sábado, novembro 29, 2014

Portugueses na Ásia





A presença pioneira dos portugueses na Ásia foi responsável por muitos dos que seriam os primeiros contactos entre europeus com os países no Oriente. O ponto de partida foi o primeiro contacto a 20 de Maio de 1498 após a viagem comandada por Vasco da Gama até Calecute. O objectivo de Portugal no Oceano Índico foi o de assegurar o monopólio do comércio de especiarias, estabelecendo várias fortalezas e feitorias comerciais.


A Ásia sempre exerceu um fascínio sobre os portugueses. Daí vinham as tão valorizadas especiarias, produtos luxuosos como o marfim, as pedras preciosas e os produtos corantes usados na indústria tintureira. A imprecisão dos conhecimentos geográficos antes dos ‘Descobrimentos’ fazia crer que a Ásia tinha início no Rio Nilo e não no Mar Vermelho, o que permitia a inclusão da Etiópia no continente asiático e a extensão da palavra Índia, que passava a incorporar estas e outras regiões da África Oriental. Aqui, segundo uma velha lenda, viveria um imperador cristão, abastado e poderoso, conhecido como ‘Preste João’. A designação de ‘Preste João’ parece derivar de zan hoy (meu senhor), um termo etíope usado para designar a forma como esta população se dirigia ao seu Rei. No século XV, o ‘Preste João’ foi identificado com o Rei da Etiópia, após alguns contactos estabelecidos entre as duas partes, para os portugueses restava agora saber como chegar à Etiópia, apesar de serem escassas as informações sobre o seu império. Estes conhecimentos eram transmitidos por viajantes, geógrafos, peregrinos, comerciantes e políticos que regressavam a casa após longas viagens.
Índia e Ceilão


•        1497-1499: O Capitão-mor Vasco da Gama, acompanhado pelo Capitão Nicolau Coelho e pelo Capitão Bartolomeu Dias, e as suas tripulações foram os primeiros europeus a chegar à Índia navegando do Atlântico para o Índico, por uma rota exclusivamente marítima.



•       1500-1501: Após o descobrimento do Brasil, o Capitão-mor Pedro Álvares Cabral com metade da frota original de 13 navios e 1.500 homens realiza a segunda viagem portuguesa à Índia. As Naus eram comandadas pelo Capitão-Mor Pedro Alvares Cabral, Capitão Bartolomeu Dias, Capitão Nicolau Coelho, Capitão Sancho de Tovar, Capitão Simão de Miranda, Capitão Aires Gomes da Silva, Capitão Vasco de Ataíde, Capitão Diogo Dias, Capitão Simão de Pina, Capitão Luís Pires, Capitão Pêro de Ataíde e o Capitão Nuno Leitão da Cunha. Não se sabe qual dos comandantes o Capitão Gaspar de Lemos ou o Capitão André Gonçalves comandava o navio que retornou a Portugal com a notícia da descoberta. O Capitão Luís Pires retornou a Portugal por Cabo Verde. Os navios do Capitão Vasco de Ataíde, Capitão Bartolomeu Dias, Capitão Simão de Pina e o Capitão Aires Gomes perderam-se perto do Cabo da Boa Esperança. O Navio comandado pelo Capitão Diogo Dias separou-se e descobriu Madagáscar, seguiu depois pelo Mar Vermelho, no que foi o primeiro a atingir por mar. O Capitão Nuno Leitão da Cunha, Capitão Nicolau Coelho, Capitão Sancho de Tovar, Capitão Simão de Miranda, Capitão Pero de Ataíde completaram a viagem à Índia. Entre outros passageiros seguiam: o Capitão Pêro Vaz de Caminha e o franciscano Frei Henrique de Coimbra.


•         1501-(?): O Capitão-mor João da Nova comanda a terceira expedição portuguesa à Índia. No caminho descobre a Ilha de Ascensão em 1501 e a Ilha de Santa Helena em 1502, no Atlântico.

•           1502-1503: Segunda viagem do Capitão-mor Vasco de Gama à Índia.


•          1503-1504: O Capitão Afonso de Albuquerque estabelece o primeiro forte português em Cochim, Índia.


•        1505: Dom Francisco de Almeida é nomeado o primeiro Vice-Rei da Índia portuguesa (Estado Português da Índia). Parte de Lisboa com uma armada de 22 navios, incluindo 14 carracas e 6 caravelas transportando uma tripulação de 1.000 e 1.500 soldados. O seu filho, Dom Lourenço de Almeida, explora a costa sul e atinge Ceilão, actual ilha do Sri Lanka. 


•       1485: O Capitão Duarte Barbosa, (f. 1521) foi reputadamente o primeiro português a visitar o Bahrain, então parte do estado Jabrid com centro em Al-Hasa. A sua obra "Livro de Duarte Barbosa" publicado em 1518 relata os territórios costeiros do Oceano Índico.

•        1507-1510: O Governador da Índia portuguesa Afonso de Albuquerque captura o Reino de Ormuz no Golfo Pérsico. É então nomeado segundo Vice-Rei da Índia em 1508. Em 1510 captura Goa, que rapidamente se tornaria o mais próspero assentamento português na Índia.


•          1511: O Vice-Rei Afonso de Albuquerque conquista Malaca, após aí ter estado o Capitão Diogo Lopes de Sequeira em 1509. Malaca torna-se uma base estratégica para a expansão portuguesa no Sueste asiático.

•       Ainda durante, a conquista, dada a sua influência, na península, de Malaca, envia o Capitão Duarte Fernandes à corte de Rama T'ibodi II do Reino do Sião.

•      Em Novembro desse ano, após assegurar Malaca e ficando a saber a localização das chamadas "ilhas das especiarias", as ilhas Banda, nas Molucas, enviou uma expedição de três navios comandados pelo seu amigo de confiança o Capitão-Mor António de Abreu, com o Capitão Francisco Serrão e o Capitão Afonso Bisagudo, para as encontrar.

•        1512: Pilotos malaios guiaram o Capitão Abreu e os portugueses via Java, as Pequenas Ilhas de Sunda e da ilha de Ambão até Banda, onde chegaram no início de 1512. Aí permaneceram, como primeiros europeus a chegar às ilhas, durante cerca de um mês, comprando e enchendo os seus navios com noz-moscada e cravinho. O Capitão Abreu partiu então velejando por Ambão enquanto o seu vice-comandante o Capitão Francisco Serrão se adiantou para as ilhas Molucas mas naufragou terminando em Ternate. Ocupados com hostilidades noutros pontos do arquipélago, como Ambão e Ternate, só regressariam em 1529. O Capitão Serrão estabelece um forte na ilha de Ternate (Indonésia).


•       1518: O Rei Dom Manuel I enviou ao Reino do Sião uma embaixada com ofertas e a proposta de formalização de um tratado de aliança comercial, política e militar, que incluía a possibilidade dos siameses comerciarem em Malaca.

•          1522: É assinado o ‘Tratado de Sunda Kalapa’ em 21 de Agosto entre o Reino de Sunda e o Reino de Portugal, com vista a uma aliança militar e construção de um forte, que não seria realizado, assinalado com um padrão de pedra, conhecido como o Padrão Luso Sundanês.

•     1522: Após a viagem, de circum-navegação, do português Capitão-Mor Fernão de Magalhães, ao serviço dos Reis Católicos em 1519, a Espanha exige rever a demarcação Este do Tratado de Tordesilhas. Esse limite seria imposto sobre as ilhas Molucas, usadas como referência. Portugal e Espanha enviam várias expedições de reconhecimento para defender os seus respectivos interesses.

•      1525: O Capitão Gomes de Sequeira e o Capitão Diogo da Rocha são enviados pelo governador Jorge de Meneses, à descoberta de territórios a norte das Molucas, foram os primeiros europeus a chegar às Ilhas Carolinas, a nordeste da Nova Guiné, que então nomearam "Ilhas de Sequeira".

•     1586: António da Madalena, um frade Capuchinho português, foi um dos primeiros visitantes ocidentais a chegar a Angkor, (no actual Camboja). Aí participou num esforço de reconstrução da cidade, mas o projecto não teve êxito.

•        1513: O Capitão Jorge Álvares é o primeiro europeu a aportar à China, na Ilha de Lintin, no estuário do Rio das Pérolas.

•     1517: O mercador português Fernão Pires de Andrade estabelece o primeiro contacto comercial moderno com os chineses no estuário do Rio das Pérolas e depois em Cantão (Guangzhou).

•         1524: Terceira viagem do ‘Almirante’ Dom Vasco da Gama à Índia.

•      1542: Após uma viagem através de Sumatra, na Malásia, ao Reino do Sião (Tailândia), China, possivelmente na Coreia e Cochinchina (Vietname), o Capitão Fernão Mendes Pinto é um dos primeiros europeus a chegar ao Japão.

•     1542: O Capitão António da Mota é arrastado por uma tempestade à ilha de Nison, chamada pelos chineses Jepwen (Japão).

•         1549: No regresso da sua segunda viagem ao Japão, o Capitão Fernão Mendes Pinto traz consigo um fugitivo japonês conhecido como Angiró e apresenta-o ao jesuíta Francisco Xavier.


•       1557: Estabelecimento oficial do entreposto comercial de Macau, junto à foz do rio das Pérolas, a sul de Cantão.

•       1602: Em Setembro, Bento de Góis partiu de Goa com um grupo restrito, em busca do lendário Grão-Cataio, Reino onde se afirmava existirem comunidades cristãs nestorianas. A viagem cobriu mais de 6 mil quilómetros em três anos. Em inícios de 1606 Bento de Góis chegou a Sochaw (Suzhou, agora denominada Jiuquan, junto da Muralha da China, uma cidade próxima de Dunhuang na província de Gansu). Góis provou assim que o Reino de Catai e o Reino da China eram afinal o mesmo, tal como a cidade de Khambalaik, de Marco Polo, era efectivamente a cidade de Pequim.

•      1610: Chegou à China o Padre Manuel Dias (Yang Ma-No), missionário jesuíta, que chegaria a Pequim em 1613. Apenas três anos após Galileu ter divulgado o primeiro telescópio, Manuel Dias divulgou os seus princípios e funcionamento pela primeira vez na China. Em 1615 foi autor da obra Tian Wen Lüe (Explicatio Sphaerae Coelestis), que apresenta os mais avançados conhecimentos astronómicos europeus da época na forma de perguntas e respostas às questões postas pelos chineses.

•        1672: chegou a Macau Tomás Pereira, que viveu na China até à sua morte em 1708. Foi apresentado ao imperador Kangxi pelo colega jesuíta Ferdinand Verbiest. Astrónomo, geógrafo e principalmente músico, foi autor de um tratado sobre a música europeia traduzido para Chinês, responsável pela criação dos nomes chineses para os termos técnicos musicais do Ocidente, muitos dos quais usados ainda hoje.

•        Suma Oriental-1515

A "Suma Oriental" a primeira descrição europeia da Malásia e a mais antiga e extensa descrição portuguesa do Oriente. Tomé Pires foi um destacado boticário português que viveu no Oriente no Século XVI e foi o primeiro embaixador português enviado à China. A Suma Oriental descreve as plantas, drogas medicinais do Oriente e além de aspectos medicinais descreve também exaustivamente todos os portos de comércio, de interesse potencial para os portugueses recém-chegados ao Oceano Índico, elegendo como objectivo principal as informações de carácter comercial, nomeadamente todos os produtos comerciados em cada Reino e em cada porto, assim como as respectivas origens e os mercadores que os traficam. Estudo que antecede o de Garcia da Orta.

•        Livro de Duarte Barbosa-1518

         Duarte Barbosa foi oficial do Estado Português da Índia entre 1500 e 1516-1517 com o cargo de escrivão em Cananor e, por vezes, intérprete da língua local (malaiala). O seu "Livro de Duarte Barbosa" descrevendo os locais que visitou é um dos mais antigos exemplos de literatura de viagem portuguesa logo após a chegada ao oceano Índico. Em 1519 Duarte Barbosa partiu na primeira viagem de circum-navegação com Fernão de Magalhães, de quem era cunhado, morrendo em Maio de 1521 no banquete cilada do Rei Humabon, em Cebu (ilha), nas Filipinas.

•        Chronica dos Reis de Bisnaga-1520 e 1535

Domingos Pais e Fernão Nunes fizeram importantes relatos sobre o Império Vijayanagara, ou "Reino de Bisnaga" (como era referido pelos portugueses) situado no Decão, no sul da Índia, durante os Reinados de Bukka Raya II e Deva Raya I. A sua descrição de Hampi, a capital imperial hindu, é a mais detalhada de todas as narrativas históricas sobre esta antiga cidade.

•        História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses-1551



Foi em Coimbra que se estamparam oito dos dez livros que Fernão Lopes de Castanheda tinha programado para a História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, que ele desejou que fosse a primeira a celebrar historiograficamente o esforço português. O primeiro volume saiu em 1551. Os volumes II e III apareceram em 1552, o IV e o V em 1553, o VI em 1554 e o VIII em 1561. O VII foi publicado sem lugar nem data. Depois da publicação do oitavo volume, a Rainha Dona Catarina, cedendo à pressão de alguns nobres a quem não agradava a objectividade de Castanheda, proibiu a impressão dos restantes volumes, o IX e o X. A sua obra, válida ainda pelas vastas informações geográficas e etnográficas, foi amplamente traduzida e lida na Europa de então.

•        Décadas da Ásia-1552

Escrito por João de Barros, seguindo uma proposta de Dom Manuel I, de uma história que narrasse os feitos dos portugueses na Índia e assim chamadas por, à semelhança da história liviana, agruparem os acontecimentos por livro em períodos de dez anos. A primeira década saiu em 1552, a segunda em 1553 e a terceira foi impressa em 1563. A quarta década, inacabada, foi completada por João Baptista Lavanha e publicada em Madrid em 1615, muito depois da sua morte. As "Décadas" conheceram pouco interesse durante a sua vida. É conhecida apenas uma tradução italiana em Veneza, em 1563. Dom João III, entusiasmado com o seu conteúdo, pediu-lhe que redigisse uma crónica relativa aos acontecimentos do Reinado de Dom Manuel - o que João de Barros não pode realizar, tendo a crónica em causa sido redigida por Damião de Góis. Enquanto historiador e linguista, as suas "Décadas" são um precioso manancial de informações sobre a história dos portugueses na Ásia e o início da historiografia moderna em Portugal e no Mundo.

•        Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia-1563

Escrito em português na forma de diálogo entre Garcia da Orta e Ruano, um colega recém-chegado a Goa e ansioso por conhecer a matéria médica da Índia. Os Colóquios incluem 57 capítulos onde se estuda um número aproximadamente igual de drogas orientais, como o aloés, o benjoim, a cânfora, a canafístula, o ópio, o ruibarbo, os tamarindos e muitas outras. Orta apresenta a primeira descrição rigorosa feita por um europeu das características botânicas, origem e propriedades terapêuticas de muitas plantas medicinais que, apesar de conhecidas anteriormente na Europa, o eram de maneira errada ou muito incompleta e apenas na forma da droga, ou seja, na forma de parte da planta colhida e seca.

•        Tratado das cousas da China-1569

O "Tratado das cousas da China", publicado em 1569, por Frei Gaspar da Cruz foi a primeira obra completa sobre a China e a Dinastia Ming desde Marco Pólo publicada na Europa, que incluía informações sobre a geografia, províncias, realeza, funcionários, burocracia, transportes, arquitectura, agricultura, artesanato, assuntos comerciais, de vestuário, costumes religiosos e sociais, música e instrumentos, escrita, educação e justiça, influenciando a imagem que os europeus tinham da China.

•        Os Lusíadas-1572


Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões (c. 1524-1580) é considerado a epopeia portuguesa por excelência. Provavelmente concluída em 1556, foi publicada pela primeira vez em 1572, três anos após o regresso do autor do Oriente. De Goa a Portugal, em 1568 Camões fez escala na ilha de Moçambique, onde Diogo do Couto o encontrou, como relata na sua obra, "tão pobre que vivia de amigos". Diogo do Couto pagou-lhe o resto da viagem até Lisboa, onde Camões aportou em 1570.

•        Nippo Jisho (日葡辞書), Vocabulário da Língua de Iapam-1603

Nippo Jisho, ou Vocabulário da Língua de Iapam foi o primeiro dicionário japonês-português realizado e o primeiro a traduzir o japonês para uma língua ocidental. Foi publicado em Nagasaki (Japão) em 1603. Explica 32.000 palavras em japonês traduzido para português. A Companhia de Jesus, com a colaboração de japoneses, compilou este dicionário ao longo de vários anos. Este pretendia servir de ajuda aos missionários para o estudo do idioma. Pensa-se que o sacerdote português João Rodrigues foi o organizador principal do projecto.

•        Peregrinação-1614



A "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto é o livro português de literatura de viagem mais traduzido e famoso. Foi publicado em 1614, trinta anos após a morte do autor. O que mais chama a atenção é o conteúdo exótico. O autor é perito na descrição da geografia da Índia, China e Japão, leis, costumes, moral, festas, comércio, justiça, guerras, funerais, etc. Notável é também a previsão da derrocada do Império Português. É um relato tão fantástico do que viveu, que durante muito tempo não se acreditou na sua veracidade, de tal modo que até se fazia um jogo com o seu nome: Fernão, mentes? Minto!


•        Tian Wen Lüe ou Explicatio Sphaerae Coelestis-1615

Manuel Dias (Yang Ma-No) (1574-1659) foi um missionário jesuíta português que se destacou na China, nomeadamente na astronomia. Nesta obra que apresenta os mais avançados conhecimentos astronómicos europeus da época na forma de perguntas e respostas às questões postas pelos chineses.

