Piratas
do Norte de África
Piratas
da Barbária, Piratas da Berbéria, piratas barbarescos, piratas berberescos,
piratas berberes ou corsários otomanos, foi a designação dada aos piratas que
até meados do século XIX operaram no Mediterrâneo ocidental e no Oceano
Atlântico nordeste a partir de portos sitos na costa da Berbéria, ou seja na
região litoral do Norte de África correspondente hoje às costas da Argélia, da
Tunísia, da Líbia e a alguns portos de Marrocos. A sua principal base era em
Argel, mas as cidades de Tunes, Trípoli e Salé eram também importantes centros
da pirataria barbaresca. As suas principais presas eram embarcações
pertencentes aos povos cristãos da bacia do Mediterrâneo, mas também pilhavam
no Atlântico nordeste, incluindo navios de longo curso provenientes da Ásia, de
África e das Américas. Para além dos ataques sobre a navegação, também
organizavam incursões às povoações costeiras da Europa, destinadas à aquisição
de saque e a capturar escravos que eram depois vendidos no Norte de África, na
Turquia e no mundo muçulmano. Para além da costa mediterrânica da Europa, registaram-se
importantes ataques na Madeira, nos Açores, na costa ibérica, na Irlanda e até
na Islândia e na Gronelândia. Esta forma de esclavagismo, responsável pelo
aprisionamento e venda como escravos de muitos milhares de cristãos de origem
europeia, manteve-se até à década de 1830, terminando apenas quando a França
conquistou Argel.
A
actividade de piratas no Mediterrâneo ocidental foi uma constante desde o
período de declínio do Império Romano, com a base das operações quase sempre
centrada na margem norte-africana daquele mar. Daí que desde muito cedo os
piratas que operavam naquele região fossem conhecidos por piratas da Barbária,
derivando a sua designação não da barbárie do seu comportamento, mas do topónimo
costa da Barbária, que desde os tempos medievais se aplicava ao troço ocidental
da costa do Magrebe. Aquele topónimo deriva de substantivo berberes, o nome
pelo qual eram conhecidos na Europa os povos que habitavam a região.
Na
sua fase inicial, a pirataria incidia essencialmente sobre a navegação local no
Mediterrâneo ocidental, com eventuais ataques a povoações costeiras menos
defendidas, atingindo de forma indiferenciada todos os povos ribeirinhos.
Contudo, a partir do período das Cruzadas e do início da reconquista cristã da
Península Ibérica, esta forma de pirataria passou a ganhar contornos
diferentes, concentrando-se sobre as embarcações e as costas ocupadas por povos
cristãos, inserindo-se desta forma no conflito inter-religioso que se travava na
região. Os piratas passaram a ser encarados como corsários, agindo legitimados
pelo conflito que se travava.
A
partir do século XIV, o declínio das dinastias berberes e o crescente número de
refugiados de origem ibérica que acorriam ao Norte de África em resultado do
avanço cristão na Reconquista, criaram condições que permitiram a solidificação
das cidades base dos piratas como verdadeiras cleptocracias semi-independentes,
legitimadas pela guerra inter-religiosa. Nesta fase, a cidade argelina de Bugia
transformou-se no mais notório centro de pirataria do Mediterrâneo.
A
partir dessa época, foram-se lentamente organizando as estruturas de poder que
deram origem aos piratas da Barbária enquanto verdadeira força político-militar
com profundo impacto na navegação internacional e na segurança das costas
europeias, particularmente a partir do século XVI. Após o seu auge no século
XVII, os piratas da Barbária entraram em declínio, até serem efectivamente
erradicados na primeira metade do século XIX com a conquista francesa de Argel
e a generalização da dominação colonial europeia sobre o Norte de África.
Vários
eventos, resultantes da evolução geopolítica da região, influenciaram este
curso de acontecimentos. Em primeiro lugar, a Tomada de Granada pelos Reis Católicos
de Espanha, pondo em 1492 efectivo termo ao Al-Andaluz e, com ele, à presença
muçulmana na Península Ibérica. Esse acontecimento forçou muitos milhares de
mouros ao exílio, alimentando o ressentimento anticristão no Norte de África e
fornecendo novos recrutas para a pirataria, agora claramente aceite como uma
forma de retribuição e vingança. A estes refugiados, e aos habitantes locais,
vieram juntar-se voluntários levantinos vindos do Médio Oriente, atraídos por
motivações religiosas, mas também, como acontecia do lado cristão, pela
oportunidade de aventura e de participarem numa actividade lucrativa. Em
segundo lugar, a queda de Constantinopla e o reforço da hegemonia muçulmana no
Mediterrâneo oriental, iniciando um crescente envolvimento otomano no Norte de
África, que se traduziu na presença de um poder difuso que, sem conseguir
dominar totalmente a política local, impedia o aparecimento de estruturas de
poder que pusessem cobro à anarquia que se vivia na região.
