segunda-feira, agosto 17, 2015

Batalhas Navais-1479

Cabo de São Vicente?
(Primavera ou Verão de 1479)


A partir do momento em que as Caravelas portuguesas começaram a frequentar as costas da Mauritânia, do Senegal e da Guiné, e que o ouro e os escravos começaram a fluir em quantidades crescente aos mercados de Lagos e de Lisboa, os armadores e os marinheiros da Andaluzia deixaram de poder dormir descansados. Habituados desde há muitos anos a fazerem viagens para as Canárias em busca de escravos, entendiam que o comércio marítimo com a costa de África lhes pertencia e sentiam-se defraudados pela intromissão dos Portugueses. Mas era em vão que apelavam para o Rei de Castela no sentido de promover, ou de os deixar promover, as acções de força necessárias para pôr termo  ao que consideravam uma violação dos seus direitos históricos. Desejoso de não hostilizar os Portugueses numa altura em que Castela continuava a braços com graves dissensões internas e preocupado com a guerra nas fronteiras de Aragão e de Granada, o monarca castelhano ia protelando a resolução do problema e mantinha a proibição de os seus súbditos navegarem para as terras recém-descobertas pelos Portugueses. O que não quer dizer que, apesar disso, navios da Andaluzia não continuassem a navegar para lá, de quando em quando, por sua conta e risco.


Porém, no ano de 1471 esse risco aumentou consideravelmente Quando o Rei Dom Afonso V encarregou seu filho, o príncipe Dom João então com 17 anos, de dirigir os «tratos da Guiné». Aquele que a História viria a consagrar com o cognome de «Príncipe Perfeito» e que foi o verdadeiro pai do Poder Naval português, era um homem da Idade Moderna, pragmático, culto, aberto à inovação, de uma espantosa tenacidade e de uma invulgar capacidade de organização. Face à constante intromissão dos corsários andaluzes e franceses naquilo que considerava ser uma zona exclusiva de Portugal, o príncipe Dom João resolveu cortar o mal pela raiz, promulgando em 1474 a famosa doutrina do «Mare Clausum», segundo a qual não era permitido a nenhum navio estrangeiro, sob pena de morte para os seus tripulantes, navegar para sul das canárias. È claro que para esta doutrina pudesse ter efeitos práticos era indispensável dispor de força suficiente para a poder impor às outras nações. Confrontado com a necessidade imperiosa de transformar rapidamente o nosso país numa grande potência naval, o príncipe Dom João teve a visão suficiente para determinar com clareza os dois factores essenciais para que isso viesse a acontecer a necessidade de conservar em paz com a Espanha para podermos concentrar no mar todos os nossos recursos e a utilização intensiva da artilharia a bordo dos nossos navios.


Quanto a este segundo ponto, convirá recordar o que diz a respeito do «Príncipe Perfeito» o cronista Garcia de Resende «Como era engenhoso em todos os ofícios e sabia muito em artilharia, cuidando muito nisso por melhor guardar sua costa com mais seguridade e menos despesa, aqui em Setúbal, com muitos experimentos que fez, achou e ordenou em pequenas Caravelas andarem muito grandes bombardas e atirarem tão rasteiras que iam tocando na água e ele foi o primetro que isto inventou.» Desta forma a Caravela que os Portugueses se habituaram a pensar ter sido apenas o navio dos Descobrimentos, passou a ser também, no Reinado de Dom Afonso V, o melhor navio de guerra da sua época graças às bombardas de grosso calibre (possivelmente «falcões» ou mesmo «camelos») com que foi equipada. E com as suas caravelas artilhadas o «Príncipe Perfeito» tornou-se senhor do Atlântico. De qualquer forma é de supor que o processo de adaptação da artilharia ao uso maritimo, iniciado provavelmente em 1472 ou 1473, tenha demorado alguns anos, como geralmente acontece com todos os desenvolvimentos tecnológicos, e não tenha dado os seus frutos senão depois de iniciada a guerra com Castela, em 1475. Logo que esta guerra deflagrou, os armadores e marinheiros da Andaluzia aproveitaram a ocasião para atacar sem peias as Caravelas portuguesas que vinham da Guiné, ao memo tempo que redobravam as suas viagens para aquela região.


