II)
Um Oceano Islâmico
Antes
de acompanhar mais longe o nosso herói é preciso fazer o ponto da situação, ir
além dos conhecimentos dos homens do século XVI e apresentar o mundo do oceano
Índico na sua realidade. Na época em que as frotas portuguesas começavam a
explorar as costas, a vida económica era marcada pela acção crescente das
comunidades muçulmanas, que desfrutavam em absoluto das suas rotas marítimas. A
situação não era nova, mas fora estimulado por acontecimentos recentes, que se
mantinham em desenvolvimento e levavam a expansão, islâmica ao apogeu.
Do
Golfo Pérsico ao Mar da China
Os
Árabes praticavam cabotagem, havia muito tempo, nas costas do oceano Índico
ocidental, quando o aparecimento do Islão deu às suas, comunidades uma dimensão
politica. Datando já de 851, no tempo do califado abássida a primeira narrativa
de uma viagem marítima transoceânica descreve um itinerário que parte do golfo
Pérsico e vai tocar o litoral da China do Sul onde subsistem ainda hoje
vestígios de mesquitas e de necrópoles. Levadas pela monção, as embarcações
atingiam as costas da Índia Ocidental. Aparelhavam de seguida para Cantão
fazendo escala nos portos da Insulíndia. Como todos marinheiros do mundo, os
Árabes tinham uma mulher em cada porto. Não deixando nada ao sabor do acaso, as
instituições islâmicas haviam previsto para os navegadores uma forma de
casamento temporário que oferecia vantagens às esposas, na condição única de os
filhos serem educados na lei do profeta. Deste modo se desenvolveram os núcleos
da islamização nas costas da Ásia. Quase sempre marginais, nos limites de
vastos Impérios brâmanes ou budistas. As comunidades muçulmanas em breve
encontram a sua própria função na vida económico recendo a mais antiga rede de
trocas que alguma que alguma vez unira o Mediterrâneo e o mar da China. A rota
das especiarias adquire traçado. Colhidos na ilha de Banda e nas Molucas, a
noz-moscada e o cravinho são levados até aos portos do arquipélago malaio a
canela apanhada no Ceilão, tudo isso chega às escalas da Índia produtora de
pimenta e gengibre. É ai que os negociantes do Médio Oriente os trocam pelos
metais e pelo numerário da bacia do Mediterrâneo. Os ventos de regresso sopram
em Janeiro e empurram as velas em, duas rotas diferentes; uma dirigindo-se para
o Mar Vermelho (de onde as caravanas partem em direcção aos mercados do Egipto
e da Síria), e outra para Baçorá, no golfo Pérsico onde começa e interliga os
portos do Levante. A importância do comércio das especiarias não deve esconder
o volume de outras mercadorias transportadas por elas; têxteis, viveres,
cavalos e elefantes, porcelanas e pedras preciosas. A sua produção e
distribuição mantêm a actividade de rotas secundárias que animam, Persas,
Chineses, Malaios, Indianos, Judeus e Cristãos do Oriente. A partir do século
XI, a companhia egípcia dos Karimis vai harmonizar todos estes tráfegos e
impor-se, ao estabelecer famílias e agentes em todos grandes portos. Na costa
indiana do Malabar, Calecut abre-se aos negociantes marítimos do mundo árabe,
que são acolhidos pelas comunidades islâmicas locais cumulados de privilégios
pelo rei hindu. Embora as novas sociedades árabes sejam ainda mantidas à parte
em Coulão os novos portos vizinhos desenvolveram-se e movimentaram-se na
actividade transoceânica, às quais os hinduístas se entregam de modo muito
reticente. Na verdade, a moral brâmane considera a viagem por mar verdadeiro
pecado, uma vez que expõe os navegadores às máculas inevitáveis que as comidas
e os encontros. Tais riscos afastavam os membros das castas mais elevadas
dessas viagens e não encorajavam os outros. Os interditos do mar eram
particularmente rigorosos do Malabar, onde associações de judeus e cristãos
haviam tomado conta do comércio marítimo durante a alta idade média; fizeram
fortuna do Islão, que logo encontrou uma finalidade e um lugar nas estruturas
sociais. E assim todos mercadores muçulmanos do Velho Mundo desde Tremecém até
Cantão, acorriam a Calecut, onde se encontravam especiarias e pedrarias em
profusão, tal como as sedas e porcelanas trazidas pelos juncos chineses. Ao
mesmo tempo, a orla marítima da África foram colonizadas por imigrantes árabes
e persas em pequenos sultanatos, independentes, frequentemente limitados a uma
metrópole. Desde Magadoxo a Zanzibar, na orla de um continente impenetrável,
essas metrópoles enriqueciam com a troca de produtos locais; Peles de animais,
ouro, marfim e escravos, por arroz, algodões indianos e porcelanas da China,
que lhes chegavam pelos navios dos mares do Sul.