Ao
enquadramento geral atrás apontado sobrepuseram-se circunstâncias locais, pois
na fase final da reconquista ibérica, Portugal e Castela começaram a atacar e a
conquistar cidades na costa marroquina, com destaque para Ceuta e os seus domínios.
A luta que aí se travou atraiu grande número de aventureiros do Médio Oriente e
do Levante otomano. Esse movimento acelerou-se quando a Espanha atacou as
cidades costeiras de Orão, Argel e Tunes, avançando para os limites orientais
do Magrebe. Na defesa dessas cidades já era significativa a presença de voluntários
turcos, a maioria, dos quais estava empenhada, na guerra como corsários.
Entre
os mais famosos líderes corsários da época estavam os irmãos Barbarossa (os
barba-ruiva), Hizir (também grafado Hayreddin, Khizr, Khair ad-Din ou Khair Ed
Din) e Aruj (ou Oruç), súbditos otomanos oriundos de Mitilene. Capitaneando um
decidido grupo de corsários, os irmãos Barbarossa conseguiram na década de 1500
ganhar o efectivo controlo da cidade de Argel e transformaram o seu porto na
principal base dos piratas da Barbária.
Quando
Oruç foi morto durante um ataque espanhol ocorrido em 1518, de que resultou a
tomada de alguns ilhéus costeiros frente a Argel, onde instalaram um forte,
Hizir solicitou a intervenção do sultão otomano Selim I, o qual, em troca de
suserania sobre a cidade, acedeu e enviou tropas. Nos combates que se seguiram,
em 1529 os espanhóis foram expulsos da região e Argel foi incorporada, embora
mantendo ampla autonomia, no Império Otomano. Com isto, iniciou-se uma presença
otomana no Norte de África, que duraria quatro séculos e consolidou-se a
predominância daquela cidade como o principal centro da pirataria
mediterrânica, posição que manteria até 1830.
Entre
1518 e a morte de Uluch Ali em 1587, Argel foi a capital do poder otomano no
Norte de África, sede do governo dos beilerbeis que governavam Trípoli, a
Tunísia e a Argélia. De 1587 a 1659, a cidade foi governada por paxás otomanos,
enviados de Constantinopla com mandatos de três anos. Em 1659, uma revolta
militar reduziu o paxá a uma figura sem real poder político, um mero
representante de uma suserania distante e sem influência na condução da vida
local.
A
partir daquela revolta, estas cidades magrebinas, apesar de nominalmente
fazerem parte do Império Otomano, eram na realidade repúblicas militares, com
grande grau de anarquia na condução das suas políticas, que escolhiam os seus
próprios governantes e se sustentavam quase exclusivamente do produto dos
saques, da venda de escravos, da extorsão através da exigência do pagamento de
tributos às potências que pretendiam navegar no Mediterrâneo e dos resgates que
eram pagos pelos cativos europeus. Foi este o período áureo dos piratas da
Barbária.
Durante
aquele período também a estrutura do poder naval se alterou: se entre 1518 a
1587, os beilerbeis eram almirantes do sultão, que apesar dos seus métodos
ferozes e de terem como política o saque das cidades costeiras e a captura de
escravos, comandavam grandes esquadras e conduziam a guerra com claros fins
políticos, pós 1587, o saque tornou-se o principal objectivo das forças navais
das cidades norte-africanas, que passaram a viver quase em exclusivo dos lucros
da actividade pirata.
