terça-feira, setembro 29, 2015

Ciência Náutica Portuguesa - século XV


Ciência Náutica


Apesar da ciência náutica portuguesa remontar ao século XIII, a expansão portuguesa obrigou a uma evolução bastante rápida, uma vez que se tornou necessário superar novos obstáculos, tendo a investigação e evolução estado a cargo de uma elite de astrónomos, pilotos, matemáticos e cartógrafos, entre os quais se destacaram Pedro Nunes (com os estudos sobre a forma de determinar as latitudes por meio dos astros, entre outros) e Dom João de Castro (que investigou o magnetismo da Terra).

Arquitectura Naval

Barcas e Barinéis


Até ao século XV, os Portugueses praticavam uma navegação de cabotagem, utilizando a barca embarcação pequena e frágil. A Barca era um navio com uma só coberta e um só mastro, que podia levar ou não cesto de gávea, com vela quadrangular fixa suspensa numa verga colocada sobre o mastro. À vela quadrada chama-se também vela redonda, porque enfunava com o vento e ficava arredondada como um balão.



A Barca, destinada a viagens pequenas de cabotagem e pesca estão associadas aos primórdios dos Descobrimentos, a viagens à Ilha da Madeira, Açores, Canárias, e à exploração do litoral africano até pelo menos às alturas de Arguim na actual Mauritânia. Foi ainda numa barca que Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador em 1434. Estes barcos não conseguiam dar resposta às dificuldades que surgiam no avanço para Sul, como os baixios, os ventos fortes e as correntes marítimas desfavoráveis. Seria sucedida pela caravela.


Caravelas


O navio que marcou a primeira fase dos Descobrimentos portugueses, a fase atlântica e africana foi a caravela. Empregue na exploração da costa africana, fora usada primitivamente na faina da pesca e caracterizada pela sua robustez e pouco calado; com uma tonelagem que variou das 50 às 160 toneladas e armando 1, 2 ou 3 mastros com velas latinas triangulares, bolinava satisfatoriamente para a época.


Era de navegação fácil e melhor capacidade de bordejar, dado ter um aparelho latino. No entanto a sua capacidade limitada de carga e a necessidade de uma grande tripulação eram os seus principais inconvenientes, que, no entanto, nunca obstaram ao seu sucesso.


Este deve-se em boa parte à evolução técnica registada no século XV e graças às múltiplas viagens de exploração da costa atlântica africana, substituindo definitivamente as barcas e os barinéis naquelas actividades de navegação. Entre as caravelas famosas estão a Caravela Anunciação e a Caravela Vera Cruz.

Naus e Carracas



"Nau" era o sinónimo arcaico de navio, nave ou barco de grande porte destinado a longos percursos. Durante a época dos Descobrimentos, houve uma evolução dos tipos de navio utilizados. Na Baixa Idade Média, entre o século XIII e a primeira metade do XV, as naus, ainda tecnicamente longe daquilo que seriam nos Descobrimentos, serviam essencialmente para transportar mercadorias que provinham dos portos da Flandres para a península Itálica, no Mar Mediterrâneo, e vice-versa. À época de Fernando I de Portugal as naus desenvolveram-se de forma assinalável em Portugal.



Devido à pirataria que assolava a costa portuguesa e ao esforço nacional de criação de uma armada para as combater, as naus passaram a ser utilizadas também na marinha de guerra. Nesta altura, foram introduzidas as bocas-de-fogo, que levaram à classificação das naus segundo o poder de artilharia: naus de três pontas (100 a 120 bocas) e naus de duas pontas e meia (80 bocas).



A capacidade de transporte das naus também aumentou, alcançando as duzentas toneladas no século XV, e, as quinhentas, no século seguinte. Com a passagem das navegações costeiras às oceânicas, e à medida que se foi desenvolvendo o comércio marítimo e se tornou necessário aumentar a capacidade do transporte de mercadorias, armamento, marinheiros e soldados, foram sendo modificadas as características. Surgiam então as caravelas de armada e, posteriormente, as naus.


Em 1497 partiu Vasco da Gama para a Índia já com três naus e uma caravela. De grande porte, com castelos de proa e de popa, dois, três ou quatro mastros, com duas ou três ordens de velas sobrepostas, as naus eram imponentes e de armação arredondada. Tinham velas latinas no mastro da ré. Diferentes das caravelas, galeões e galé, as naus tinham, em geral, duas cobertas. No século XVI tinham tonelagem não inferior a 500t, embora, segundo o testemunho do Padre Fernando de Oliveira, no seu livro da Fábrica das Naus, em meados desse século as naus eram armadas com crescente tonelagem.


