A Guerra travada no mar
A realidade recente demonstra que as guerras só se ganham em terra, pois só aí é possível conquistar posições, territórios, riqueza e, subsequentemente, o poder que emana destas conquistas. Contrariamente, as vitórias no mar não são tão evidentes, nem o mar pode ser alvo de ocupação permanente, mesmo nos dias de hoje, salvo quando é efectuada uma acção anfíbia. Pode definir-se que um dos grandes objectivos de uma força naval, se não o principal, é a destruição da força inimiga, o que resultará numa vitória. O modo como essa vitória é alcançada, através de uma grande batalha ou através de um bloqueio, por exemplo, pode ser considerado irrelevante, desde que tal resulte no controlo do mar. Para além desse objectivo, por ventura mais imediato, uma vitória naval provoca também um desgaste no adversário, pois reduz os recursos essenciais para que este consiga, por seu lado, obter o controlo naval: capital, tecnologia e homens treinados. No primeiro caso, convém relembrar que um navio de guerra, para além de ser uma das mais complicadas máquinas de todos os tempos, também os custos de construção, apetrechamento e manutenção são elevadíssimos. Em relação ao segundo, numa vitória naval, para além dos navios que resultavam em perda total, por afundamento ou incêndio, muitos outros navios eram capturados, o que resultava que o vencedor podia copiar, para os seus navios, quaisquer inovações que estes possuíssem. Por fim, importa relembrar que a perda, por morte ou incapacidade, resultante de ferimentos ou captura, de homens treinados era, talvez, o mais difícil de substituir a curto prazo. (Relembro, que um navio demorava, em média, um a dois anos a construir e, um homem, vários anos a treinar.) A acrescentar a todas estas perdas, convém não esquecer outras, ainda que não palpáveis, mas é bem real, que são os danos morais, solvência financeira e poder político. Os danos morais aqui mencionados, referem-se ao sentimento de derrota que rapidamente, se apodera daqueles que sobreviveram e que muitas vezes assistiram, impotentes, à morte dos seus camaradas de armas. No segundo caso, e se houver vontade em tentar recuperar a posição dominante perdida, torna-se necessário, pelas razões atrás apontadas, atribuir grandes verbas que, deste modo, não poderão ser empregues noutras áreas mais produtivas. Por fim, um derrota naval, que poderá ter impacto em todas as áreas anteriormente mencionadas, te-lo-à, necessariamente, no poder político dos vencidos. De salientar que, o facto de, normalmente, os combates navais não se realizarem na presença de populações indefesas, estes não provocavam o desgaste politico que ocorre nos combates em terra, quer nos vencidos, como nos vencedores. No entanto, surgem excepções, mesmo na época em estudo, como foi o caso da fragata espanhola Nª Srª de las Mercedes, que se afundou ao largo do Algarve com vários civis a bordo, quando atacada por navios ingleses. Mesmo para a época, esta acção dos navios ingleses foi muito contestada, porque também não existia uma situação de guerra declarada entre os dois reinos. Esta acção é um claro exemplo da doutrina ofensiva que era utilizada pelas forças navais inglesas no combate naval da época da vela e, principalmente, a partir de finais do século XVII até ao século XIX, em oposição de uma mais defensiva, utilizada pelos seus adversários. Este modo de actuação nos finais da navegação à vela era, em tudo semelhante, ao que desde os inícios do século XVI praticavam os portugueses, em especial no Índico e, mais tarde, pelos franceses e ingleses, contra a navegação Ibérica. Na atitude ofensiva, mais utilizada pelos ingleses, conforme já foi referido, estes buscavam e provocavam o combate, sempre que a oportunidade surgia (Convém lembrar que, em especial nos finais do século XVIII, inícios do século seguinte, as forças navais inglesas bloquearam as forças francesas e espanholas nos seus portos, fazendo com que fosse raro que estas se fizessem ao mar e, consequentemente, se travassem combates navais entre forças numerosas, mesmo quando se encontravam em inferioridade numérica. Por esta razão, os seus almirantes empregavam, mais facilmente, tácticas pouco ortodoxas que lhes permitia contrariar a doutrina naval padrão da época - o combate em linha. (Considera-se que esta táctica no combate naval surgiu durante as guerras entre a Inglaterra e a Holanda, meados do século XVII, precisamente numa altura em que se começou a verificar uma certa uniformização dos navios europeus.) - (cortando a linha do inimigo vindo de barlavento, colocando-o, deste modo, entre dois fogos ambos). Esta manobra era muito arriscada, pois posicionava os navios atacantes ao alcance do tiro das baterias dos navios adversários, sem que aqueles pudessem responder (Relembro que os navios desta