Nesta
segunda fase, as forças navais, agora mais pequenas e nalguns casos reduzidas a
um único navio, passaram a ser financiadas por capitalistas (quase sempre ex
corsários que haviam enriquecido) e eram comandadas por capitães, que usavam o
título de rais ou reise e se organizavam de forma corporativa para exercer o
poder na cidade e manter o controlo sobre os mares e sobre os mercados de
escravos. A actividade pagava um dízimo (10%) para os cofres do paxá ou seus
sucessores, os quais passaram a usar os títulos de bei ou dei. Entre
os corsários otomanos famosos que nesta época tiveram a sua base em Argel
contam-se Turgut Reis (conhecido como Dragut no Ocidente), Kurtoğlu (conhecido
como Curtogoli), Kemal Reis, Salih Reis, Koca Murat Reis e Murat Reis.
Na
fase inicial da sua consolidação como força naval, os piratas da Barbária
utilizavam essencialmente galés construídas em Bugia, com a madeira das
montanhas daquela região. Esta circunstância limitava a sua acção às zonas
costeiras e às águas calmas do Mediterrâneo, já que à força de remos não eram
possíveis grandes viagens e a dimensão dos navios era limitada pela necessidade
de reduzir o seu peso. A
partir de finais do século XVI, os piratas argelinos passaram a usar navios à
vela, em boa parte resultado das inovações tecnológicas trazidas por europeus
convertidos aoIslão que se juntavam às hostes piratas. Entre estes convertidos
conta-se o holandês Simon de Danser, que teve um papel relevante na introdução
das tecnologias da vela na actividade dos piratas da Barbária. A presença de
convertidos europeus era aliás comum, tendo contribuído de forma substancial
para o progresso tecnológico da construção naval, da navegação e da marinharia
de que os piratas dispunham. Entre os convertidos mais famosos conta-se um
membro da família aristocrática inglesa Verney e Jan Janszoon, um holandês que
sob o nome de Murat Reis comandou forças piratas no Atlântico Norte, atacando a
Islândia. Com
a introdução dos navios à vela e das técnicas europeias de navegação, a partir
de meados do século XVII, os piratas da Barbária começaram a chegar
regularmente às ilhas e às costas europeias do Atlântico, ameaçando a navegação
em todo o Atlântico Nordeste.
Estes
desenvolvimentos levaram a que na primeira metade do século XVII os piratas da
Barbária atingissem um tal grau de actividade que passaram a ameaçar
virtualmente toda a navegação nas costas europeias, atacando anualmente
centenas de navios e raptando para resgate ou para venda como escravos muitas
dezenas de milhares de europeus. Por esta altura estimava-se que estivessem
cativos em Argel cerca de 20 000 europeus. Enquanto os ricos conseguiam pagar
resgate e eram libertados, os mais pobres ficavam dependentes do pagamento de
resgate por parte dos soberanos respectivos ou por organizações caritativas
especialmente criadas para o efeito, acabando na maior parte dos casos por ser
vendidos como escravos. As mulheres, particularmente as mais jovens, eram quase
de imediato vendidas para o harém dos ricos e poderosos. Eventualmente alguns
eram libertados pelos seus senhores depois de se converterem ao Islão. Muitos
dos prisioneiros acabavam por morrer agrilhoados aos remos das galés. Ao tempo,
Argel era uma cidade onde se encontravam gentes trazidas de todas as costas da
Europa e da África e o maior centro de comércio de escravos do Mundo.
Nesta
época tornou-se quase uma fatalidade para quem se aventurava a viajar pelo mar
ter de enfrentar ataques corsários. Alguns dos principais intelectuais portugueses
e espanhóis (como Miguel de Cervantes), mas também muitos da Europa do Norte,
experimentaram o cativeiro na costa da Barbária, sendo abundantes os relatos de
dos eventos a ele ligados. Para
se ter uma ideia da dimensão que atingiu a pirataria da Barbária, note-se que
entre 1609 e 1616 os registos do almirantado do Reino Unido assinalam a captura
de 466 navios britânicos, a maioria dos quais nas águas próximas às costas
inglesas.