Cronologia da colonização da Ásia e Oceânia

Século XV

•        1498 (9 de Maio) - Vasco da Gama chega a Calecute, realizando assim o intento dos europeus da “descoberta do caminho marítimo para a Índia”.
Século XVI

Século XVI

•     1501 - Pedro Álvares Cabral chega a Calecute e, depois de alguns confrontos com o Samorim, com o qual acaba por romper relações, dirige-se para sul e estabelece uma feitoria em Cochim. Inicia-se assim a colonização da Ásia pelos europeus.

•        1511 - Afonso de Albuquerque invade as Ilhas Molucas (ou “Maluka”, na Indonésia).

•        1514 - Jorge Álvares atinge a China.

•        1521 - “Descobertas” as ilhas Marianas por Fernão de Magalhães.

•        1527 - As Ilhas Carolinas são descobertas pelo explorador português Diego da Rocha.

•        1557 - Os Portugueses estabelecem-se em Macau.
Século XVII

Século XVII

•       1673-1674 - Chandernagore em Bengala e Pondicherry no sueste da Índia são tomados pela França e, mais tarde, Yanam (1723), Mahe (1725) e Karikal (1739).
História da colonização da Ásia e da Oceânia



A 9 de Maio de 1498, o Capitão-Mor Vasco da Gama chega a Calecute, realizando assim o intento dos europeus: a descoberta do caminho marítimo para a Índia. O Capitão-Mor Pedro Álvares Cabral chega a Calecute em 1501 e, depois de alguns confrontos com o Samorim, dirige-se para Sul e estabelece uma feitoria em Cochim. Inicia-se assim a colonização da Ásia pelos europeus. Em 1514, Jorge Álvares atinge a China, mas só em 1557 os Portugueses estabelecem-se em Macau. As ilhas Marianas, na Micronésia foram "descobertas" por Fernão de Magalhães em 1521, que as declarou colónia espanhola e as apelidou de "Las Islas de los Ladrones", (Ilhas dos Ladrões), aparentemente porque os nativos não eram amistosos. Durante o século XVII, praticamente toda a população nativa destas ilhas foi exterminada durante o domínio espanhol. As Ilhas Carolinas, próximas das anteriores, foram descobertas pelo explorador português Diego da Rocha, em 1527, mas foram mais tarde ocupadas pelos espanhóis.

António de Abreu

António de Abreu foi um navegador português e oficial da marinha, nascido na Madeira. Participou, sob as ordens de Afonso de Albuquerque, na conquista de Ormuz em 1507 e de Malaca em 1511, sendo nesse ano enviado ao comando da primeira expedição europeia a chegar às Molucas, a Timor e às ilhas Banda (Bante) em 1512. Filho de João Fernandes do Arco e de sua mulher Beatriz de Abreu. Em 25 de Julho de 1511, na conquista de Malaca, António de Abreu comandou o junco chinês que, subindo o rio de Malaca na maré alta, desembarcou o contingente português na cidade permitindo a conquista em Agosto. Gravemente ferido no rosto, tendo perdido parte dos dentes e da língua, recusou a proposta de Albuquerque para afastar-se do comando. Em Novembro, antes de partir de Malaca, Afonso de Albuquerque confiou-lhe a liderança da frota de três navios que rumou a este, em busca das "ilhas das especiarias", comandados por Francisco Serrão e Afonso Bisagudo. Pilotos malaios foram recrutados para os guiar via Java, as Pequenas Ilhas de Sunda e Amboina até Banda, onde chegaram no início de 1512. Aí permaneceram, durante cerca de um mês, comprando e enchendo os seus navios com noz moscada e cravinho. António de Abreu partiu então velejando por Amboina enquanto o seu vice-comandante se adiantou para as ilhas Molucas mas naufragou terminando em Ternate. Ocupados com hostilidades noutros pontos do arquipélago, como Amboina e Ternate, só regressou em 1529. Foi ainda major, em vida do Infante Dom Henrique, aventou a hipótese de António de Abreu ter descoberto a Austrália, cem anos antes da chegada dos neerlandeses. O seu serviço nas Índias seria condecorado com a nomeação de capitão-mor de Malaca, em 1526.

Francisco Serrão

Francisco Serrão nasceu em local e data incerta e faleceu em Tidore 1521, foi um navegador português. Foi amigo pessoal de Fernão de Magalhães, de quem, possivelmente, era primo. Em sua viagem de 1512 foi o primeiro europeu de que se tem notícia a navegar para o leste, além de Malaca, através da Indonésia alcançando as lucrativas "Ilhas das Especiarias", no arquipélago das Molucas. Aliou-se pessoalmente com o sultão Bayan Sirrullah, que governava Ternate, onde se fixou, tornando-se seu conselheiro pessoal. Veio a falecer na vizinha ilha de Tidore, em circunstâncias pouco esclarecidas, ao mesmo momento em que Magalhães também falecia na ilha Mactán, em Cebu, nas Filipinas. Integrou a expedição portuguesa de cinco navios que, sob o comando Diogo Lopes de Sequeira atacou Malaca em Setembro de 1509, em cujos combates teria feito sólida amizade com Magalhães. Serrão foi o capitão de um dos três navios (e o segundo em comando) da expedição de António de Abreu enviada a partir de Malaca, em 1511, por Afonso de Albuquerque com a missão de localizar as "Ilhas das Especiarias" de Banda nas Molucas. O terceiro navio tinha como capitão, Afonso Bisagudo. A expedição justificava-se uma vez que Banda era a única fonte mundial de noz-moscada e macis, especiarias empregadas com fins tão variados como aromatizantes, medicamentos e agentes de preservação de alimentos, à época altamente valorizadas nos mercados da Europa. Os portugueses tentavam dominar as suas fontes, evitando assim o tradicional circuito de comércio dominado pelos comerciantes árabes que as revendiam por sua vez aos venezianos a preços exorbitantes. Pilotos Malaios guiaram as embarcações da expedição para o leste, ultrapassando Java e ao longo das ilhas de Sonda Menores, antes de guiá-los na direcção Norte para Banda ultrapassando a ilha Amboina. Quando a embarcação de Serrão encalhou em Gresik, em Java, ele tomou uma princesa Javanesa como esposa, que o acompanhou no restante da viagem. Em 1512 o seu navio naufragou, mas conseguiu chegar à ilha de Lucopino (Hitu), ao norte de Amboino. A expedição permaneceu em Banda por cerca de um mês, adquirindo e embarcando os navios com noz-moscada e macis, assim como cravo do qual Banda era próspero entreposto comercial Serrão deixou Banda em um junco chinês adquirido a um comerciante da região, para repor o seu navio perdido. Abreu navegou através de Amboino enquanto Serrão seguiu em frente, em direcção às Molucas. Com uma tripulação de nove portugueses e de nove indonésios, o navio foi arremessado por uma tempestade de encontro a um recife ao largo uma pequena ilha. A sua tentativa de reunir-se a Abreu foi impedida pela tempestade e ele desembarcou na ilha de Ternate. Quando os habitantes da ilha, conhecidos saqueadores de naufrágios, tomaram conhecimento do naufrágio do barco de Serrão, dirigiram-se para o local. A tripulação de Serrão encontrava-se desarmada e necessitando de auxílio, mas com boa saúde. Quando os saqueadores se aproximaram os portugueses atacaram e capturaram tanto as embarcações como os seus tripulantes. Os seus salvadores involuntários foram então obrigados a conduzi-los a Amboino, onde desembarcaram em Hitu. A armadura de Serrão, o mosquete, e a sua experiência náutica impressionaram os poderosos chefes de Hitu que se encontravam em guerra contra Luhu, o principal assentamento na península Hoamal na ilha de Ceram perto de Hitu. Os Portugueses também foram bem recebidos na região como compradores de alimentos e de especiarias em um momento de baixa naquele comércio, causado pela interrupção temporária das navegações Javanesas e Malaias para a região desde os conflitos de 1511 em Malaca. Os visitantes foram recrutados como aliados militares e as suas subsequentes explorações foram notadas pelos vizinhos rivais de Ternate e Tidore, ambos os quais enviaram emissários para induzir os visitantes a ajudá-los. Ao aliar-se de forma pessoal a Ternate, o poder mais forte na região, Serrão passou a servir como chefe de um bando de mercenários portugueses a serviço do sultão Bayan Sirrullah, um dos dois poderosos senhores que controlavam o comércio de especiarias. Tendo-se tornado amigos íntimos, o Sultão nomeou Serrão como seu conselheiro pessoal para todas as questões, incluindo as militares (segundo um documento supostamente Português) e familiares. Tendo sido bem recebido pelo Sultão, Francisco Serrão decidiu permanecer ali, sem fazer qualquer esforço para retornar a Malaca. As cartas de Serrão a Magalhães, levadas a Portugal via Malaca, e descrevendo as "Ilhas das Especiarias", ajudaram Magalhães a persuadir a Coroa Espanhola a financiar a sua viagem de circum-navegação. Entretanto, antes que os dois pudessem encontrar-se nas Molucas, Serrão morreu em circunstâncias misteriosas na ilha de Ternate, quase ao mesmo tempo em que Magalhães era morto em combate na ilha Mactán, nas Filipinas. Uma teoria sugere que Serrão foi morto por veneno, administrado pelo Sultão de Ternate. Os seus laços familiares com João Serrão, permanecem obscuros na historiografia das expedições Portuguesas ao Sudeste Asiático. O único documento escrito é uma lista dos nomes dos capitães na Armada de Magalhães. Antonio Pigafetta, o cronista da expedição de Magalhães, registrou, a 8 de Novembro de 1521, que quando os sobreviventes da expedição aportaram a Tidore, foram informados que: "…ainda não havia oito meses tinha morrido em Ternate um Francisco Serrão, capitão general do rei de Ternate contra o rei de Tadore… depois, feita a paz entre eles, tendo ido um dia Francisco Serrão a Tadore contratar cravo, este rei mandou envenená-lo e não viveu mais que quatro dias,… o qual deixou um filho e uma filha pequenos de uma mulher que trouxe de Java Maior." A herança deixada por Serrão foi uma diminuta quantidade de cravo avaliada em 200 bahares. Pigafetta, neste ponto da narrativa registra que Magalhães teria empreendido a viagem de circum-navegação baseado nas informações de Serrão e que este estaria a par das vicissitudes do seu amigo na Península. O Forte de São João Baptista de Ternate, também conhecida como Fortaleza de Ternate ou Fortaleza de Maluco, localizava-se na ilha de Ternate, no arquipélago das Molucas, na atual Indonésia. Primeira fortificação europeia na região, destinava-se a servir como feitoria, apoiando o comércio de especiarias nas ilhas do arquipélago. Mesmo periférica ao Estado Português da Índia, foi o principal entreposto comercial português no Oceano Pacífico, no século XVI. A primeira expedição portuguesa às Molucas, sob o comando de António Abreu, partiu de Malaca em 1511, tendo alcançado Amboina e as ilhas Banda em 1512. Os primeiros europeus a chegar a Ternate foram os sobreviventes da expedição de Francisco Serrão que, também tendo partido Malaca em 1511, teve a sua nau capitânia, a Sabaia, encalhada em um recife próximo à ilha Lucopino (Nusa Penju), de onde terão passado a Amboina. O sultão de Ternate, Abu Lais, tendo notícia do incidente, e entrevendo uma oportunidade de aliar-se com uma poderosa nação estrangeira, trouxe os tripulantes para Ternate em 1512, acolhendo Serrão como seu conselheiro pessoal. A partir de 1513, os portugueses passaram a enviar uma frota anual de comércio às chamadas "Ilhas das Especiarias". A primeira, sob o comando do capitão António de Miranda de Azevedo, instalou duas pequenas feitorias, uma em Ternate e outra em Batjan. Uma armada de nove navios, sob o comando de Jorge de Brito, partiu de Lisboa em 1520, com a missão específica de construir uma fortaleza na ilha de Ternate, primeira iniciativa da Coroa Portuguesa destinada ao estabelecimento efectivo e permanente na região. Jorge de Brito pereceu em combate em Axém, tendo o seu irmão, António de Brito, assumido a empreitada, principiando a construção da Fortaleza de São João Batista em 24 de Junho de 1522. A fortaleza tinha a função de feitoria, com Regimento próprio, de vez que Dom Manuel I (1495-1521), dali desejava assegurar o controlo do fluxo do cravo e demais especiarias, frente à ameaça representada por Castela, especialmente após a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães (1519-1522). A existência de um bom porto em Ternate, que a vizinha ilha de Tidore não possuía, foi o factor decisivo para a escolha do local para a fortaleza, que distava uma légua de Talangame, porto de águas profundas capaz de servir de ancoradouro às naus vindas da Índia. A fortaleza assentava sobre um recife alto, junto do qual existia um poço de água potável, onde navios de pequeno porte podiam encontrar abrigo seguro e fazer aguada. Inicialmente uma simples tranqueira em material perecível, a fortaleza, que em 1525 ainda se encontrava inacabada, foi reconstruída em pedra com uma pequena torre de dois pavimentos, depois elevada para três, em que apenas os cunhais eram em cantaria. A fortificação apresentava planta quadrangular, com muros de 24 a 27 braças de comprimento com 12 de espessura na base e 8 no topo. Segundo o cronista António Galvão, que foi capitão de Ternate, a parte da muralha voltada para terra oferecia fraca defesa por ser demasiado baixa, apesar de, com os seus 25 palmos, exceder em altura, a de Malaca. Efectivamente, a fortaleza, ou "castelo", como também lhe chama Gabriel Rebelo, foi projectada tendo em vista a ameaça das armadas castelhanas e seus aliados de Tidore e Jailolo. Apesar de inatingível pela artilharia dos navios, descurou-se a possibilidade de um ataque pela retaguarda por parte dos naturais da própria ilha. As relações entre ambos os povos foram tensas desde o início. Um entreposto comercial avançado tão distante da Europa, de forma geral só atraía os aventureiros mais ambiciosos ou desesperados, de tal modo que o comportamento geralmente sofrível dos europeus, combinado com as débeis tentativas de cristianização manteve as relações tensas com os muçulmanos de Ternate. Por esta razão, os habitantes locais não colaboraram na construção da fortaleza, suportando os soldados portugueses todo o trabalho braçal. Quando a expedição espanhola sob o comando de García Jofre de Loaísa chegou às Molucas em 1526, erguendo um forte na ilha vizinha de Tidore, Portugal atacou-a a partir deste forte em Ternate. O engenheiro militar e superintendente das obras das fortificações portuguesas no Oriente, Fernão de Sousa, esteve nas Molucas durante o governo do capitão Dom Jorge de Castro (1539-1544), sendo possivelmente responsável pela construção do primeiro dos dois baluartes que se acrescentaram nos ângulos da fortaleza voltados para o mar. Estes baluartes encontravam-se arruinados já em 1570, devido às contínuas escaramuças dos portugueses com os habitantes da ilha. Os quartéis da tropa e os armazéns eram cobertos por fibra de palmeira, sendo o soberano de Jailolo obrigado ao tributo anual de três mil "olas" (folhas de palmeira nativa utilizadas para escrita), o que raramente fez. A povoação portuguesa, junto aos muros da Fortaleza, possuía uma paliçada de madeira para defendê-la. Após o assassinato do sultão Hairun pelos Portugueses, os habitantes de Ternate expulsaram-nos em 1575, após um longo cerco de cinco anos a este forte. Amboina converteu-se, a partir de então, no novo centro de actividades Portuguesas nas Molucas. O poder europeu na região era débil e Ternate tornou-se uma potência regional em expansão, ferozmente islâmica e antiportuguesa sob os Reinados do sultão Baab Ullah (r. 1570-1583) e seu filho, o sultão Said. Ocupada por neerlandeses, no contexto da Dinastia Filipina a fortaleza foi reconquistada em 1606 por uma armada luso-espanhola, tendo o sultão de Ternate e a sua corte sido deportados para Manila, nas Filipinas. No ano seguinte, os neerlandeses retornaram a Ternate, onde, com o auxílio dos habitantes, ergueram um forte em Malaio. A ilha passou a ser dividida entre as duas potências europeias: os espanhóis aliados a Tidore e os neerlandeses, a Ternate. Para os governantes de Ternate, a presença neerlandesa foi especialmente bem-vinda, uma vez que lhes proporcionou vantagens militares diante de Tidore e dos espanhóis. Nomeadamente sob o governo do sultão Hamzah (r. 1627-1648), Ternate expandiu o seu território e reforçou o seu controlo sobre a periferia. A influência neerlandesa em seu reinado foi limitada, embora Hamzah e seu filho e sucessor, o sultão Mandar Syah (r. 1648-1675) tenham feito concessões à Companhia Neerlandesa das Índias Orientais (VOC) em troca pelo auxílio no controle de rebeliões locais. Os espanhóis permaneceram em Ternate e Tidore até 1663, quando foram definitivamente expulsos pelos neerlandeses. No século XVIII Ternate foi a sede de um governador da VOC, que tentava controlar todo o comércio de especiarias ao norte das Molucas. Este comércio, até ao século XIX, declinou substancialmente, razão pela qual a região tornou-se cada vez menos central para o império colonial neerlandês. Entretanto, os neerlandeses mantiveram a sua presença estratégica na região, de modo a evitar que outras potências coloniais o ocupassem.



