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sexta-feira, agosto 23, 2013

Colecção de Documentos - 1806 III



9 de Agosto de 1806


Extracto de um Despacho ao Secretário de Estado Carlos James Fox aos condes de Rosslyn e de São Vicente, e ao Tenente-General Simcoe; em que lhes comunica a formal determinação do Governo Francês de invadir o Reino de Portugal, e inclui instruções sobre as medidas, que por então se deveriam tomar.

   
      
        Dowuing-Street, 9 de Agosto de 1806.- Mylords e Senhores.- Os Ministro de S. M. receberam avisos de que à tenção da parte dos franceses de invadirem imediatamente o Reino de Portugal, e o governo francês têm por suas mesmas declarações feito com que se não posa mais duvidar da verdade destas informações. Até já anunciou formalmente aquele Governo ao embaixador de S. M. em Paris, que um exército, que dizem ser compôs por 30.000 homens, já está em Baiona pronta para este fim; e que o objecto desta invasão é nada mesmo que a destruição da família real reinante, e a destruição até da monarquia portuguesa, cujas províncias se ão dividir, dando uma parte à Espanha, e a outra parte, com a cidade e porto de Lisboa, se deve dar como estado separado, ao Príncipe da Paz, ou à Rainha da Etrúria. Nestes termos sua majestade julgou ser justo ordenar que as forças que agora se encontram embarcadas, e constam dos números nomeados à margem, sejam imediatamente mandados para o rio Tejo, para se reunirem lá com uma competente força naval, a qual tem igualmente recebido ordens para se dirigir ao mesmo porto. E S. M. julgou conveniente dar as suas ordens para que as forças de terra, empregadas neste serviço, receberam aumentos sucessivos, assim que poderem obter transportes. Além do comando das forças naval e militar, que respectivamente se confiou ao conde de São Vicente e ao Tenente-General Simcoe, S. M. foi servido ordenar, que se lhes dessem plenos poderes juntamente com o conde Rosslyn, para negociar com a corte de Lisboa sobre todas as matérias que disserem respeito ao comum interesse das duas cortes na presente conjuntura dos negócios. Tenho portanto neste despacho de explicar os princípios sobre que tais negócios se devem conduzir. O objecto que mais se deseja obter, sendo possível, é o tomar suficientes e eficazes medidas de acordo entre as duas cortes para a completa defesa de Portugal contra a invasão que a ameaça, o objecto que não devia ser difícil a Portugal a providenciar, se a força da invasão não excedesse o número referido pelo governo Francês. Este é portanto o primeiro ponto que se deve propor à corte de Lisboa, e se essa corte, ou separadamente com os seus, mesmos recursos, ou pela cooperação que ela poder obter de Espanha, onde é provável que os planos de França produzam muito mais susto que prazer, quiser entrar seriamente em medidas de uma vigorosa e eficaz defesa, el-rei aprovará que vós exprimais a disposição em que está S. M. de as suportar em toda a plena extensão dos meios de que S. M. poder aplicar para este objectivo. Vós porem deveis entender muito distintamente que esta instrução é somente aplicável ao caso que não haja só promessas, mas como dito fica, ‘bona fide’ adoptados pelo governo português em sua própria defesa; é esta uma resolução de tão absoluta necessidade na urgência da presente crise, que parece devíamos esperar confiadamente em que fosse adoptada, se a experiência do passado nos não desse muita rasão para duvidar dela, ainda nas circunstancias actuais. No caso se achar que ou meios ou a energia da corte de Portugal sã inadequadas a este fim, então se trabalhará por inspirar naquele governo a resolução, que se diz haviam já noutro tempo tomado os portugueses, e que no caso suposto é a única que se pode adoptar com prudência e dignidade; quero dizer a resolução de se retirar por uma vez dos seus territórios europeus, e mudarem-se com tudo o que poderem levar consigo para as suas possessões transatlânticas. É porem necessário providenciar também o caso diferente de ambas hipóteses precedentes, e infelizmente o que não é provável em que o governo de Portugal, abandonando toda a ideia de resistir, ou escapar, espere com temerosa aquiescência a vinda do perigo, deixando o país com tudo o que eles contem para vir a ser presa segura do inimigo. Neste caso S. M. se veria obrigado, tanto pela consideração do que deve a si mesmo, como pelo respeito ao seu aliado, a dar aqueles passos que sejam necessários para diminuir o mal, impedindo que o inimigo não adquira um aumento de forças, particularmente de forças navais, que a posse do porto de Lisboa em tais circunstâncias lhe daria, e que seria talvez um dos principais motivos que a induzissem a intentar este ultraje. Vós deveis portanto regular a vossa conduta desde o princípio por maneira tal, que tenhais sempre em vista este último objecto, que é muito possível ser o único, que por fim vos deixem completar. Portanto este, no caso de ser por fim necessário, não deve alcançar-se por meio de negociações, mas por demonstrações, e possivelmente por actuais medidas de força. Mas ainda neste caso é muito importante que se esgotem todos os meios de persuadir, tanto o governo, como o povo português, que os passos que se tomam não são com os sentimentos, nem com o desígnio de hostilidades a seu respeito, mas simplesmente o resultado da infeliz necessidade em que se põe S. M. a injustiça e violência do inimigo e a fraqueza de Portugal.