Apesar
dos ataques dos piratas da Barbária serem mais comuns nas águas e costas do sul
de Espanha, nas ilhas Baleares, Sardenha, Córsega, ilha de Elba e nas costas da
Península Itálica (especialmente na Ligúria, Toscana, Lácio, Campânia, Calábria
e Apúlia), Sicília e Malta, também atacavam frequentemente a costa atlântica da
Península Ibérica. Em 1617, piratas argelinos e salentinos lançaram um poderoso
ataque ao litoral cantábrico e galego e saquearam e destruíram Bouzas, Cangas e
as igrejas de Moaña e Darbo. Uma tentativa de tomada de Vigo foi repelida pela
guarnição da cidade. Mesmo
regiões relativamente distantes do Mediterrâneo não estavam a salvo. Na
Islândia, em 1627 o capitão pirata Murat Reis saqueou várias povoações
costeiras, incluindo as ilhas Vestmannaeyjar, levando consigo 242 prisioneiros,
a maioria dos quais morreria em cativeiro. Entre os cativos de Vestmannaeyjar
estava Oluf Eigilsson, que foi libertado contra o pagamento de um resgate e que
escreveu em 1628 um detalhado relato da sua experiência. Em Junho de 1631, o
mesmo Murat Reis, com piratas de Argel e tropas otomanas, tomou a vila
irlandesa de Baltimore, no condado de Cork, capturando a maioria dos
habitantes, os quais foram vendidos como escravos no Norte de África. Existe
o registo de cativos portugueses, como Maria, resgatada ao fim de 12 anos com
sua filha, ou o padre Romão Furtado de Mendonça, ambos regatados junto com
outros 365 cristãos pelos frades trinitários.
"No
primeiro resgate, em 1720, os frades trinitários tentaram resgatar todos os
cristãos cativos, mas não o conseguiram, deixando para trás pelo menos
quarenta, que não estavam em Argel por se encontrarem obrigados a atividades de
corso ou simplesmente porque o bei não tinha autorizado. Entre os 365 cristãos
resgatados estavam os “brasileiros” padre Romão Furtado de Mendonça, natural do
Rio de Janeiro, de 27 anos, Miguel de Sequeira, homem negro, marinheiro,
natural do Pará, de 57 anos; Esperança, mulher negra, natural do Maranhão, de
25 anos; e Manuel Tapuia, natural do Pará, de 14 anos, todos eles com um ano de
cativeiro. Possivelmente viajavam numa charrua – veleiro lento, com grandes
porões e armamento reduzido – do Maranhão, que fora aprisionada perto da costa
brasileira, e da qual o próprio contramestre, Agostinho de Medeiros e Paiva, de
29 anos, natural da Ilha de São Miguel, nos Açores, também fora resgatado.
Houve ainda a libertação de Maria, mulher negra, natural de Pernambuco, de 26
anos e já com 12 anos de cativeiro. Foi resgatada juntamente com sua filha
Josefa, de dois anos, nascida em Argel."
"Em
1731 foram resgatados e libertados 193 cativos, dos quais sete foram trocados
por muçulmanos. Por falta de dinheiro, os frades deixaram de resgatar outros
24. Neste resgate, entre os cativos provenientes de terras brasileiras estavam
o padre Francisco da Rocha Lima, cônego da Sé de Grão Pará, natural de Ponte de
Lima, de 42 anos e três de cativeiro. Custou este cativo, em moeda argelina,
1771 patacas, que correspondia a 1328$250 réis. Inácio Machado, mestre em
calafetação, homem pardo, filho de Ventura Rodrigues, natural de Sergipe de El
Rei, de 23 anos e cinco anos de cativeiro, custou 857 patacas, ou seja, 642.750
réis."
"O
último resgate geral do reinado de D. João V ocorreu em 1739 e libertou 178
cativos portugueses, 11 por troca com mouros das galés. Entre os resgatados do
Brasil estava Luísa Maria, mulher negra, natural da Bahia, com 21 anos de idade
e dois de cativeiro, e Antônio Fernandes da Silva, marinheiro, natural de
Pernambuco, filho de Silvestre Fernandes de Silva, de 27 anos de idade e quatro
de cativeiro."
"Entre
quase um milhar de cativos resgatados de Argel nesse período, encontramos
reinóis provenientes das ilhas atlânticas, da costa do Algarve (sul de
Portugal), das cidades de Setúbal, Lisboa, Peniche e outras zonas portuárias
portuguesas. Mas surgiram também cativos naturais do Brasil, prova de que
saques e atividades de corso eram realizados em pleno Atlântico e, talvez, até
mesmo na costa brasileira."