António de Andrade


António de Andrade nasceu em Oleiros, no concelho de Castelo Branco, em 1580 e faleceu em Goa, a 19 de Março de 1634, foi um padre e explorador português, considerado (junto com seu companheiro de viagem, o irmão Manuel Marques) como o primeiro europeu a visitar o Tibete em 1624. Ainda noviço, Andrade partira para a Índia, a 22 de abril de 1600, acompanhado de dezoito padres e irmãos da Companhia de Jesus no mesmo barco onde viajava o Vice-Rei Aires de Saldanha e que chegou a Cochim a 22 de Outubro do mesmo ano. Após ter completado os estudos dos padres da mesma Companhia no Colégio de São Paulo em Goa, recebeu as ordens sagradas e foi enviado depois para a missão Mogol em Agra, onde se julga que aprendeu a língua persa com os muçulmanos cachemiras como era, aliás, costume. A 30 de Março de 1624, já como Superior da Missão do Mogol, deixa Agra acompanhado por Jahangir, o Rei Mogol que viajava para Lahore. Quando chegou a Deli, encontrou um grande número de peregrinos hindus que rumavam para um fabuloso templo, dado pelo nome de Badré (Badrinath), e situado a quarenta dias de viagem da Deli, na região montanhosa do norte da Índia, no estado atual de Uttarakhand. Esperando atingir o Tibete após alcançar este templo, António de Andrade, conjuntamente com o Irmão Manuel Marques, começaram a sua via, conduzidos pelos "gentios". A viagem que empreendeu levá-lo-ia de Agra a Chaparangue, no Tibete, passando por Delí, Srinagar, Badrinath, Mana e a passagem de Mana. Para segurança levara um astrolábio e um compasso do sol que lhe permitiu mais tarde vir a referir que Chaparangue se situava a 31º29' norte. Durante esta viagem (que durou cerca de três meses) encontrou, contudo, muitíssimas dificuldades; permaneceu, depois, perto de um mês no Tibete, mais precisamente 23 dias, e regressou depois tendo gasto sete meses até chegar, de novo, a Agra. As dificuldades que teve para ultrapassar nesta expedição deveram-se não somente às passagens estreitas, mas também à agressividade do clima (a neve e as baixas temperaturas), à falta de alimentos, como às dificuldades impostas pelo Rajá de Srinagar, por não serem eles mercadores. Quando alcançou Chaparangue, a principal cidade de Coqué (Gugue), um dos reinos do Tibete, ele contactou directamente com o seu rei, Tri Tashi Dakpa, o último rei de Gugue. A recepção preparada pelo Rei foi descrita como bastante boa, uma vez que ele teria pensado tratar-se de mercadores; porém, quando ele compreendeu que eles não traziam quaisquer mercadorias, recebeu-os, de início, com alguma indiferença. Contudo, depois, prestou-lhes mais atenção e arranjou um tradutor, um muçulmano do Caxemira que, aliás, causou alguns problemas a António de Andrade. O Rei parece ter mostrado mesmo interesse para com a religião cristã e acabou por autorizar não somente o retorno dos padres, como lhes prometeu permitir o estabelecimento de uma missão em Chaparangue, no ano seguinte. A missão teve algum sucesso; uma pequena igreja foi construída e produziram-se algumas conversões. No entanto, a política do rei favorecendo a religião estrangeira era muito impopular, e ele foi derrubado por um exército do reino inimigo de Ladakh em 1630. A missão foi destruída, e os cristãos expulsos do país. Andrade deixou o Tibete em 1629, e foi nomeado o Provincial de Goa em 1630; atou até 1633, e em seguida retomou o seu antigo cargo de Reitor do Colégio de S. Paulo em Goa. Ele trabalhou também como Deputado da Inquisição de Goa. Em 3 de março de 1634 padre Andrade foi envenenado na reitoria do Colégio, e morreu em 19 de março. Uma investigação (Devassa) realizada pouco tempo depois pela Inquisição revelou que os assassinos eram companheiros jesuítas que eram insatisfeitos com sua rigorosa aplicação das regras da Companhia. Os relatos de Andrade do Tibete eram muito populares em toda parte na Europa, e influenciaram fortemente as concepções ocidentais do país.

António Galvão



António Galvão nasceu em Lisboa, em meados de 1490 e faleceu na mesma cidade em 1557, referido em língua inglesa como Antonio Galvano, foi um cronista e administrador colonial português nas ilhas Molucas. Foi o primeiro a apresentar um relato compreensivo de todas as principais explorações realizadas até 1550 por portugueses e espanhóis. A sua obra apresenta uma precisão notável, especialmente o ‘Tratado dos Descobrimentos’, publicado inicialmente em Lisboa em 1563, e traduzido para o inglês por Richard Hakluyt em 1601. Filho de Duarte Galvão, diplomata e cronista-mor de Afonso V de Portugal, embarcou para a Índia em 1527 onde veio a exercer os cargos de 7.º capitão das Molucas com sede em Ternate de 1536 a 1540. É referido no capítulo II do livro V das "Décadas da Ásia" de João de Barros como muito respeitado, enviando uma missão às Papuas e recebendo embaixadas locais. Custeou um seminário na ilha de Ternate, onde terá gasto doze mil cruzados da herança de seu pai, destacando-se pela integridade. Em 1540 passou o governo da Fortaleza de Ternate a Dom Jorge de Castro e regressou a Portugal, onde descobriu que caíra em desgraça. Viveu os últimos anos no anonimato e na pobreza, recolhido ao Hospital Real de Todos os Santos em Lisboa, aguardando uma pensão de um conto de renda. Faleceu nessa expectativa em 1557, tendo sido sepultado na confraria da Corte. Deixou dois manuscritos, um deles, o "Tratado dos Descobrimentos", que seria impresso em 1563 em Lisboa, pelo seu amigo Francisco de Sousa Tavares. Baseada em numerosas fontes escritas e documentos, apresentava pela primeira vez uma síntese de todos os descobrimentos realizados por portugueses e espanhóis até 1550. Richard Hakluyt traduziu e publicou esta obra em inglês em 1601 como The discoveries of the world - by Antonio Galvano.

Fernão Lopes de Castanheda



Fernão Lopes de Castanheda nasceu em Santarém, por volta de 1500 e faleceu em Coimbra, no ano de 1559, foi um historiador português no renascimento. A sua "História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses", que se destaca pela abundância de informações geográficas e etnográficas objectivas, foi amplamente traduzida em toda a Europa. Fernão Lopes de Castanheda era filho natural de um magistrado que ocupou o cargo de juiz em Goa. Em 1528 acompanhou o seu pai ao Estado Português da Índia e às Molucas. Aí permaneceu dez anos, de 1528 a 1538, reunindo toda a informação que conseguiu sobre a descoberta e conquista da Índia pelos Portugueses, a fim de escrever um livro sobre o assunto. Em 1538 regressou a Portugal tendo reunido, a partir de documentos escritos e relatos orais, o material para sua grande obra histórica. Em graves dificuldades financeiras estabeleceu-se em Coimbra, onde ocupou o modesto cargo de bedel na Universidade de Coimbra. Em Coimbra foram impressos oito dos dez volumes da sua "História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses": o primeiro volume foi publicado em 1551, com uma segunda edição em 1554. Os volumes II e III apareceram em 1552, o IV e o V em 1553, o VI em 1554. O volume VII foi publicado sem lugar nem data e o VIII em 1561. Seis volumes foram publicados em vida e três postumamente. Após a publicação do oitavo volume, a Rainha Regente Dona Catarina, pressionada por alguns fidalgos a quem não agradava a objectividade de Castanheda, proibiu a impressão dos dois últimos volumes. Esta obra, repleta de pormenores geográficos e etnográficos logo foi amplamente traduzida na Europa, primeiro em francês, por Nicolas de Grouchy, professor na universidade de Coimbra), Espanhol (1554), Italiano (1578) e Inglês por Lichfield (1582).

Gaspar Correia



Gaspar Correia nasceu nos inícios de 1495 e faleceu em 1561, foi um historiador português, autor das “Lendas da Índia”, uma das mais importantes obras sobre a dominação portuguesa no Oriente. É referido como o Políbio português. São escassas as informações sobre a vida deste autor. Sabe-se que viveu a maior parte de sua existência no Estado Português da Índia onde terá chegado bastante jovem, por volta de 1512-1514, para servir como soldado. Foi escolhido como secretário de Afonso de Albuquerque, no que tinha bastante orgulho. Retornou a Portugal em 1529, mas retornou ao Oriente. A sua obra "Lendas da Índia", embora escrita em um estilo rude, é considerada uma importante fonte coeva, sendo fruto do trabalho de 35 anos do autor na Índia, privando de fontes desconhecidas para contemporâneos como Castanheda ou João de Barros. A obra é ilustrada com os retractos dos governadores e plantas e desenhos panorâmicos de algumas fortalezas, de excepcional interesse para o estudo da fortaleza de transição. Deve-se a ele a primeira descrição europeia de cólera asiático. Uma teoria afirma que ele foi assassinado em Malaca, por ordem do governador Estevão da Gama, neto de Vasco da Gama. Embora alguns autores acreditem que existiu uma edição dessa obra em 1556, é mais provável que cópias do manuscrito desse compêndio de 3.500 páginas tenham circulado entre alguns poucos escolhidos, após ter sido trazido da Índia para Portugal por Miguel da Gama, pouco depois da morte do autor. A família conservou o manuscrito original das "Lendas da Índia", que apenas viria a ser impresso, pela primeira vez, entre 1858 (início da primeira parte) e 1863 (final da segunda parte) por disposição da Academia Real das Ciências de Lisboa.

António da Madalena

António da Madalena, por vezes escrito António da Magdalena, nascido em local e datas desconhecidos e morreu em Natal no ano de 1589, foi um frade capuchinho português que foi o primeiro visitante ocidental a chegar a Angkor (no actual Camboja). Ele viajou a esta cidade em 1586 e em 1589 relatou as suas impressões ao historiador Diogo do Couto, antes de morrer num naufrágio ao largo de Natal (atual África do Sul). António da Madalena tentou ajudar num esforço de reconstrução de Angkor, mas o projecto não teve êxito.

Barbara Fernandes

Barbara Fernandes (Século XIV) foi uma combatente portuguesa no primeiro cerco de Diu. A intervenção de Barbara Fernandes no primeiro cerco de Diu foi assim descrita: Barbara Fernandes ostentou no cerco de Diu o maior valor, pois recebendo em seus braços a um filho morto, nem uma só lagrima derramou, mostrando a mesma, ou maior constância com a noticia da morte de outro, que também morrera no conflito. E enterrando a ambos, disse para os circunstantes: Não resta mais que morrer a mãe; e dito isto tomou armas, e com ellas foi ajudar os combatentes, militando com tal distinção, que, a seu exemplo, os mesmos covardes o bravão proezas singularíssimas. Vendo a necessidade que havia de Soldados, formou um luzido esquadrão de mulheres, com as quaes fez acções tão ilustres, que nelas poucos a imitarão, nenhum a excedeu.

Isabel Madeira

Isabel Madeira (Século XIV) foi uma combatente portuguesa no segundo cerco de Diu, capitã de um batalhão de combatentes femininas. A capitã Isabel Madeira, junto com Isabel Fernandes, Garcia Rodrigues, Catarina Lopes e Isabel Dias comandou, durante o Segundo Cerco de Diu, em 1546, um batalhão de combatentes femininas, formado por Dom João de Mascarenhas, comandante da fortaleza de Diu, devido ao facto da guarnição ser pequena e ter já sofrido baixas. Supervisionou, igualmente, a reparação dos baluartes destruídos pela artilharia inimiga e auxiliou o seu marido, cirurgião, a tratar dos enfermos. Conta-se que tenha ido enterrar o marido, morto num ataque ao Baluarte de S. Jorge, e depois voltado ao campo de batalha. Este feito encontra-se registado nas Décadas de Diogo de Couto, e numa revista de 1842 foi assim descrito: Do primeiro cerco de Diu, passemos ao segundo. Este (que sustentou com valor digno da sua pessoa o famoso e esclarecido Capitão Dom João Mascarenhas, no tempo do memorável Dom João de Castro, um dos maiores homens, que com grande credito seu, e igual gloria de Portugal, governou os Estados da India) foi certamente pelas circunstâncias que se lhe juntarão muito mais formidável que o primeiro. Por este motivo se formou uma grande Companhia de mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir á fúria dos inimigos. Entre aquellas ficaram em memória os nomes de Garcia Rodrigues, Isabel Dias, Catarina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houverão neste memorável cerco, que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a ellas se deveu o não ser rendida aquella Fortaleza.

