sexta-feira, outubro 31, 2014

O Domínio do Mediterrâneo - Séc. XVI



Lepanto - 07 de Outubro de 1571


I - Contextualização Histórica

A História é testemunha de que a lenta decadência do poderio naval dos otomanos começou com a jornada de Lepanto.


Principal Inimigo:


Decadência da Cristandade, com o Renascimento. Problemas internos, com o Protestantismo em 1527, que levara a Inglaterra do Rei Henrique VIII, e estava corroendo a Alemanha e a França. Cobiça dos Reis Católicos influenciados pelo humanismo, que já não eram movidos pelo zelo da Fé e adesão à Igreja, chegando a fazer alianças com os próprios muçulmanos para garantir seus interesses particulares.



Expansão Muçulmana - Império Otomano

1º) 1453 - Queda de Constantinopla.

2º) Domínio da Pérsia e do Egipto com o Sultão Selim I.

3º) Queda de Rhodes em 1522 (forçando a Ordem de São João de Jerusalém a ir para a ilha de Malta).

4º) O Sultão Solimão II, chamado o ‘Magnífico’, sucessor de Selim I, ocupava Belgrado e atacava, através de Barbarroxa, temível corsário, várias cidades que estavam sobre a tutela da ‘Sereníssima República de Veneza’: Clissa, Prevesa, Castelnuovo, e as ilhas mais ao sul, próximas à Grécia.


Isso sem falar dos ataques em outras regiões e das alianças com Reis Católicos contra outros Reis Católicos, fruto da decadência da cristandade.

5º) Seu desejo era de invadir Roma e entrar a cavalo na Basílica de São Pedro.

Outras Datas:



1º) A União Ibérica Brasil anexado à Espanha em 1580, com a morte do Rei Dom Sebastião. Mesma época em que vivia o Beato José de Anchieta. Aliás, consta que este santo teve a visão da morte de Dom Sebastião e da vitória em Lepanto.

2º) A Invencível Armada em 1587 - Derrota dos Espanhóis e Portugueses para os Ingleses.


II – Início da Reacção Católica


O Ano de 1565 - Vitória da Ordem de São João de Jerusalém (chamada de ‘escorpiões do mediterrâneo’ pelos infiéis – atualmente é conhecida como ‘Soberana Ordem Militar e Hospitalar de Malta’) sobre os otomanos, quando estes tentaram invadir a ilha de Malta, ao sul da Sicília. Os muçulmanos perderam 30.000 homens e seu grande General: Dragut Reis.

Ano de 1566 - Eleição do Papa São Pio V, ardia na alma do novo pontífice o desejo de soerguer a Cristandade para um duplo combate: contra o protestantismo e contra o adversário Otomano.


1º) Convidou os príncipes católicos a celebrarem uma aliança contra o Sultão.

2º) Escreveu carta ao ‘Grão-Mestre da Ordem de São João de Jerusalém’, que tencionava abandonar a ilha diante da iminente vitória dos turcos, para que não abandonasse seu posto:

“Ponde de lado a ideia de abandonar a ilha. Vossa simples presença em Malta inflamará a coragem dos cristãos e imporá respeito ao Otomano, pelo terror do nome que o fulminou no ano passado. Sabei que ele teme vossa pessoa mais que todos os vossos soldados reunidos”. La Valette, Grão-Mestre, leu a carta do Papa diante do Conselho da Ordem, beijou respeitosamente o documento pontifício e depois o solo da ilha, e exclamou: “A voz de vosso vigário, ó Jesus, indica o meu dever. Ficaremos aqui, e aqui morreremos”.


III – Formação da Liga da Cristandade


Retrocesso:

1º) Queda da cidade de Quios, no arquipélago jónico, e da cidade de Szigethvar, na Hungria, com o consequente, avanço do Império Otomano.

2º) Morte do Sultão Solimão II, sucedido por seu filho Selim II, conhecidamente mole e sensual.

3º) Optimismo nos católicos, não acharam necessário a Liga, visto que Selim II não representava um grande inimigo, apesar dos apelos do Papa. Em sentido contrário.

4º) Em Dezembro do mesmo ano, 1566, São Pio V dirige às nações católicas novo brado de alarma e o convite a se unirem numa Liga em defesa da Cristandade. Ninguém quer ouvi-lo, pois estão ocupados com seus problemas internos.

5º) Três anos de espera


Selim II Ameaça Veneza:


1º) Em fins de 1569 chegava a Constantinopla a notícia de que o arsenal veneziano fora destruído pelo fogo e, devido a uma má colheita, a Península toda estava ameaçada pela fome.

2º) O Sultão Selim II rompe a paz e envia um ultimatum: ou Veneza entregava uma de suas possessões preferidas, Chipre, ou era a guerra. Veneza pede auxílio, mas não quer a aliança com a Espanha, apenas a mediação do Papa junto aos demais Estados para conseguir dinheiro, tropas e mantimentos. A Espanha também não quer a Liga, pois Veneza várias vezes fez alianças com os Turcos. O Papa São Pio V intervém e exorta a Espanha a mandar uma esquadra poderosa para proteger Malta e garantir a rota que levaria socorro à ilha de Chipre. A Liga entre Espanha e Veneza deveria ter um carácter defensivo e ofensivo, e ajustar-se para sempre ou, pelo menos, por um tempo determinado. Felipe II inicia negociações, enviando embaixadores. O Papa São Pio V nomeia Marco António Colonna (conhecido de Felipe II e de Veneza) como chefe da esquadra auxiliar pontifícia.


Seis Meses perdidos em negociações.


1º) Sob a égide e mediação do Pontífice Romano, começaram as negociações. Com um discurso inflamado, o Papa convocava a todos para uma nova cruzada.

2º) Jogos de interesses. Os Espanhóis desconfiavam das intenções dos venezianos e queriam cobrar mais caro pelos cereais. Os venezianos se diziam impossibilitados de contribuir com mais de uma quarta parte dos gastos de guerra, quando eram sobejamente conhecidas as possibilidades do tesouro da Senhoria…

3º) Apesar de seu temperamento fogoso, o Papa São Pio V intervinha com uma paciência e cordura heróicas.

4º) Sugestão de Dom João d’Áustria como Generalíssimo dos Exércitos Cristãos. Irmão bastardo do Rei Felipe II, jovem de 24 anos e maneiras profundamente aristocráticas que a todos impressionava.

