Gibraltar
(3 de Setembro de 1786)
Na guerra de 1778 a 1783, que culminou com o reconhecimento da independência dos Estados Unidos da América do Norte, a França e a Espanha não foram capazes de tirar pleno proveito da superioridade naval sobre a Inglaterra de que inicialmente dispuseram. A França, à custa de ter ficado com as finanças arruinadas, nada mais ganhou além da gratidão dos Americanos e da restituição dos seus estabelecimentos indianos. A Espanha conseguiu reaver Minorca e a Florida, mas apesar de todos os esforços que fez, tanto no campo militar como no campo diplomático, não conseguiu que lhe fosse restituído Gibraltar. A Inglaterra, embora tenha perdido as suas ricas colónias da América do Norte, conseguiu conservar o Canadá e viu aumentar grandemente a sua influência no interior da Índia graças ás derrotas que infligira durante a guerra aos Maratas e ao rajá de Mysore. Quem esfregava as mãos de contente ao ver as grandes potências europeias constantemente envolvidas em guerra umas com as outras era o bei de Argel, cujo os corsários, não tendo quem os reprimisse, se iam tornando de ano para ano mais numerosos e mais agressivos. Ainda em 1783, ano em que foi assinado a paz de Versailles, os Espanhóis mandaram uma poderosa esquadra bombardear Argel, mas isso pouco ou nada afectou a actividade dos corsários. Em 1784 organizaram uma segunda expedição de grande envergadura contra aquela cidade, da qual fez parte uma esquadra portuguesa de duas Naus e duas Fragatas. Mas os resultados alcançados ficaram muito aquém da expectativa. Em 1785 enviaram uma terceira esquadra, cujo o comandante acabou por chegar a um acordo com o Bei. A troco do recebimento de uma grossa renda anual a pagar pela Espanha, comprometia-se aquele a proibir os seus corsários de atacarem os navios espanhóis. Era a solução que a Inglaterra e a França já haviam adoptado. Na realidade, chega a parecer impossivel como é que as grandes potências navais da Europa, que entre si dispunham de mais de duzentos navios de linha e outras tantas fragatas, se sujeitavam a pagar tributo a um Rei de ladrões para garantir a segurança da sua navegação! Portugal não precisou de recorrer a tais meios, dado que a sua posição estratégica em relação aos Barbarescos era francamente superior à das grandes potências. Não tendo costas voltadas para o Mediterrâneo e sendo a sua nesse mar muito diminuta, os Portugueses apenas tinham de se preocupar com os corsários que passavam para o Atlântico. Mas, quanto a esses, dada a pouca largura do estreito de Gibraltar, era relativamente fácil impedir a sua saida do Mediterrâneo mantendo ali uma pequena esquadra, excepto durante os meses de Inverno. Aliás tinha sido esse o sistema adoptada durante o reinado de Dom Manuel I em que uma esquadra, geralmente de duas caravelas, patrulhava em permanência o estreito de Gibraltar. Somente a partir de 1562, ano em que foi assinado o convénio de cooperação naval com a Espanha, é que essa tarefa passou a ser desempenhada pelos Espanhóis. A partir de 1786 os Portugueses voltaram a enviar todos os anos para o estreito de Gibraltar uma esquadra de navios ligeiros, procedimento que se manteve, praticamente sem interrupção, até á conquista de Argel pelos Franceses em 1830. Graças a tal medida as actividades dos corsários barbarescos nas costas portuguesas decresceram consideravelmente. É também de presumir que o serviço a bordo dos navios dessa esquadra tenha constituido uma boa escola para os oficiais e marinheiros portugueses. A 13 de Julho de 1786 largou de Lisboa para a patrulha do Estreito uma esquadra constituida por duas Naus de guerra e duas Fragatas, sob o comando do Coronel do mar José de Melo Brayner. A 31 de Julho fundeou a dita esquadra nas proximidades de Gibraltar por ter tido noticia de que ali se encontrava refugiado um xaveco de corsários argelinos. Como se pode constatar, os Ingleses tratavam os navios destes como os de qualquer outra nação respeitável! E durante todo o mês de Agosto, ora uma ora outra das nossas Fragatas manteve-se a cruzar diante do Morro à espera que o xaveco saisse para o capturar. Finalmente, durante a noite de 2 para 3 de Setembro, o xaveco fez-se ao mar e procurou escapar-se, navegando para leste cosido com a costa. Nessa altura encontrava-se a vigiá-lo a Fragata Tritão, de 38 peças de artilharia, do comando do Capitão-de-mar-e-guerra Pedro de Mariz de Sousa Sarmento. Ao amanhecer do dia 3 foi o xaveco avistado a cerca de seis milhas a NE da ponta da Europa e logo se lançou em sua perseguição a nossa Fragata, o que o levou a aproximar-se ainda mais de terra. A meio da manhã o vento caiu, ficando os dois navios imobilizados. Pela uma, aproveitando algumas aragens, o xaveco pôs-se novamento em movimento para leste. Mas a sorte não o bafejou. O vento principiou a refrescar e pouco depois a Tritão estava já perto dele, começando a alvejá-lo. Atingido por diversas vezes o corsário arvorou a bandeira branca. Tratou então a Fragata de pôr as embarcações na água para o irem tomar. Vendo os Argelinos que aquela deixara temporariamente de poder fazer fogo, tornaram a içar as velas e dirigiram-se deliberadamente para a costa onde vararam. Seguidamente fugiram para o interior, acossados pelos pelouros da Tritão. Quando a lancha e o escaler desta, guarnecidos com soldados, chegaram junto do xaveco, já ele havia sido abandonado. Como constava que grassava peste em Argel, o comandante da Fragata ordenou que fosse queimado. Na sequência desta acção a Inglaterra apresentou um protesto diplomático junto da corte portuguesa por um navio de guerra nosso ter atacado e destruido um navio neutro em águas territoriais inglesas. Como geralmente acontece com os protestos diplomáticos é de supor que tambem este tenha caido no esquecimento.
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