Bento de Góis



Bento de Góis nasceu em Vila Franca do Campo no fim de Julho de 1562 e faleceu em Suzhou, a 11 de Abril de 1607, foi um jesuíta e explorador português. Foi o primeiro europeu a percorrer o caminho terrestre da Índia para a China, através da Ásia Central. A sua viagem, uma das maiores explorações da história da humanidade, demonstrou que o reino de Cataio e o da China eram afinal o mesmo, o que alterou significativamente a concepção do mundo à época, uma vez que as relações comerciais entre a Ásia e a Europa eram muito intensas durante esse período. Bento de Góis foi baptizado em Vila Franca do Campo a 9 de Agosto de 1562, com o nome de Luís Gonçalves. Tornou-se soldado por volta dos vinte anos de idade, tendo sido destacado, em 1583, para a Índia. De acordo com a lenda, nesse período levava uma vida boémia até que após ter tido uma visão, numa igreja da aldeia de Colachel (província de Travancor) decidiu ingressar na Companhia de Jesus, o que fez, em Fevereiro de 1584, no Colégio dos Jesuítas em Goa. Dois anos mais tarde, abandonou temporariamente o Colégio e viajou pela Pérsia, Arábia, Balochistão, Sri Lanka, e muitos outros Reinos da Ásia. Em 1588 regressou a Goa, ao Colégio dos Jesuítas, e mudou o seu nome para Bento de Góes. Em 1594 integrou a 3ª expedição dos Jesuítas, guiada desta vez pelo padre Jerónimo Xavier (sobrinho-neto de São Francisco Xavier), à corte do Grão-Mogol Akbar, o Grande, em Lahore, passando a granjear deste uma marcada amizade. Tanto que induziu Akbar, o Grande, a estabelecer tréguas com os portugueses. Para tal, Akbar incumbiu Bento de organizar a faustosa embaixada (1600-1601) aos portugueses de Goa. Em Setembro de 1602 Bento partiu de Goa com um grupo restrito, em busca do lendário Grão-Cataio, reino onde se afirmava existirem comunidades cristãs nestorianas. A viagem era muito extensa (mais de 6 mil quilómetros) e de longa duração (mais de quatro anos), e onde grandes obstáculos se deparam ao longo do percurso, sobretudo em virtude dos muitos conflitos na região, da profusão de reinos e estados, e da existência de grandes montanhas e desertos. Para além disso, a maior parte do seu percurso foi realizado em territórios de domínio muçulmano que nutriam especial animosidade pelos cristãos. Em inícios de 1606 Bento de Góis chegou a Suzhou, uma cidade da província de Jiangsu, junto da Muralha da China. Góis provou assim que o Reino de Cataio e o Reino da China eram afinal o mesmo, tal como a cidade de Khambalaik, de Marco Polo, era efectivamente a cidade de Pequim. Doente (possivelmente por ter sido atacado/assaltado e ferido) e com poucos meios de subsistência comunicou por carta ao padre Matteo Ricci, residente em Pequim, que lhe enviou o padre João Fernandes, um jesuíta de origem chinesa, para o conduzir até Pequim. Contudo, quando este alcançou Bento de Góis este já estava à beira da morte, o que ocorreu em 11 de Abril de 1607. Bento de Góis, que possuía um marcado conhecimento da cultura e costumes de múltiplos Reinos da Ásia, e falava diversos idiomas como o Persa e o Turco, registou a sua viagem num diário. Contudo, pelo facto de no mesmo documento também registar as dívidas que terceiros lhe deviam o seu diário foi rasgado em inúmeros pedaços pouco antes da sua morte. O padre João Fernandes e o arménio Isaac, que acompanhou o missionário na longa viagem desde Goa, reuniram fragmentos do que sobrou desse diário e outros documentos, que entregaram posteriormente ao padre Matteo Ricci. Este padre, um grande erudito, através desses escassos documentos, e do relato do arménio Isaac que o acompanhou sempre ao longo da Grande Odisseia, do que Goes contou ainda em vida ao padre João Fernandes, e de algumas cartas que Bento de Góis lhe tinha enviado anteriormente bem como aos Jesuítas em Goa, escreveu, entre 1608 e 1610, uma narrativa dessa viagem, que depois foi publicada. Esta relativa escassez de registos teve influência na projecção que a sua viagem assumiu doravante. Bento de Góis tornou-se o primeiro português a atravessar a Ásia Central, transpondo grandes cadeias montanhosas como os Pamires e o Karakoram, ou o grande deserto de Gobi, numa odisseia considerada por muitos historiadores não inferior à empreendida por Marco Polo séculos antes. Polo atravessou um território mais pacífico, menos retalhado em reinos e estados, e com menor domínio muçulmano, do que Bento de Góis encontrou à data. Aliás, Bento de Góis foi a primeira pessoa após Marco Polo a empreender esta extensa viagem pela Ásia Central, o que realizou cerca de três séculos depois de Polo. E só cerca de dois séculos depois, e com mais e melhores meios de orientação e de sobrevivência, é que se conseguiu realizar uma viagem semelhante à de Bento de Góis. Em Portugal, Bento de Góis tem sido entre os exploradores portugueses da época dos Descobrimentos dos mais subvalorizados. Tal pode ser atestado pelo facto de, no 4º centenário da sua morte não se terem realizado quaisquer comemorações em Portugal continental, apenas se verificando tais celebrações na sua terra natal, Vila Franca do Campo, apesar de se tratar de um dos maiores exploradores terrestres portugueses. Antes dele, os relatos do veneziano Marco Polo (1254- 1324) descortinavam um pouco o mundo oriental diante dos olhos maravilhados dos pobres europeus ingénuos que viviam num mundo muito fechado e atrasado que diante das riquezas e prodígios do que então se chamava o Reino do Kitayo. A sua obra, “O Livro das Diversidades e Maravilhas do Mundo”, foi traduzida e lida por toda a Europa com um êxito enorme. Circulavam as traduções em diversas línguas. Foi o Infante Dom Pedro, quem trouxe a obra de Veneza para o nosso país e por isso muitos passaram a conhecê-la em Portugal. Sabe-se que foi o terceiro livro impresso em 1502 pelo famoso cartógrafo Valentim Fernandes, da Morávia que veio para Portugal e cá viveu 23 anos até à sua morte. O livro de Marco Polo é uma obra assombrosa que cobre 25 anos de viagens e dá notícia dos descendentes de Prestes João, na terra dos Tártaros, da magnificência dos Reis, do Grão Kan e grandes senhores do Oriente com quem o veneziano privou e obteve altos favores. Teria encontrado assim certos cristãos e igualmente alguns homens com aspectos de brancos e de barba avermelhada. Haveria um tal Rei Jorge, cristão, descendente do lendário Prestes João, em Reino situado algures. Os prodígios das terras que visitou no Oriente, China, Pérsia, Tibete, Sri Lanka, Índia, as descrições desses mundos desconhecidos, das lutas entre Reis e Senhores, o fausto da corte do Imperador Kublai Kan e dos seus palácios, festas, riquezas, tradições e costumes dos gentios, flora e fauna, exaltaram a imaginação dos europeus pois nunca tinham visto templos, rios, lagos, canais, bibliotecas, palácios, roupas de brocado e seda, peles de zibelina e de arminho, as mais belas jóias e pedrarias, gente feroz, homens com dentes e fácies de cão, animais belos, selvagens e raros, como os que povoavam os bestiários medievais. Para as bandas do Tibete, um costume estranho, mas que chegou até ao nosso tempo, foi narrado por Marco Polo, era o da mulher que dava à luz ir logo trabalhar para os campos no dia seguinte, mas o marido ficava de quarentena de cama e os amigos iam visitá-lo. Apesar das dúvidas sobre a veracidade de tudo isso, o certo é que Marco Polo dizia: “Só contei a verdade e apenas metade do que vi”. Apesar de toda a sua fabulosa riqueza trazida do Oriente pelos generosos Reis e Senhores a quem serviu, não deixou de ter algumas infelicidades pois, devido às lutas entre venezianos e genoveses, esteve prisioneiro e foi nas húmidas masmorras que ditou ao seu companheiro Rusticiano de Pisa, o seu fantástico manuscrito. O escrito tomou depois o nome de “O Milhão” ao que parece porque Marco Polo, ainda ditou mais recordações “rebuscou melhor as suas reminiscências e inspirou a Teobaldo de Cepoy uma nova versão do livro, mais circunstanciada, que pelo uso das cifras então consideradas fantásticas - e inacreditáveis - ficou a ser conhecido por “dos Milhões”, ou mais simplesmente “O Milhão” assim como de tão rico era que passou a ser conhecido por “Marco do Milhão”. Ainda assim, Marco Polo, depois de ser libertado, casou aos 50 anos com uma veneziana, Donata e teve duas filhas, foi membro do Grande Conselho e morreu na sua cidade de Veneza, em 1324, respeitado por todos e abençoado pelos seus. Já o nosso Bento de Góis teve a desdita de morrer miseravelmente e desgastado de forças depois de passar as muralhas da China e o seu preciso Memorial foi rasgado em grande parte pelos ladrões e malfeitores que o cercavam. Existe uma certidão de baptismo na Matriz de Vila Franca do Campo de 9 de Agosto de 1562, publicada no Jornal “A Liberdade” nº. 1 207, na mesma Vila, no ano de 1903 mas, não se aclara totalmente daí a inferência que se chamasse mesmo Luís Gonçalves, nome que parecia lá constar e depois se tornasse Bento de Góis. Eis pois que mergulhamos de novo na lenda e nos enigmas da História. Augusto Ribeiro põe em causa o romântico e fantasioso escrito de José Torres “Pequenos quadros históricos” de 1854 onde se romanceia uma paixão amorosa contrariada e a saída forçada para a Índia, tão distante da sua terra natal. Partiria em busca de glória e riqueza o futuro explorador e assentou praça como soldado. Depois levado por um amor ainda maior abraçou a Cruz tornando-se missionário Jesuíta e dos mais idóneos. A sua amada impelida pelo desgosto iria para o lugar de Val de Cabaços, (Caloura) para um pequeno convento que lá existe ainda. Mas, num dia em que estava a andar de barco com uma companheira, foi raptada por um barco de piratas. O facto do rapto até podia ser capaz de ter verosimilhança, pois os ilhéus viviam no temor dos piratas mas, se o contexto é real, a verdade não é esta. Augusto Ribeiro, nada convencido por tal documento da certidão de baptismo, aventava a hipótese de uma nova busca aos arquivos paroquiais para averiguar se, de facto, vivera, em Vila Franca do Campo, uma família de nome Góis no século XVI. O certo é que na certidão que se diz ser a sua, o nome do pai é Manoel Gus e a mãe Maria. Aquando da comemoração do aniversário do seu nascimento, em 1962, o historiador, muito versado em genealogias, Hugo Moreira fez uma comunicação, em que dava conta das diligências feitas nos Arquivos da Matriz da Vila Franca com vista a encontrar o nome de família Góis. A certidão publicada pelo jornal “A Liberdade” de que era redactor o Padre Manuel José Pires, (1843-1921) investigador e jornalista respeitado, era fruto de pesquisas que não teriam grande validade pois foi uma busca orientada e já com um nome em vista, Luís Gonçalves, influenciado com os ensaios de José Torres. Infelizmente, apesar de todas as buscas, Hugo Moreira, nada encontrou que corroborasse quer a sua hipótese, quer a levantada com a certidão encontrada pelo Padre Manuel José Pires. Também não foram encontradas provas de haver continuidade de famílias com a denominação Góis. O nome aparece, embora raramente, mas o de Luís consta da certidão em que se dá conta desse baptismo mas nada permite inferir que seja Bento de Góis ou que não tenha existido outra certidão. Hugo Moreira e muito antes Augusto Ribeiro sentiam essa dúvida, além de que os novos irmãos da Companhia de Jesus não mudavam de nome. O próprio jornalista, membro da Academia Real das Ciências, no prefácio do seu trabalho, escreveu uma nota bem elucidativa do modo como encarava o caso: “Da vida e do carácter de Bento de Góis, declara o autor sinceramente que pouco ou nada tomou para este ensaio, que não é senão como que um tirocínio de classe em matéria de estilo. Daria o escolar razão de si e satisfação ao ponto? O autor é, sem dúvida, o que menos o pode saber e conhecer. Trave em alheio olho se vê melhor. À história só se pediram alguns nomes e algumas datas; o demais levantou-se sem exemplar, ou base procedente. Telas e tintas são de agora; o fasquiamento é que é de há duzentos e cinquenta anos”. Acresce a objecção, de muitos conhecida, de que, embora entrasse no noviciado, não chegou a tomar verdadeiramente ordens e, como era apenas irmão coadjutor temporal, então menos razão haveria para mudar de nome. Não se pretende um relato histórico mas sim aceita-se o véu da fantasia que envolve sempre os vultos heróicos e famosos. Não faltam lendas em torno de Homero, de Camões, de Shakespeare, de Dom Sebastião e a nossa História de Portugal começa logo com lendas acerca do Rei Dom Afonso I. O período da juventude deste herói foi com certeza conturbado pelas lutas entre os partidários de Filipe de Espanha e os de Dom António, Prior do Crato, ambos pretendentes ao trono de Portugal. Ao largo de Vila Franca do Campo, perto do seu Ilhéu, no Verão do ano apontado como o da partida de Góis, 1582, os dois inimigos enfrentaram-se e deu-se a maior batalha dessa época com tremendo desfecho para os adversários dos Filipes. A chacina que se seguiu tem fama de ser a pior de todas as que se deram nestas ilhas. Até no ilhéu os filipinos teriam enforcado inimigos para que a sua visão tenebrosa servisse de exemplo. Se por um lado o ódio aos espanhóis grassava, por outro, os adversários de Dom António, aceitavam de bom grado o domínio filipino pelas benesses que podiam receber visando mesmo as possibilidades de Vila Franca voltar a ser “cabeça da Ilha” e também pelos desaires económicos, dada a venda forçada do precioso pastel imposto pelo Prior do Crato a fim de obter financiamentos das suas tropas. De todas as ilhas, São Miguel teria sido a que menos aclamou Filipe II de Espanha primeiro de Portugal. O conflito devia ser forte na Vila pois o povo, como informa a Professora Margarida Vaz do Rego, se reunira e realizavam “grandes preces na Igreja da Matriz” se bem que inutilmente. O capitão Rui Gonçalves da Câmara, já em 1583 ao receber o título de Conde de Botelho dado por Filipe II de Espanha foi repudiado por parte da população que tentou contestar o título. Mais de um escritor se dedicou a romancear a vida do famoso vila-franquense e, provavelmente, quando foi publicada a tal certidão de baptismo, o Dr. Urbano de Mendonça Dias, entusiasmado pelo assunto, começou a compor, em dezasseis fascículos, publicados na referida “Fénix” que fundara, um longo relato romântico e, em grande parte fantasioso, da vida de Bento de Góis. Nesta ficção ele teria sido um jovem dado a devaneios e à música, um jovem por entre “a flor da nobreza micaelense”, como disse Gaspar Frutuoso da nobre vila, e com outros rapazes dedicava serenatas e galanteios às noviças clarissas na antiga Praça de Santo André. Luís Gonçalves, assim o nomeia, apaixonara-se porém por uma sua linda prima de nome Laura, mas o pai desejando um futuro afortunado e de altos feitos para o filho, obrigou Luís Gonçalves a um embarque forçado para a Índia, no Galeão ‘São Francisco’ mesmo no fim do ano de 1582 no alvorecer da vida com apenas 20 anos de idade. O jovem, embora desolado e dolorosamente ferido, abandonaria a chorosa amada e, obedecendo ao pai, partira para tão distantes terras em busca de fama e glória desejadas pelo progenitor. Note-se que Mendonça Dias tinha consciência de que criava uma ficção pois não deixa de escrever uma nota explicativa em que conta ter-se guiado por José Torres e saber que Augusto Ribeiro escrevia já em Lisboa informações mais rigorosas sobre o assunto. A vitória dos espanhóis e o domínio filipino teria algo a ver com Luís Gonçalves e a sua família? Haveria alguma razão ligada a isso que levasse o jovem desgostoso com a situação do seu país a escolher partir para terras tão distantes das suas Ilhas? Mas nada melhor do que a ficção para alimentar as lendas e o encanto da História, a sempre árida e sempre jovem musa Clio que faz e desfaz em fumo os louros da glória. A cidade da velha Goa, quando lá chegou o jovem ilhéu, devia ser uma visão deslumbrante. Circulava o dito de que “Quem já viu Goa não precisa ver Lisboa”, era a Roma do Oriente, com uma magnificência de estaleiro, hospital real, palácios, igrejas, imponente Sé e um traçado de ruas que indicavam uma grande cidade. Só os templos dedicados a Nossa Senhora chegaram a ser, nesse território, cerca de 50 igrejas e 250 capelas e os sinos de Goa eram tidos como os melhores do Mundo. O seu prestígio só se viria a perder com o avançar dos inimigos dos Filipes, tornados agora também nossos adversários, tais como os terríveis piratas ingleses, os holandeses e franceses. Na narrativa romanceada por Mendonça Dias, Bento de Góis, era agora um soldado exilado, vivendo na esperança de notícias dos seus e da jovem Laura, espreitando cada galeão que da pátria chegava. Porém as notícias não eram de feição. Seu pai, por entre outras novas, avisava que sua prima Laura acabara de entrar para o Convento da Caloura, bem contra a vontade dos pais e mostrava-se muito abalada de saúde. O tempo passou, sempre lento para quem espera notícias e, por fim, em carta do amigo Manoel da Câmara, mais uma ficção embora esse nome fosse bem escolhido por ser dos nobres da Vila, em 1585 as trágicas notícias chegavam. Laura, depois da estada no Convento, piorara muito e seu pai foi buscá-la à força de barco desembarcando no “Corpo Santo” já em tal estado de fraqueza que, passados três dias, falecia em casa dos desolados pais. O futuro jesuíta não teria suportado a dor dessa perda e adoeceu gravemente. Já convalescente teria mudado por completo os seus hábitos de vida e não quis regressar à ilha como estava previsto. Pelo contrário bateu-se valentemente contra os gentios ganhando fama de aguerrido soldado. Tudo porém teria mudado em 1588, quando se encontrava em Travancor, na altura um reino florescente cujo nome significa “Deusa da Abundância”. Em dia de festa de São João, Luís Gonçalves teria ido até à ermida de Nossa Senhora e aí pediu à Virgem perdão por seus pecados, pela vida irregular, pelas suas loucuras e desmandos. As especulações sobre a vida de jogo, mulheres e grande dissolução de costumes podem ter um sentido duplo, ou para mais valorizar a transformação moral de pecador ou então para enaltecer a vida de luxo e de prodigalidade que se levava na esplendorosa cidade do Oriente. Segundo a versão do Padre Fernão Guerreiro, seu contemporâneo e um dos historiadores dos feitos dos portugueses no Oriente, que mais o cita, enquanto Bento de Góis rezava, o Menino que estava ao colo de Nossa Senhora começou a chorar, para grande admiração do penitente que chamou os companheiros para verem tal milagre! Embora em termos diferentes dos de Mendonça Dias, o facto de ter havido um acontecimento místico para a grande mudança de vida é comum a investigadores e romancistas. Seria assim a grande transformação que se operou no jovem micaelense e, abandonando o mundo, entrou para o Colégio da Companhia de Jesus, mesmo junto da Ermida da sua conversão, sendo então apenas um noviço. Algo o teria levado a sair mas não sabemos a causa, se por razões suas ou vontade dos Irmãos, mas teria abandonado a Companhia tornando-se mercador. Percorreu novas e distantes terras aprendendo persa e outras línguas. Só depois seria Irmão coadjutor, estudando e convivendo com os Padres ganhando as simpatias e favores e adoptando então o nome de Bento de Góis. Porém nada pode certificar da mudança do nome pelas razões já adiantadas. Fica-se todavia com a impressão de que teria sido sempre Bento de Góis, nome que nada tinha de romântico para as ficções ideadas. Segundo Mendonça Dias teria 26 anos aquando da entrada na Companhia de Santo Inácio de Loyola em 1588, mas nunca aceitou passar de um simples Irmão coadjutor temporal, sem tomar ordens sacras pela sua índole humilde, considerando-se indigno de tal missão. Tal facto pode ser visto como fruto da vontade dos próprios jesuítas pois só aceitavam para membros, pessoas com profundos estudos e conhecimentos. Bento de Góis contraria muito o espírito dos jesuítas, quer pela idade que já tinha, e não era comum pois se entrava muito mais cedo, quer pelo grau de instrução exigido do qual não temos dados. Não deixa de ser mais um ponto obscuro na parca biografia que se lhe pode traçar, nem temos dados da Companhia de Jesus que nos elucidem acerca do seu estatuto dentro da Ordem. Passou por diferentes Missões e colégios, de cidade em cidade, ganhando a admiração e respeito por seus talentos, lucidez e virtudes. Caetano de Andrade Albuquerque é mais um que