5º) Peste atacava a esquadra veneziana e os turcos atacavam a ilha de Chipre, a qual caía depois de 48 dias de resistência heróica.

6º) Desânimo na cristandade. Não seria melhor atacar separados mesmos?

7º) O Papa São Pio V reclama e diz que a culpa é dos príncipes católicos, os quais deviam arrepender-se de sua atitude antes que fosse tarde demais e só expiariam sua falta se se resolvessem afinal a unir-se na defesa da causa da Cristandade.

8º) Os turcos sitiavam Famagusta, ameaçavam Corfu e Ragusa.

9º) O Núncio em Veneza, Facchinetti, anunciava, já em fevereiro de 1571, que se não se finalizasse a Liga, havia o perigo de que Veneza pedisse a Paz e cedesse Chipre, desfazendo a possibilidade de reagir contra os otomanos.


Forma-se a Liga. Em março chegaram, com diferença de apenas dois dias, a resposta do Rei da Espanha e do Doge de Veneza.

1º) Superadas as pequenas desavenças restantes, forma-se a Liga, que devia ser estável, ter um carácter defensivo e ofensivo, e dirigir-se não somente contra o sultão, mas também contra seus Estados tributários, Argel, Túnis e Trípoli.

2º) A tríplice aliança contaria com duzentas galeras, cem transportes, 50 mil infantes espanhóis, italianos e alemães, 4.500 cavalos-ligeiros, e o número de canhões necessários.

3º) O Papa arcaria com a sexta parte dos gastos, a Espanha com três sextos e Veneza com o resto.

4º) O Sumo Pontífice publica um jubileu, toma parte nas procissões rogatórias e manda cunhar uma medalha comemorativa.


IV – Preparativos para a Batalha


O Papa São Pio V lembra a Dom João d’Áustria que ele ia combater pela Fé Católica e de que por isso Deus lhe daria a vitória.


O Papa envia o estandarte da Liga:


Era de damasco de seda azul e ostentava a imagem do Crucificado, tendo aos pés as armas do 
Papa, da Espanha, de Veneza e de Dom João.

1º) Dom João recebeu o estandarte solenemente, das mãos do Cardeal Granvela, na Igreja de Santa Clara, com a presença de muitos nobres, entre os quais os Príncipes de Parma e de Urbino. “Toma, ditoso Príncipe, disse-lhe o Cardeal, a insígnia do verdadeiro Verbo Humanado; toma o sinal vivo da santa Fé, da qual és defensor nesta empresa, ele te dará uma vitória gloriosa sobre o ímpio inimigo, e por tua mão será abatida sua soberba. Amém!”.

Avanço Turco. Angustiado com as notícias do avanço turco, São Pio V mandou uma carta a Dom João exortando-o a zarpar para Messina. Dom João chega a Messina. De uma formosura varonil, louro e de olhos azuis, no esplendor da juventude, profundamente aristocrático, o filho do imperador causou enorme impressão em Messina, onde foi recebido com júbilo indizível. Ardor da juventude de Dom João soma-se à experiência dos oficiais. Três semanas de deliberações por alguns desentendimentos. Uns queriam apenas a defesa, outros o ataque. O próprio Dom João hesitou. O Núncio exorta ao combate em nome de São Pio V. O Núncio ‘Odescalchi’, que viera distribuir partículas do Santo Lenho para que houvesse uma partícula em cada nau, comunicou ao Príncipe que o Pontífice lhe prometia em nome de Deus a vitória, por cima de todos os cálculos humanos, e mandava dizer que se a esquadra se deixasse derrotar “iria ele mesmo à guerra com seus cabelos brancos para vergonha dos jovens indolentes”.


Medidas morais de Dom João para preservar o ‘Carácter Sacral da Expedição’:


1º) Proibiu a presença de mulheres a bordo.

2º) Cominou pena de morte para as blasfémias.

3º) Enquanto esperava o regresso de uma esquadrilha de reconhecimento, todos jejuaram três dias e nenhum dos 81.000 marinheiros e soldados deixou de confessar-se e comungar, o mesmo fazendo os condenados que remavam nas galeras. Saída de Messina a caminho da guerra. Nos dias 15 e 16 de Setembro o espectáculo foi deslumbrante. As naus começaram a mover-se duas a duas, encimadas por bandeiras cujas cores as distinguiam segundo a posição que assumiriam na batalha. À frente tremulavam as bandeiras verdes de Andrea Doria, o comandante dos espanhóis. Em seguida vinha a batalha, ou centro, com suas bandeiras azuis, e o gonfalão de ‘Nossa Senhora de Guadalupe’ sobre a Nau de Dom João d’Áustria. Os estandartes do Papa e da Liga ficaram guardados para o momento do embate. À direita da batalha vinha Marco António Colonna na nau-capitânia do Papa, à esquerda, o veneziano Sebastião Veniero, grande conhecedor das lides do mar, com seus setenta anos vigorosos, altivamente em pé na Proa de sua nau. A divisão de Veneza, comandada pelo nobre Barbarigo, seguia atrás, com bandeiras amarelas, as bandeiras brancas de Dom Álvaro de Bazán, Marquês de Santa Cruz, fechavam aquele imponente cortejo naval. O Núncio papal dava a bênção a cada barco que passava com seus cruzados piedosamente ajoelhados.


V - Em Direção à Batalha


Sinais da passagem dos turcos:


Restos carbonizados de igrejas e casas, objectos de culto profanados, corpos dilacerados de Sacerdotes, mulheres e crianças covardemente assassinados.
Inconformidade católica

Localização da esquadra inimiga:

Lepanto, porto localizado pouco mais ao sul, no estreito de igual nome, o qual liga o Golfo de Patras ao de Corinto.


A 6 de Outubro, notícia de que Famagusta, capital de Chipre, caíra em poder do Crescente e que o General Mustafá cometera as piores atrocidades com o comandante da praça, Marco Antonio Bragadino, a quem mandara esfolar vivo e cuja pele, cheia de palha, fizera conduzir por toda a cidade. Cresce a inconformidade católica e o desejo de combater os infiéis. Céu cinzento e cheio de névoa, vento que detinha os católicos e puxava os otomanos para fora do estreito de Lepanto, facilitando o combate. 7 de Outubro, domingo, duas horas da madrugada, um vento fresco vindo do poente limpou o céu, prometendo um dia ensolarado. Antes do amanhecer as naus católicas levantaram âncoras e adentraram no estreito de Lepanto. Levanta-se a bandeira que sinaliza a presença do inimigo. Ordem para formar para a batalha. Troar de canhão. Içado o estandarte da Liga no mastro mais alto da Galera-Capitânia. “Aqui venceremos ou morreremos”, bradou Dom João.


