Ilha de Santa Catarina
(Abril a Junho de 1777)
A expulsão pela força das tropas espanholas que se haviam instalado no Rio Grande do Sul provocou, como seria de esperar, uma violenta reacção por parte do governo de Madrid. Ao mesmo tempo que era enviada a Lisboa uma esquadra de quatro Naus de guerra transportando um embaixador extraordinário, encarregado de apresentar um enérgico protesto diplomático junto da corte portuguesa, começava a ser organizada em Cádis uma expedição de trinta e um navios de guerra, noventa e seis transportes que levavam nove mil soldados, destinada a fazer valer os direitos da Espanha no Sul do Brasil. Tendo largado a 13 de Novembro de 1776, a referida expedição aprsentou-se diante da Ilha de Santa Catarina, onde aliás já era esperada a 17 de Janeiro de 1777. Por essa altura a esquadra de Macdoual que ali se encontrava era constituida somente por quatro Naus de guerra, três Fragatas e quatro embarcações menores. Perante a superioridade esmagadora do inimigo de cuja esquadra faziam parte seis Naus de guerra e mais de uma dezena de Fragatas e Covertas, Macdoual reuniu um conselho no qual todos os comandantes presentes, à excepção de um manifestaram a opinião de que seria uma loucura dar combate aos Espanhóis e que a unica coisa sensata a fazer era retirar para o Rio de Janeiro. Anuiu Macdoual e retirou para o Rio de Janeiro onde foi asperamente criticado pelo Marquês do Lavradio, Vice Rei do Brasil por não ter pelo menos, permanecido ao largo de Santa Catarina tentando interceptar os navios que para ela se dirigissem vindos de Buenos Aires com mantimentos e reforços. O ataque espanhol às posições portugueses da ilha teve inicio na noite de 22 para 23 de Fevereiro. Apesar de serem em numero razoável e de disporem de armamento e municionamento suficientes os nossos soldados impressionados pelo aparato das forças inimigas, pouca resistência ofereceram. Após quatro dias de luta uma parte deles rendeu-se, enquanto outra parte fugia para o interior da ilha ou para o continente. Cairam nas mãos dos espanhóis, além dos fortes, cinco navios carregados com mantimentos, cento e noventa e cinco canhões e três mil oitocentos e dezasseis prisioneiros! Nos termos da convenção de rendição estes últimos foram deixados seguir para o Rio de Janeiro, onde chegaram a 22 de Março, sendo aberto um inquérito à sua conduta. Em principios (?) de Abril Macdoual voltou a fazer-se ao mar levando consigo três Naus de guerra e três Fragatas. Os restantes navios encontrando-se em muito mau estado, ficaram no Rio a receber fabricos. A missão que lhe fora atribuida pelo Vice-Rei era tentar interceptar os navios que se dirigiam para a ilha de Santa Catarina vindos do Rio da Prata com abastecimentos. Apesar de dispor de marcada superioridade numérica a esquadra espanhola não fez qualquer tentativa para forçar a esquadra portuguesa ao combate, o que não será de estranhar, uma vez que o seu objectivo principal era a conquista de território e a nossa, dada a sua reduzida dimensão, não tinha a menor probabilidade de o impedir. A 16 de Abril a Fragata "Nossa Senhora do Pilar" de 32 peças de que era comandante o inglês Arthur Phillip (que viria a ser o primeiro governador da Austrália) captorou uma setia espanhola que vinha de Buenos Aires com mantimentos e correspondência. Por ela ficaram os portugueses a saber que mais atrás vinham duas Naus de guerra espanholas também a caminho da ilha de Santa Catarina. Tratava-se de duas grandes Naus novas, de 72 peças e 550 homens de guarnição cada uma que por não estarem ainda prontas aquando da largada da expedição de Cádis, haviam partido mais tarde. Tendo-se dirigido para Buenos Aires haviam sido informadas que a esquadra espanhola se encontrava na ilha de Santa Catarina e mandadas seguir para lá. Durante o trajecto provavelmente devido ao mau tempo separaram-se uma da outra. A 21 de Abril de 1777, encontrando-se a esquadra portuguesa por certo disposta numa linha com grandes intervalos a sul de Santa Catarina foi avistada uma dessas Naus "San Agustin", pela nossa "Senhora dos Prazeres" e pela "Nossa Senhora do Pilar". A primeira era uma Nau de guerra de 64 peças