferentes classes
existentes. Em 1512, um incêndio cuja razão se desconhece, destruiu por
completa a única povoação conhecida da ilha e em função das rigorosas
calamidades a que ficaram expostos os seus habitantes e da forte repressão
exercida pelos colonos sobre os escravos, originou-se uma revolta dos escravos
pertencentes a uma família Lobato, seguidos de outros escravos (mestiços e
pretos) a 20 de Janeiro de 1517. Na sequência desses confrontos, Dom Manuel
mandou aplicar aos escravos homens e seus filhos a carta de alforria que
conduzia à sua libertação da condição de escravos. Provavelmente foram estes
ex-escravos e ex-escravas, que deram origem ao grupo que formou a Confraria de
Nossa Senhora do Rosário dos Negros de São Tomé. A
princesa Dona Leonor estava destinada para esposa do príncipe Dom João,
herdeiro da coroa de Portugal, e eram ambos, ainda eram crianças. O rei Dom
Manuel, porém, que enviuvara pela segunda vez, vendo o retracto da jovem
princesa, que apenas contava 19 anos, e diz a tradição ser de rara formosura,
tanto se agradou dos seus encantos que resolveu escolhê-la para sua esposa,
preterindo as pretensões do príncipe seu filho, realizando-se assim as suas
terceiras núpcias. Carlos
V fora aclamado como imperador da Alemanha, e viera de Flandres para Saragoça,
onde se reunira a corte, e Dom Manuel, com o pretexto de o felicitar por ter
cingido a coroa imperial, mandou a Saragoça como embaixador o seu camareiro,
guarda-roupa e armador-mor Álvaro da Costa, mas o fim principal desta embaixada
era tratar do casamento, muito em segredo, atendendo às circunstancias que se
davam. Álvaro da Costa desempenhou-se da sua missão com muita diligência e
diplomacia, a proposta foi bem aceita pela corte de Castela, e as negociações
depressa se concluíram. Os desposórios efectuaram-se na mesma cidade de
Saragoça em 16 de Julho de 1518, sendo nomeados procuradores, para tratar com o
embaixador Álvaro da Costa, o cardeal Florent, bispo de Tortosa, que depois foi
o papa Adriano VI, Guilherme de Croy, duque de Sora; e João le Sauvage, senhor
de Strambeque. Este casamento de Dom Manuel causou um certo espanto em
Portugal, porque o monarca mostrara-se inconsolável pela morte de sua segunda
mulher, dizendo que abdicava a coroa em seu filho, e se recolhia ao convento de
Penha Longa. O príncipe sentiu grande desgosto, porque se apaixonara também
pelo retracto da sua prometida, que se tornara agora em madrasta. Concluídos os
contractos matrimoniais, a nova rainha Dona Leonor partiu de Saragoça, e entrou
em Portugal por Castelo de Vide com o acompanhamento de fidalgos, e mais
particulares, que Damião de Góis refere minuciosamente. O
monarca esperava-a no Crato, e em 24 de Novembro ali se celebraram pomposas
festas. Como em Lisboa havia peste, partiram os régios esposos com toda a corte
para Almeirim, onde se demoraram até ao Verão seguinte, passando em seguida a
Évora, voltando para Lisboa só quando a epidemia estava completamente extinta.
A
4 de Julho de 1515, Dom Manuel I mandou erguer a Torre de Belém no local onde o
seu antecessor, D. João II, pretendera levantar um forte para defesa do porto
sob projecto de Garcia de Resende. Quatro anos e três dias depois, as obras
estavam concluídos segundo o risco de Francisco Arruda. Mais
do que uma obra militar, trata-se de uma verdadeira obra-prima de arquitectura,
marco histórico da epopeia marítima portuguesa. Diz-nos Garcia de Resende que
Dom João II ordenara a construção de uma torre e um baluarte na Caparica,
encomendando ao seu cronista (e também arquitecto) o projecto de um forte na
margem norte do Tejo, para que os fogos dos dois redutos impedissem a entrada
no estuário. Morreria o Príncipe Perfeito sem ver tal obra sequer iniciada. No
início do século XVI as águas do Tejo batiam mais perto do local onde já se
começara a construir o Mosteiro dos Jerónimos. Em frente, como que emergindo do
rio, um conjunto rochoso foi considerado suficiente para nele se levantar a
fortificação de dois corpos (torre e baluarte), que teve várias designações
antes de se perpetuar como Torre de São Vicente de Belém. Em
planta, a fortificação compõe-se pela torre, integrando a habitação do
capitão-mor (em 1521 foi nomeado o primeiro, Gaspar de Paiva), e pelo baluarte
hexagonal que a rodeia e protege. Num piso inferior, abaixo da linha de água,
encontram-se as caves que serviram de paióis e, mais tarde, de prisão política
para altas individualidades. Ali esteve encarcerado até à morte Dom Pedro da
Cunha, pai do bispo do Porto Dom Rodrigo da Cunha, partidário de Dom António
Prior do Crato. Mais tarde, em 1641, nobres personalidades da corte, como o
duque de Caminha, o marquês de Vila Real e o conde de Vale dos Reis, foram ali
aprisionadas por suposta implicação numa conjura contra Dom João IV. No
dia 15 de Abril morreu no Paço da Ribeira o primeiro dos filhos de Dom Manuel
com Dona Leonor de Áustria de seu nome Carlos e que tinha apenas 4 meses que
seria sepultado nos Jerónimos, junto de seus irmãos já falecidos Dona Maria e
Dom António. Dois meses depois a 8 de Junho nasce a infanta Dona Maria, que
seria baptizada tendo como madrinha as suas meias-irmãs Isabel e Beatriz.
Várias
festividades ocorreram neste ano, sobretudo as que estavam associadas ao
casamento da infanta Dona Beatriz com Carlos III duque de Sabóia, um pequeno
estado europeu mas de grande importância estratégica e que trouxera o pagamento
de elevado dote.
Na
véspera da partida da nova duquesa a 8 de Agosto a corte assistiu à
representação da tragicomédia de Gil Vicente, ‘As cortes de Júpiter’. No dia da
partida presidida pela família real, assistiu-se à largada da nau que
transportava a princesa, rodeada de enorme espectáculo com varias embarcações
engalanadas e ao som de trombetas. No
mês de Dezembro uma epidemia de modorra desenvolveu-se em Lisboa, fazendo
inúmeras vítimas; a qual nem o rei escapou e depois de alguns dias de luta a
febre acabou por liquidar a vida de Dom Manuel I. Com
a infanta Dona Isabel e a rainha à cabeceira pela 9 horas da noite do dia 13 de
Dezembro, morre o rei Dom Manuel I com 52 anos, para muitos cognominado o 'Venturoso'. Foi rapidamente enterrado segundo Damião de Góis 5 horas depois, no
mosteiro dos Jerónimos. Uma
vida cheia durante 26 anos dum ocasional reinado, 3 casamentos, deixando 9
filhos vivos, com idades entre os 6 meses e os 19 anos.