VI – Formação para o Combate


A esquadra católica procurou-se estender o quanto pôde, desde o litoral etólio até o alto mar. Dom João comandava o centro, ladeado por Dom Colonna e Dom Veniero, o catalão Dom Roqueséns vinha um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 naus, formava a ala direita, em direção ao mar alto. As 35 embarcações, do Marquês de Santa Cruz aguardava ordens à retaguarda, para uma eventual intervenção.

O Almirante Ali-Pachá também dispôs sua esquadra para o combate


1º) O Generalíssimo Turco parecia querer investir resolutamente pelo centro e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se da sua superioridade numérica sobre estes (286 naus contra 208). O Vento soprava de leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos tinham que se mover à força de remos. 4 horas, até que as duas armadas estivessem prontas para o combate. O vento amainara.


“Não é mais hora de falar, mas de lutar”, respondeu Dom João a Doria, que queria propor um ‘Conselho de Guerra’ e discutir se convinha ou não dar combate a um inimigo numericamente superior. Conselho prudente de Doria indicando que cortasse o enorme esporão que pesava na proa das galeras. Passagem em revista às tropas. O comandante supremo apresentou-se aos nobres e à tripulação de cada nau levando na mão um crucifixo, e conclamando com ardor para o lance iminente: “Este é o dia em que a Cristandade deve mostrar seu poder, para aniquilar esta seita maldita e obter uma vitória sem precedentes”. E, mais adiante: “É pela vontade de Deus que viestes todos até aqui, para castigar o furor e a maldade destes cães bárbaros, todos cuidem de cumprir seu dever. Ponde vossa esperança unicamente no Deus dos Exércitos, que rege e governa o mundo universo”. A, outros dizia: “Lembrai-vos de que combateis pela Fé: nenhum poltrão ganhará o Céu”. Distribuía escapulários, medalhas e rosários. O inimigo cantava com suas cornetas, vociferações, címbalos e cimitarras. Diziam: “Esses cristãos vieram como um rebanho para que os degolemos”. A ordem dada por Ali-Pachá era de não fazer prisioneiros. O Príncipe Dom João ajoelha e reza. Todos os seus homens fazem o mesmo. No meio de um silêncio grandioso os Religiosos davam a última bênção e a absolvição geral aos que iam expor-se à morte pela Fé.

VII – A Batalha tem início



O Almirante Otomano Ali-Pachá Reis dá o tiro de canhão para chamar os cristãos à luta. Dom João aceita o desafio, respondendo com outro tiro. O Vento mudara inesperadamente. O primeiro tiro que partira contra os infiéis lhes afundara uma galera. Aos gritos de “vitória, vitória, Viva Cristo!”, os cruzados lançaram-se com toda a energia na Batalha.


Estamos no dia 7 de Outubro de 1571. A ‘Batalha de Lepanto’, entre ‘Reinos Cristãos’ e os ‘Turcos’ foi a maior ‘Batalha Naval no Mediterrâneo’ depois da ‘Batalha de Actium’ em 31 Antes de Cristo. Dos cerca de 30.000 homens de armas que deveriam embarcar, dois terços eram pagos pela coroa dos Habsburgos e os restantes por Venezianos, Genoveses, Estados do Papa e Cavaleiros da Ordem de Malta. Depois de várias movimentações e após a esquadra se ter reunido em Messina, no estreito que separa a península itálica da Sicília, a frota dirige-se para oriente para enfrentar os Otomanos, que julgavam serem em menor numero. As duas frotas enfrentam-se na manhã do dia 7 de Outubro e cada uma delas divide-se em três grupos. O principal combate ocorre no grupo central, quando as forças turcas sob o comando de Ali Pasha Reis atacam directamente a engalanada Galera Real onde seguia Dom Juan de Áustria. 



Ocorre, que a disposição da frota cristã, incluía um tipo de navio, construído nos arsenais de Veneza, o qual tinha sido mantido em segredo. Em frente da primeira linha central das forças de galeras cristãs, foram colocadas duas grandes Galeaças Venezianas.



Estes navios, tinham uma mobilidade reduzida, mas ao contrário das galeras, tinham um castelo de proa redondo equipado com nove canhões e ao mesmo tempo dispunham de seis canhões que permitiam disparar bordadas contra as galeras turcas. Quando a Frota Turca, segue a grande galera de Ali Pasha, que se atira contra o navio de Dom Juan de Áustria, sofre um intenso ataque de artilharia das enormes galeaças venezianas.


Quando os navios turcos e cristãos se engancham, vários ocorrem para ajudar no combate, tendo lugar praticamente um combate terrestre a bordo de vários navios encostados uns aos outros numa enorme confusão de fumo, sangue e pólvora.


Porém, os navios turcos que vão em socorro da galera de Ali Pasha, não conseguem chegar sem antes serem fortemente bombardeados pelas lentas e desajeitadas galeaças de Veneza, que embora desajeitadas contam com 40 canhões de vários tipos. Nestas condições as forças cristãs conseguem vantagem táctica, porque conseguem fazer chegar navios frescos au combate, enquanto os turcos não o conseguem fazer.


É assim afundado o Navio de Ali Pasha e o destino da batalha começa a tornar-se óbvio. Entretanto, as galeaças que tinham sido deixadas para trás, voltam lentamente para a refrega, utilizando o poder dos seus 40 canhões, para destruir ou danificar muitos dos navios turcos que entretanto se tinham desviado para norte.



As outras duas batalhas que ocorreram com as restantes divisões, também acabaram por ser favoráveis aos cristãos, mercê da superioridade da artilharia dos navios venezianos e da intervenção de uma pequena esquadra de reserva de cerca de 30 galeras comandadas por Dom Álvaro de Bazan.


A Batalha de Lepanto, foi a mais memorável vitória militar de Veneza, e o dia passou a ser feriado nacional. Ela marcou que também no Mediterrâneo, era o poder dos canhões de navios pesados que decidia o destino dos conflitos. Para a coroa dos Habsburgos, a batalha também foi um sucesso, mas os comandantes Hispânicos não conseguiram retirar nenhum tipo de lição da batalha, e concluíram que a batalha se ganhou por causa da capacidade dos seus navios transportarem homens em quantidade para vencer a refrega no mar, com infantaria e não por causa da artilharia.