As
Etapas da Islamização
Durante
os dois séculos que precederam a chegada dos Portugueses, outras forças se
estabeleceram conjugando-se para dar brilho ao desenvolvimento do Islão. A
Índia sofrera, choques sucessivos de invasões turcas e afegã que se tinham
lançado na planície indo-gangética e aí se estabelecera um sultanato em Deli.
Várias incursões haviam infligido aos reinos do Decão a passagem de exércitos
devastadores que, em geral se perderam nas florestas, deixando os templos
profanados, os ídolos quebrados e as cidadelas em chamas. Estas conquistas
malogradas mobilizaram os senhores hindus em volta do rajá de Vijayanagar, cujo
domínio em breve cobriria todo o Sul. Na fronteira do Norte os governadores,
muçulmanos que os invasores tinham instalado em lugar dos reis destronados
rejeitavam uns após outros a longínqua tutela de Deli, mantendo-se fiés no
entanto à fé islâmica. Alguns juntaram-se para formar para formar o império
Vijayanagar. O antagonismo entre estas duas potências iria acender. No coração
do Decão uma guerra duas vezes secular. No alvorecer do século XV, os factores
do poder mercantil islâmico começaram a inclinar-se par o oceano Indico
Oriental. Os sultanatos de Bengala e do Guzarate acabavam de obter a
independência, o que reconfortou as comunidades islâmicas estabelecidas nos
seus portos havia já muito tempo. O seu campo de actividade estendeu-se até à
Insulíndia, onde disputaram os mercados têxteis aos negociantes de Vijayanagar.
Implantada nos centros produtores daqueles três países, a indústria algodoeira
indiana era a primeira do mundo e a base das suas trocas. Os Bengalas
conseguiram estabelecer-se na costa Norte de Sumatra. O reino hindu de
Majopahit dominava então Java e o arquipélago, impondo a sua influência até às Molucas
as tão invejadas ilhas da noz-moscada e do cravinho. Bengalas e Guzarates
asseguraram a sua empresa económica, multiplicando no litoral comunidades de
fiéis que tediam a ser autónomas à medida que iam aderindo à fé muçulmana. No
preciso momento em que a sua expansão tomava novo impulso, a cidade de Malaca
nascia sobre as ruinas um ninho de piratas, no ponto de encontro das monções do
oceano Índico e do mar da China. Este lugar privilegiado, no extremo da
península, cedo foi explorado pêlos mercadores que reagrupavam os seus juncos
nas águas calmas do arquipélago. Malaca dispensava os Chineses da longa viagem
ao Malabar, uma vez que lhes era possivel da longa viagem ao Malabar, uma vez
que lhes era possivel a longa viagem ao Malabar, uma vez que lhes era possivel
trocar ali as sedas e porcelanas pelos algodões e outros produtos que os
Guzarates traziam do ocidente; os mercados abriram-se a Persas, Árabes e
Indianos que, doravante, podiam eximir-se à cabotagem através das ilhas. Em
1403, quando o Rajá de Malaca se converteu ao islamismo, a rota das especiarias
caiu totalmente nas mãos dos Muçulmanos. Enquanto a actividade marítima se
reorganizava em função da nova ordem estabelecida, a presença dos Chineses
ia-se tornando cada vez mais densa. E se, aos mercadores bastava em geral
dirigirem-se a Malaca, já um movimento totalmente diverso fazia ao largo os
juncos dos Imperadores Ming rumo ao oceano ocidental. Por sete vezes em trita
anos de 1403 a 1433, uma centena de navios, armados com bocas-de-fogo navegou
para o golfo de Bengala, Ceilão, Malabar, até à África Oriental, tendo em vista
levantar tributos e estudar mercados. Os homens do mar que subiam a bordo, eram
na grande maioria, muçulmanos chineses cuja descendência se misturou nas
comunidades islâmicas, locais.