insiste nos talentos e saber profundo, bem como o espírito conciliador que sempre demonstrava para com os outros povos e religiões. Se bem que, muito o penalizasse, ter de fingir não ser cristão, tinha tão hábil diplomacia para tratar com os grandes senhores e seus assuntos, como para conviver com as diferentes etnias e religiões e dialogar tolerantemente acerca de Deus sempre com o fito da missionação. Na verdade pode notar-se, nas poucas cartas suas que chegaram até nós, um espírito religioso, atento aos pormenores, com um estilo de escrita que denota estar num contexto cultural muito avançado para a época. Era realmente muito versado em teologia, mostra conhecimentos de latim, cita de cor a Bíblia e domina línguas orientais até mesmo a persa que aprendera, estando muito bem instruído para a futura viagem. A escolha foi muito bem pensada. Nisso os diversos autores concordam. Porém, como diz o sábio dito “Ninguém é profeta na sua terra” e ficou apagado da memória do seu país durante muito tempo. Parece, de acordo com a opinião firmada por Augusto Ribeiro, que a fama de Bento de Góis veio de fora. Alguns ilustres estrangeiros é que foram dando conta da grandeza da obra e do valor do missionário, como o Padre jesuíta Atanásio Kircher, (1776-1859) “de conhecimento enciclopédico, etnógrafo e escritor fecundíssimo” que viveu na China e que na sua obra “China Ilustrata” em 1667, procura descortinar o itinerário seguido por Bento de Góis, o professor alemão Karl Ritter, designado como percursor da geografia moderna, refere-o como “o encarregado heróico da difícil missão de abrir o caminho continental até então de todo desconhecido da Índia ao Cataio” e o Padre Brucker que, em 1879, escreveu sobre a obra deste jesuíta enaltecendo-a como já devia ter sido e assim os estrangeiros é que chamaram a atenção dos portugueses para os altos feitos que levaram depois à celebração do terceiro centenário. Quem parece que primeiro o aventou foi o Dr. Caetano de Andrade Albuquerque bastante antes de chegar à data do referido centenário que, sendo o terceiro, foi o primeiro a ser celebrado, inaugurando um belo e artístico monumento encimado com estátua no centro da praça que já tinha o seu nome. As palavras do padre francês Brucker merecem ser recordadas: “A expedição de Bento de Goes não é somente notável pela lonjura e obstáculos da rota. O que a torna sobretudo digna de figurar para sempre nos anais da geografia, é que foi uma empresa cometida no meio de países e povos até então quase desconhecidos; é que porque foi traçado, por assim dizer, um raio luminoso no meio das espessas trevas que escondiam ainda à Europa o centro da Ásia”. O jesuíta António Franco, ao fazer no seu noviciado o panegírico de António de Andrade, conhecido por “o apóstolo do Tibete” nada, refere acerca de Bento de Góis. Ao investigador Augusto Ribeiro parece estranho, como também pensa ser misterioso ou incompreensível que, nem o insigne historiador Padre António Cordeiro, (1641-1722) autor da “História Insulana” em que tanto exalta os feitos dos Açorianos não se refira a Bento de Góis. A sua pena só escreveu acerca do Padre António de Andrade (1591-1634) “filho do Sol da Companhia” e descobridor do Tibete, desfazendo assim mais uma lenda da existência de um mítico reino cristão. É de toda a justiça enaltecer a viagem e descobertas deste jesuíta, a sua viagem foi tormentosas e passou por alguns dos lugares por onde passaria Góis, mas a viagem apesar de terrível, foi curta e bem-sucedida, pois o acolheram bem e pode voltar. Todavia se o Rei do Tibete era hospitaleiro e parecia quase cristão, verificou-se de novo que budistas e cristãos eram muito diferentes. Mas onde estão as referências a Bento de Góis da parte dele? Apenas podemos saber que António Cordeiro (1641-1722) partiu da ilha Terceira, com apenas 15 anos, numa tormentosa viagem em que passou por mil peripécias, combates, fugas, condenação à morte pelos castelhanos, de novo a prisão no Algarve, por receio da peste até à sua chegada a Coimbra. Como nunca mais veio aos Açores e usou, em grande parte para escrever a sua obra os manuscritos do Dr. Gaspar Frutuoso, que estavam então na posse da Companhia de Jesus, há a possibilidade de nada poder saber das viagens e descobertas deste micaelense. Antes do nosso herói vila-franquense, além de Marco Polo e Fernão Mendes Pinto, (1510-1583) lembramos ainda Rafael Perestrelo que, em 1516 com um grupo de 30 homens e em três juncos aportara ao lendário Cataio em expedição comercial de grandes lucros. Entre as muitas viagens que Góis fez, avulta a missão ao grande Império do Grão Mogol, a Lahore, a capital, onde esse Imperador residia. Aí, Bento de Góis conheceu o grande Akbar que o tomou por seu valido dado o apreço que lhe tinha, e até voltou a Goa com um embaixador desse rei e em missão que se dizia de paz mas que podia ser um meio de vigiar de perto o poder do Império desses estrangeiros. Nessa época, falava-se muito do Grão Cataio, nome que Marco Polo divulgara, imaginando-se as mais fantásticas histórias dessas terras. Acerca da lenda do mítico Rei Prestes João já se falava na corte papal desde 1145, quando um Bispo do Líbano, Hugo de Gebel afirmara que o tinha encontrado num Reino muito distante, para além da Arménia, tendo por Rei um sacerdote. Ora era sabido que os povos arménios eram cristãos logo nas primeiras eras sendo mesmo o país que 12 anos antes de Roma tomara já o cristianismo como religião oficial. Assim era bem plausível haver ainda comunidades cristãs nessas longínquas paragens. Aliás o nome Prestes parece provir do francês Prêtre, acrescentando-se que as lendas o tornavam descendente de um dos três reis magos, Baltazar e, indo mais longe ainda, está relacionado ao misterioso sumo-sacerdote Melquisedech de que fala a Bíblia cristã, cujo grande poder lhe deu o direito de abençoar Abraão e que foi comparado com Cristo pois se encontra escrito: “Tu és um sacerdote eterno, da Ordem de Melquisedech” referindo-se a Jesus. Este sacerdote que iria entroncar nos filhos de Noé e está ligado a lendas do Tibete e outras ainda mais estranhas acerca da cidade oculta ao comum dos mortais, só habitada por seres perfeitos, e esse reino era Salém que significa paz. É sempre a curiosidade e a lenda que tecem os factos reais de belezas imaginárias a alimentar a imaginação de todos os povos. Tratava-se, sabe-se hoje, das terras da Arménia ou da Abissínia ou ainda Etiópia, terra, esta onde ainda hoje a maioria da população é cristã copta, embora tenha também muçulmanos e animistas. O último Rei ainda se intitulava “O eleito do Senhor” e usava o selo de Salomão, dado que a poderosa e lendária Rainha do Sabá teria tido um filho do rei Salomão. Era grande a sede de expansão da fé e a curiosidade por esses povos tanto mais que corria a lenda de que o rei do Grão Cataio, ao viajar, levava 3 cruzes diante de si. Já Marco Polo falara de uns cristãos provenientes do apostolado de São Tomé em Malabar que aí teria morrido por um acidente dum caçador enquanto o santo rezava. Haveria ainda alguns cristãos ligados à heresia nestoriana resultantes das disputas de Cirilo e Nestor. Após um concílio em Éfeso a 431, separam-se em dois grupos, os que defendiam que Maria era apenas “Cristo tocos”, Mãe de Jesus humano e mortal; enquanto o outro grupo de Cirilo apostava em Maria, Mãe “theotocos”, isto é, Mãe de Deus. Aceite a tese de Maria, Mãe de Deus, donde vem a oração “Ave-maria” rezada hoje, os nestorianos foram afastados e partiram para o Oriente onde ainda existem alguns grupos de nestorianos. De tudo isto resultava uma amálgama de lendas e vagos conhecimentos que levaram os Padres Jesuítas a procurar verificar a verdade. As lendas do Prestes João tanto o situaram na África como na Ásia, ou mais possivelmente no Tibete pois os muçulmanos descreviam os budistas de modo tal que os confundiam com os cristãos pela semelhança de aparência, na profusão de templos e mosteiros, estátuas, velas, orações, saudações e cânticos que se confundiam com o canto gregoriano e mesmo por um estilo de vida que lhes parecia similar. Há algum esquecimento de uma outra tentativa de atingir a China e queremos lembrar que foi esse o sonho de São Francisco Xavier (1506-1552) o apóstolo das Índias. Já se sabia que o povo chinês considerava bárbaros e ignorantes os estrangeiros e mantinha a interdição a todos eles. Para converter o Japão, onde o povo se mostrava resistência à evangelização, o apóstolo reflectiu sobre a relevância do budismo e toda admiração dos japoneses reverentes diante da civilização Chinesa. Então para esse “furacão da fé”, com todo o pragmatismo, admitia que se atingisse o Império do Meio, a acção missionária resultaria na concretização do sonho de converter toda a Ásia. Atentamente, Henrique Leitão escrevia acerca do ambiente no Império do Sol Nascente no século XVII, como se criara “uma funda aversão à Igreja de Roma particularmente à Companhia de Jesus”. Xavier tinha a firme convicção que a conversão da China era “a chave para a catolicização da Ásia, uma miragem que continuou a tremeluzir tentadoramente no horizonte jesuíta”. Usando a mesma estratégia que será adoptada mais tarde, não seria como missionário mas como uma embaixada que São Francisco tentaria lá chegar, pois isso significava sempre homenagem dos “bárbaros” à sua sabedoria e poder. Essa tarefa de preparação da embaixada foi encabeçada por Diogo Pereira mas encontra uma inexplicável relutância e obstinação no capitão Álvaro Ataíde da Gama. Por fim, consentiu na ida de Xavier mas sem apoios, teria de se apresentar sozinho e exposto a todas as possíveis consequências de prisão e morte. Mesmo assim embarca no barco “Santa Cruz” e chega a pisar terra chinesa. Foi a ilha de Sancian, ou Sanchuão onde “infelizmente os seus esforços foram inúteis, pois todos os mercadores responderam que caso o governador da cidade disso tomasse conhecimento eles teriam as suas vidas e as suas posses em grande perigo”. É assim que o santo, “luz do Oriente”, muito combalido e fraco acaba por falecer em 1552 sem realizar o sonho e quase à vista do grande Império, um pouco à semelhança do que sucederá a Bento de Góis em 1607. Se a tentativa por mar não resultava havia que tentar chegar por terra atravessando toda a Ásia. A Companhia de Jesus, atenta a novas formas de evangelização, usava métodos apropriados e tentava realizar o sonho inacabado de chegar a esses misteriosos reinos tão mal conhecidos ou então esgotar as lendas e os mitos e saber toda a verdade. Entretanto, Bento de Góis, com a sua grande humildade e desprendimento ganhava a afeição de todos com quem convivia. Entre os muitos Colégios que visitava, foi a Agra, onde já se encontravam instalados os Padres Jerónimo Xavier, primo do Apóstolo das Índias e Manuel Pinheiro, que os italianos nomeiam como Emanuell Pinner, também micaelense, natural de Ponta Delgada (1556-1618), aproveitando a tolerância religiosa do Imperador Mogol Akbar, que permitira a sua estada nos seus domínios desde 1594. Como testemunha dos obstáculos que enfrentaram, o Irmão jesuíta, Manuel Pinheiro escrevia acerca do impedimento de serem aceites pelos maometanos e outros gentios pela fama que já vinha dos outros estrangeiros: “E se nos têm aversão, é porque seus ministros e sacerdotes lhes ensinam que os cristãos são bárbaros e ignorantes, da natureza de peixes: e que vivem na água, não têm cidades nem terra firme, que comem ratos, gatos e outros animais imundos, que temos três Deuses: Deus, Jesus e Maria”. Enquanto assim descreve o modo como eram vistos os cristãos, queixa-se de solidão e refere que o Imperador estava em Decam com o Padre Jerónimo Xavier e o Irmão Bento de Góis, o que nos mostra como eram estimados e tidos em boa conta por El Rei. Já seu filho não os via com tão bons olhos e foi sempre rebelde para como pai. Akbar, o Grande governou desde 1560 até 1605, expandindo o império que constava de hinduístas e muçulmanos e outras religiões. Apesar das diferenças religiosas, Akbar, que era sunita mas os cristãos diziam que adorava o Sol, tentava a conciliação entre sunitas e xiitas, procurando ser tolerante com todas as religiões, protegendo as artes, embora segundo se diz, fosse analfabeto, mas interessava-se pela cultura e queria uma unificação religiosa que respeitasse todas as formas de culto, o que seria uma estratégia para a unidade política. Teria por uso convidar pessoas de diferentes religiões para discutirem assuntos científicos e outros. Os dois jesuítas, Jerónimo Xavier e Manuel Pinheiro, já se referiam ao Cataio como um vasto país cristão que existiria nos confins da Ásia, bem como Chambalu, que afinal não passaria na realidade de Shambhala, um esotérico centro religioso de contemplativos ligados aos budistas no Tibete, algures perdido e invisível flutuando sobre o deserto do Gobi. Esse centro só seria possível de visitar pelos seres mais perfeitos e iluminados. Falava-se que várias expedições teriam ido até essas terras e já Luís XIII, Rei de França ouvira falar já esses utópicos Reinos. Por seu lado o padre Mateus Ricci, (1522-1610) italiano, natural de Macerata, era um sábio, Superior da Ordem que se encontrava já então em Pequim, onde adquiriria grande influência nos meios científicos em que os chineses eram muito avançados. Com um método diferente, tentava uma aculturação pragmática para a sua acção apostólica. Isso obrigava-o a “acomodar-se” a usos e costumes desse nesse meio e a mostrar a sua superioridade científica para conquistar os mais cultos e depois chegar ao povo. Este seu modo de se misturar com os hábitos chineses foi depois censurado pelos riscos de perder a pureza do cristianismo. Além de se relacionar com o Imperador chinês e pertencer à corte, algo absolutamente fora no normal para um estrangeiro, publicou quinze obras em língua chinesa. O seu prestígio valeu-lhe ser considerado pelos chineses “o homem sábio do Ocidente”. Tomemos bem em atenção e linha de conta que já Ricci era céptico acerca da existência desses reinos misteriosos do Cataio e de povos, cristãos. Afirmava que era da China de que se tratava e já não havia cristãos nesse distante Oriente pois já tinham sido desterrados quando os chineses em 1368 expulsaram o inimigo mongol. A Companhia de Jesus escolhia sempre criteriosamente os irmãos que tivessem uma formação intelectual muito elevada. Segundo os princípios de Santo Inácio de Loyola estavam estipuladas duas exigências indispensáveis para todos os membros da Ordem: uma formação muito avançada e de alto nível intelectual e uma mobilidade total. Estas duas exigências, (intelectual e movimentação) que nunca se tinham reunido, alteravam tudo o que até então existia nas ordens religiosas, pois as ordens monásticas dos estudiosos estavam fixas em algum local e aquelas que se movimentavam não reuniam alto saber. Agora criava-se numa teia de cultura e poder enorme com uma mobilidade e velocidade espantosas em que transitavam notícias, dados científicos, boatos, informações, cartas ou objectos, deveras impressionante e que nunca antes se conseguira. Assim na China, ainda segundo o Professor Henrique Leitão, os jesuítas queriam chegar junto dos meios científicos e aos poderosos governantes, logo, de acordo com o seu método implicava a escolha de matemáticos e astrónomos especializados para terem forma de mostrar superioridade de poder cultural e espiritual entre uma civilização tão antiga como culta. Compreende-se pois que Mateus Ricci fosse um missionário especialmente dotado para as matemáticas e astronomia, sendo ele que levou a geometria de Euclides para a China, sabia muitas línguas, traçou um espantoso mapa da China e a sua grandeza cultural de algum modo ofuscou a figura do explorador vila-franquense que pouco teria deixado escrito. Ora, ao que parece aos investigadores, que são unânimes neste ponto, é que este Imperador Akbar teve muito apreço pelo Irmão Bento Góis ao conhece-lo em Lahore. Esta era a sua cidade favorita e tornara-se, por algum tempo, a capital do Império mogol, até que um grande incêndio quase a destruiu. Reconhecendo o valor de Góis, Akbar tomou-o por seu valido, mostrando o apreço que lhe tinha, enviando-o a Goa com um embaixador desse rei e em missão que se dizia de paz mas que podia ser um meio de vigiar de perto o poder do Império desses estrangeiros. Foi de tal modo eficaz a sua diplomacia e influência que teriam sido os seus rogos e solicitações que levaram o grande conquistador do Império mogol a desistir de um terrível ataque que preparava contra os portugueses pois este imperador estava decidido a tomar Goa e Damão. Não se sabe até que ponto Andrade Albuquerque terá exagerado ao escrever que “devendo-se às instâncias patrióticas de Goes o desistir o Grão Mogol, Akbar de um seu projecto de conquistar as nossas possessões na Índia, podendo-se afirmar que se estas permaneceram no domínio de Portugal, ou pelo menos se não as assolou então com uma guerra devastadora, tudo foi devido à habilidade com que no-las defendeu com a unção da sua palavra o missionário açoriano, melhor do que por ventura o fariam as hostes guerreiras em campo de batalha”. Hoje, esta cidade de Lahore, é conhecida mundialmente por ligações à famosa e misteriosa Al-Qaeda de que todos já ouviram falar. As lendas e descrições fantásticas misturavam-se com a curiosidade e um imaginário colorido de modo a que se a incerteza era grande, as especulações e a vontade de saberem mesmo a verdade aumentava cada vez mais. Fora também levado pelo objectivo de atingir um imaginário Cataio que Cristóvão Colombo chegou às Antilhas, convencido de que estava na Índia e a essas lendárias terras do Oriente onde jamais chegou. Estando a situação neste ponto, os missionários jesuítas, agora especialmente Nicolau Pimenta, Superior da Companhia, sabendo que Bento de Góis já fora embaixador do Grão Mogol e como se mostrava hábil em conviver com budistas, hinduístas e maometanos, com hábil diplomacia e dominando várias línguas, entre elas a persa, escolheu o vila-franquense para esse fim, apesar do arrojo e perigos da empresa. É curioso saber-se que nada se resolveu sem pedir as devidas autorizações, para a Europa ao Papa, a Filipe I de Portugal, ou seja, Filipe II de Espanha e na Índia ao Vice-rei, na altura Aires Saldanha, que se prontificou a ajudar com dinheiro e mantimentos. Deste modo o escreveu em 1880, Caetano de Andrade Albuquerque, e Mendonça Dias na sua primitiva narrativa romanceada, em 1903, assim, a primeira investigação da travessia da Índia até à China seria obtida por um ocidental seguindo a rota da seda e integrado numa “cáfila” ou caravana de mercadores com os seus dromedários e camelos, cavalos e demais bagagens. Nunca será excessivo evidenciar a envergadura da expedição, de tão incerta como longa se previa, com mapas e companhias mais do que falíveis. Obedecendo à ordem do Superior, partiu então Bento de Góis, levando por companheiro, o diácono Leão Grimam e o mercador Demétrio, ambos gregos. Acompanhava-o também Isaac, um cristão arménio escolhido pelos jesuítas. Tinham sido bem industriados e prevenidos até ao último momento, segundo conta em carta o próprio explorador vila-franquense, para se precaverem dos perigos, dos fanáticos, dos erros que, como cristãos, pela alimentação, atitudes, comportamentos diferentes entre gentios, podiam cometer. Deve ter-se doutrinado o melhor que podia para tão grave missão de atravessar todo o grande continente asiático e é notório como nas cartas que escreve mostra a sua humildade e espírito de sacrifício, apelando e agradecendo a Deus tudo o que lhe acontecia. Partiu de Goa para a perigosa jornada em 1602 e a sua primeira paragem deve ter sido em Agra que já conhecia. Essa extraordinária viagem duraria 4 anos, percorrendo cerca de 4.500 quilómetros de Goa na Índia, atravessando a Ásia e chegando ao Império do Meio. Agra, cidade nas margens do rio Yamuna, onde mencionou que lá estava os jesuítas António Machado e Jerónimo Xavier e foi junto deles que fez os últimos preparos de viagem. Aconselhado por este ultimo, Bento de Góis passou a usar o traje dos arménios, com cabaia (espécie de túnica tradicional) e turbante, mais arcos e frechas e seu estojo, bem como uma cimitarra, a fim de passar desapercebido disfarçando-se de negociante e, assim vestido, parecia um Saíde, deixando crescer longas barbas e cabelo, tal como um parente de Mafamede. Por