Esse tremendo erro de análise, viria a assombrar o ‘Império dos Áustrias’, e acabaria por influenciar o resultado da batalha que haveria de ocorrer 17 anos depois, com aquela que ficou conhecida pelos britânicos como ‘Armada Invencível’.



Ao ter tirado conclusões erradas, os comandantes militares Hispânicos não entenderam que a realidade da guerra naval tinha efectivamente mudado. Essa falha e o erro nas conclusões tiradas permitem afirmar que embora com uma vitória, é em Lepanto, que começa o longo declínio ‘Naval do Império dos Habsburgos Espanhóis’.



As perdas dos infiéis tinham sido enormes:


De 30 a 40 mil mortos, 8 a 10 mil prisioneiros (entre os quais dois filhos de Ali-Pachá e quarenta outros membros das famílias principais do império), 120 galeras apresadas e cinquenta postas a pique ou incendiadas, numerosas bandeiras e grande parte da artilharia em poder dos vencedores. Doze mil cristãos escravizados alcançaram a liberdade.

A Liga perdeu doze galeras e teve menos de 8 mil mortos

Soube-se depois que, no maior fragor da batalha, os soldados de Mafona tinham avistado acima dos mais altos mastros da esquadra católica, uma Senhora que os aterrava com seu aspecto majestoso e ameaçador.

VIII – A Visão do Papa São Pio V



Em Roma, o Papa aguardava notícias

1º) Redobrara de orações e jejuns pela vitória e instava para que Monges, Cardeais e fiéis rezassem e jejuassem na mesma intenção.

2º) Confiava na eficácia do Rosário

No dia 7 de Outubro ele trabalhava com seu Tesoureiro, Donato Cesi, o qual lhe expunha problemas financeiros. De repente, separou-se de seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase. Logo depois voltou-se para o Tesoureiro e disse-lhe: “Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas sim de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra acaba de vencer”. E dirigiu-se à sua capela. Chegam as notícias duas semanas depois. Na noite do dia 21 para 22 de Outubro o Cardeal Rusticucci acordou o Papa para confirmar a visão que ele tinha tido. Num pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: “Nunc dimitis servum tuum, Domine, in pace” (Luc. 2, 29). No dia seguinte é proclamada a feliz notícia em São Pedro, após uma procissão e um solene “Te Deum”. Dom João d’Áustria (Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João (Jo. 1, 6). Palavras de São Pio V sobre Dom João d’Áustria).

IX – Vitória da Virgem


O dia 7 de Outubro ficava consagrado a Nossa Senhora da Vitória, e mais tarde ao Santo Rosário. Na Ladainha Lauretana era acrescentada a invocação que nascera pela “vox populi” no momento da grande proeza: “Auxilium Christianorum”. Capelas com a invocação de Nossa Senhora das Vitórias começaram a surgir na Espanha e na Itália. O Senado veneziano pôs debaixo do quadro que representava a batalha a seguinte frase: “Non virtus, non arma, non duces, sed Maria Rosarii Victores nos fecit”. - “Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário é que nos deu a vitória“. Génova e outras cidades mandaram pintar em suas portas a efígie da Virgem do Rosário.

X – Plano do Papa São Pio V e sua morte

Seus Planos após a “maior vitória jamais obtida contra os infiéis”:

1º) Promover uma confederação europeia e obter o concurso de certos régulos maometanos rivais do Sultão, para expulsar da Europa o Crescente

2º) Investir contra Constantinopla

3º) Retomar o Santo Sepulcro

4º) Aniquilar definitivamente o perigo muçulmano.


A 1º de maio de 1572, morre São Pio V. A providência o poupou de ver que a vitória de Lepanto, depois de salvar a cristandade, ficaria sem consequências estratégicas e políticas imediatas. O último ato de governo de São Pio V consistiu em entregar a seu Tesoureiro um pequeno cofre com 13 mil escudos, dos quais costumava fazer suas esmolas particulares, dizendo-lhe: “Isto prestará bons serviços à guerra da Liga”. A Liga se desfez, o Rei da França propôs ao Sultão Otomano uma aliança contra a Espanha…

Galeaça Veneziana


A Galeaça veneziana foi o resultado da combinação de grandes navios de transportes a remos, que entretanto tinham deixado de ser economicamente viáveis com o aparecimento de maiores navios à vela. O navio tem a sua origem no início do século XVI e existiram desde 1530, planos tornados oficiais através de decreto, que determinavam a forma de construção destes navios e a constituição da sua tripulação.



Com 25 remos de cada lado, sendo cada remo movido por cinco remadores, o navio tinha ainda 300 homens de guerra (infantaria), 70 marinheiros para as funções gerais de navegação além claro dos remadores, o que totalizava 620 homens no total. A ideia era a de construir um grande navio que tivesse a mobilidade dos remos, que lhe permitia mover-se mesmo sem vento. Ao mesmo tempo o navio poderia transportar maior número de canhões, pois a reduzida capacidade de fogo era a principal desvantagem das grandes galeras quando os canhões passaram a ser a principal arma naval.



Assim, numa plataforma por cima dos remadores, estavam colocados seis canhões de cada lado que permitiam à galeaça disparar lateralmente, enquanto as galeras normais só podiam utilizar os seus canhões de proa. Adicionalmente, os venezianos colocaram nas suas galeaças uma torre de proa redonda, onde colocavam nove canhões que podiam disparar em qualquer direcção. A Galeaça dispunha assim de 21 canhões de maior calibre contra apenas 3 dos navios turcos e a esses 21 canhões somavam-se mais 20 canhões de pequeno calibre, colocados em pequenos suportes, utilizados normalmente como arma antipessoal e não para destruir os navios inimigos.