As
Potências Politicas e as Metrópoles Mercantis
A
partir de 1430, em toda a extensão do oceano Índico factos simultâneos
redistribuíram o papel de uns e outros. Os Ming cessaram de repente, as
expedições para Ocidente, ao mesmo tempo que eram desmanteladas as rotas árabes
por um rápido desenvolvimento das associações dos Karimis, espoliados pelo
sultão do Egipto que se arrogava o monopólio das especiarias. Emigraram então
para a Índia costeira, associando-se aos mercadores locais. O grande negócio
continuava sob a égide do sultão, mas este ficara privado dos elementos mais
dinâmicos e deixava a oportunidade aos negociantes marítimos da Índia muçulmana
que souberam tirar proveito do afastamento dos Chineses e do manifesto declínio
árabe. Quando os Portugueses entraram em cena, a situação política dos
costeiros sintonizava com a expansão marítima do Islão. De Zanzibar a Malaca, o
litoral fora ponteado com pequenos sultanatos ou metrópoles, sobretudo
muçulmanos de um lado e outro dos grandes, estados do Médio Oriente. No Egipto
o sultão mameluco acreditava ainda no seu poder absoluto e no apoio dos Turcos
otomanos que mantinham Constantinopla, chegavam à Síria e continuavam a sua
marcha irreversível. À entrada do mar Vermelho Adem acolhia os navios da Índia,
no Corno Africano e Arábia, carregados de mercadorias e peregrinos a caminho de
Meca. Todas as especiarias destinadas à Europa passavam pelas alfândegas da
região. Conduzidas em pequenos barcos até ao Suez eram depois levadas em
caravanas com destino a Alexandria, Alepo ou Beirute onde galés venezianas as
esperavam. No Irão, o jovem Xá Ismael, fundador da dinastia Safávida, impunha o
xiismo a todo o país. Situados no estreito do Golfo Pérsico, os reis de Ormuz
mantinham a sua independência e controlavam o tráfego nas duas margens. Na
Índia o poder político do islão não cessava de alastrar em populações de
maioria Hindu. O sultanado de Deli estendia-se pela vasta planície do Ganges;
Bengala e o Guzarate caminhavam para o apogeu. O império Bahmani desintegrava-se,
dando lugar aos princepes de Bijapur e de Ahmadnagar, que não desarmavam nas
fronteiras do vasto império hindu de Vijayanagar. Devido aos obstáculos
naturais e ao estado precário das estradas, as cidades eram pouco afectadas
pelos acontecimentos do interior. Quiloa na África Oriental, Adem e Ormuz, Diu
e Cambaia no Guzarate, Calecut e Malaca estavam mais estreitamente ligadas
entre si do que às capitais dos Estados que se faziam e desfaziam no interior
do país. Aquelas cidades marcavam o esquema onde o império oceânico português
iria procurar os seus pontos de apoio.
