Zanzibar
(Outono de 1503)
As armadas que todos os anos iam à Índia, depois de passar o Cabo da Boa Esperança, subiam para norte ao longo da costa oriental da África até às proximidades do cabo Guardafui, donde soltavam rumo para a ilha de Angediva (mais tarde para Goa). Durante esse longo percurso à vista da costa oriental da África, as ditas armadas aproveitavam geralmente a ocasião, não só para fazer a aguada e meter frescos e lenha, como também para submeter ao domínio de Portugal as cidades mais importantes dessa costa. Na viagem de 1502 Vasco da Gama fez tributária Quíloa. Na viagem de 1503 foram feitas tributárias Zanzibar e Brava da forma que passamos a relatar. Os navios da armada de António Saldanha, que nesse ano partiu de Lisboa com destino ao cabo Guardafui onde se devia manter em cruzeiro, separaram-se uns dos outros após a passagem do equador, devido ao mau tempo e a erros dos pilotos. A Nau de Rui Lourenço Rodrigues Ravasco foi a primeira a chegar à ilha de Moçambique, ponto de escala obrigatório das Naus da Índia, tanto na viagem de ida como na de volta. Informado de que o seu Capitão-Mor ainda não chegara Rodrigues Ravasco, depois de ter feito escala em Quiloa, resolveu aproveitar o tempo para fazer presas nas proximidades da ilha de Zanzibar, que era um dos centros comerciais mais importantes daquela costa. Mantendo-se a cruzar com a sua Nau entre a ilha e o continente durante cerca de dois meses, conseguiu apresar mais de vinte zambugos (embarcações semelhantes aos Paraus indianos) carregados de mantimentos e outras mercadorias. Quando aqueles por saberem da sua presença, deixaram de apareçer, dirigiu-se para Zanzibar, onde fondeou. Pouco depois recebia um recado do sultão da ilha intimando-o a devolver todas as mercadorias que tinha roubado e a entregar a artilharia da sua Nau o, que obviamente, recusou. Vendo Rodrigues Ravasco que junto à praia estava embarcando muita gente de armas em Zambucos para o ir atacar, resolveu antecipar-se aos desígnios do inimigo mandando armar o batel da Nau com um «berço» (pequeno canhão) e embarcar nele cerca de trinta soldados, entre os quais alguns espingardeiros, capitaneados por Gomes Carrasco a quem deu ordem de ir combater a flotilha inimiga, antes que ela tivesse tempo para se organizar (de realçar, mais uma vez, o judicioso aproveitamento que os Portugueses faziam dos batéis das suas Naus para fins militares). Chegado o batel de Gomes Carrasco perto dos Zambucos inimigos, começou a disparar sobre eles o berço e as espingardas, causando-lhes muitos mortos e feridos, com o que a gente que estava neles principiou a fugir para terra.
Apenas quatro Zambucos ousaram enfrentar o nosso batel, disparando flechas sobre ele. Mas foram logo abordados e tomados de assalto sendo posteriormente rebocados para junto da Nau. Depois deste curto combate, começou a juntar-se na praia o exército de Zanzibar, num total de cerca de quatro mil homens, sob o comando do filho do Sultão, a fim de impedir que os portugueses desembarcassem. Embora não tivesse a intenção de o fazer, Rodrigues Ravasco resolveu aproveitar a oportunidade para realizar uma demonstração de força. Mandou armar com berços o batel e dois dos Zambugos capturados e guarnecê-los com espingardeiros, além de outros soldados e marinheiros, enviando-os de seguida, em direcção à praia como que na intenção de tentar o desembarque. Acorreram logo os inimigos, em grande número, ao ponto para onde se dirigia a nossa flotilha, preparados para repelir o assalto. Nesse instante dispararam ao mesmo tempo todos os canhões, espingardas e bestas das nossas embarcações, fazendo uma autêntica carnificina nos defensores da praia dos quais morreram mais de trinta, entre eles, conforme se veio a saber depois o filho do Sultão. Compreendendo este que nada podia fazer contra as armas de fogo dos portugueses, decidiu-se a pedir a paz, aceitando tornar-se vassalo do Rei de Portugal mediante o pagamento anual de um tributo de 100 meticais (moeda local) e 30 carneiros.
Deixando Zanzibar, Rodrigues Ravasco dirigiu-se a Melinde, cujo Rei, fiel aliado dos Portugueses desde a primeira viagem à Índia, lhe pediu que o ajudasse na guerra que tinha com o Rei de Mombaça. Acedeu ao pedido o nosso Capitão, rumando imediatamente para esta cidade na intenção de bloquear o seu porto. No caminho, capturou duas Naus mercantes, acompanhadas de três Zambucos, em que vinham doze «mouros», que eram gente grada de uma cidade situada a norte de Melinde, chamada Brava. Esses «mouros» não só pagaram um avultado resgate para poderem continuar a sua viagem como também ofereceram espontaneamente a vassalagem de Brava mediante o pagamento de um tributo anual de 500 meticais. A razão disso é que vinha atrás deles uma terceira Nau ricamente carregada que pretendiam salvar. E de facto assim aconteceu. Quando Rodrigues Ravasco, mais tarde, interceptou essa Nau, deixou-a seguir em paz por pertencer a uma cidade que reconhecia o Rei de Portugal como suserano!
Chegado a Mombaça, Rodrigues Ravasco iniciou, desde logo, o bloqueio do porto, não permitindo que entrasse ou saísse qualquer embarcação, o que levou o Rei da cidade a interromper as operações contra o Rei de Melinde e a regressar apressadamente à sua capital. E como soubesse este Rei, pouco tempo depois, que a Nau de António de Saldanha tinha chegado a Melinde, achou mais prudente fazer as pazes com o Rei desta cidade, antes que os Portugueses lhe arruinassem o seu Reino. Deste modo, graças à simples presença das suas armadas, Portugal ia-se tornando o poder dominante na costa oriental da África. Resta dizer que, depois de se reunir em Melinde com a Nau de Rodrigues Ravasco, António de Saldanha foi para as imediações do cabo Guardafui, conforme o regimento que tinha, onde permaneceu durante algum tempo dando caça às «Naus de Meca». Por fim, dada a grande dificuldade que tinha de fazer aguada numa zona inteiramente dominada pelos Árabes, decidiu seguir para a Índia. A terceira Nau da sua armada atrasara-se tanto que não conseguira vencer o canal de Monçambique. Fazendo a viagem «por fora» da ilha de São Lourenço, fora ter a Cochim.
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