Este tipo de navio foi utilizado na Batalha de Lepanto e o seu poder de fogo e mobilidade fez com que fossem colocados na primeira linha da armada da ‘Santa Liga’, tendo funcionado como uma espécie de arma secreta de Veneza. No entanto, embora poderoso, este tipo de navio não podia aproveitar a vantagem da sua mastreação latina, pelo que embora teoricamente pudesse navegar contra o vento, o facto de os remos estarem bastante baixos, fazia com que não pudesse aproveitar os ventos navegando ‘à bolina’, o que implicaria uma grande inclinação do navio e inevitavelmente a entrada de grandes quantidades de água. Não obstante, as galeaças continuaram a ser consideradas navios poderosos e valiosos nas ‘Linhas de Batalha’. Os Reinos mediterrânicos da Coroa de Aragão, como a Catalunha e Nápoles copiaram este tipo de navio e outros países como a França, construíram posteriormente Galeaças mesmo até ao século XVIII, altura em que ainda havia galeaças no Mediterrâneo.



quinta-feira, outubro 30, 2014

Os Piratas da Barbária - XV-XVIII



Piratas do Norte de África


Piratas da Barbária, Piratas da Berbéria, piratas barbarescos, piratas berberescos, piratas berberes ou corsários otomanos, foi a designação dada aos piratas que até meados do século XIX operaram no Mediterrâneo ocidental e no Oceano Atlântico nordeste a partir de portos sitos na costa da Berbéria, ou seja na região litoral do Norte de África correspondente hoje às costas da Argélia, da Tunísia, da Líbia e a alguns portos de Marrocos. A sua principal base era em Argel, mas as cidades de Tunes, Trípoli e Salé eram também importantes centros da pirataria barbaresca. As suas principais presas eram embarcações pertencentes aos povos cristãos da bacia do Mediterrâneo, mas também pilhavam no Atlântico nordeste, incluindo navios de longo curso provenientes da Ásia, de África e das Américas. Para além dos ataques sobre a navegação, também organizavam incursões às povoações costeiras da Europa, destinadas à aquisição de saque e a capturar escravos que eram depois vendidos no Norte de África, na Turquia e no mundo muçulmano. Para além da costa mediterrânica da Europa, registaram-se importantes ataques na Madeira, nos Açores, na costa ibérica, na Irlanda e até na Islândia e na Gronelândia. Esta forma de esclavagismo, responsável pelo aprisionamento e venda como escravos de muitos milhares de cristãos de origem europeia, manteve-se até à década de 1830, terminando apenas quando a França conquistou Argel.


A actividade de piratas no Mediterrâneo ocidental foi uma constante desde o período de declínio do Império Romano, com a base das operações quase sempre centrada na margem norte-africana daquele mar. Daí que desde muito cedo os piratas que operavam naquele região fossem conhecidos por piratas da Barbária, derivando a sua designação não da barbárie do seu comportamento, mas do topónimo costa da Barbária, que desde os tempos medievais se aplicava ao troço ocidental da costa do Magrebe. Aquele topónimo deriva de substantivo berberes, o nome pelo qual eram conhecidos na Europa os povos que habitavam a região.


Na sua fase inicial, a pirataria incidia essencialmente sobre a navegação local no Mediterrâneo ocidental, com eventuais ataques a povoações costeiras menos defendidas, atingindo de forma indiferenciada todos os povos ribeirinhos. Contudo, a partir do período das Cruzadas e do início da reconquista cristã da Península Ibérica, esta forma de pirataria passou a ganhar contornos diferentes, concentrando-se sobre as embarcações e as costas ocupadas por povos cristãos, inserindo-se desta forma no conflito inter-religioso que se travava na região. Os piratas passaram a ser encarados como corsários, agindo legitimados pelo conflito que se travava.


A partir do século XIV, o declínio das dinastias berberes e o crescente número de refugiados de origem ibérica que acorriam ao Norte de África em resultado do avanço cristão na Reconquista, criaram condições que permitiram a solidificação das cidades base dos piratas como verdadeiras cleptocracias semi-independentes, legitimadas pela guerra inter-religiosa. Nesta fase, a cidade argelina de Bugia transformou-se no mais notório centro de pirataria do Mediterrâneo.


A partir dessa época, foram-se lentamente organizando as estruturas de poder que deram origem aos piratas da Barbária enquanto verdadeira força político-militar com profundo impacto na navegação internacional e na segurança das costas europeias, particularmente a partir do século XVI. Após o seu auge no século XVII, os piratas da Barbária entraram em declínio, até serem efectivamente erradicados na primeira metade do século XIX com a conquista francesa de Argel e a generalização da dominação colonial europeia sobre o Norte de África.


Vários eventos, resultantes da evolução geopolítica da região, influenciaram este curso de acontecimentos. Em primeiro lugar, a Tomada de Granada pelos Reis Católicos de Espanha, pondo em 1492 efectivo termo ao Al-Andaluz e, com ele, à presença muçulmana na Península Ibérica. Esse acontecimento forçou muitos milhares de mouros ao exílio, alimentando o ressentimento anticristão no Norte de África e fornecendo novos recrutas para a pirataria, agora claramente aceite como uma forma de retribuição e vingança. A estes refugiados, e aos habitantes locais, vieram juntar-se voluntários levantinos vindos do Médio Oriente, atraídos por motivações religiosas, mas também, como acontecia do lado cristão, pela oportunidade de aventura e de participarem numa actividade lucrativa. Em segundo lugar, a queda de Constantinopla e o reforço da hegemonia muçulmana no Mediterrâneo oriental, iniciando um crescente envolvimento otomano no Norte de África, que se traduziu na presença de um poder difuso que, sem conseguir dominar totalmente a política local, impedia o aparecimento de estruturas de poder que pusessem cobro à anarquia que se vivia na região.


Ao enquadramento geral atrás apontado sobrepuseram-se circunstâncias locais, pois na fase final da reconquista ibérica, Portugal e Castela começaram a atacar e a conquistar cidades na costa marroquina, com destaque para Ceuta e os seus domínios. A luta que aí se travou atraiu grande número de aventureiros do Médio Oriente e do Levante otomano. Esse movimento acelerou-se quando a Espanha atacou as cidades costeiras de Orão, Argel e Tunes, avançando para os limites orientais do Magrebe. Na defesa dessas cidades já era significativa a presença de voluntários turcos, a maioria, dos quais estava empenhada, na guerra como corsários.


Entre os mais famosos líderes corsários da época estavam os irmãos Barbarossa (os barba-ruiva), Hizir (também grafado Hayreddin, Khizr, Khair ad-Din ou Khair Ed Din) e Aruj (ou Oruç), súbditos otomanos oriundos de Mitilene. Capitaneando um decidido grupo de corsários, os irmãos Barbarossa conseguiram na década de 1500 ganhar o efectivo controlo da cidade de Argel e transformaram o seu porto na principal base dos piratas da Barbária.