Por
um Reino Cristão Universal
Era
este o quadro em, que devia ser realizado o projecto concebido pelos reis de
Portugal a partir de uma visão fragmentaria e nebulosa do mundo. Desígnio
grandioso que parecerá irrisório nas circunstâncias expostas. O plano nascera
na Europa, movido pelas nostalgias e ressentimentos do fim das cruzadas, cujo,
o malogro não destruíra a certeza que reanimava os reis cristãos, de
conseguirem abater o poder islâmico e libertar Jerusalém, preparando assim o
advento do reino de Deus. Desde 1318 que o monge inglês Guilherme Adam (levado
para a Índia pelas suas peregrinações) escrevia, ser possivel apanhar as forças
árabes pela retaguarda e destruí-las através de um bloqueio da saída do mar
Vermelho. Planeava uma estratégia com base na ilha de Socotorá, em pleno Oceano
Índico. Mas ainda teria sido necessário estabelecer a rota. Os seus escritos
haviam circulado pela Europa, contribuído para alimentar o desejo sempre vivo
de uma expedição à Terra Santa e o esmagamento do Sultão do Cairo, cidade que,
na mesma infâmia, era confundida com a antiga Babilónia. Tais ideias, plenas de
quimeras, eram sustentadas pela esperança de se formar uma aliança com os povos
cristãos do Oriente, cuja existência era conhecida mas que não se podia situar
nem avaliar. A tradição Bizantina perpetuara a memória da comunidade cristã do
Malabar que se reclamava da pregação do apóstolo Tomé e cuja presença os
viajantes medievais tinham confirmado. Aliás procurava-se contactar um rei
cristão mais poderoso, e talvez mais próximo, designado pelo nome de Preste
João. A ideia desenvolveu-se a partir dos escritos de Guilherme Adam e de
informações arménias e venezianas. A dita personagem misteriosa seria em breve
reconhecida como soberano da Etiópia. Ao longo do século XV, estabeleceu-se uma
correspondência intermitente entre o rei de aragão e os Negus Issac e Zara
Jacob. Era o tempo em que, sob o impulso do Infante D. Henrique, os Portugueses
prosseguiam a conquista de fortalezas em Marrocos e o reconhecimento da costa
de África, que se julgava ser mais estreita, e onde se tentava a passagem que
permitiria chegar à Etiópia pelo ocidente. Os exploradores do Rei D. João II,
subindo os rios do Senegal, Nigéria e Zaire, procuraram longamente e sem
descanso, e em vão, o reino desses cristãos. A Etiópia mantinha-se inacessível
tanto pelo Atlântico como pelo Mediterrâneo. Encerrados nas montanhas, os Negus
tentavam, por seu lado conquistar uma via de acesso ao mar Vermelho, através de
Maçuá e Suaquém que pontualmente conseguiam dominar, e que os vizinhos
muçulmanos lhes disputavam, em nome da guerra santa. A aliança com o chamado
Preste João revelava-se impossível, mas o desejo de liderar uma nova cruzada,
não perdera o vigor. Os reis de Inglaterra, os imperadores da Alemanha, tal
como os Duques da Borgonha, alimentavam esta ambição, onde o projecto de
Guilherme Adam era conhecido e dera origem a esperanças difusas. Felipe, ‘o
bom’, mantinha elos estreitos com a corte de Portugal, sobretudo a partir do
casamento da infanta D. Isabel de Portugal, irmã de D. Henrique de Portugal ‘o
navegador’, e mãe de Carlos ‘o temerário’. A ideia pairava no ar, de tal modo,
se tinha como certa e inelutável a destruição do mundo islâmico, desde que se
encontrassem os meios para as realizar. Entretanto havia que impor sanções
económicas, decretadas em 1291 pelo Papa Nicolau V, em vista de um bloqueio
absoluto. Ao longo dos anos, essas medidas foram abrandadas, a pedido dos mercadores
cristãos do Mediterrâneo, chegando mesmo a ser reduzidas a um simples embargo
de víveres e material militar. Embora não insensíveis aos ideais messiânicos
dos príncipes, os mercadores Italianos estavam bem atentos a projectos que
