Costa Índia
(3 de Janeiro de 1763)
A 2 de Janeiro de 1763, largou de Goa com destino a Lisboa a fragata " N. S. da Caridade", de 44 peças de artilharia e com 240 homens de guarnição, de que era comandante o Capitão-de-mar-e-guerra Manuel Caetano Gomes da Silva. Transportava o navio sessenta passageiros e, como de costume, muito carga e bagagem que atulhavam a bateria e os pavimentos superiores. Na companhia da fragata largaram também dois Patachos Mercantes, qualquer deles de 20 peças e 80 homens de tripulação destinados a Moçambique. já referimos por esta altura a ameaça que representavam os temiveis corsários da familia Angriá havia-se desvanecido, mas nem por isso a navegação na costa ocidental da Índia se tornara mais segura. Alguns capitães dos antigos Corsários, aproveitando-se dos navios. das bases e das tripulações por eles deixados, continuavam a operar por conta própria à frente de poderosas esquadras com o beneplácito do rei dos maratas a quem pagavam elevadas somas. Consciente disso, Gomes da Silva preparou cuidadosamente o seu navio para a eventualidade de vir a ser atacado pelos maratas, levando prontas a fazer fogo duas peças a vante, duas a ré e duas a cada bordo e os caixotes e cestos que empachavam as restantes arrumados por forma a poderem ser rapidamente deitadas ao mar se o navio tivesse de entrar em combate. Tais precauções , como a seguir se verá não foram inúteis. Ao amanhecer do dia imediato ao da largada, já com a costa a mergulhar no horizonte, foi avistada pela amura de EB uma esquadra marata que ali se encontrava há vários dias à espera dos nossos navios. constituida por seis Palas, qualquer delas de 24 peças e 155 homens a bordo, e por treze Galvetas, cada uma armada com 7 peças e guarnecida com 60 homens. De pronto Gomes da Silva mandou aprontar para combate e largar todo pano a fim de ganhar tempo necessário para deitar parte da carga ao mar e pôr a artilharia a lestes. Porém, como a fragata ia muito carregada e o vento era fraco foi rapidamente alcançada pelos maratas que se aproximaram dela fazendo grande algazarra com o fito de amedrontarem a sua guarnição. Sereno, Gomes da Silva aguardou que os navios inimigos chegassem ao alcance de tiro para mandar ferrar as velas maiores a fim de evitar que fossem rotas ou incendiadas. Depois, guinando ora para um bordo ora para o outro, começou a disparar furiosamente os seus canhões, carregados com metralha, sobre os navios maratas. Talvez por pensarem que os dois Patachos Mercantes transportavam carga pobre aqueles não fizeram caso deles e concentraram todas as suas forças no ataque à fragata. E na ânsia de se chegarem a ela deixaram todo pano em cima. o resultado foi que as duas Palas que vinham à frente atingidas em cheio pelo fogo da "Caridade", ficaram logo imobilizadas, com as velas feitas em tiras e a maior parte dos cabos de manobra cortados. Não obstante, as outras continuaram a avançar destemidamente e rodearam a fragata, colocando-se uma pelo seu través de BB, outra pelo seu través de EB e as restantes duas por ambas as alhetas. Poucos instantes decorridos, as Palas que estavam a BB e EB da "Caridade" aferraram-na e meteram-lhe dentro cerca de trinta homens
Ao mesmo tempo duas galvetas abordaram-na pela popa e lançaram-lhe dentro outros trinta. Momentos antes da abordagem Gomes da Silva tinha mandado largar o pano todo a fim de ganhar andamento e assim impedir que outros navios pudessem vir reforçar os que tinham aferrado. Seguidamente atirou-se de espada em punho contra os assaltantes, seguido por um punhado de soldados, e em menos de um quarto de hora matou-os a todos ou obrigou-os a saltar para a água. Depois, manobrando com grande pericia por forma a meter os navios dos maratas, um após outro. dentro dos campos de tiro das suas baterias, continuou a fustigá-los com um fogo vivissimo de artilharia e mosquetaria. Após duas horas de combate, encontrando-se a maior parte daqueles muito destroçados e cheios de mortos e feridos o seu Almirante viu-se forçado a dar a ordem para pôr termo à luta e bater em retirada. Mas a notável vitória alcançada pela "Caridade" não ficou barata. Trinta dos seus tripulantes foram mortos e a maior parte dos restantes ficaram feridos. O navio ficou com o aparelho, a mastreação e as obras mortas em misero estado. Viu-se por isso Gomes da Silva forçado a arribar à foz do Mandovi para desembarcar os mortos e os feridos graves e para reparar as avarias. Quanto aos dois Patachos Nercantes, ao que parece terão aproveitado a confusão do combate para seguirem a salvo para Moçambique. Graças à diligência com que Gomes da Silva dirigiu as reparações do seu navio pôde ainda tornar a fazer-se ao mar em tempo de aproveitar a monção, o que lhe permitiu chegar a Lisboa no verão desse ano. Como seria de esperar, a forma como se havia conduzido no combate com os maratas mereceu os maiores encómios da parte do Rei, do Marquês de Pombal e de toda a corte. Como prémio foi-lhe concedido um foro de fidalgo. Os restantes membros da guarnição da "Caridade" foram recompensados com uma gratificação equivalente a dois meses de soldo.
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