de que era Comandante José de Melo; a segunda era uma Fragata de 32 peças de que era comandante, conforme já dissemos Arthur Phillip. Sem hesitar foram ambas ao encontro do inimigo. Chegando ao alcance de tiro a "Prazeres" abriu fogo sobre a espanhola, estabelecendo com ela um vivo duelo de artilharia que lhe provocou alguns danos no aparelho e a obrigou a reduzir a velocidade, isso permitiu que a "Pilar", que inicialmente se encontrava bastante afastada se aproximasse dela pelo outro bordo. Ao que parece, a afoiteza com que o fez induziu em erro o comandante espanhol, levado-o a pensar que se trataria de uma Fragata espanhola uma vez que não era lógico que uma fragata de 32 se atrevesse a combater taco a taco com uma Nau de 72. Só quando a "Pilar" abriu fogo é que se terá apercebido do seu erro. Não sabemos ao certo quanto tempo terá demorado o combate, mas é de presumir que tenha sido travado a uma distância considerável, uma vez que as baixas e os estragos sofridos por qualquer dos navios intervenientes foram reduzidos. Entretanto caiu a noite e aproveitando-se da escuridão a "San Agustin" conseguiu despistar os seus oponentes. Porém ao romper do dia verificou que se encontrava muito perto de outros quatro navios portugueses. Eram estes a Nau "Santo António e São José" de 60 peças de que era comandante Macdoual, a nau "Nossa Senhora de Belém" de 54 a Fragata "Pricesa do Brasil", de 32 e a Fragata "Píncipe do Brasil" de 36 peças. Sendo o navio que se encontrava mais perto da Nau espanhola a "Santo Antonio" iniciou imediatamente o combate , enquanto os restantes se iam aproximando. Pouco depois, tendo melhorado a visibilidade, foi avistada a "Prazeres", que vinha a todo o pano em direcção ao local da acção. Compreendendo que não tinha a menor possibilidade de se escapar, o comandante espanhol adoptou por render-se, apesar de ter sofrido apenas quatro mortos e alguns feridos e avarias de pouca monta no aparelho, Macdoual distribuiu a maior parte da guarnição da "San Agustin" pelos seus navios, guarneceu-a com marinheiros portugueses e seguio com ela para o Rio de Janeiro a fim de desembaraçar dos prisioneiros espanhóis. De notar que a referida Nau foi o maior navio de guerra jamais capturado pela Marinha Portuguesa. À chegada ao Rio foi a mesma integrada na nossa Armada com o nome de "Santo Agostinho" sendo nomeado seu comandante Arthur Phillip. Depois de ter consolidado a ocupação da ilha de Santa Catarina a ideia de Dom Pedro de Zaballos Cortés, Comandante-em-Chefe da força expedicionária espanhola, era reconquistar o Rio Grande do Sul. Mas o mau tempo impediu-o de levar por diante esse designio. Resolveu então seguir para Buenos Aires a fim de se refazer e, ao mesmo tempo assumir as funções de Vice-Rei do Rio da Prata de que ia investido e de que seria o primeiro titular. Terminados os festejos pela vitória de Santa Catarina e pela criação do novo Vice- Reinado (que na prática corresponde ao nascimento da Argentina) Zaballos reorganizou as suas forças e dirigiu-se para a colónia de Sacramento, que se encontrava cercada pelas tropas de Bueno Aires praticamente desde a última vez que havia sido restituido a Portugal. Entendendo que perante o potencial dos espanhóis era inútil prolongar a resistência, o governador da praça capitulou a 4 de Junho. Outra vitória estrondosa de Zaballos que lhe permitiu arrecadar mais cento e quarenta e um canhões e dois mil e trezentos prisioneiros! Não obstante receoso de que após a assinatura do próximo tratado de paz na Europa a cidade fosse, como de costume, devolvida aos Portugueses, disidiu cortar o mal pela raiz e mandou arrasá-la! seguidamente começou os preparativos para ir recuperar o Rio Grande do Sul e assim fechar a campanha com chave de ouro. Por sua parte o Marquês do Lavradio Vice-Rei do Brasil desejoso de retomar a iniciativa deu ordem a Macdoual para que se fizesse sem demora ao mar e fosse tentar destruir os navios espanhóis que tinham ficado em Santa Catarina ... mas sem se arriscar demasiadamente. Por essa altura a nossa esquadra, graças à incorporação da "Santo Agostinho" e a terem sido concluidos os fabricos da "Nossa Senhora da