Certamente que o prìncipe Dom João não terá ficado ocioso perante esta arremetida dos Andaluzes, sendo de presumir que tenha mandado armar um certo número de Caravelas para lhes dar caça e acelarando os estudos relacionados com a instalação da Artilharia a bordo. No ano de 1477, estando a guerra a correr favoravelmente aos Castelhanos, os armadores da Andaluzia conseguiram autorização do Rei Fernando para organizar uma armada de trinta e cinco Caravelas destinada a expulsar os Portugueses da costa africana a sul do Bojador. Partida de Sevilha em data que não conseguimos apurar, foi esta armada vasculhando as reentrâncias das costas da Mauritânia, do Senegal e da Guiné em busca de navios ou de feitorias portuguesas, ao mesmo tempo que trocava as mercadorias que levava por ouro, escravos e outros produtos indígenas. Segundo parece, não terá encontrado quaisquer navios nossos, limitando-se a aprisionar alguns portugueses que estavam numa das ilhas de Cabo Verde. Provavelmente na Primavera de 1479 a armada andaluza, transportando um avultado carregamento de ouro, fez rumo a Sevilha. Mas a notícia da sua partida para a costa africana e da missão de que ia incumbida devem ter, entretanto, chegado ao conhecimento do Príncipe Dom João que, obviamente, deverá ter mandado organizado uma armada para a ir combater. Não referem os cronistas o local do encontro entre as duas armadas, mas dificilmente poderia ter sido outro que não o cabo de São Vicente ponto de aterragem obrigatório dos navios que vindos das Canárias se dirigiam para Sevilha. Como se teria desenrolado a acção? As únicas informações de que dispomos são de origem espanhola e mesmo essas muito sucintas. Não obstante, parece-nos possível deduzir um certo número de pormenores com alguma segurança. Segundo o historiador espanhol que estamos seguindo, a armada andaluza trazia toda a gente doente, pelo que não ofereceu qualquer resistência aos navios portugueses, sendo capturada em bloco e levada para Lisboa.



Pela nossa parte, não podemos deixar de fazer alguns reparos a esta versão, que nos parece demasiadamente simplista. Uma vez que as trinta e cinco Caravelas ainda vinham a navegar em conserva, o que não é tarefa fácil com navios de vela, depois de uma tão longa viagem, isso significa que pelo menos, uma parte importante das suas tripulações se encontrava em condições físicas suficientemente boas para as poder manobrar com eficiência. Se assim era, porque não tentaram os navios andaluzes escapar-se quando avistaram a armada portuguesa, certamente menos numerosa que a sua? Era fácil de prever que enquanto as nossas Caravelas estivessem entretidas a abordar uns tantos, os outros conseguissem pôr-se a salvo com o ouro que transportavam. No entanto, nada disso aconteceu. Porquê? A hipótese que nos parece mais verosímil para explicar o apresamento em bloco das trinta e cinco Caravelas andaluzas é a seguinte; ao avistarem a armada contrária, as Caravelas portuguesas, por certo mais ligeiras do que as andaluzas e armadas com bombardas grossas ter-se-ão aproximado delas intimando-as a amainar, o que aquelas, provavelmente, recusaram.


Então as nossas Caravelas terão aberto fogo de artilharia causando imediatamente avarias consideráveis na mastreação e no casco de alguns dos navios andaluzes. Assombrados perante um poder de fogo que não suspeitavam pudesse existir e vendo-se na iminência de ser afundados sem qualquer possibilidade de defesa, os Capitães das Caravelas da Andaluzia ter-se-ão naturalmente rendido, deixando-se conduzir para Lisboa sem esboçar qualquer tentativa de fuga. O certo a captura de tão grande número de navios inimigos de uma assentada e da enorme quantidade de ouro que transportavam reforçou consideravelmente a posição portuguesa nas negociações de paz que tiveram lugar pouco tempo depois. Em resultado delas, os Reis Católicos reconheceram o direito de Portugal ao monopólio da navegação para sul do cabo Bojador e o direito à manutenção das praças que possuía no Norte de África. Desta forma via o Príncipe Dom João sancionada a sua política do «Mare Clausum» pela única nação europeia que naquele tempo, dispunha de forças navais capazes de a contestar. Por tudo isto nos parece que o encontro que teve lugar no ano de 1479, provavelmente ao largo do cabo de São Vicente, entre as armadas de Caravelas de Portugal e da Andaluzia, apesar de ignorado pelos nossos cronistas, poderá ter sido um dos acontecimentos mais relevantes da nossa História Naval, e mesmo da Histórias Naval Universal. Em primeiro lugar porque consagra Portugal como potência naval dominante no Atlântico, em segundo lugar, porque abre um novo capítulo da guerra no mar correspondente à preponderância do navio armado com canhões.

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