época levavam a maior parte do seu poder de fogo em ambos os bordos dos navios, por limitações do desenho dos navios e das características das peças da época), até ao momen- to em que cruzava a linha inimiga (Esta situação foi o que ocorreu na célebre batalha naval de Trafalgar, em que os ingleses, comandados por Nel. Nesta altura, os navios ingleses que conseguiam manter um ritmo de fogo muito elevado, metralhavam os navios inimigos até que estes arriassem a sua bandeira, o que indicava a sua rendição. Esse ritmo de fogo elevado, não derivava, somente, do treino das guarnições, mas também, e neste caso á semelhança com o que ocorreu em 1588 na Felicíssima Armada, de tácticas diferentes. Desde os finais do século XVII, e ao contrário da doutrina dos finais do século XVI, que os ingleses só disparavam quando os navios se encontravam muito perto, permitindo deste modo, que os seus disparos fossem muito certeiros e eficazes. Já os franceses e, também em certa medida os espanhóis, abriam fogo com os navios muito afastados, pelo que, quando os navios se encontravam perto, os seus artilheiros já se encontravam cansados, quando comparados com os ingleses. Deste modo, estes conseguiam, naquele momento em particular, um ritmo de fogo superior aos seus adversários. A segunda, que era principalmente utilizada pelos franceses e pelos espanhóis (até porque muitas vezes se encontravam em inferioridade numérica e importava minimizar as perdas de unidades navais) era dos navios se manterem a sotavento. Esta posição, que permitia aos seus navios retirarem-se com maior facilidade tinha, no entanto, diversas implicações ao nível da dou- trina do emprego da artilharia, pois o objectivo passava a ser a imobilização do inimigo. Para alcançar este objectivo, efectuavam um tiro a maior distância, tentando atingir os mastros – o que implicava uma maior pontaria (Nesta época, e mesmo utilizando diversos dispositivos especialmente inventados para provocar danos no aparelho vélico dos navios, era muito difícil fazer-se uma pontaria precisa, não só pelo tipo de peças, mas principalmente, pelos movimentos que os navios efectuavam, em especial no balanço transversal. e não um maior ritmo de fogo. A própria inclinação dos navios devido ao vento, levava a son, e apesar de se encontrarem em inferioridade numérica, atacaram a força conjunta franco-espanhola. Contudo, o facto do vento estar a soprar muito fraco, colocou os navios ingleses muito tempo sob o fogo da artilharia franco- espanhola, até que estes, finalmente, cruzaram a linha adversária. que um navio de sotavento tivesse maior propensão para disparar contra o velame e mastreação, enquanto que um navio vindo de barlavento, tinha de atirar contra o costado do adversário. Importa no entanto, relembrar que, mesmo no século XVI e, de uma forma mais organizada e institucional, até finais do século XIX, o grande objectivo do combate naval na época não era afundar o navio adversário, mas sim captura-lo. Naturalmente que esse objectivo era mais premente quando o adversário era um navio mercante, com os porões carregados de riquezas várias. Mas, o mesmo se passava com os navios de guerra pois, que num caso como no outro, a sua captura era sinonimo de dinheiro extra, pela venda dos artigos que os navios transportavam e do próprio navio.
A Guerra de Sucessão espanhola introduziu inovações tanto na estratégia do controlo marítimo, como no comércio colonial pois foi, durante este conflito, que os ingleses aplicaram pela primeira vez, com eficácia, o bloqueio marítimo. Este conceito, que já tinha sido empregue no século anterior, embora sem o êxito que alcança no início do século seguinte, foi principalmente empregue no Atlântico, o teatro de operações por excelência das acções navais a partir de meados do século XVII. Este oceano caracteriza-se por possuir zonas climáticas constantes ao longo de todo o ano, embora as condições favoráveis para a navegação à vela ocorram entre os meses de Abril a Setembro. Uma das principais razões para o sucesso deste conceito nesta altura, foi a evolução dos navios de guerra e das próprias organizações navais, em especial a inglesa, que passaram a ter capacidade para operar com sucesso no mar, durante todo o ano. No entanto, para o conseguir, a Grã-Bretanha, teve de capturar várias bases aos seus adversários que, pela sua posição geográfica, lhe permitiam apoiar mais eficazmente, em termos logísticos, as esquadras que mantinha permanentemente no mar. Foi esse o principal objectivo das acções que Inglaterra efectuou com elevado sucesso, principalmente a partir de meados do século XVIII, contra os domínios espanhóis e franceses, no continente americano, no Mediterrâneo e até no Oriente, com a tomada de Manila. A única excepção deu-se com a perda das colónias da América do Norte.