Carraca era um tipo de navio utilizado no transporte de mercadorias referenciado em documentos dos séculos XV e XVI, vulgarizado sobretudo no Mediterrâneo, utilizado no transporte de mercadorias. As carracas eram navios de velas redondas e borda alta, e possuíam três mastros. Os primeiros exemplares tinham uma capacidade de 200 a 600 toneladas, mas na época em que os portugueses as utilizaram na carreira da Índia atingiu valores de 2000 toneladas.



Medir o tempo



Um dos diversos instrumentos que o homem concebeu para medir o tempo foi a ampulheta. Também conhecido por relógio de areia a sua invenção é atribuída a um monge de Chartres, de nome Luitprand que viveu no séc. VIII. No entanto as primeiras referências deste tipo de objecto aparecem apenas no século XIV. É constituída por duas ampolas de vidro unidas pelo gargalo e de modo a deixar passar a areia de uma para outra num determinado intervalo de tempo através de um orifício. Até meados do século XVIII as duas ampolas eram fabricadas separadamente colocando-se entre os gargalos de ambas uma pequena peça metálica com um orifício devidamente calibrado para a passagem da areia. A ligação era feita com cabedal ou uma pinha (um entrelaçado feito com cabo). Para proteger o conjunto era usada uma armação em madeira ou latão. Mais tarde as ampulhetas foram feitas de uma só peça de vidro com um orifício para a passagem da areia que podia ser branca ou vermelha, desde que fosse fina, seca e homogénea. A proveniente de Veneza tinha grande reputação. Além de areia também se podia usar cascas de ovo moídas, pó de mármore, pó de prata e pó de estanho calcinado misturado com um pouco de chumbo. Este último aconselhado para as ampulhetas de vinte e quatro horas. A vida a bordo era regulada por este instrumento. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas mas as mais usadas eram as de meia hora também conhecidas por relógio, de boa precisão a ampulheta era no entanto afectada pelos balanços, temperatura (por isso devia ser colocada à sombra) e o alargamento do orifício desgastado pela passagem da areia. Mas quem a manejava era ainda o maior culpado. Um esquecimento, um atraso ao virar ou ainda, e a mais frequente, motivada pela pressa em encurtar a duração de um quarto fazia que quem estivesse de turno, a virasse antes de esgotar toda areia. Este fato era conhecido entre os marinheiros por comer a areia. Ao virar a ampulheta, o marinheiro tocava o sino; uma badalada às meias horas e pares de badaladas correspondentes à hora de quarto. Um par à primeira, dois à segunda, etc. Falta dizer que cada quarto era, e ainda hoje é assim, de quatro horas. Aos quartos da noite também se davam nomes. Das oito da noite à meia-noite era chamado de prima, seguia-se a modorra da meia-noite às quatro e por fim, a alva das quatro às oito da manhã, e o acerto era necessário e fazia-se com o astrolábio ao meio-dia através do sol, quando o tempo o permitisse. Para a obtenção da latitude bastavam as tabelas de declinação e a medição da altura do sol. A longitude, até ao séc. XVIII, era obtida por estimativa a partir da distância/rumo percorrida pelo barco. A velocidade necessária para o cálculo era obtida com uma barquinha e uma ampulheta de 30 segundos. Este método era pouco rigoroso para a obtenção daquela coordenada geográfica, e até à invenção do cronómetro no séc. XVIII, para obtenção da longitude, foram pensados vários métodos. Um deles, proposto pelo padre italiano Bruno Cristóvão, professor de astronomia em Coimbra e em Lisboa no início do séc. XVII, usava uma ampulheta de longa duração, marcada com linhas indicando as diversas horas. Acertava-se à saída de um porto e calculava-se a diferença entre as horas do meridiano do local e do meridiano de referência, transformando depois o tempo em arco, tal como se faz hoje. A ideia era perfeitamente correta mas tecnicamente impossível, pois a ampulheta não tinha uma tal precisão.


Cartografia


Jehuda Cresques (1350-1427), também conhecido por Jafuda Cresques e Jaume Riba, também conhecido por Jaime de Maiorca, filho do cartógrafo Abraão Cresques, judeu-catalão, foi um dos notáveis cartógrafos ao serviço do Infante D. Henrique. Após as perseguições de Aragão de 1391, tendo adoptado o nome Jaume Riba (Jacobus Ribus, em Latim) é tido como possível coordenador português, e há o registro de um Mestre Jacome de Malhorca com essa posição. A maior parte dos peritos crê que terão sido a mesma pessoa.