        Em conformidade destas impressões, se em algum período antes de se retirarem da costa os navios e as tropas de S. M. ou ainda depois de se haver de parte a parte recorrido a medidas de força, a corte de Portugal se mostrar disposta a considerar melhor as consequentes demonstrações do perigo, e aceitar a preposição de se mudar para suas possessões no outro continente, vós lhes oferecereis toda a assistência para este fim e entrareis naqueles ajustes que se julgarem mais convenientes, para modificar e conciliar os espíritos em tão penosa extremidade. Em todo o vosso procedimento deveis cuidadosamente evitar tudo quanto possa dar ao inimigo pretexto de representar com falsas cores as justas e rectas intenções de S. M. nesta ocasião. Nada seria mais agradável a S. M. do que ver que a corte de Lisboa continuava, se isso fosse possível fosse, a gozar de uma neutralidade segura e não perturbado. É motivo de grande pesar para S. M. considerar, que em qualquer dos casos será necessário empregar a força contra o território de uma potência amiga; e é de maior importância que o comportamento de S. M. nesta ocasião se mostre no seu verdadeiro ponto de vista, tanto à corte, como ao povo de Portugal, pelo que será conveniente não só entregar à corte as notas oficiais a este respeito, mas ainda imprimir e circular na língua portuguesa um manifesto em que se desenvolvam clara e francamente estas circunstancias, que justificam pela necessidade do caso o pôr em seguro, aqueles socorros militares, que o inimigo tem aberto claramente, que faz tenção de tomar para os seus fins. S. M. não deseja tirar destas, medidas outra nenhuma vantagem senão aquela de privar o inimigo de fazer mal, que se determinam usar tanto contra o interesse do seu país, como por fim de um ataque às colónias de Portugal. Em ordem a prevenir estes males, S. M. vos autoriza a convencionar um plano qualquer que seja, por meio do qual os navios de guerra portugueses, se aquele governo os entregar à sua custodia, sem ser necessário apelar para os meios da força, serão retidos como em depósito, ou fiança para Portugal, ou S.M. os comprará daquele governo pelo valor completo. Ele não pode escusar-se de tomar estas medidas para acautelar que a esquadra portuguesa venha a ser um acréscimo para a França; porem deseja executar isto por maneira tal, que seja o menos ofensivo possível à dignidade, e o menos injurioso possível aos interesses de um aliado, em, que os seus primeiros desejos seriam de achar disposição e meios de opor ao inimigo comum uma resistência efectiva.