Desde meados do século XVII, que a política externa portuguesa era centrada nos seguintes espaços vitais no Atlântico, para além da sua importância como linha de comunicação que unia as diversas possessões além-mar e o território Continental:
1. O Brasil, que tinha adquirido de colónia principal do reino.
2. A Europa, destino e fonte da economia portuguesa.
3. O Estreito de Gibraltar.
Complementarmente aos objectivos militares destas operações, estas acções ofensivas inglesas contra Espanha, mais ou menos declaradas, também tinham objectivos comerciais, pois também ameaçavam as linhas de comunicação entre a Península e as suas colónias. Do mesmo modo, e aproximadamente no mesmo período, mas mais influenciada não só pelas derrotas infringidas pelos ingleses, como também pela desintegração interna, a França aca- bou também por perder as suas colónias além-mar. No entanto, a Inglaterra só alcançou o controlo do Atlântico, em termos comerciais e políticos (ambos estreitamente interligados), em meados do século XVIII, pois até meados do século, a sua principal preocupação prendia-se com a defesa da Inglaterra. Para além dos ataques aos seus grandes rivais, Espanha e França, os ingleses desenca- dearam diversas acções navais contra as restantes nações marítimas, como, por exemplo a des- truição das forças navais dos pequenos estados, como foi o caso da Dinamarca e de Nápoles. Portugal esteve perto de sofrer o mesmo destino que as marinhas desses reinos, em 1807, mas, a partida da família Real portuguesa, juntamente com a maioria dos navios de guerra nacionais para o Brasil, salvaram os navios lusos da destruição certa.
Por estas razões, considerar que a Inglaterra era o “fiel da balança” do xadrez Europeu e, porque não, mundial da época, é retirar a essa nação o seu estatuto de potência naval e da importância desse mesmo poder naval nos jogos de equilíbrio mundial (As intervenções da Inglaterra no Continente Europeu, não se limitaram ao envio apenas de forças militares, mas também enviaram grandes ajudas financeiras, obtidas através do seu comércio mundial, para apoiar os seus aliados e estabelecer as suas alianças. Mais correcto, será o de considerar a Espanha como o fiel, a partir da Guerra de Sucessão espanhola e, pelo menos, enquanto possuiu territórios ultramarinos e uma das mais importantes marinhas europeias da época. As rotas de escravos, entre África e o Continente Americano, em particular. É neste espaço geográfico atlântico que Portugal, desde o século XV, impôs a sua presença. Mas, será que aí e, à semelhança do que aconteceu no Índico, também foi uma potência naval?