Quando Oruç foi morto durante um ataque espanhol ocorrido em 1518, de que resultou a tomada de alguns ilhéus costeiros frente a Argel, onde instalaram um forte, Hizir solicitou a intervenção do sultão otomano Selim I, o qual, em troca de suserania sobre a cidade, acedeu e enviou tropas. Nos combates que se seguiram, em 1529 os espanhóis foram expulsos da região e Argel foi incorporada, embora mantendo ampla autonomia, no Império Otomano. Com isto, iniciou-se uma presença otomana no Norte de África, que duraria quatro séculos e consolidou-se a predominância daquela cidade como o principal centro da pirataria mediterrânica, posição que manteria até 1830.


Entre 1518 e a morte de Uluch Ali em 1587, Argel foi a capital do poder otomano no Norte de África, sede do governo dos beilerbeis que governavam Trípoli, a Tunísia e a Argélia. De 1587 a 1659, a cidade foi governada por paxás otomanos, enviados de Constantinopla com mandatos de três anos. Em 1659, uma revolta militar reduziu o paxá a uma figura sem real poder político, um mero representante de uma suserania distante e sem influência na condução da vida local.


A partir daquela revolta, estas cidades magrebinas, apesar de nominalmente fazerem parte do Império Otomano, eram na realidade repúblicas militares, com grande grau de anarquia na condução das suas políticas, que escolhiam os seus próprios governantes e se sustentavam quase exclusivamente do produto dos saques, da venda de escravos, da extorsão através da exigência do pagamento de tributos às potências que pretendiam navegar no Mediterrâneo e dos resgates que eram pagos pelos cativos europeus. Foi este o período áureo dos piratas da Barbária.


Durante aquele período também a estrutura do poder naval se alterou: se entre 1518 a 1587, os beilerbeis eram almirantes do sultão, que apesar dos seus métodos ferozes e de terem como política o saque das cidades costeiras e a captura de escravos, comandavam grandes esquadras e conduziam a guerra com claros fins políticos, pós 1587, o saque tornou-se o principal objectivo das forças navais das cidades norte-africanas, que passaram a viver quase em exclusivo dos lucros da actividade pirata.


Nesta segunda fase, as forças navais, agora mais pequenas e nalguns casos reduzidas a um único navio, passaram a ser financiadas por capitalistas (quase sempre ex corsários que haviam enriquecido) e eram comandadas por capitães, que usavam o título de rais ou reise e se organizavam de forma corporativa para exercer o poder na cidade e manter o controlo sobre os mares e sobre os mercados de escravos. A actividade pagava um dízimo (10%) para os cofres do paxá ou seus sucessores, os quais passaram a usar os títulos de bei ou dei. Entre os corsários otomanos famosos que nesta época tiveram a sua base em Argel contam-se Turgut Reis (conhecido como Dragut no Ocidente), Kurtoğlu (conhecido como Curtogoli), Kemal Reis, Salih Reis, Koca Murat Reis e Murat Reis.


Na fase inicial da sua consolidação como força naval, os piratas da Barbária utilizavam essencialmente galés construídas em Bugia, com a madeira das montanhas daquela região. Esta circunstância limitava a sua acção às zonas costeiras e às águas calmas do Mediterrâneo, já que à força de remos não eram possíveis grandes viagens e a dimensão dos navios era limitada pela necessidade de reduzir o seu peso. A partir de finais do século XVI, os piratas argelinos passaram a usar navios à vela, em boa parte resultado das inovações tecnológicas trazidas por europeus convertidos aoIslão que se juntavam às hostes piratas. Entre estes convertidos conta-se o holandês Simon de Danser, que teve um papel relevante na introdução das tecnologias da vela na actividade dos piratas da Barbária. A presença de convertidos europeus era aliás comum, tendo contribuído de forma substancial para o progresso tecnológico da construção naval, da navegação e da marinharia de que os piratas dispunham. Entre os convertidos mais famosos conta-se um membro da família aristocrática inglesa Verney e Jan Janszoon, um holandês que sob o nome de Murat Reis comandou forças piratas no Atlântico Norte, atacando a Islândia. Com a introdução dos navios à vela e das técnicas europeias de navegação, a partir de meados do século XVII, os piratas da Barbária começaram a chegar regularmente às ilhas e às costas europeias do Atlântico, ameaçando a navegação em todo o Atlântico Nordeste.


Estes desenvolvimentos levaram a que na primeira metade do século XVII os piratas da Barbária atingissem um tal grau de actividade que passaram a ameaçar virtualmente toda a navegação nas costas europeias, atacando anualmente centenas de navios e raptando para resgate ou para venda como escravos muitas dezenas de milhares de europeus. Por esta altura estimava-se que estivessem cativos em Argel cerca de 20 000 europeus. Enquanto os ricos conseguiam pagar resgate e eram libertados, os mais pobres ficavam dependentes do pagamento de resgate por parte dos soberanos respectivos ou por organizações caritativas especialmente criadas para o efeito, acabando na maior parte dos casos por ser vendidos como escravos. As mulheres, particularmente as mais jovens, eram quase de imediato vendidas para o harém dos ricos e poderosos. Eventualmente alguns eram libertados pelos seus senhores depois de se converterem ao Islão. Muitos dos prisioneiros acabavam por morrer agrilhoados aos remos das galés. Ao tempo, Argel era uma cidade onde se encontravam gentes trazidas de todas as costas da Europa e da África e o maior centro de comércio de escravos do Mundo.


Nesta época tornou-se quase uma fatalidade para quem se aventurava a viajar pelo mar ter de enfrentar ataques corsários. Alguns dos principais intelectuais portugueses e espanhóis (como Miguel de Cervantes), mas também muitos da Europa do Norte, experimentaram o cativeiro na costa da Barbária, sendo abundantes os relatos de dos eventos a ele ligados. Para se ter uma ideia da dimensão que atingiu a pirataria da Barbária, note-se que entre 1609 e 1616 os registos do almirantado do Reino Unido assinalam a captura de 466 navios britânicos, a maioria dos quais nas águas próximas às costas inglesas.