precaução, fez também algo que parecia indispensável, mudou o seu nome português para o de Banda Abedula ou Abdulla Isai, que quer dizer “Servo de Deus” e assim estava muito mais protegido dos adoradores de Mafoma e inimigos dos cristãos. Perto desta cidade de Agra, no século XVII, seria construído um dos mais belos monumentos do mundo, o Taj Mahal, mausoléu da esposa favorita do Rei Shah Jahan, e, já no tempo que Góis lá passou, existia um monumento enorme e famoso o “Forte Vermelho” obra de Akbar. Em Lahore, onde chegou acompanhado pelos dois viajantes, e o seu mais fiel companheiro, o arménio Isaac que nunca mais o abandonou, escreveu em Dezembro de 1602 ao Provincial, sempre com grande devoção, dando conta dos seus gastos e das peripécias da sua viagem. Na altura, mais uma vez, Akbar o Grande, se mostrou seu aliado e amigo. A cáfila que partiu para Cabul levava mais de 500 gentios com suas mercadorias e bagagens e sucediam-se sempre grandes riscos de emboscadas, assaltos de ladrões e caminhos intrincados. Para passar da Índia para o Afeganistão, foi pelo rio Indo, que deu o nome à Índia, por barcos com muito custo no meio da caravana. Na carta ao Padre Jerónimo Xavier, escrita de um local erradamente apontado como Garçar, foi de casa de um veneziano chamado João Galifo onde se hospedara pretendendo passar por mercador. Era então já a Quaresma de 1603, e descreve um pouco a duríssima jornada, passando os terríveis frios dos Himalaias, o risco de ser reconhecida a sua condição de cristão, enfrentando tribos selvagens e pelejas com ladrões e rebeldes: “Nós até agora jejuamos, e o nosso comer não é senão à noite, posto com grande custo nosso, o comer não é senão um pouco de arroz com manteiga e papas de carregação, e algumas cebolas e quando comemos um pequeno peixe salgado, do que lá sequei, é grande mimo, os frios são muito grandes porque imos correndo as serras que estão encobertas de neve (…)”, contava ainda que, como era costume entre os gentios, usava um anel com um sinete no dedo com que selava as suas cartas. Os locais que vai assinalando ao longo do roteiro diferem um pouco na escrita do que se diz oralmente, sendo isso apenas um pormenor que não retira a veracidade da sua passagem por todos esses locais que assinala. Uma das causas está no facto de ele escrever os nomes das terras tal como as pronunciava. A chegada a Cabul levou mais de 6 meses de viagem pela lentidão que tinham de seguir e, de tão dificultada pelos muitos perigos, os dois companheiros, Demétrio e Leão Grimam não a quiseram continuar. Podemos ver pelo roteiro que ele traçou que estava a meio da sua arriscada travessia. Hoje as terras por onde passava são-nos familiares ao ouvido por tristes razões de guerras, Athec, Djelalabad é o seu Gialalabadh e Peshawer é Passaur. Como passou algum tempo na capital do actual Afeganistão, conheceu muitos moradores e veio a saber, que lá se encontrava uma senhora peregrina que regressava de Meca e tinha sido roubada ficando sem meios de subsistência. Seria uma senhora nobre que Mendonça Dias indica ser Rainha, usando o nome de Abchanam, enquanto Caetano de Andrade Albuquerque, nome de ilustre micaelense, a chama Hadje-Hané, mas sabe-se que “Age” era a designação dada aos crentes que já tinham ido a Meca, e que, por sorte, a senhora era irmã do Rei do Kachahar e mãe do senhor Príncipe do Cotão. Mendonça Dias atribui a assistência de Bento de Góis à dita senhora, um carácter de caridade religiosa ligada à sua proverbial generosidade, pois se prontificou a ajudá-la dando-lhe dinheiro e meios de a livrar da aflitiva situação em que estava. Muito grata se mostrou a nobre dama, que deve ter visto em Bento de Góis um salvador, prometendo que a sua ajuda e bondade não seriam vãs logo que seu irmão soubesse dessa mercê que lhe fazia. Caetano de Andrade Albuquerque, porventura mais realista, aponta para um comportamento inteligente e diplomático do viajante que com esta ajuda tanto bem trouxe à senhora mas também de muito lhe valeria com os salvo-condutos que depois obteria dos seus poderosos parentes. Já antes demonstrara alta diplomacia e sabia que aquela acção lhe podia no futuro ser muito proveitosa. Recuperadas as forças, partiu logo de novo, o nosso Banda Adbdula, como era nomeado, apesar de sentir forte tristeza em estar assim disfarçado e impedido de praticar livremente o seu culto cristão. Com pouca fortuna começou a nova viagem pois logo adoeceu com altas febres ficando ao cuidado do leal Isaac. Não só a moléstia o atacou mas também teve de sofrer os ataques de ladrões e malfeitores que tiravam bons proveitos atacando as caravanas dessa antiquíssima rota da seda. A cáfila seguia por entre rios e torrentes, por atalhos estreitos e perigosos, entre desfiladeiros e sempre em riscos de ataque ou emboscada. Antes de atingir Talikhan, de que já antes o veneziano Polo dera conta, segundo mencionou Bento de Góis, encontraram uma tribo, no país de Caltchá, que era gente de cabelos loiros e com toda a aparência dos arianos naturais da Europa do Norte. Era mais uma lenda que se confirmava, mas já não eram cristãos sabendo-se agora que deveriam ser restos da população dizimada no século XII pela grande invasão turca na Ásia. Estava tal tribo em guerra e tiveram de pagar mais um imposto sobre as mercadorias para poder continuar e seguir pelo vale de Pandjah. “Foi portanto reservada a um português a glória de ter primeiro atravessado de Ocidente para Oriente, o Pamir”, já citado por Marco Polo, onde sofreu frios, dissabores e provações de vária ordem, entre desfiladeiros e vales profundos. Alguns geógrafos negavam a passagem de ambos pelo planalto do Pamir, o tecto do mundo, mas Bento de Góis denomina no seu diário “a extremidade do Pamir” como local de paragem e descanso e hoje o facto de ter sido o primeiro a passar pelo tecto do mundo é aceite sem reservas. Para chegar a Yarkand teve de passar por Chichikilik ao sul de Mustagata e cuja altitude é de 7.860 m. Muitas das pequenas povoações, por onde teria passado, desapareceram ou foram destruídas e não estão nos mapas, mas a rota do Irmão Bento está perfeitamente identificada no plano do mapa que, a partir dos seus estudos, o distinto geógrafo Dr. Ernesto de Vasconcelos descreveu. Difere bastante dos pudemos encontrar traçados por outros cartógrafos anteriores. Na verdade, o que se sabe ao certo, é que sofreu terríveis provações e quase morreu de frio como aconteceu com muitos outros viajantes da sua caravana. O seu companheiro, o fiel Isaac caiu ao rio Tanghetar, sendo felizmente salvo com muita dificuldade e ficou ainda um tempo entre a vida e a morte. Esta parte da perigosa e longa jornada só terminou em Yarkand, no Turquestão Oriental, hoje terra chinesa. Chegou aí num estado de extrema debilidade. Agora também não podia continuar, para além de recuperar forças, havia preparativos e acertos diplomáticos a fazer. Não admira que tivesse de ficar cerca de um ano em aprestos diversos e esperando tempo favorável para continuar a sua peregrinação em busca do lendário Cataio levando sempre consigo, entre outros, presentes, cartas e documentos para entregar ao Senhor dessa terra quando lá chegasse. Já nessa altura Yarkand era a cidade mais florescente e populosa do Turquestão e aí residia o Rei do Kachegar. A ele ofereceu Bento de Goes belos presentes, “objectos de luxo da Europa, tais como um relógio e cadeia, espelhos de cristal, e outras coisas que muito agradaram ao Monarca”, escreve por seu lado Andrade Albuquerque, mas acentuando os vexames e perseguições dos fanáticos maometanos que talvez também tivessem inveja daquele estrangeiro que conseguia ser bem-visto pelo seu Rei. Desde o século XV que havia uma monumental Mesquita, belíssima construção que ainda hoje existe, sendo notáveis os seus portões e local de oração. Aguardavam-no porém algumas surpresas nessa cidade, conta no seu romance Mendonça Dias, Parece que muito se interessou o Rei pela sorte de Bento de Góis, pelo seu discorrer de sábio que não ofendia a sua fé mas mesmo na Corte sofreu forte hostilidade e interrogatórios cerrados e, depois de o ouvirem atentamente ministros e nobres, tentaram mudar a sua crença mas acabaram por desistir de o tornar maometano, pelo menos nesse tempo. A bela Mesquita Id Kah, construída já em 1442, ainda existe hoje mas nesse tempo a cidade era uma encruzilhada da estrada da seda, sendo muitas as religiões e os fanáticos que o Imperador moderava. A cidade perdeu hoje o seu enorme prestígio de outrora, sendo um lugar sem a importância e nem a posição estratégica antiga mas foi muito disputada devido ao comércio pelos povos tibetanos e chineses e depois russos, franceses e ingleses. A outra surpresa maior seria a chegada da irmã desse Rei, a Rainha Abchanam, ou Hdje-Hane recebida com muita festa, alegria e oferendas tal como é tradição nesses lugares. A Rainha logo reconheceu Bento de Góis e ainda muito agradecida logo o recomendou a seu irmão pelo bem que dele recebera. Teria sido a acção providencial, desta Rainha uma das mais poderosas salvaguardas que defenderam Góis em Kachegar e também as recomendações dadas com salvo-condutos para auxílio de tão penosa viagem. Poucos dias teriam passado e foi convidado pelo filho desta Rainha para visitar durante um mês o Reino do Kotan, ao que o irmão jesuíta acedeu, podendo lá escolher o melhor azeviche, ou “mármore negro”, que dava proventos prodigiosos e lhe seriam muito úteis para oferecer ao Rei do Cataio pela preciosidade que representava. Enquanto estava fora da cidade, eis que chega o mercador grego, Demétrio que tivera de deixar a caravana e agora vinha prosseguir a expedição na nova cáfila que se preparava. Nesta estada em Yarkand, deu-se conta Bento de Goes das contradições e incertezas de encontrar o tal misterioso Reino cristão que se sonhava no Ocidente e ora devia estar veramente esperançado na existência real do Cataio visto que algumas pistas lhe surgiam, ora as dúvidas e as conversas que ouvia surgiam na sua mente. O açoriano já se cansava de esperar por uma cáfila em que se incorporasse para chegar ao seu destino, até que se preparou uma embaixada para o Cataio. Estávamos em Agosto de 1604 e ele dá conta aos seus Irmãos da Índia, da nova de estarem integrados com mais 70 pessoas num séquito para o seu ambicionado destino. Não foi fácil entrar nessa embaixada tendo de pagar avultada quantia, circunstância em que, mais uma vez, lhe valeu o Rei. A partida da capital da Kachgaria, que hoje pertence á China a província de Xinjiang, só aconteceria a 14 de Novembro, mas já criara uma esperança maior. Por fim a viagem continuou, passando pela região desértica do Gobi, ou “planície sem água” dos mongóis, ou na língua china, “rio sem água” atravessando alguns oásis e chegou a Aksou, cidade no Turquestão Oriental, hoje parte da China, que era o Reino de um sobrinho do Rei de Kachegar que tinha apenas 12 anos. Deu-lhe o nosso explorador, alguns presentes e ganhou as boas graças do tutor, mas ao partir daí foi feito prisioneiro e muito sofreu às mãos de padres muçulmanos com rigorosos jejuns e práticas religiosas islâmicas a que o obrigavam. Logo depois deste triste revés, pago um forte tributo, recomeçou a viagem, agora com mais sorte pois, na cidade a que dão o nome de Kou li ou Kourla, era Rei um filho do mesmo monarca de Kachegar, que tanta interferência teve em toda a sua viagem. Aí, nessa praça-forte de Tchalis ou Yen-Ki, houve uma diocese católica florescente até 1946, que nessa altura foi expulsa pelos comunistas. Após ter desfeito alguma animosidade do Rei este tornou-se muito afável e, mais uma vez, Bento de Góis mostrou os seus dotes de diplomacia e argumentação teológica debatendo com os sábios da religião dos sarracenos os seus princípios cristãos, criando uma atmosfera muito favorável ao cristianismo. O Rei veio a descobrir que provavelmente os seus antepassados tinham tido essa fé dos “misermans” que quer dizer fiéis. Deste modo, o nosso corajoso aventureiro pôde comprovar que por lá existira uma comunidade cristã nestoriana tal como tanto se especulava no Ocidente. Foi então que chegaram uns mercadores disfarçados de embaixadores com quem Góis pôde contactar. Era costume já muito antigo que os mercadores se dissimulassem de embaixadores junto dos chineses pois deste modo mostravam que tinham respeito e queriam obsequiá-los. As ditas missões diplomáticas escondiam o verdadeiro carácter das viagens, e os chineses davam-se conta disso, só que, por lisonja e adulação para com o seu Imperador, não as hostilizavam. Por outro lado, muito afortunado era quem chegava à Corte pelos lucros que depois colhia. Esses mercadores que chegaram afirmavam que tinham estado no Cataio em 1601 e encontrado Mateus Ricci hospedando-se em suas casas. Isso bastou para Bento de Góis confirmar que o Cataio e a China eram a mesma terra, só diferindo do nome dado. Ele bem sabia que Ricci estava em Pequim. Agora apenas podia completar o itinerário entre a Índia e a China e excluir definitivamente a existência real do lendário Cataio. Dá-se uma curiosa coincidência entre Bento de Góis e Mateus Ricci pois ambos, através dos mesmos mercadores, tomaram consciência que esses maometanos se referiam à mesma terra apenas com designações diferentes! Se Ricci já estava na China, desde 1583, sabia que o Grão Cataio não existia e Góis percebeu que Cambalu era Pequim a “Cidade do Senhor”, tal como já Marco Polo descrevera, depois Fernão Mendes Pinto que lhe chamara Panquim e os chineses chamam hoje a cidade de Beijing. É provável que o vila-franquense, já quase no fim da viagem, ficasse dividido entre a tristeza e algum desânimo quanto ao objectivo da sua penosa caminhada para revelar um Reino desconhecido de cristãos e unir a cristandade do Oriente ao Ocidente. Afinal nada disso existia e era ele que o podia confirmar. Porém, por outro lado, o seu zelo apostólico mostrava-lhe que tinha uma tarefa de missionação e salvação de almas a cumprir e era o que mais lhe interessava dado o seu espírito de sacrifício e a vontade de apregoar a sua fé entre os gentios. Basta ler uma das suas cartas para ver como vivia a sua vida cristã e perceber como a sua fé era forte, vendo sempre a mão do Senhor a guiá-lo. O melhor que desejava a todos era que se fizessem cristãos. Em vez de uma viagem menos perigosa, apesar da boa hospitalidade que recebia, a jornada tornava-se cada vez mais dura e os ferozes tártaros espreitavam os viajantes. Ele mesmo escreveu: “que têm de marchar cercados de precauções, explorando de dia para de noite prosseguirem à sombra das trevas e no meio do silêncio”. Até atingir a espantosa ‘Muralha da China’, uma das maravilhas do mundo, nos finais do ano de 1605, só de Kamil a Chiaicuom percorrera 535 quilómetros. Teve de esperar fora das muralhas que lhe dessem autorização para entrar. Grandes privações e maus tractos o esperavam agora pois nunca foi tão maltratado por maometanos e cataios como em Sou-tcheon, ou Sucheu. Ficou prisioneiro sem de lá poder sair, durante um tempo que não se consegue precisar pois as datas dos investigadores não são coincidentes. Entretanto a segunda carta enviada a Ricci que teria sido escrita na Páscoa de 1606, só lhe chegou às mãos em Novembro, e este enviou ao seu encontro, como emissário, o cristão chinês Ciommimli que tomara o nome de João Fernandes, para o guiar até Pequim. Apesar de partir a 11 de Dezembro só chegou junto de Bento de Góis em fins de Março de 1607. Já tão decaído de forças, fraco e exausto estava que veio a falecer provavelmente a 11 de Abril de 1607, com 45 anos tendo ao menos a consolação de morrer com esses dois cristãos, o fiel Isaac e João Fernandes ao seu lado. Os investigadores não excluem por completo a hipótese de ter sido envenenado pelos maometanos fanáticos que tanto o hostilizavam, quer por razões religiosas, quer talvez por razões económicas por supostas dívidas que tinham contraído. Não consentiram os dois cristãos num enterro com cerimónias do Alcorão, escreve Mendonça Dias, pois: “a isso se opuseram dizendo que ele sempre vivera na religião de Jesus Cristo e como tal devia assim ser enterrado”. Os mouros saquearam os seus bens e rasgaram o seu Memorial talvez para que não se soubesse das dívidas contraídas. A boa vontade de João Fernandes e do arménio Isaac parece que obrigou os ladrões a restituírem parte do pobre espólio que, em dados científicos tão rico era, como depois se pôde comprovar. Mateus Ricci reconhecendo a incansável dedicação de Isaac, que foi para a Missão de Pequim, tratou-o com toda a estima já que todos reconheciam nele uma personalidade invulgar. Foi ainda devido às suas valiosas informações que se reconstituiu o itinerário de Góis, em parte árdua tarefa de Ricci. Julga-se que o arménio Isaac foi de barco para Malaca e, quando o famoso roteiro de Góis foi publicado por Nicolau Triggault, ainda vivia na Índia, perto de Bombaim. As lacunas ou incorrecções que se podem encontrar nesse roteiro não podem ser atribuídas a Bento de Góis mas sim à reconstrução dos fragmentos encontrados e que Mateus Ricci tentou, entre outros, com boa vontade colmatar. Assim escreve Andrade Albuquerque seguindo as pisadas de Bruker, como outros fizeram: “O seu diário fiel e minucioso (…) nota dia a dia as distâncias percorridas por dias de jornada e milhas, aspectos da natureza, a qualidade das estradas, os costumes das populações, o nome das localidades, cidades e reinos, tendo todo o cuidado em reproduzir com a possível fidelidade todas aquelas denominações asiáticas, que a narrativa de Marco Polo tão singularmente desfigura”. Longe dessas paragens mas curioso em conhecer tudo isso, é demonstrado pelos escritos do Padre Pierre Jarric, (1566-1617), um jesuíta francês que, não podendo chegar ao Oriente como ansiava, compilou em três volumes as narrativas dos seus confrades. Neles refere a viagem de Góis e mostra uma minuciosidade e cuidado que fizeram a obra ser muito lida e reeditada. Levanta alguma curiosidade, pela comparação do tempo de paragens, itinerários e dificuldades do chinês João Fernandes que se encontrou com o moribundo Góis e mais o arménio Isaac podem ter grande dificuldade em entender o que diziam entre si, pois não falavam os mesmos idiomas. Isto retira algum crédito e torna inconsistente a dedução da duração da viagem. Por isso, a morte do explorador pode bem ter sido em data diferente da que é apontada e do que consta usualmente. Não se podem ter certezas nesse assunto em que as provas são tão frágeis. Ainda retomando o texto de Mendonça Dias, vemos como Ricci “conseguiu reconstruir todo o Roteiro de Bento de Góis, tal como o contou na sua relação (…) conjecturando-se o monumental livro que Bento de Góis escreveu, impresso passo a passo em terras estranhas, perigosas e sem recursos”. É tradição oral e corrente que os relatos de Góis existem arquivados algures, provavelmente no estrangeiro, talvez na Inglaterra. O que sabemos com alguma certeza é que os exploradores que o seguiram, muitos anos depois, usaram dados do nosso jesuíta, quer para seguirem itinerários similares quer na elaboração de mapas. O facto comprova-se pela aparição de locais indicados em português, quando o mapa não o é, mas o seu autor usou por necessidade tais indicações. Foram muitos os exploradores que seguiram as suas pisadas, ingleses, alemães, reivindicando a prioridade de ter passado por essas paragens. Embora tivesse de ser uma personalidade excepcional, tolerante, estudioso, diplomata, assumia com toda a sinceridade ser um verdadeiro cristão com uma tarefa eminentemente apostólica em toda a parte. Esta obra não merece passar desapercebida ou ignorada, muitos foram os que se notabilizaram com viagens depois dele, porém afirma-se “perante a História que a viagem de Bento de Góis é daquelas que merecem não ser esquecida, mesmo depois da multiplicidade de expedições e de exploradores”. As lendas acompanham a história com a sua beleza e imaginário. Se Bento de Góis acabou com as lendas do Grão Cataio, do Prestes João e tantos mistérios, ele próprio tornou-se numa lenda, alguém de quem se discute até o nome, que nunca se poderá descortinar o enigma que se singulariza na Geografia, na Antropologia, na Etnografia, na Literatura de Viagens, nas Expedições ao Oriente e na sua terra, a própria Vila Franca, onde a sua memória faz parte das nossas como um herói com que enche de orgulho cada geração que passa.