A concorrer para essa situação, e especificamente no Atlântico nos finais do século XVI, Portugal organizava anualmente, as seguintes armadas:
- Armada de Guarda Costa
- Armada das Ilhas
- Armada do Brasil
- Armada do Estreito
Estas Armadas Reais eram financiadas e organizadas pela Coroa, e algumas foram implementadas durante os reinados de Dom Manuel I e Dom João III, tendo a sua constituição variado ao longo dos anos, dependendo, normalmente, dos recursos financeiros e dos navios disponíveis («O diário de bordo das viagens de Francisco de Faria Severim aos Açores em 1598»). A sua criação deveu-se, conforme já foi mencionado, à necessidade de fazer face aos crescentes ataques dos corsários, inicialmente franceses, depois ingleses e holandeses que ocorriam, geralmente, entre os Açores e a costa de Portugal Continental. Assim, estas armadas tinham por missão tanto “limpar” as respectivas áreas de navios corsários, antes da chegada dos navios das carreiras, como de escoltar esses navios em segurança, desde os Açores até Lisboa. No entanto, estas forças navais, não tinham, o objectivo de exercer um controlo naval das áreas onde operavam, mas apenas o de protegerem os interesses portugueses nas áreas, nos períodos considerados necessários. Ainda segundo esses estudos, a actuação de Portugal era, contudo, suficiente para permitir manter abertas, embora com algumas perdas, as rotas comerciais fundamentais para a sobrevivência do reino. Contudo, nos inícios do século XVII, Portugal perdeu a categoria de potência naval para as Províncias Unidas, quando estas começam os ataques directos aos mercados. Comunicações comerciais do Oriente, atacando não só a navegação portuguesa, como os territórios e pontos de apoio no Oriente, mas também no Atlântico – Brasil e Mina, por exemplo. Apesar desses ataques ao império português, que se mantinha com base num comércio internacional (e mesmo apesar da decadência naval que vinha conhecendo desde os finais do século XVI), Portugal continuou a exercer um controlo parcial dos oceanos, cujo expoente máximo teria ocorrido com as reformas do ministro Martinho e Castro, nos finais do século XVIII. No entanto, durante esses trezentos anos de intervalo, teria havido uma contracção do espaço marítimo controlado por Portugal, passando a estar limitado ao Atlântico Sul. Mesmo nessa zona mais restrita, Portugal teve que resistir a inúmeras ameaças e investidas militares e comerciais até aos inícios do século XIX. Essa situação ruiu, não militarmente, mas quando os ingleses foram autorizados a comercializar, directamente, e com grandes privilégios aduaneiros e comerciais, com os portos brasileiros. Importa, contudo, relembrar que estes tratados assinados nos inícios do século XIX, só vieram confirmar o que já acontecia anteriormente na prática - devido à perda de meios navais, ocorrida tanto em Portugal, como a própria Espanha - nos períodos em que era aliada da Inglaterra. Esta falta de navios incapacitava os dois reinos peninsulares escoar os produtos manufacturados nas respectivas metrópoles, bem como para absorver os produtos exportados pelas suas colónias, nas quantidades que estas últimas necessitavam. Esta situação levou a que, apesar dos regimes proteccionistas que ainda vigoravam, a Inglaterra passasse a dominar esse comércio e a ser destinatária e exportadora principal para as colónias desses dois reinos. No caso de Portugal, as exportações inglesas para o Brasil através de Portugal, aumentaram quase 4 vezes, até 1760, chegando quase aos 50% de tudo o que era enviado para essa colónia, enquanto que, no caso da Espanha, os valores passaram de 3% para os 30% do que era exportado para as Américas espanholas Se Portugal, a partir de 1793 e nos 20 anos seguintes, conseguiu manter o fluxo comercial entre a metrópole as suas colónias, no caso da Espanha, o estado de Guerra com a Inglaterra, levaram ao seu descalabro colonial e abrem o Atlântico às actividades comerciais inglesas. Este colapso comercial deve-se, principalmente, ao bloqueio dos portos espanhóis, iniciado em 1797, que, para além de limitar os movimentos da armada espanhola, também reduziu para valores mínimos o tráfego marítimo de Cádis, principal porto de comércio com as Américas. O reconhecimento de que, para Portugal, o que importava eram os aspectos comerciais e não os militares, constata-se, de uma forma inequívoca, numa missiva ao Rei de Portugal Embora não datada, muito provavelmente é de meados do século XVIII, pois ainda refere a necessidade da construção de uma cordoaria, cuja construção só terá início em 1771, em que um tal José Anselmo Correa Henrique, definia deste modo qual o objecto da força marítima, i.e. do poder naval: “O objecto da força marítima é consolidar por meios de uma competente ordem as medi- das que possam conservar em mutua existência a força do Estado com os princípios da defesa das costas e a protecção do comércio nacional em todos os mares obviando os nossos inimigos de todas as pretenções usurpadoras, que possam ter sobre eles naquela determinação que quali- fica a verdadeira independência de uma nação marítima para com os caprichos da outr. ” Contudo, parece-me incorrecto misturar o conceito de poder naval, consequentemente de potência naval, apenas com a capacidade de utilizar o mar para fins comerciais, com mais ou menos segurança. No Oriente, parece-me indiscutível que, desde os inícios do século XVI, Portugal exercia esse poder naval de uma forma eficaz, através da ocupação de posições chave que apoiavam as várias armadas que eram quem, efectivamente, implementavam esse poder naval. Acções essas que permitiam os navios de comércio portugueses ou seus aliados navegarem com relativa segurança. O implementação desse poder naval no Oriente, era facilitado pelo facto das rotas comerciais seguirem, normalmente, rotas junto à costa, o que as tornava mais fáceis de controlar. No Atlântico, espaço aqui e análise, Portugal, desde o século XV, que estabeleceu pontos de apoio ao longo da costa de África e, mais tarde, na costa do Brasil. No entanto, esses pontos foram estabelecidos por razões comerciais e tinham reduzidas capacidades para apoiar os meios navais, mesmo tratando-se de navios relativamente simples. Esta capacidade só mais tarde é que foi criada em Angola mas, principalmente, em alguns locais no Brasil onde, depois, acabaram por ser criados estaleiros que não só efectuavam grandes reparações aos navios, como também os construíam. Apesar de algumas dessas facilidades logísticas já existirem a partir dos finais do século XVI, os países Ibéricos apenas utilizaram o Atlântico como zona de passagem de e para as suas possessões ultramarinas. As forças de protecção que criam para se protegerem dos ataques dos reinos protestantes do Norte da Europa (França e Inglaterra) - Castela com navios de escolta, mas que também carregavam a parte das riquezas do monarca castelhano, e Portugal com meios navais dedicados - não tentam implementar qualquer tipo controlo naval no Atlântico.