A carta atlântica de 1504 de Pedro Reinel (1462) é a primeira carta náutica conhecida com uma indicação de latitudes. Dele é também a mais antiga carta de marear portuguesa assinada (c. 1485). Trata-se de um portulano representando a Europa Ocidental e parte de África, que reflecte as explorações efectuadas pelo navegador Diogo Cão ao longo da costa africana. Com o seu filho, Jorge Reinel, e o cartógrafo Lopo Homem, participou na elaboração do atlas conhecido por Atlas de Lopo Homem-Reinés ou Atlas de Miller, de 1519. Ele e o seu filho foram considerados dos melhores cartógrafos do seu tempo, a ponto do imperador Carlos V os desejar a trabalhar para si. As cartas e atlas destes cartógrafos encontram-se espalhados pelo mundo, desde a Biblioteca Nacional de França até à Biblioteca de Munique e à British Library.


Em 1517 o rei D. Manuel I de Portugal passou a Lopo Homem, cartógrafo e cosmógrafo português, um alvará (revalidado em 1524 por D. João III) que lhe dava o privilégio de fazer e emendar todas as agulhas (bússolas) dos navios. Em caso de ser outra pessoa a efectuar estas tarefas, teria de pagar, assim como o contratador, vinte cruzados ao cartógrafo. Em 1524 participou na Junta Badajoz-Elvas, estabelecida pelas Coroas de Portugal e Espanha para demarcar os limites de navegação dos dois países. A obra mais antiga conhecida deste cartógrafo é um planisfério, descoberto em Londres em 1930. Em Florença existe outro planisfério, datado de 1554, e na Biblioteca Nacional de Lisboa há também uma carta marítima. Na terceira fase da antiga cartografia náutica portuguesa, caracterizada pelo abandono da influência de Ptolemeu na representação do Oriente e por uma melhor precisão na representação das terras e continentes, destaca-se Fernão Vaz Dourado (Goa-1520-1580), cuja obra apresenta extraordinária qualidade e beleza, conferindo-lhe a reputação de um dos melhores cartógrafos de seu tempo. Muitas de suas cartas manuscritas são de grande escala. São conhecidos, seis atlas náuticos do período de 1568 a 1580. Diogo Homem (1520-1576) foi um cartógrafo português, filho de Lopo Homem e provavelmente primo de André Homem, ambos cartógrafos portugueses. A sua obra cartográfica foi produzida entre 1557 e 1576, destacando-se o chamado "Atlas de Diogo Homem", com vinte e nove páginas manuscritas em pergaminho iluminado.
         

Dele conhecem-se numerosas cartas. Diogo Soares (Lisboa, 1684 - Goiás, 1748), foi um cartógrafo português, e padre jesuíta, responsável pelo primeiro levantamento das latitudes e longitudes, de uma vasta área do território brasileiro. É nomeado cartógrafo régio e, em 1729, segue para o Brasil por ordem de D. João V, com o objectivo de elaborar mapas. Ambos eram designados por padres matemáticos, ou astrónomos. Um dos seus principais trabalhos, são as denominadas Cartas Sertanistas, rascunhos em que Soares foi apontando as descobertas de novos territórios, ou regiões, com alguma importância económica, nomeadamente Minas Novas do Fanado (ou do Araçuaí), no norte, e a Zona da Mata, no Sul. Também se incluem nestas Cartas, o desenho das duas principais vias de comunicação entre o Rio de Janeiro, e as Minas de Ouro (actualmente o Estado de Minas Gerais): Caminho Velho (por Parati e Taubaté), e Caminho Novo (de Porto de Estrela para Minas Gerais, construído entre 1698 e 1704).