Bernardo Peres da Silva

Bernardo Peres da Silva nasceu em Goa, Ilhas de Goa, Neurá, a 15 de Outubro de 1775 e faleceu em Lisboa, a 14 de Novembro de 1844, foi um médico, professor da Escola Médico-Cirúrgica de Goa, e político liberal português, de origem goesa, que entre outras funções foi deputado às Cortes do vintismo e da Monarquia Constitucional Portuguesa e governador do Estado da Índia (1834). Foi o primeiro e único goês a assumir o governo da Índia Portuguesa (à excepção do Membro do Conselho de Governo Francisco Wolfgango da Silva) nos 451 anos de presença portuguesa naquele território e um dos primeiros parlamentares eleitos nas colónias portuguesas do Oriente. Filho de José Tomás de Vila Nova Peres e Mariana Veloso, Goeses católicos, ficou órfão ainda criança, passando a viver com um seu tio, Caetano Peres, que era padre no Seminário de Rachol. Frequentou estudos preparatórios naquele seminário, matriculando-se de seguida no curso de Medicina da Escola Médico-Cirúrgica de Goa, que completou. Concluído o curso passou a trabalhar como médico no Hospital Real de Panelim. Interessado pela vida política, foi eleito Vereador da Câmara Municipal de Ilhas de Goa, distinguindo-se na defesa dos interesses locais contra os privilégios da aristocracia, indiciando o pendor liberal das suas opiniões políticas. Entretanto, tendo sido seleccionado em concurso público, foi nomeado professor substituto da Escola Médico-Cirúrgica de Goa, mas manteve-se activo na vida política, contestando algumas das medidas do Vice-rei Diogo de Sousa, Conde de Rio Pardo, em matérias relacionadas com o exercício de medicina, especialmente quando este pretendeu reduzir o acesso aos cuidados médicos prestados no Hospital. Pouco depois, tendo adoecido gravemente o professor titular, foi nomeado definitivamente para o lugar. A oposição às medidas sanitárias do Vice-rei granjeou-lhe grande popularidade entre a população, mas levou a que o Conde de Rio Pardo o considerasse um perigoso agitador. Em resultado dessa situação, em 1820 os seus serviços no Hospital Real foram dispensados. Em Março de 1821 chegaram a Goa os ecos da Revolução Liberal do Porto, ocorrida em Agosto de 1820, e da consequente implantação do regime liberal em Portugal. A notícia terá chegado através de Rogério de Faria, um comerciante goês em Bombaim que era amigo Bernardo Peres da Silva, ou mesmo seu parente, que lhe terá enviado cópias dos decretos da Junta Provisória. Quando o Vice-rei resolveu esperar por instruções da corte do Rio de Janeiro, onde se encontrava refugiada a família real portuguesa, em vez de realizar de imediato as eleições decretadas pela Junta Provisória, Bernardo Peres da Silva foi um dos mais activos líderes do levantamento de civis e militares que ocupou o Palácio do Governo em Pangim, depôs o Conde do Rio Pardo do cargo de Vice-rei e proclamou o regime liberal. Apesar do seu envolvimento, Bernardo Peres da Silva recusou um lugar no governo provisório que então se formou em Goa. Quando a 14 de Janeiro de 1822 finalmente se realizaram em Goa as eleições para deputados às Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Bernardo Peres da Silva foi um dos três deputados eleitos pela Índia Portuguesa (os outros dois foram o Dr. Constâncio Roque da Costa, também goês, e o Dr. António José de Lima Leitão, físico-mor de origem portuguesa). Fez assim parte do grupo dos primeiros deputados a serem eleitos nas colónias portuguesas do Oriente. Depois de uma viagem atribulada, que incluiu uma breve detenção na ilha de Moçambique, os deputados chegaram a Lisboa apenas para descobrirem que as Cortes já tinham concluído a aprovação da Constituição Portuguesa de 1822 e tinham sido dissolvidas pela Vila-Francada. Bernardo Peres da Silva foi então nomeado para Intendente Geral da Agricultura da Índia, cargo que fora até então ocupado por António José de Lima Leitão, que com ele tinha sido eleito deputado e que entretanto decidira permanecer em Lisboa. Não tendo a nomeação obtido imediata execução, durante a sua permanência em Lisboa, Bernardo Peres da Silva frequentou os círculos liberais mais avançados. Regressado a Goa, em 1827 foi novamente eleito deputado, agora às Cortes do vintismo, tendo como adversário o governador da Índia. Tal como da primeira vez, quando chegou a Lisboa, as Cortes estavam dissolvidas e Dom Miguel I de Portugal estava em pleno processo de restauração do regime absolutista. Liberal convicto, viu-se obrigado a fugir e a juntar-se à emigração, primeiro em Londres e depois no depósito de Plymouth. Durante a sua permanência na Inglaterra, Bernardo Peres da Silva publicou um manifesto contra a restauração do absolutismo em Portugal, que foi citado na Câmara dos Comuns do Reino Unido. Terá sido o primeiro manifesto político até então publicado por um indiano (goês) na Europa. Da Grã-Bretanha e Irlanda passou ao Brasil, onde viveu alguns anos na cidade do Rio de Janeiro trabalhando como professor particular, escapando assim às perseguições dos miguelistas e às tribulações da Guerra Civil Portuguesa. Durante a sua permanência no Brasil escreveu e publicou uma obra intitulada Diálogo entre um Doutor em Filosofia e um Português na Índia sobre a Constituição Política de Portugal. Um seu filho integrou o exército liberal e participou no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto. Assinada a Convenção de Évora Monte e terminada a Guerra Civil Portuguesa (1828-1834), Bernardo Peres da Silva, que regressara a Portugal em 1833, foi de novo nomeado deputado em 1834, submetendo de imediato um memorando ao novo governo defendendo os interesses e liberdades dos goeses. Tendo em conta a sua fidelidade à causa liberal, os seus serviços e os do seu filho, a 7 de Maio do mesmo ano de 1834 foi nomeado por Dom Pedro IV, então já regente em nome da sua filha Dona Maria II de Portugal, para o cargo de Vice-rei da Índia, então alterado para Prefeito das Índias, na sequência das reformas de Mouzinho da Silveira, e despido da sua componente militar, já que ao contrário dos anteriores Vice-reis não tinha poderes sobre o exército. Foi assim o primeiro e único Goês católico (à excepção do Membro do Conselho de Governo Francisco Wolfgango da Silva) a ser nomeado para governar a Índia Portuguesa durante os 451 anos em que aquela colónia existiu. Embarcou então na fragata Princesa Real para mais uma viagem até à Índia, tendo chegado a Goa no dia 10 de Janeiro de 1835, tomando posse do cargo no dia 14 daquele mês. Sendo a primeira vez que um cidadão natural de Goa ia governar a Índia Portuguesa, Bernardo Peres da Silva foi inicialmente recebido com grande entusiasmo pela população local, embora entre os militares e funcionários de origem europeia fossem muitas as dúvidas e grande a hostilidade ao novo regime que ele representava. Instalado no governo do Estado da Índia, as suas primeiras medidas visaram moralizar a administração pública e favorecer a população local. Para isso, logo na primeira semana do seu governo, procedeu à nomeação de um Conselho da Prefeitura, constituído por Manuel Correia da Silva e Gama, pelo brigadeiro António José de Melo Souto, pelo major Teles e pelo comendador Dom José Maria de Castro e Almeida, e reorganizou os serviços judiciais e fiscais. Também procedeu à extinção das ordens monásticas, numa medida que gerou grande hostilidade da comunidade católica. Os benefícios que tentou introduzir a favor da população local, nomeadamente das comunidades aldeãs de Goa, organizações comunitárias de posse da terra, incluíram a extinção do imposto de um sexto sobre os rendimentos que estas "cooperativas" tinham que pagar ao Estado. No sector da justiça pretendeu eliminar alguns abusos que eram praticados pelas classes privilegiadas. Algumas das medidas tomadas por Bernardo Peres da Silva afectaram seriamente os interesses instalados em Goa e foram particularmente mal recebidas pelos funcionários metropolitanos destacados na colónia, que se sentiam ameaçados no seu estatuto e privilégios, e pelas chefias militares, exclusivamente metropolitanas. A desconfiança com que fora recebido, e o descontentamento causado pelas suas acções iniciais, esteve na base da revolta das forças militares, desencadeada na noite 1 de Fevereiro de 1835. Apesar de nem todas as unidades militares terem apoiado a revolta, esta terminou com a destituição de Bernardo Peres da Silva, apenas 17 dias após a sua tomada de posse, tendo este sido detido, embarcado à força num navio e obrigado a partir para o exílio em Bombaim. Para o substituir foi escolhido Manuel Francisco de Portugal e Castro, que anteriormente exercera as funções de Vice-rei. Entretanto, a 10 de Fevereiro deu-se uma nova revolta em Goa, desta vez a favor da reposição de Bernardo Peres da Silva no governo da colónia. O movimento foi protagonizado por uma Bataria de Artilharia e pelo Primeiro Regimento de Infantaria, unidades militares que se tinham oposto à revolta militar de 1 de Fevereiro. Os revoltosos exigiram a recondução de Bernardo Peres da Silva como prefeito e pretenderam forçar o governador militar a tomar as medidas necessárias ao seu regresso. Porém, o governador militar Fortunato de Melo recusou ceder às exigências da tropa local e no dia para o qual estava anunciada a chegada de Bernardo Peres da Silva ordenou a prisão dos implicados. Os revoltosos refugiaram-se no Forte Gaspar Dias, onde depois de uma resistência heróica, a maior parte dos amotinados foi massacrada, tendo o forte ficado totalmente em ruínas. Outro grupo de apoiantes refugiou-se no Forte de Tiracol, no extremo norte do território, de onde também foram desalojados pelas forças do governador militar Fortunato de Melo e na sua maioria assassinados após se terem rendido com a promessa das suas vidas serem poupadas. Entretanto, o líder da revolta anterior, duvidando da legalidade do seu acto e temendo ser preso, demitiu-se e entregou o governo ao Conselho de Prefeitura que havia sido nomeado por Bernardo Peres da Silva. Nova revolta surgiu a 3 de Março, desta vez protagonizada por soldados goeses que exigiam o regresso de Bernardo Peres da Silva ao governo como prefeito. Desconhecedor destes eventos, ao chegar a Bombaim, Bernardo Peres da Silva pediu o apoio das autoridades britânicas, dado que a Grã-Bretanha era aliada de Portugal e deveria apoiar a autoridade legal de Goa. Esta expectativa gorou-se, já que os britânicos se recusaram a intervir na disputa. Não podendo contar com o apoio oficial britânico, permaneceu nos arredores de Bombaim durante cinco meses preparando uma força expedicionária para capturar Goa pela força. Com o apoio financeiro Rogério de Faria, na altura um rico comerciante e exportador de ópio para a China, conseguiu recrutar cerca de 300 homens, que se concentraram nos subúrbios de Bombaim, de onde embarcaram a 27 de Maio em cinco navios com destino a Goa. Não tendo levado em conta a meteorologia, a 6 de Junho a expedição foi obrigada a retroceder pela força dos ventos da monção e acabou por regressar a Bombaim. Gorada a expedição a Goa, Bernardo Peres da Silva viu-se obrigado a procurar uma alternativa. Decidiu então que a expedição se deveria dirigir para Damão, um enclave português a norte de Bombaim. Ali foi recebido por um grupo de liberais e de personalidades envolvidas no contrabando do ópio que o apoiaram no estabelecimento de uma administração provisória da Prefeitura, que ali se manteria até 1837. Em Damão, recebeu armamento e apoio logístico de Rogério de Faria, preparando-se para defender Damão em caso de ataque por parte das forças de Goa. Como contrapartida, Rogério de Faria beneficiaria, de isenção aduaneira nos seus negócios de ópio através do território de Damão, então a principal via de saída da droga contrabandeada para fugir aos impostos britânicos. Apesar desses arranjos, quando a tomada de Goa falhou gerou-se uma dívida de Rs. 67,957, valor que a administração de Damão se recusou a pagar. A consequência foi a falência dos negócios de Faria, já abalados pelo esforço inglês em concentrar o comércio do ópio em Bombaim. A situação criada com estes acontecimentos não permitiram concretizar o regresso ao poder de Bernardo Peres da Silva, que entretanto perdera o apoio de Rogério de Faria, tendo por esse motivo sido instituído um Governo Provisório constituído por Rocha de Vasconcelos como Presidente, tendo como vogais o Dr. Manuel José Ribeiro e frei Constantino de Santa Rita. Entretanto, em 1836 realizaram-se eleições em Goa, tendo Bernardo Peres da Silva perdido o seu lugar de deputado. O impasse terminou com a nomeação de Simão Infante de Lacerda de Sousa Tavares, Barão de Sabroso, como novo Governador da Índia Portuguesa. Submetendo-se à vontade real, Bernardo Peres da Silva aceitou a nomeação do novo governador e regressou a Goa, onde fez as pazes com o novo governador e se reintegrou na vida política da colónia. Durante a maior parte da sua vida Bernardo Peres da Silva viveu em pobreza, situação em que faleceu. As dificuldades financeiras que atravessou nos últimos tempos da sua vida obrigaram-no a vender a mobília da sua casa para pagar as despesas com a sua saúde. Faleceu em Lisboa a 14 de Novembro de 1844, sendo sepultado no Cemitério dos Prazeres em jazigo pago pelo Estado.

Capitão-mor da viagem do Japão


O Capitão-Mor da Viagem do Japão era um cargo exercido por nomeação do Vice-Rei da Índia Portuguesa, em troca de serviços prestados. O nomeado ficava encarregue de liderar a chamada "viagem do Japão", realizada anualmente pela chamada ‘Nau do Trato’. Esta realizava-se na próspera rota comercial portuguesa que ligava Goa a Nagasaki de 1550 a 1639, inicialmente via Malaca e, desde 1557, via Macau. O Capitão-Mor da Viagem do Japão estava encarregue de combater a pirataria na rota entre a China e o Japão e proteger aqueles que faziam esta viagem. Para além disso, desde a fundação de Macau em 1557 até 1623 o Capitão-mor exercia também o cargo de Governador interino da Cidade, enquanto aí permanecesse. O direito a realizar a "viagem do Japão" foi por vezes doado pela Coroa a entidades como a cidade de Macau, Cochim, Malaca. Mais tarde, era leiloado em Goa pelo lance mais elevado.