Entre as dificuldades que as marinhas da época enfrentavam, destacam-se as rotas comerciais atlânticas implicavam, na maioria dos casos, a travessia, Leste / Oeste e Norte / Sul do Atlântico, o que dificultava, em muito, quaisquer tipos de acções de controlo naval. Situação idêntica ocorria com os seus inimigos, cujas forças também não tentam estabele- cer qualquer outra forma de presença naval, para além de ameaçarem, preferencialmente, os navios mercantes, mas evitando enfrentar as forças navais peninsulares. O facto de o não faze- rem, fazia com que nunca tivessem tentado alcançar o controlo naval desse espaço marítimo. Conforme já foi mencionado, o instrumento fundamental para alcançar esse poder naval eram os navios de guerra, que tinham a tarefa, para além de fazer frente aos interesses navais das outras nações, de apoiarem e proteger os interesses comerciais dessa nação. Esses meios navais tinham de possuir características próprias e específicas para conseguir desempenhar, com sucesso, as suas missões militares e civis. Até aos meados do século XVII, Portugal possuiu e construiu navios que lhe permitiam cumprir alcançar esse estatuto, contudo, e principalmente a partir dos inícios do século XVIII, qualquer nação com aspirações de ser considerada ao mesmo nível das principais nações maríti- mas, tinha que possuir navios de primeira ordem, ou seja, com 100 ou mais peças de artilharia. Estes navios, equivalentes aos couraçados da segunda Guerra Mundial ou aos actuais porta- aviões nucleares, eram a espinha dorsal de qualquer linha de batalha naval da época. Ora, Portugal, apesar de ter conhecimentos teóricos para os construir, não constrói nenhum navio com essas características. No entanto, Portugal em número de navios nessa época, encontrava-se em quinto lugar, imediatamente a seguir aos Países Baixos, mas com mais navios oceânicos do que os Países Baixos, cujos navios eram de menores dimensões devido às limitações em calado dos seus portos. Em simultâneo, e de modo a apoiar a esquadra, importava que as nações possuíssem uma organização logística capaz de manter os navios por longos períodos no mar. Esta capacidade, só começou a ser praticada no século XVIII, numa altura em que os próprios navios e os conhecimentos médicos Os portugueses conheciam bem o principal problema dos longos períodos no mar, que era o aparecimento do escorbuto, devido à falta de produtos frescos e, consequentemente, de vitaminas, tinham evoluído o suficiente para o permitir. O país que melhor desenvolveu esta capacidade, devido à natureza das suas acções navais foi, naturalmente, a Inglaterra. Portugal, apesar de aliado e de ter enviado diversas forças navais para cooperar com os ingleses, nunca chegou a possuir essa capacidade logística, sendo os navios obrigados a praticar curtas escalas nos portos, não obstante conseguirem permanecer longos períodos no mar, como aconteceu nas operações de bloqueio na qual os navios portugueses participaram no canal da Mancha e no Mediterrâneo, em que os navios portugueses apoiaram-se sempre em terra.