Navegação Astronómica


No século XIII eram já conhecidas as regras de navegação através da posição solar, como transparece nos ‘Libros del Saber de Astronomia’ compilados pelo rei Afonso X de Castela e em outras obras de cariz similar, assim como no Tratado de Tordesilhas se menciona o Regimento do Sol. Derivando e aproveitando este saber, a ciência náutica portuguesa consistiu num somatório progressivo de preceitos relativos à navegação astronómica no Oceano Atlântico durante o século XV, tendo contribuído para esta compilação a experiência dos pilotos. A navegação era feita num período inicial por estimativa do piloto, e posteriormente através da comparação das alturas da Estrela Polar, apesar de poder ser tomada uma outra estrela bem visível como referência. Evoluindo, foram sendo adicionadas sete posições diurnas da mesma Estrela e elaborado o inovador Regimento da Estrela do Norte ou da Polar que no século XV compilou todas as normas de navegação segundo este sistema. Após a edição deste manual iniciou-se uma navegação que tinha em consideração as latitudes, que foram também calculadas através da altura meridiana e das tabelas de declinação do Sol. A toleta de marteloio deu origem a uma obra mais perfeita, o "Regimento das Léguas", que permitia calcular a quantidade de léguas navegadas entre dois paralelos, tendo também contribuído para a ciência náutica portuguesa os catálogos das declinações de estrelas e outras normas práticas. Em 1492, o astrónomo e matemático Abraão Zacuto refugiou-se em Lisboa após a expulsão dos judeus de Espanha, trazendo consigo as tábuas astronómicas que ajudariam os navegadores portugueses. Nomeado Astrónomo e Historiador Real pelo Rei D. João II, Abraão Zacuto foi o autor de um novo e melhorado Astrolábio, que ensinou os navegantes portugueses a utilizar, e também de melhoradas tábuas astronómicas que ajudaram a orientação das caravelas portuguesas no alto-mar, através de cálculos a partir de observações com o Astrolábio. As tábuas indicavam os "lugares" dos astros. Equivalente à longitude celeste actual, para vários anos de um ciclo, variável com o planeta (no caso do Sol era de quatro anos). Quando se introduziram na náutica as observações astronómicas que a revolucionaram, em particular a observação de altura meridiana do Sol para com o conhecimento da declinação solar, se poder calcular a latitude do lugar, recorreu-se às tábuas Almanach Perpetuum, do astrónomo judeu Abraão Zacuto, publicadas em Leiria em 1496. Neste livro viriam as tábuas astronómicas para os anos de 1497 a 1500, que foram utilizadas, juntamente com o seu astrolábio melhorado de metal, por Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral nas suas viagens.

Instrumentos de Navegação


Para a navegação astronómica os portugueses, como outros europeus, recorreram a instrumentos de navegação árabes, como o astrolábio e o quadrante (um quarto de astrolábio munido de um fio de prumo), que aligeiraram e simplificaram. Inventaram ainda outros, como a balestilha, ou "bengala de Jacob" (para obter no mar a altura do sol e de outros astros), que não utiliza a graduação de um arco de circunferência mas um segmento deslizante ao longo de uma haste, com o olho do observador em linha recta com o astro observado. Mas os resultados variavam conforme o dia do ano, o que obrigava a correcções, feitas de acordo com a inclinação do Sol em cada um desses dias.



Por isso os Portugueses utilizaram tabelas de inclinação do Sol no século XV ou Tábuas astronómicas. Eram preciosos instrumentos de navegação em alto-mar, tendo conhecido uma notável difusão, como outras tabelas que continham correcções necessárias ao cálculo da latitude através da Estrela Polar.



Técnicas de Navegação



Os descobrimentos portugueses do início do século XV não se limitarem à exploração científica e comercial do litoral africano; houve também viagens para o mar largo em busca de informações meteorológicas e oceanográficas que permitissem o regresso dos navios da costa africana por zonas de ventos mais favoráveis. Foi nestes trajectos que se descobriram os arquipélagos da Madeira e dos Açores, o Mar dos Sargaços ou Mar da Baga, e a volta da Mina ou seja, a rota oceânica de regresso de África. O conhecimento do regime de ventos e correntes do Atlântico Norte e a determinação da latitude por observações astronómicas a bordo, permitiu nova singradura no regresso de África, cruzando o Atlântico Central até à latitude dos Açores, onde os ventos de Oeste facilitavam o rumo directo para Lisboa, possibilitando assim que os portugueses se aventurassem cada vez para mais longe da costa. "Volta do mar" ou "Volta do mar largo" é o nome de uma manobra de navegação utilizada em longas viagens oceânicas, que remonta aos descobrimentos portugueses do século XV. Esta técnica consiste em descrever um largo arco para evitar a zona central de calmaria e aproveitar os ventos e correntes permanentes favoráveis, que giram no sentido dos ponteiros do relógio quando no hemisfério norte, e em sentido contrário no hemisfério sul, devido à circulação atmosférica e ao efeito de Coriolis.



Volta do Largo

O nome "volta do mar largo" foi cunhado pelos navegadores portugueses no Oceano Atlântico Norte, quando eram obrigados, no regresso das costas equatoriais africanas, a afastar-se para o mar largo, evitando o mar dos sargaços e ganhando o Atlântico Central, para depois rodarem para lés-nordeste vindo cruzar as águas dos Açores. No caso do Atlântico Norte, não era possível a navegação directa para as costas europeias, pelo que qualquer navio vindo do hemisfério sul (incluindo os vindos da Índia, China e outras regiões da Ásia via Cabo da Boa Esperança) ou das Caraíbas, era obrigado a cruzar as alturas dos Açores ou um pouco a norte daquelas ilhas. A "volta do mar" é também invocada nas controvérsias sobre o descobrimento do Brasil, considerando-se que a sua realização terá levado os portugueses a tomar conhecimento da costa sul-americana antes da viagem oficial de descobrimento de Pedro Álvares Cabral.



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