No
que respeita à pirataria no mar, todos os navegantes pertencentes a povos que
não pagassem tributo aos piratas estavam em risco, mas mesmo aqueles
pagamentos, em geral disfarçados sob a forma de ofertas e resgates, não
garantiam absoluta segurança, já que os piratas não tinham uma estrutura
centralizada de comando, podendo cada um atacar as presas da sua escolha. Mesmo
os mais poderosos Estados europeus se viram compelidos ao pagamento de tributos
e resgates e a tolerar o desrespeito pela sua bandeira nos mares.
Esta
situação levou ao aparecimento de ordens religiosas especializadas na recolha
de fundos para a redenção dos cativos, entre as quais a Congregação do
Santíssimo Redentor e os Lazaristas, recebendo e administrando numerosos
legados que para o efeito eram deixados em muitos países. Na maioria das nações
ribeirinhas foram criados especiais tributos destinados à remissão dos cativos,
criando-se toda uma organização político-religiosa cuja única missão era o
pagamento do resgate de conterrâneos aprisionados. Foi assim que em Portugal
surgiu o cargo de mamposteiro-mor e de mamposteiros em diferentes cidades e que
o tributo para a remissão dos cativos se manteve até ao século XIX. A
partir dos meados do século XVII o progressivo fortalecimento dos Estados
europeus levou a que a existência dos piratas da Barbária dependesse das
rivalidades e dos desentendimentos entre aqueles Estados, o que os piratas
souberam aproveitar com grande habilidade diplomática: a França encorajou a sua
existência e utilizou-os como arma contra os interesses espanhóis, pouco depois
foram os britânicos e os holandeses que os utilizaram contra os interesses
franceses, num ciclo de rivalidades e guerras em que cada um dos contendores
tentava comprar os serviços dos piratas para a sua causa, através de tributos e
de uma mal disfarçada neutralidade em relação às suas actividades contra nações
terceiras. Todas as potências estavam interessadas em obter imunidade para os
seus navios, mas todas estavam interessadas em que os ataques contra rivais
continuassem, o que impedia ataques concertados e consequentes contra os
piratas. Em
1655 o almirante britânico Robert Blake foi enviado numa expedição punitiva
contra os piratas tunisinos, infligindo uma pesada derrota à cidade de Tunes e
aos seus piratas. Nos anos subsequentes, durante o reinado de Carlos II de
Inglaterra, as forças navais britânicas envolveram-se numa longa sequência de
expedições punitivas contra os piratas da Barbária, isoladamente ou em
colaboração com os neerlandeses.
Em
1682 e 1683, os franceses bombardearam Argel. Naquele último ano, os argelinos
atiraram o cônsul francês contra os navios, transformado numa bala humana. É
muito extensa a lista das expedições punitivas organizadas por Estados europeus
contra os piratas da Barbária, percorrendo toso o século XVIII até às operações
americanas 1801-1805 (Primeira Guerra da Barbária) e 1815 (Segunda Guerra da
Barbária). Apesar desses numerosos ataques, os europeus nunca tentaram destruir
realmente os piratas e quase sempre, no final das operações, a potência
envolvida acabava por pagar tributo e firmar acordos mais ou menos
apaziguadores com os piratas e com as respectivas cidades. Entretanto, as
frequentes guerras intra-europeias permitiam aos piratas quebrar os seus
compromissos sem medo de represálias e aproveitar a ocasião para obter novos
pagamentos. Nesse
contexto, figuras públicas britânicas dos finais do século XVIII não se coibiam
de afirmar que os piratas da Barbária eram úteis aos seus interesses nacionais
pois ajudavam a controlar o crescimento do comércio dos povos do Sul da Europa.
Quando Edward Pellew, o 1.º visconde de Exmouth, foi enviado em 1816 numa
expedição punitiva contra os piratas argelinos, numa carta privada expressou
dúvidas sobre a aceitabilidade da expedição pela classe mercantil britânica,
então interessada no efeito negativo da pirataria sobre os interesses
comerciais franceses e espanhóis.