Apesar dos ataques dos piratas da Barbária serem mais comuns nas águas e costas do sul de Espanha, nas ilhas Baleares, Sardenha, Córsega, ilha de Elba e nas costas da Península Itálica (especialmente na Ligúria, Toscana, Lácio, Campânia, Calábria e Apúlia), Sicília e Malta, também atacavam frequentemente a costa atlântica da Península Ibérica. Em 1617, piratas argelinos e salentinos lançaram um poderoso ataque ao litoral cantábrico e galego e saquearam e destruíram Bouzas, Cangas e as igrejas de Moaña e Darbo. Uma tentativa de tomada de Vigo foi repelida pela guarnição da cidade. Mesmo regiões relativamente distantes do Mediterrâneo não estavam a salvo. Na Islândia, em 1627 o capitão pirata Murat Reis saqueou várias povoações costeiras, incluindo as ilhas Vestmannaeyjar, levando consigo 242 prisioneiros, a maioria dos quais morreria em cativeiro. Entre os cativos de Vestmannaeyjar estava Oluf Eigilsson, que foi libertado contra o pagamento de um resgate e que escreveu em 1628 um detalhado relato da sua experiência. Em Junho de 1631, o mesmo Murat Reis, com piratas de Argel e tropas otomanas, tomou a vila irlandesa de Baltimore, no condado de Cork, capturando a maioria dos habitantes, os quais foram vendidos como escravos no Norte de África. Existe o registo de cativos portugueses, como Maria, resgatada ao fim de 12 anos com sua filha, ou o padre Romão Furtado de Mendonça, ambos regatados junto com outros 365 cristãos pelos frades trinitários.

"No primeiro resgate, em 1720, os frades trinitários tentaram resgatar todos os cristãos cativos, mas não o conseguiram, deixando para trás pelo menos quarenta, que não estavam em Argel por se encontrarem obrigados a atividades de corso ou simplesmente porque o bei não tinha autorizado. Entre os 365 cristãos resgatados estavam os “brasileiros” padre Romão Furtado de Mendonça, natural do Rio de Janeiro, de 27 anos, Miguel de Sequeira, homem negro, marinheiro, natural do Pará, de 57 anos; Esperança, mulher negra, natural do Maranhão, de 25 anos; e Manuel Tapuia, natural do Pará, de 14 anos, todos eles com um ano de cativeiro. Possivelmente viajavam numa charrua – veleiro lento, com grandes porões e armamento reduzido – do Maranhão, que fora aprisionada perto da costa brasileira, e da qual o próprio contramestre, Agostinho de Medeiros e Paiva, de 29 anos, natural da Ilha de São Miguel, nos Açores, também fora resgatado. Houve ainda a libertação de Maria, mulher negra, natural de Pernambuco, de 26 anos e já com 12 anos de cativeiro. Foi resgatada juntamente com sua filha Josefa, de dois anos, nascida em Argel."

"Em 1731 foram resgatados e libertados 193 cativos, dos quais sete foram trocados por muçulmanos. Por falta de dinheiro, os frades deixaram de resgatar outros 24. Neste resgate, entre os cativos provenientes de terras brasileiras estavam o padre Francisco da Rocha Lima, cônego da Sé de Grão Pará, natural de Ponte de Lima, de 42 anos e três de cativeiro. Custou este cativo, em moeda argelina, 1771 patacas, que correspondia a 1328$250 réis. Inácio Machado, mestre em calafetação, homem pardo, filho de Ventura Rodrigues, natural de Sergipe de El Rei, de 23 anos e cinco anos de cativeiro, custou 857 patacas, ou seja, 642.750 réis."

"O último resgate geral do reinado de D. João V ocorreu em 1739 e libertou 178 cativos portugueses, 11 por troca com mouros das galés. Entre os resgatados do Brasil estava Luísa Maria, mulher negra, natural da Bahia, com 21 anos de idade e dois de cativeiro, e Antônio Fernandes da Silva, marinheiro, natural de Pernambuco, filho de Silvestre Fernandes de Silva, de 27 anos de idade e quatro de cativeiro."

"Entre quase um milhar de cativos resgatados de Argel nesse período, encontramos reinóis provenientes das ilhas atlânticas, da costa do Algarve (sul de Portugal), das cidades de Setúbal, Lisboa, Peniche e outras zonas portuárias portuguesas. Mas surgiram também cativos naturais do Brasil, prova de que saques e atividades de corso eram realizados em pleno Atlântico e, talvez, até mesmo na costa brasileira."

No que respeita à pirataria no mar, todos os navegantes pertencentes a povos que não pagassem tributo aos piratas estavam em risco, mas mesmo aqueles pagamentos, em geral disfarçados sob a forma de ofertas e resgates, não garantiam absoluta segurança, já que os piratas não tinham uma estrutura centralizada de comando, podendo cada um atacar as presas da sua escolha. Mesmo os mais poderosos Estados europeus se viram compelidos ao pagamento de tributos e resgates e a tolerar o desrespeito pela sua bandeira nos mares.


Esta situação levou ao aparecimento de ordens religiosas especializadas na recolha de fundos para a redenção dos cativos, entre as quais a Congregação do Santíssimo Redentor e os Lazaristas, recebendo e administrando numerosos legados que para o efeito eram deixados em muitos países. Na maioria das nações ribeirinhas foram criados especiais tributos destinados à remissão dos cativos, criando-se toda uma organização político-religiosa cuja única missão era o pagamento do resgate de conterrâneos aprisionados. Foi assim que em Portugal surgiu o cargo de mamposteiro-mor e de mamposteiros em diferentes cidades e que o tributo para a remissão dos cativos se manteve até ao século XIX. A partir dos meados do século XVII o progressivo fortalecimento dos Estados europeus levou a que a existência dos piratas da Barbária dependesse das rivalidades e dos desentendimentos entre aqueles Estados, o que os piratas souberam aproveitar com grande habilidade diplomática: a França encorajou a sua existência e utilizou-os como arma contra os interesses espanhóis, pouco depois foram os britânicos e os holandeses que os utilizaram contra os interesses franceses, num ciclo de rivalidades e guerras em que cada um dos contendores tentava comprar os serviços dos piratas para a sua causa, através de tributos e de uma mal disfarçada neutralidade em relação às suas actividades contra nações terceiras. Todas as potências estavam interessadas em obter imunidade para os seus navios, mas todas estavam interessadas em que os ataques contra rivais continuassem, o que impedia ataques concertados e consequentes contra os piratas. Em 1655 o almirante britânico Robert Blake foi enviado numa expedição punitiva contra os piratas tunisinos, infligindo uma pesada derrota à cidade de Tunes e aos seus piratas. Nos anos subsequentes, durante o reinado de Carlos II de Inglaterra, as forças navais britânicas envolveram-se numa longa sequência de expedições punitivas contra os piratas da Barbária, isoladamente ou em colaboração com os neerlandeses.