Assim, e se aparentemente Portugal tinha todas as capacidades técnicas para se tornar uma potência naval, na minha opinião, tal nunca aconteceu. O porquê da escolha dessa linha de actuação, adoptada, por exemplo, pelo seu vizinho peninsular, na minha opinião, prende-se com o facto de, ao contrário da Espanha, Portugal nunca ter tido peso político terratenente na arena internacional da época e, como esteve sempre apoiado no mar pelo seu velho aliado, a Inglaterra, nunca sentiu essa necessidade ou, os ingleses nunca lhe deixaram ter... Assim, os dirigentes portugueses preferiram centrar os recursos económicos do reino, sempre escassos, na construção de navios, em número e tipo mais adequados para proteger as linhas de comunicação entre a metrópole e as colónias, fundamentais para a sobrevivência do reino, do que para o combate entre forças navais de grandes dimensões. No século XVIII e inícios do XIX, essas funções eram principalmente atribuídas aos navios de 74 peças, apoiados por navios mais ligeiros, como era o caso das fragatas. O único momento em que Portugal desempenhou um papel mais activo no teatro internacional, para além do período dualista - mas aí arrastado pelas políticas dos monarcas espanhóis, foi a partir dos finais do século XVIII, em que Portugal participou activamente, não só nas acções contra os corsários franceses, em particular, como também nas acções de bloqueio naval que os ingleses realizavam aos portos franceses e, mais tarde, aos espanhóis. Contudo, esse expoente máximo foi de curta duração, pois após a partida da corte para o Brasil, em 1807, o declínio da Armada foi muito acentuado, sendo a responsabilidade, quase exclusiva, não da acção dos inimigos de Portugal, mas antes da incúria dos governantes. Foi também o resultado da nossa politica de aliança com Inglaterra que face à sua superioridade nos mares, também não necessitava dos nossos navios e terá canalizado todo a nossa economia para financiar o exército português, esse sim, fundamental para as operações inglesas na Península Ibérica. No entanto, no Atlântico, embora numa zona muito confinada, ideal para a actuação dos meios navais da época, Portugal exerceu um eficaz controlo marítimo. A Armada e a Europa, A zona do estreito de Gibraltar, através da Armada do Estreito, que foi criada nos inícios do século XVI, e que tinha como objectivo principal, fazer frente à ameaça que representavam os piratas e corsários do Norte de África. Esta armada, apoiada no porto de Ceuta e pela região do Algarve, exercia um verdadeiro controlo naval na área do Estreito de Gibraltar, tentado conter as acções dos corsários muçulmanos contra a navegação comercial lusa e, simultaneamente, apoiar as acções de corso pratica- das pelos portugueses, de modo a impedir os movimentos comerciais muçulmanos «Os portugueses em Marrocos e a guerra no mar no princípio do século XVI». Esse controlo era mais ou menos efectivo dependendo do apoio que essa força naval recebia dos monarcas portugueses, e apesar das diversas dificuldades com que se debateu, esta armada manteve-se mais ou menos sem interrupções até ao século XIX, apesar dos piratas e corsários do Norte de África se terem mantido sempre activos, ameaçando tanto a navegação da área, como fazendo assaltos a terra, chegando mesmo a atacar os Açores e a Madeira.
Aproveitando o apogeu da marinha de guerra portuguesa, a partir do último quartel do século XVIII, Portugal desencadeou diversas acções contra os piratas muçulmanos que continuavam a infestar a zona do Estreito, pilhando e capturando reféns, conseguindo, desse modo, até meados do século seguinte, que fossem assinadas tréguas entre esses e Portugal. Estas tréguas, que colocaram a salvo a navegação portuguesa, mantiveram a navegação de outras nações sob a ameaça permanente dos corsários e, agora sem o apoio da Esquadra do Estreito, outras nações ocidentais foram obrigadas a enviar meios para a área. No caso dos Estados Unidos da América, estes foram obrigados a criar, formalmente, a sua marinha. Esse controlo, foi conseguido através de diversos estratagemas, uns militares, outros políticos. Por estas razões, considerar que Portugal, porque reunia as condições necessárias e porque utilizava as rotas comerciais, mais ou menos livremente, fosse uma potência marítima no Atlântico, parece-me incorrecto. A única excepção foi na zona do Estreito de Gibraltar onde, aí, apoiado por pontos de apoio naval de ambos os lados do Estreito, Portugal tentou evitar que os seus adversários utilizassem esse ponto estratégico, quer para fins militares, como para fins comerciais.