Entretanto,
a independência dos Estados Unidos da América trouxe um novo contendor, não
envolvido no sistema de rivalidades europeias, que veio introduzir alguns
elementos de desequilíbrio no sistema: em 1784, apenas um ano após o
estabelecimento da paz com a Grã-Bretanha, um navio americano foi aprisionado
por piratas de Salé. Apesar de Marrocos ter sido em 1778 um dos primeiros
Estados a reconhecer os Estados Unidos da América, após seis meses de
negociações os americanos foram obrigados a pagar a então elevada soma de $60.000
para poderem navegar sem risco de apresamento. Com
os piratas argelinos a situação era ainda pior, pois em 1784 dois navios
mercantes americanos (Maria de Boston e Dauphine de Filadélfia) foram
capturados, vendidos e os seus tripulantes reduzidos à escravatura, sendo
obrigados a trabalhar, em condições inumanas, nas obras das fortificações
portuárias até que chegasse o dinheiro do respectivo resgate. Em
1786, Thomas Jefferson, então embaixador americano em França, e John Adams, embaixador
no Reino Unido, encontraram-se em Londres com Sidi Haji Abdul Rahman Adja, o
embaixador de Tripoli naquela capital. Pelos
prisioneiros Argel queria $60.000, enquanto os americanos apenas podiam
oferecer $4.000, pelo que tiveram de permanecer 11 anos no cativeiro. Face a
esta situação e à inexistência de forças navais americanas que pudessem
proteger os seus navios, os americanos passaram a procurar a proximidade de
comboios organizados por potências europeias que lhes dessem protecção. Durante
alguns anos Portugal manteve na zona do Estreito de Gibraltar uma presença
naval (Esquadra do Estreito), impedindo a entrada de piratas argelinos no
Atlântico. Contudo, quando Portugal celebrou um acordo de tributo com os
piratas, estes voltaram ao Atlântico Norte e em 1793 já tinham aí aprisionado
uma dezena de navios americanos. Apesar de Portugal ter oferecido protecção aos
navios americanos, tal foi considerado insuficiente e, depois de um sério
debate, em Março de 1794 foi decidido criar a United States Navy, sendo
autorizada a construção das primeiras seis fragatas. O uso de forças navais
americanas, com a primeira acção do United States Marine Corps, foi um ataque a
Tripoli, hoje lembrado no verso "to the shores of Tripoli" inscrito
no seu hino.
O
fim dos piratas da Barbária chegou com a paz geral de 1815 que pões termo às
Guerras Napoleónicas na Europa. No novo contexto de paz deixou de ser tolerável
o constante insulto dos piratas, agora amplificado pela nascente imprensa. O
momento decisivo surgiu quando um esquadrão tunisino saqueou a vila de Palma na
Sardenha, raptando 158 dos seus habitantes. A indignação da imprensa europeia
foi enorme a pressão pública a favor de uma intervenção militar cresceu por
todo o continente. Simultaneamente ia ganhando força a campanha em favor da
supressão da escravatura e do fim do tráfego negreiro. Com
a aquisição de Malta e das ilhas Jónicas, a Grã-Bretanha foi ganhando um papel
preponderante no Mediterrâneo, abraçando a questão da supressão do tráfego de
escravos como uma sua prioridade, tema que foi incluído nas discussões do
Congresso de Viena. Foi nesse contexto que em 1816 se realizou a expedição
comandada por lorde Exmouth, enviada a Tunes e a Argel com o objectivo de
forçar a aceitação de tratados que proibiam a pirataria e a aquisição de
escravos. Obtidos os tratados regressou à Grã-Bretanha, sem saber que
entretanto um grupo de britânicos tinha sido escravizado em Annaba. Face a essa
provocação, o governo britânico enviou a expedição de volta para obter
reparação, e a 17 de Agosto daquele ano de 1816, as forças britânicas em
combinação com forças neerlandesas comandadas pelo vice-almirante Theodorus
Frederik van Capellen infligiram um devastador bombardeamento a Argel. Face
ao novo denodo com que os europeus lidaram com a provocação, os piratas de
Argel e de Tunes libertaram mais de 3000 prisioneiros e fizeram novas promessas
de cessar os ataques contra os europeus. Apesar disso, pouco depois os piratas
de Argel retomaram as suas actividades, embora numa escala mais reduzida. Face
a esse incumprimento, em 1818 reuniu uma congresso internacional em
Aix-la-Chapelle (Congresso de Aix-la-Chapelle (1818)) para determinar novas
medidas, e em 1824 outra força britânica, agora sob o comando de Sir Harry
Neal, bombardeou severamente Argel.
Apesar
disso o fim da pirataria com base em Argel apenas ocorreu com a conquista da
cidade pelos franceses em 1830. No resto da costa ainda se foi mantendo até ao
início do século XX, altura em que a dominação colonial europeia a suprimiu.
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