Em 1682 e 1683, os franceses bombardearam Argel. Naquele último ano, os argelinos atiraram o cônsul francês contra os navios, transformado numa bala humana. É muito extensa a lista das expedições punitivas organizadas por Estados europeus contra os piratas da Barbária, percorrendo toso o século XVIII até às operações americanas 1801-1805 (Primeira Guerra da Barbária) e 1815 (Segunda Guerra da Barbária). Apesar desses numerosos ataques, os europeus nunca tentaram destruir realmente os piratas e quase sempre, no final das operações, a potência envolvida acabava por pagar tributo e firmar acordos mais ou menos apaziguadores com os piratas e com as respectivas cidades. Entretanto, as frequentes guerras intra-europeias permitiam aos piratas quebrar os seus compromissos sem medo de represálias e aproveitar a ocasião para obter novos pagamentos. Nesse contexto, figuras públicas britânicas dos finais do século XVIII não se coibiam de afirmar que os piratas da Barbária eram úteis aos seus interesses nacionais pois ajudavam a controlar o crescimento do comércio dos povos do Sul da Europa. Quando Edward Pellew, o 1.º visconde de Exmouth, foi enviado em 1816 numa expedição punitiva contra os piratas argelinos, numa carta privada expressou dúvidas sobre a aceitabilidade da expedição pela classe mercantil britânica, então interessada no efeito negativo da pirataria sobre os interesses comerciais franceses e espanhóis.


Entretanto, a independência dos Estados Unidos da América trouxe um novo contendor, não envolvido no sistema de rivalidades europeias, que veio introduzir alguns elementos de desequilíbrio no sistema: em 1784, apenas um ano após o estabelecimento da paz com a Grã-Bretanha, um navio americano foi aprisionado por piratas de Salé. Apesar de Marrocos ter sido em 1778 um dos primeiros Estados a reconhecer os Estados Unidos da América, após seis meses de negociações os americanos foram obrigados a pagar a então elevada soma de $60.000 para poderem navegar sem risco de apresamento. Com os piratas argelinos a situação era ainda pior, pois em 1784 dois navios mercantes americanos (Maria de Boston e Dauphine de Filadélfia) foram capturados, vendidos e os seus tripulantes reduzidos à escravatura, sendo obrigados a trabalhar, em condições inumanas, nas obras das fortificações portuárias até que chegasse o dinheiro do respectivo resgate. Em 1786, Thomas Jefferson, então embaixador americano em França, e John Adams, embaixador no Reino Unido, encontraram-se em Londres com Sidi Haji Abdul Rahman Adja, o embaixador de Tripoli naquela capital. Pelos prisioneiros Argel queria $60.000, enquanto os americanos apenas podiam oferecer $4.000, pelo que tiveram de permanecer 11 anos no cativeiro. Face a esta situação e à inexistência de forças navais americanas que pudessem proteger os seus navios, os americanos passaram a procurar a proximidade de comboios organizados por potências europeias que lhes dessem protecção. Durante alguns anos Portugal manteve na zona do Estreito de Gibraltar uma presença naval (Esquadra do Estreito), impedindo a entrada de piratas argelinos no Atlântico. Contudo, quando Portugal celebrou um acordo de tributo com os piratas, estes voltaram ao Atlântico Norte e em 1793 já tinham aí aprisionado uma dezena de navios americanos. Apesar de Portugal ter oferecido protecção aos navios americanos, tal foi considerado insuficiente e, depois de um sério debate, em Março de 1794 foi decidido criar a United States Navy, sendo autorizada a construção das primeiras seis fragatas. O uso de forças navais americanas, com a primeira acção do United States Marine Corps, foi um ataque a Tripoli, hoje lembrado no verso "to the shores of Tripoli" inscrito no seu hino.


O fim dos piratas da Barbária chegou com a paz geral de 1815 que pões termo às Guerras Napoleónicas na Europa. No novo contexto de paz deixou de ser tolerável o constante insulto dos piratas, agora amplificado pela nascente imprensa. O momento decisivo surgiu quando um esquadrão tunisino saqueou a vila de Palma na Sardenha, raptando 158 dos seus habitantes. A indignação da imprensa europeia foi enorme a pressão pública a favor de uma intervenção militar cresceu por todo o continente. Simultaneamente ia ganhando força a campanha em favor da supressão da escravatura e do fim do tráfego negreiro. Com a aquisição de Malta e das ilhas Jónicas, a Grã-Bretanha foi ganhando um papel preponderante no Mediterrâneo, abraçando a questão da supressão do tráfego de escravos como uma sua prioridade, tema que foi incluído nas discussões do Congresso de Viena. Foi nesse contexto que em 1816 se realizou a expedição comandada por lorde Exmouth, enviada a Tunes e a Argel com o objectivo de forçar a aceitação de tratados que proibiam a pirataria e a aquisição de escravos. Obtidos os tratados regressou à Grã-Bretanha, sem saber que entretanto um grupo de britânicos tinha sido escravizado em Annaba. Face a essa provocação, o governo britânico enviou a expedição de volta para obter reparação, e a 17 de Agosto daquele ano de 1816, as forças britânicas em combinação com forças neerlandesas comandadas pelo vice-almirante Theodorus Frederik van Capellen infligiram um devastador bombardeamento a Argel. Face ao novo denodo com que os europeus lidaram com a provocação, os piratas de Argel e de Tunes libertaram mais de 3000 prisioneiros e fizeram novas promessas de cessar os ataques contra os europeus. Apesar disso, pouco depois os piratas de Argel retomaram as suas actividades, embora numa escala mais reduzida. Face a esse incumprimento, em 1818 reuniu uma congresso internacional em Aix-la-Chapelle (Congresso de Aix-la-Chapelle (1818)) para determinar novas medidas, e em 1824 outra força britânica, agora sob o comando de Sir Harry Neal, bombardeou severamente Argel.


Apesar disso o fim da pirataria com base em Argel apenas ocorreu com a conquista da cidade pelos franceses em 1830. No resto da costa ainda se foi mantendo até ao início do século XX, altura em que a dominação colonial europeia a suprimiu.