Atlântico Sul
(21
de Novembro de 1795)
Ao aproximar-se o
final do século XVIII parecia que o Mundo estava desabando. Em 1776 haviam sido
os súbditos americanos do rei Jorge III que tinham cometido o sacrilégio de se
revoltarem e se tornarem independentes. Em 1789 foram os súbditos do rei Luís XVI de França que cometeram a heresia de lhe invadir o palácio e o obrigar a
assinar uma constituição. Mas o cúmulo do desrespeito pelas pessoas reais
aconteceu em 1792 esses mesmos súbditos de Luís XVI não manifestaram o mínimo
escrúpulo em lhe cortar a cabeça. Nessa altura os governos da Europa que até ai
não se tinham preocupado com as dificuldades da França entraram em pânico com receio
que o exemplo frutificasse, e mobilizaram os seus exércitos e as suas armadas a
fim de ensinarem aos revolucionários franceses que a um Rei, por muito mau que
fosse, não se podia cortar impunemente a cabeça. Portugal, governado "in nomine" por uma rainha demente e
por um regente e vários ministros de fraco gabarito, foi arrastado na onda e,
mais ou menos a reboque da Espanha, entrou na guerra contra a França em
Setembro de 1793, enviando para a Catalunha um exército de cerca de cinco mil
homens que integrado no exército espanhol tomou parte na chamada campanha do Russilhão.
Em Julho de 1794 foi mandada para Portsmouth, sob o comando do chefe de
esquadra António Januário do Vale, uma esquadra de cinco naus, uma fragata e
dois bergantins que colaborou com a esquadra inglesa do canal da Mancha até
Abril do ano seguinte. Mas a França
republicana, recorrendo à mobilização geral de todos os homens válidos e
empolgada pelo fervor revolucionário, conseguiu resistir com êxito a todos
ataques e manter invioláveis as suas fronteiras. A Holanda vencida e a Espanha
e a Prússia desiludidas fizeram a paz com ela em 1795. Apesar de terem um
exército português a combater integrado no seu, os Espanhóis nem sequer se
dignaram a avisar os Portugueses de que estavam a negociar a paz. Foi uma
verdadeira traição que nada justifica e que deixou Portugal numa situação difícil,
tanto mais que os Espanhóis agora aliados aos Franceses, declararam guerra aos
Ingleses… de quem nós éramos aliados na guerra contra a França. a 29 de Abril de
1795 largou de Lisboa com destino a Goa a charrua ‘Poliphemo’ de 22 peças de
artilharia, sob o comando do capitão-tenente Manuel do Nascimento Costa. "Charrua" era a designação que no século XVIII se dava a qualquer navio do Estado
utilizado como transporte. As charruas eram geralmente naus ou fragatas a que
se tinha retirado uma parte da artilharia a fim de aumentar o espaço disponível
para os passageiros e a carga. Outras vezes eram navios que haviam sido
propositadamente construídos para serem utilizados como transportes. No caso da 'Poliphemo' é possível que se tratasse de um navio mercante comprado ou afretado. A sua
guarnição era de cento e sessenta e seis homens, além dos quais transportava
cento e cinquenta e quatro passageiros, a maior parte deles funcionários civis
ou militares, e cento e oitenta e seis degredados. Da sua carga faziam parte
20.647.933$000 réis em ouro, 40.000$000 patacas e 82 caixas de coral no valor
de 51.205.350$000 réis.
A 18 de Junho fundeou a charrua na Bahia, onde
permaneceu durante quatro meses limpando o fundo e fazendo fabricos, o que
parece indicar que teria saído de Lisboa em bastante mau estado. Entre 8 e 12
de Outubro deixou a Bahia, retomando a viagem para Goa. A 21 de Novembro de
1795, ao romper do dia, foi avistada a cerca de quatro milhas a sotavento da
Poliphemo uma fragata que mais tarde veio a saber-se ser a fragata francesa ‘La
Preneuse’ de 44 peças de artilharia e com 470 homens de guarnição do comando do
cidadão Larcher. Possivelmente também ia a caminho da Índia. Logo que os
franceses deram pela presença da nossa charrua meteram à orça para lhe dar
barlavento. É de admitir que a 'La Preneuse' fosse a dar cerca de seis nós e a 'Poliphemo' cerca de quatro nós. Dai que a primeira se tenha adiantado
consideravelmente. Quando pareceu a Larcher que já seria capaz de alcançar o
nosso navio, virou de bordo e dirigiu-se para ele sempre à bolina cerrada mas
com amuras opostas. Estando a fragata francesa já muito perto, Nascimento Costa
mandou içar a bandeira, apoiada por um tiro de artilharia para significar ao
outro navio, que desejava e que se identifica-se. Não se fez rogado Larcher e
mandou desfraldar a tricolor da França republicana igualmente firmada com um
tiro de canhão. Poucos minutos decorridos os dois navios cruzam-se, passando a
fragata por sotavento da charrua. Nesse instante disparou aquela uma bordada
completa de 20 tiros, a que respondeu a 'Poliphemo' com 10 tiros. Estas duas
salvas disparadas a uma distância relativamente curta, provocaram estragos consideráveis
no aparelho de ambos os navios e algumas baixas entre as guarnições. Continuando
a navegar com bordos opostos, a fragata e a charrua afastaram-se rapidamente
uma da outra enquanto iam disparando os canhões da ré. Pouco depois Larcher
virou novamente de bordo e foi em seguimento da 'Poliphemo', puxando tudo para a
orça a fim de se colocar a barlavento dela. Duas ou três horas depois, tendo a
nossa charrua pela amura de EB começou a alvejá-la. A pouco e pouco a distância
de tiro foi diminuindo e o campo de tiro dos canhões abrindo, intensificando-se
o duelo de artilharia. Uma tentativa de abordagem levada a cabo pela 'La
Preneuse' não terá sido bem sucedida. Não obstante, dispondo do dobro de canhões
e, provavelmente de melhores artilheiros a fragata francesa estava em nítida vantagem. Ao fim de três ou
quatro horas de combate, tendo o seu navio completamente destroçado, contando
já quatro mortos e oito feridos graves e não vislumbrando maneira de se safar
da situação desesperada em que se encontrava, Nascimento Costa decidiu
render-se. Os franceses sofreram cinco mortos e onze feridos, além das avarias
no aparelho. Depois de terem
saqueado a 'Poliphemo' e de terem obtido dos militares portugueses o compromisso de
que não mais pegariam em armas contra a França, abandonaram a charrua e
seguiram o seu destino. Preparam-se então os nossos marinheiros para reparar as
avarias sofridas durante o combate a fim de poderem regressar à Bahia. Mas nessa
altura os degredados que iam a bordo revoltaram-se, tendo tido o comandante e
os soldados muita dificuldade para os dominar. Só a 9 de Dezembro, foi possível
restabelecer a ordem e soltar rumo à Bahia, onde a 'Poliphemo' lançou ferro catorze
dias mais tarde. Apesar de ter
perdido o valor que transportava, a conduta de Nascimento Costa foi considerada
altamente meritória, sendo, tanto ele como todos os oficiais da charrua,
promovidos por distinção ao posto superior.
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