entendiam ligados ao acesso directo às fontes de produção das especiarias e ás
fabulosas riquezas de uma Índia cada vez mais conhecida pelos viajantes
genoveses e venezianos. Disfarçados com traje mouro e muitas vezes convertidos
ao Islão, por algum tempo, conseguiam introduzir-se nas caravanas e depois nos
navios árabes, indo em busca de musselinas e pedras preciosas. Nos países
Ibéricos enredou-se o feixe dos interesses, estratégias e vocações messiânicas,
sem dúvida porque tais aspectos facilmente podiam reinscrever-se nas tradições
sempre vivas da ‘reconquista’, a qual se dava como concluída em Espanha, sob o
impulso de Fernando de Aragão e de Isabel de Castela. Os ‘Reis Católicos’
tinham enfim conseguido eliminar da Península, uma presença muçulmana, seis
vezes secular. Granada fora tomada em 1491, um ano antes de Colombo chegar ao ‘Novo
Mundo’. Embora tivessem vencido, os seus ocupantes magrebinos no século XIII,
os Portugueses continuavam mobilizados pelo espirito da ‘reconquista’,
perpetuada agora, em favor das campanhas marroquinas, o Rei D. João I em 1416,
depois da conquista de Ceuta em 1415, começou a usar o título de ‘Rei de
Portugal dos Algarves e de Aquém e Além-mar em África’. Afonso de Albuquerque estava
imbuído daquela tradição, indissociável do serviço do rei e promoção dos seus
direitos; a exigência de tributos e, a construção de fortalezas em pontos
estratégicos (prerrogativas realengas, que ditarão as regras, da estratégia a
ser desenvolvida por Afonso de Albuquerque, no Oriente). A descoberta a ‘Rota
do Cabo’ propunha alternativa à asfixia do mundo árabe pelo Mediterrâneo, a
qual não se podia cumprir sem lesar os mercadores da cristandade. Não seria
possível arruinar doravante o comércio egípcio, interceptando os navios de
especiarias tanto ao largo do Malabar como à saída das embarcações do mar
Vermelho? Não seria mais proveitoso para os comerciantes europeus
abastecerem-se em Lisboa, evitando deste modo o risco dos mercados do Levante,
onde o regateio e as troças não lhes eram poupados? Esta eventualidade não
encantava os Venezianos, informados de tudo o que se preparava em Lisboa
através dos seus espiões, preferiam manter o domínio das especiarias na Europa,
apesar das violências que lhes infligia o sultão do Cairo, o qual mandava pôr a
ferros os cônsules da República quando recusavam um aumento de preços. A
exploração das costas africanas fora seguida com interesse na florença dos
Médicis, onde o humanista Angelo Poliziano saudava na pessoa de Elrei Dom João
II, a grande figura que fazia alterar com as suas iniciativas a visão da época
sobre os homens e o mundo. Numa perspectiva mais materialista os homens de
negócios sentiram a mudança dos ventos para a Península Ibérica e tinham-se
estabelecido na praça de Lisboa, já havia há muito tempo. Não estariam os
Portugueses a forçar os limites do universo, abrindo brechas onde todas as
esperanças se aventuravam, incluindo a de suplantar Veneza? Em 1495, a ascensão
de D. Manuel ao trono ultrapassava as expectativas deles. O começo deste
reinado ficou marcado por uma conjectura em que o rei viu os sinais da sua
predestinação. Sexto na ordem de sucessão ao trono, maravilhava-se com o
fúnebre encadeamento dos factos que o tinham elevado ao poder. Aplicou-se
imediatamente a executar o projecto da descoberta da rota para a Índia e de
alianças com os soberanos cristãos do Oriente, a única capaz, na sua óptica de
gerar a confusão entre as forças islâmicas e constituir um império messiânico
de que ele seria Rei dos reis. Tal designio não era incompatível com o desejo
de enriquecer o país. Em qualquer tempo, é o móbil conjugado das ideologias e
dos interesses económicos que sustém o dinamismo dos grandes empreendimentos.