Ajuda", incluia cinco Naus de guerra, e três Fragatas. Infelizmente por razões fortuitas a Nau "Nossa Senhor dos Prazeres" não pôde largar ao mesmo tempo que os restantes navios, só vindo a fazê-lo um ou dois dias mais tarde. A 12 de Junho de 1777, ao amanhecer, encontrando-se a nossa esquadra ao largo da ilha de Santa Catarina, foi avistado a navegar junto a terra uma nau que se suspeitou ser espanhola. Imediatamente Macdoual se dirigiu para ela ordenando à "Ajuda" que era o navio que se encontrava mais perto, que a fosse reconhecer. É de supor que o vento fosse fraco, uma vez só ao cair da noite conseguio aquela chegar junto da Nau suspeita. Já com muito pouca visibilidade perguntou-lhe em português, quem era. Na realidade tratava-se da "Prazeres" mas o seu comandante, convencido que os navios que tinha à vista eram espanhóis e que a pergunta feita em português era uma armadilha para o apanhar desprevenido resolveu usar do mesmo estratagema e mandou responder ... em espanhol. Como seria de esperar a "Ajuda" não hesitou abrir fogo e a "Prazeres" não hesitou em responder. Sendo já noite fechada o combate continuou com grande empenho de parte a parte. Pouco de pois as Naus "Santo Antonio" e "Belem" Juntaram-se à "Ajuda" Prosseguindo o canhoneio por mais de uma hora e um quarto. Cerca das dez e meia a suposta Nau espanhola deixou de responder parecendo que se queria render. Meia hora depois a "Belem", informava Macdoualde que se tratava da Nau "Prazeres". Deste lamentável acidente resultaram cerca de cinquenta mortos e feridos graves e danos importantes nos quatro navios intervenientes o que levou Macdoual a regressar mais uma vez ao Rio de Janeiro, com grande desespero do Marquês do Lavradio que o acusava abertamente de falta de iniciativa e falta de vontade de combater. foi então que chegarão subitamente noticias ao Rio de Janeiro e a Bueno Aires ordens terminantes das respecivas metrópoles para pôr termo às hostilidades. O que acontecera fora que o Rei Dom José havia falecido a 23 de Fevereiro de 1777. Com a subida ao trono de Dona Maria I e o afastamento do Marquês de Pombal as relações entre as cortes de Madrid e Lisboa melhoraram consideravelmente. Por outro lado, as relações entre a Espanha e a Inglaterra tinham-se agravado de tal modo que a eclosão de nova guerra entre ambas era esperada a cada momento. Nestas circustâncias é evidente que interessava aos espanhóis fazer regressar o mais depressa possivel à Europa as forças navais e terrestres que tinham mandado para a América do Sul. Estas as principais razões que os levaram a assinar com os Portugueses a 1 de Outubro de 1777 o "Tratado de Santo Ildefonso". De acordo com esse tratado a Colónia do Sacramento e todo o território compeendido entre o Rio da Prata e o Rio Grande do Sul, bem como o das «Sete Missões» ficava pertencente à Espanha; o Rio Grande do Sul foi reconhecido como fazendo parte do Brasil; a ilha de Santa Catarina foi devolvida a Portugal a troco da cedência aos espanhóis das ilhas de Fernando Pó e de Ano Bom que lhes interessavam para utilizarem de entreposto no comércio de escravos africanos; os navios e a artilharia capturados por qualquer dos beligerantes foram restituidos. Ao fim e ao cabo mais teria valido que o Marquês de Pombal não tivesse anulado o "Tratado de Madrid" de 1750. A respeito da guerra não declarada que opôs os Portugueses aos Espanhóis no sul do Brasil durante os anos de 1776 a 1777, quatro pontos nos parece que devem ser realçados; o primeiro foi o facto de a Espanha não se ter atrevido a fazer guerra a Portugal na Europa com receio de provocar uma intervenção inglesa: o segundo foi a fraquíssima figura feita pelo exército português encarregado de defender a ilha de Santa Catarina; o terceiro foi o facto de a esquadra espanhola apesar da superioridade numérica de que dispunha nunca ter procurado forçar a portuguesa a uma batalha decisiva; o quarto foi o facto de por um mero capricho da meteorologia não termos chegado a perder o Rio Grande do Sul, que se tivesse sido ocupado pelos espanhóis, provavelmente nunca mais nos teria sido restituido.
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