        Havendo-se-vos assim explicado os objectos gerais, que se tem em vista, se deixam com inteira confiança os caminhos particulares por que se deve proceder, seja nas medidas de negociação, seja nas de força, ou na mistura de ambas, à descrição das pessoas a quem S.M. tem comunicado tão amplos poderes, e por cuja inteira e perfeita cooperação em todos os passos de qualquer descrição, que sejam necessários, é somente que se podem obter estes fins. O preciso período em que se deve pedir a permissão de desembarcar as tropas, e de as pôr em lugar seguro, é talvez o mais importante de todos estes pontos; e depois deste, o modo e o tempo de requerer, que os navios de guerra no Tejo se ponham em tal estado, que possam imediatamente remover-se, assim que o inimigo se aproximar. Não escapará à vossa atenção que estas medidas são tais, que devem ser adoptadas em qualquer dos três casos, que se supuseram acima. Se Portugal intentar-se defender-se com o auxilio deste país: se a corte medita a sua mudança para o Brasil; ou ultimamente se existir a necessidade de tomar medidas de força, com o fim de remover estes navios; em qualquer destes casos as tropas de el-rei devem desembarcar, e ocupar uma posição que não só lhes ofereça um lugar de segurança, quanto possível for, mas também facilite a execução daquelas medidas, que as forças navais de el-rei tiverem necessidade de tomar para remover os navios. Portanto, como este passo se à de dar em todo o caso, seria para desejar que se concedesse o menos tempo possível para os preparativos que podem fazer-se, ou medidas de resistência que possam opor-se contra este indispensável passo. No estado de indecisão em que sem impossibilidade estará posto o governo português, vós deveis naturalmente esperar que vos neguem a existência, ou ao menos a urgência do perigo; e na verdade não é absolutamente impossíveis, que de facto ocorram circunstâncias, que demorem a marcha do exército francês, que agora está fixada, conforme nos dizem de França, para 15 deste mês. Disto tereis, vós sem dúvida meios de vos informar, obtendo notícias, autênticas de Bayonne; porem deve, de observar que as medidas que agora se adoptam são fundamentadas, não em leves insinuações, mas na declaração do mesmo governo francês, que é o costume daquele governo anunciar assim previamente os actos de violência; que outras medidas de semelhante natureza têm igualmente sido anunciadas, e têm sido actualmente em execução, e por qualquer espera de momentos, que suceda haver na execução deste desígnio particular, não deve isso ser causa para se procrastinarem as medidas de precaução, que se devem adoptar contra eles. No caso de se instar que a admissão das forças de el-rei será considerada pelo inimigo como uma violação da neutralidade de Portugal, e que portanto subministrará ao inimigo motivo, ou ao menos pretexto, para a invasão daquele país, lembrareis que a sua neutralidade está acabada, desde que uma das potências beligerantes anunciou abertamente a sua intenção de invadir aquele território e aniquilar o seu governo, e que nem a justiça, nem que a prudência pedem que nós esperemos pela execução actual deste ameaço antes de tomarmos as medidas convenientes para prevenir ou diminuir o mal. E a experiência tem mostrado com demasiada clareza, e em muitos exemplos, com que facilidade o governo francês acha, ou faz pretextos para semelhantes medidas, uma vez que as tem anunciado.

        Se quando chagardes a Lisboa achardes que ou seja pelo susto ocasionado por circunstâncias, incidentes, ou seja em consequência de requisições e peditórios que tenham feito os franceses, o país se tiver posto em tal estado de preparações e defesa, que faça a execução de qualquer empresa por força mais difícil do que se espera; e principalmente se vós julgardes, ou de outras circunstâncias, que ficará comprometida a segurança do exército confiado ao vosso comando, no caso de desembarcar, ou no caso que se presiguem as medidas premeditadas, el-rei descansa inteiramente na vossa discrição, que não dareis passo algum, que posa tender a uma provável ruína das forças. Neste caso toda a negociação deverá consequentemente tomar um mero aspecto pacífico. Dir-se-á que as tropas que se mandam são para operar em defesa de Portugal, se aquele governo assim o desejar; porem que não o desejando assim, devem partir para o seu primeiro destino. Em tal caso porem, assim como em todo o caso de disputa com aquele governo, se deve sempre mostrar-se-lhe que a consequência certa da sua submissão à França deve ser a perda do Brasil, que em tal caso será este país obrigado a tomar para sua segurança.- Eu sou etc. = C. J. Fox.

(papeis apresentados pelo governo Inglês à casa dos comuns em Março de 1808)


      
      
      



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