Na própria Ásia, a ligação entre o negociante e o pregador dera força à
expansão do budismo primeiro, e do islamismo em seguida. As iniciativas
portuguesas tinham origem nessa dualidade, que habitava em todos os grupos
sociais, mesmo se em graus diversos. O sonho de se ilustrarem através de uma
nova cruzada não iria impedir grandes senhores de investirem no comércio, armar
navios e enviar agentes à Índia. Desde o regresso de Vasco da Gama que D.
Manuel tomara para si os títulos de ‘Rei de Portugal dos Algarves e de Aquém e
Além-mar em África e Senhor da conquista, da navegação e do comércio, da
Etiópia, da Arábia, da Pérsia e da Índia’, em nome dos quais se arrogava o
controlo dos mares, o direito ao corso e o direito de ingerência nos
territórios infiéis. Não se tratava, naquele momento, de os converter ao
cristianismo, mas de congregar, debaixo da sua bandeira, todos quantos
imaginava poder mobilizar para esmagar o Islão. Este é o sentido da carta
dirigida em 1500 ao rei de Calecut, quando o julgava ainda cristão; «Se quereis considerar a grandeza da
actualidade e o mistério da chegada dos nossos navios até voz (…), fareis nos
países do Oriente o que todos fazemos no Ocidente», incitava-o a louvar a
Deus por lhes ter dado a graça de viverem numa época em que podiam ver-se e
conhecer-se, as gentes das suas terras, tão afastadas uma das outras, desde o
começo do mundo, tinham vivido naquela esperança e Deus agora manifestara
vontade que ela fosse realizada. Esta carta não apresentava qualquer ameaça
contra o Islão sem dúvida para não acordar a desconfiança dos Muçulmanos de
Calecut. Ano após ano, de regresso em regresso, o plano das Índias ia-se
adaptando às realidades, o Negus parecia inatingível, os reis do Malabar eram
idólatras, apoiando os Muçulmanos, de preferência aos Cristãos, além disso
estes não estavam ligados ao Papa, mas ligados ao Patriarca da Mesopotâmia. Só
as riquezas não, constituíram decepção, mas todos sabiam previamente que ia ser
preciso baterem-se para agarrar cada um o seu quinhão. A partir de 1497, o
concelho do rei desaprovara as expedições à Índia. E o mesmo conselho reiterou
a sua opinião depois da chegada de Cabral, apoiado por todos aqueles que mediam
a temeridade da empresa com a hostilidade dos Muçulmanos, o desconhecimento de
um espaço apenas entrevisto e as estranhas e inumeráveis multidões. Não iriam
os Portugueses perder-se, em pessoas e bens, numa nova aventura, quando o reino
contava apenas um milhão de almas? O Rei D. Manuel retirava argumentos daquela
desmesura. Dando fé às Escrituras, não eram os pequenos escolhidos por Deus
para destruir os poderosos? A descoberta do caminho marítimo para Índia não
decorria de um prodígio onde era possivel ler a predestinação de Portugal?
Apesar, do vigor dos protestos, o rei foi mais longe, seguro do apoio dos
mercadores, bem decididos a recorrer a todos os meios para ganharem uma
posição, nos mercados asiáticos. Afonso de Albuquerque era dos que tinha fé na
missão carismática do rei. Também é provável que não pusesse em dúvida a sua
própria vocação para a realizar. Movido pelos ideais da Idade Media, forjado
pelas campanhas de Marrocos, não receou assumir um dos maiores riscos da
História nem fazer inflectir o seu curso por vários séculos, abrindo as portas
da Ásia aos Europeus.
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