Catarina Lopes

Catarina Lopes (século XVI), foi uma combatente portuguesa no Segundo Cerco de Diu. Junto com Isabel Madeira (capitã), e com Garcia Rodrigues, Isabel Fernandes, Isabel Dias, formou um grupo de combatentes femininas que lutou na frente da batalha contra os turcos, no segundo cerco de Diu, em 1546. Este feito encontra-se registado nas Décadas de Diogo de Couto, e numa revista de 1842 foi assim descrito: Do primeiro cerco de Diu, passemos ao segundo. Este (que sustentou com valor digno da sua pessoa o famoso e esclarecido Capitão Dom João Mascarenhas, no tempo do memorável Dom João de Castro, um dos maiores homens, que com grande credito seu, e igual gloria de Portugal, governou os Estados da India) foi certamente pelas circunstâncias que se lhe juntarão muito mais formidável que o primeiro. Por este motivo se formou uma grande Companhia de mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir á fúria dos inimigos. Entre aquellas ficaram em memória os nomes de Garcia Rodrigues, Isabel Dias, Catarina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houverão neste memorável cerco, que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a ellas se deveu o não ser rendida aquella Fortaleza. Em particular, a propósito de Catarina Lopes, é acrescentado: No referido cerco de Diu, deu uma mui distinta prova do seu valor Catarina Lopes. Foi o caso, que querendo ella rechaçar o orgulho de um combatente inimigo, que se tinha avançado aos muros, cahio delles abaixo juntamente com o Soldado. Quiz este fartar a sua ira, empregando todas as suas forças para suprimir as da valorosa Matrona. Esta porém, depondo a fraqueza natural, se revestiu de um tão varonil espirito, que vindo com elle á luta, o derrubou em terra, e não tendo arma alguma com que o ferir, se valeu das que o proprio furor lhe ministrava (porque como lá disse um Poeta: Furor arma ministrat. Virgil.) E assim metendo-lhe os dedos nos olhos, lh'os arrancou; e depois socorrida dos seus escapou á raiva dos inimigos, que já com mão alçada corriam a vingar o insulto cometido.

Christobal Acosta



Cristóbal Acosta ou Christoval Acosta ou Cristóvão da Costa nasceu em Tânger(?) 1515 e faleceu em Huelva, em 1594, foi um médico e naturalista português considerado um pioneiro no estudo de plantas orientais, em especial para uso em farmacologia. Com o seu colega boticário Tomé Pires que provavelmente nasceu em 1465? e faleceu em 1524 ou 1540 e Garcia de Orta que nasceu em 1490 ou 1502 e faleceu em 1568, foi um dos maiores expoentes da medicina Indo-Portuguesa. Entre as suas obras destaca-se o ‘Tractado de las drogas y medicinas de las Indias orientales’ (1578, em castelhano), comentando sobre as drogas orientais. (Entre outros, menciona o ‘bang’, uma mistura feita a partir de cannabis) Outra obra importante é ‘Tratado das ervas, plantas, frutas e animais considerado perdido’. Sabe-se que não nasceu em Portugal, mas provavelmente em Tânger, Ceuta, no arquipélago de Cabo Verde ou outra possessão portuguesa em África. Não se sabe onde adquiriu o seu conhecimento. Cristóvão da Costa viajou para as Índias Orientais pela primeira vez em 1550, como soldado. Participou nas campanhas contra a população nativa e foi capturado e preso em Bengala. Depois de regressar a Portugal, ele voltou a juntar-se ao seu ex-capitão, Dom Luís de Ataíde, que fora nomeado Vice-rei da Índia. Voltou a Goa em 1568. Em 1569 foi nomeado médico no Hospital Real de Cochim. Em 1571, tinha coleccionado espécimes botânicos de várias partes da Índia. Regressou a Portugal em 1572, após ter terminado o Vice-reinado de Ataíde. Entre 1576 e 1587 foi médico e cirurgião em Burgos. Com a morte de sua mulher retirou-se para viver como eremita em um eremitério onde permaneceu até sua morte. Tal como Garcia da Orta, as suas obras foram traduzidas e divulgadas pelo médico e botânico flamengo Carolus Clusius.

Comunidade Cristang

A comunidade cristang é uma pequena comunidade de Malaca, na Malásia com origem em antepassados portugueses que remonta aos descobrimentos. A comunidade cristang fala a língua cristang, um crioulo de base português, sendo que "cristang" significa "cristão" nesta língua. A comunidade é conhecida entre si como "gente cristang", outros sinónimos para esta comunidade são "Serani" (do malaio "Nasrani", significando seguidores de Jesus de Nazaré) e "gragok" (termo calão para "geragau" ou camarão, referindo o facto de esta comunidade ser tradicionalmente de pescadores de camarão). O nome "cristang" é por vezes utilizado incorrectamente para nomear outras populações eurasiáticas da Malásia e de Singapura, incluindo povos de descendência holandesa e britânica. A primeira expedição portuguesa chegou a Malaca em 1507. Este contacto está registado no Sejarah Melayu (Anais Malaios). Malaca tornou-se uma base estratégica para a expansão portuguesa nas Índias Orientais, subordinada ao Estado Português da Índia desde Abril de 1511. Nessa data Dom Afonso de Albuquerque zarpou de Goa para Malaca com uma força de cerca de 1.200 homens e 17 ou 18 navios. A partir de então os casamentos entre portugueses e locais foram encorajados por Dom Afonso de Albuquerque, cumprindo o seu desígnio como Vice-rei da índia. Uma carta do Rei de Portugal assegurava a alforria e isenção de impostos aos portugueses "casados", que aventurando-se além-mar casassem em Malaca. Os casamentos mistos prosperaram sob este estímulo, registando-se cerca de 200 em 1604. O missionário jesuíta S. Francisco Xavier passou vários meses em Malaca em 1545, 1546 e 1549. O contacto com Portugal terminou em 1641 quando os neerlandeses bateram os portugueses e capturaram Malaca. Malaca foi depois cedida aos britânicos pelo tratado Anglo-Neerlandês de 1824, em troca de Bencoolen, em Sumatra. Contudo as relações comerciais permaneceram com o entreposto de Macau, perdurando até à actualidade.

Diogo Rodrigues

Diogo Rodrigues, nascido em local e data desconhecido e faleceu em Goa, a 21 de abril de 1577, foi um navegador português que explorou o Oceano Índico no século XVI e que em 1528 descobriu e nomeou várias ilhas a este de Madagáscar incluindo a ilha Rodrigues, que mantém o seu nome, é a Diogo Rodrigues que explorou o arquipélago das Mascarenhas, assim por ele nomeadas em homenagem ao seu compatriota e companheiro Pedro de Mascarenhas, que as terá visitado em 1512 e que compreende a Reunião, Maurícia e Rodrigues. De acordo com José Nicolau da Fonseca, Rodrigues jaz em Goa com o seu túmulo assinalado com a inscrição: Acqui jaz Diogo Rodrigues o do Forte, Capitão desta Fortaleza, o qual derrubou os pagodes destas terras. Falleceu á 21 de Abril de 1577 annos.

Diogo Soares

Diogo Soares (Galego, de alcunha) foi um navegador e explorador português do século XVI que viajou pelo Extremo Oriente, referido notoriamente no relato Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Segundo este, Diogo Soares terminou seus dias lapidado em Pegu, Birmânia, onde era governador. Foi pai de Baltasar Soares, residente, à data do fenecimento de seu pai, como ele, em Pegu. Do caso do fado de Diogo Soares escreve Fernão Mendes Pinto que Diogo Soares, governador em Pegu, certo dia, saindo com sua comitiva, encontra-se com as bodas da filha de um mercador chamado Mambogoá. Diogo Soares felicita fortemente os festejantes mas, ao ser presenteado pela noiva com um anel, tomado de sensualidade, arrebata-a e reclama-a para si. Mambogoá roja-se e roga a Diogo Soares que não lhe leve a filha, em nome do deus que Diogo Soares adora. Diogo Soares ordena a um acólito seu que mate Mambogoá, mas este foge-lhe. Por ordem de Diogo Soares são então mortos o noivo, seu pai e mais familiares. No seguimento, a noiva suicida-se por estrangulamento para evitar ser possuída por Diogo Soares. Mais tarde, em mais de uma ocasião, Diogo Soares confessará pesar-lhe mais não haver convertido a moça que o que se arrepende de havê-la arrebatado. Após estes acontecimentos, quatro anos passam, até que, após uma mudança de regime, Mambogoá percebe ser-lhe a justiça favorável. Mambogoá vai assim a um templo e pronuncia espantosas palavras, as quais, impressionando fortemente os ouvintes, levantam um ror de gente e num ápice uma multidão de mais de 50 mil pessoas coincide ao pé do paço real exigindo justiça. Esta, feita à vontade do povo, leva Diogo Soares ao terreiro e aí é ele lapidado pela multidão, com tamanha violência e balbúrdia que muitos dos lapidadores acabam eles próprios rotos. Uma hora depois da execução, o cadáver de Diogo Soares é desenterrado do montão de pedras e suas carnes são despedaçadas em grande tumulto e gritaria, para logo os meninos arrastarem pelas ruas seu corpo trazido pelas tripas puxando pela cabeça recebendo esmola das gentes.

Domingo Pais



Domingo Pais (século XVI) foi um viajante português que visitou o Império Vijayanagara, ou "Reino de Bisnaga" (como era referido pelos portugueses) situado no Decão, no sul da Índia, cerca do ano 1520 durante o Reinado do Rei Krishna Deva Raya. A sua descrição de Hampi, a capital imperial hindu, é a mais detalhada de todas as narrativas históricas sobre esta antiga cidade. Relata Pais que "o dito reino tem muitos lugares na costa da Índia; são portos marítimos com os quais estamos em paz, e em alguns deles há feitorias, em particular em Amcola, Mirgeo, Honor, Batecalla, Mamgalor, Bracalor y Bacanor”. Domingo Pais relata a avançada tecnologia de irrigação que permitia ao Reino dispor de grandes quantidades, e a preços muito módicos, de uma grande variedade de culturas. Também o mercado de pedras preciosas mostrava uma intensa actividade. A cidade prosperava e o seu tamanho, aos olhos do narrador, era comparável a Roma, com muita vegetação, aquedutos e lagos artificiais.

Duarte Barbosa


Duarte Barbosa nasceu em Lisboa, por volta de 1480 e faleceu em Cebu, a 1 de maio de 1521, foi um viajante e navegador português. Serviu como oficial do Estado Português da Índia entre 1500 e 1516-1517 no cargo de escrivão em Cananor e, por vezes, intérprete da língua local (malaiala). A sua obra, "Livro de Duarte Barbosa" é um dos mais antigos exemplos de literatura de viagem portuguesa logo após a chegada ao oceano Índico. Em 1519 partiu na primeira viagem de circum-navegação com Fernão de Magalhães, de quem era cunhado, vindo a perecer em Maio de 1521 no banquete-cilada do Rei Humabon, em Cebu, nas Filipinas. Duarte Barbosa era filho de Diogo Barbosa, um servidor de Dom Álvaro de Bragança que partiu para a Índia em 1501 na armada conjunta com Bartolomeu Marchionni sob o comando de João da Nova. Em 1500 o seu tio Gonçalo Gil Barbosa, após viajar na frota de 1500 de Pedro Álvares Cabral, foi deixado como feitor em Cochim e, em 1502, foi transferido para Cananor. Os locais descritos por Duarte Barbosa sugerem que terá acompanhado o seu tio nesta viagem até Cochim e Cananor. Duarte Barbosa aprendeu aí a língua local (malabar). Em 1503 foi intérprete de Francisco de Albuquerque nos contactos com o rajá de Cananor. Em 1513 assinou como escrivão de Cananor uma carta para o Rei Dom Manuel I de Portugal onde reclamava para si o cargo de escrivão-mor que lhe fora prometido. Em 1514 Afonso de Albuquerque recorreu aos seus serviços como intérprete na tentativa de conversão do Rei de Cochim ao Cristianismo, conforme relatou em carta que enviou ao Rei. Em 1515 Albuquerque enviou Duarte Barbosa a Calecute para vigiar a construção de duas naus que serviriam numa expedição ao Mar Vermelho, e na qual poderá ter participado já sob o novo governador. Duarte Barbosa regressou a Portugal onde terá terminado os manuscritos, conhecidos como o "Livro de Duarte Barbosa", entre 1517-1518. Inicialmente conhecido através do testemunho do italiano Ramusio, o manuscrito original foi descoberto e publicado no início século XIX, em Lisboa. Tendo eu, Duarte Barbosa, natural da muito nobre cidade de Lisboa, navegado, grande parte da minha mocidade pelas Índias descobertas em nome de el-rei nosso senhor e, tendo visto e ouvido várias coisas que julguei maravilhosas e estupendas, por nunca terem sido vistas e ouvidas, por nossos maiores, resolvi-me a escrevê-las para benefício de todos. Descontente pelo cargo que nunca lhe fora atribuído, juntou-se a vários portugueses reunidos no sul de Espanha, nomeadamente o seu cunhado Fernão de Magalhães, casado com sua irmã Beatriz Barbosa, reforçando ligações já existentes das famílias Barbosa e Magalhães. O seu pai, Diogo Barbosa, seguira Dom Álvaro de Bragança no exílio em Sevilha, de que foi Alcaide, e tornara-se Governador do Castelo de Sevilha. Em 10 de Agosto de 1519 Duarte Barbosa embarcou a partir de Sevilha na viagem de circum-navegação do Capitão-Mor Fernão de Magalhães, junto com o seu amigo João Serrão (que fora por várias vezes o emissário que transportara as suas cartas) movido pela grande curiosidade que sempre demonstrara. Esta curiosidade ao longo da viagem levou-o por várias vezes a afastar-se da expedição na companhia de indígenas, para descontentamento de Fernão de Magalhães, que chegou a prendê-lo. Em 2 de Abril 1520, contudo, a ajuda de Duarte Barbosa foi determinante para enfrentar o motim no Puerto San Julián (actual Argentina), tornando-se desde então capitão do navio ‘Vitória’. De acordo com o relato de Pigafetta, após a morte de Magalhães a 21 de Abril de 1521 na batalha de Mactan (nas Filipinas), Duarte Barbosa e João Serrão foram escolhidos como líderes da expedição. Duarte Barbosa tentou ainda recuperar o corpo de Magalhães, sem sucesso. Segundo o mesmo relato, tentaram que Henrique de Malaca desembarcasse, mas este recusou e, apesar da alforria dada por Magalhães ao morrer, Duarte Barbosa e João Serrão ameaçaram fazê-lo escravo da viúva de Magalhães. O receio de Henrique foi desde então considerado um argumento para que este tenha conspirado com o Rei de Cebu, Humabon. Em 1 de Maio de 1521 foram convidados pelo Rei Humabon para um banquete em terra, perto de Cebu (ilha), nas Filipinas, para receber um presente para o Rei de Espanha. Aí foi morto ou envenenado, entre vários outros, Duarte Barbosa. João Serrão foi trazido doente por indígenas que pretendiam trocá-lo por armas, mas foi deixado para trás, salvando-se apenas o Piloto João Carvalho. Henrique desapareceu.

Duarte Fernandes

Duarte Fernandes (Século XVI) foi um diplomata português e o primeiro europeu a estabelecer relações diplomáticas com a Tailândia, no antigo Reino do Sião, em 1511, enviado à corte de Rama T'ibodi II ao tempo da conquista portuguesa de Malaca, por ordem do Governador da Índia Afonso de Albuquerque. Duarte Fernandes teria conhecimento e preparação da cultura da região, uma vez que anteriormente havia estado preso em Malaca.

Estêvão Cacella



Estêvão Cacella nasceu em Avis, em 1585 e faleceu no Tibete, em 1630, foi um missionário jesuíta português que viajou através dos Himalaias, sendo o primeiro europeu a entrar no Butão. Estevão Cacella juntou-se aos Jesuítas aos dezanove anos e navegou rumo à Índia em 1614, onde trabalhou alguns anos em Kerala. Em 1626 os Padres Cacela e Cabral, outro jovem padre jesuíta, viajaram de Cochim para Bengala onde passaram seis meses a preparar uma viagem através do Butão, que acabaria por os levar ao Tibete onde encontraram uma missão na cidade Shigatse (próximo do Rio Bramaputra), residência do Panchen Lama e do grande mosteiro tibetano de Tashilhunpo. Cacella chegou a Shigatse em Novembro de 1627 e Cabral seguiu em Janeiro 1628. Embora os jesuítas fossem bem recebidos e acalentassem grandes esperanças para o sucesso da missão em Shigatse, apenas durou poucos anos. A saúde precária de Cacella levou à sua morte em 1630 no planalto Tibetano. No Butão, Cacella e Cabral encontraram Shabdrung Ngawang Namgyel, unificador do Butão, e no fim de uma estadia de quase oito meses no país, o padre Cacella escreveu uma longa carta do Mosteiro Chagri ao seu superior em Cochim, na costa de Malabar. Era um relatório, A Relação, relatando o progresso das suas viagens. Este é o único relato de Shabdrung que resta. O padre Cacella foi o primeiro europeu a entrar no Butão e viajar através dos Himalaias no Inverno. Foi também Cacella que, pela primeira vez, descreveu aos europeus um lugar fictício chamado Shambala (termo sânscrito indicando "paz/tranquilidade/felicidade"). De acordo com o budismo tibetano este seria um país ideal localizado a norte ou oeste dos montes Himalaias.

Fernão Mendes Pinto



Fernão Mendes Pinto nasceu em Montemor-o-Velho, Montemor-o-Velho, entre 1510 a 1514 e faleceu em Almada, Pragal, 8 de Julho de 1583, foi um aventureiro e explorador português. Sabe-se hoje que não fez realmente parte da primeira expedição portuguesa que logrou alcançar o Japão, em 1542, mas sim de uma das primeiras. Acontece que os governantes locais que o receberam não tinham ainda visto outros ocidentais e por isso reagiram dizendo-lhe que tinha sido o primeiro a chegar àquelas paragens. A chegada dos portugueses ao Japão foi muito celebrado, e perdura ainda na memória cultural japonesa, porque foi o episódio que permitiu a introdução das armas de fogo naquele país. O próprio Fernão Mendes Pinto insere-se nesse papel, descrevendo o espanto e o interesse do dito Rei local (na verdade um Daimiô) quando viu um dos seus companheiros disparar uma arma enquanto caçava. Ainda pequeno, um seu tio levou-o para Lisboa onde o pôs ao serviço na casa de Dom Jorge de Lencastre, Duque de Aveiro, filho do Rei Dom João II. Manteve-se aqui durante cerca de cinco anos, dois dos quais como moço de câmara do próprio Dom Jorge, facto importante para a comprovação da sua descendência de uma classe social que contradizia a precária situação económica que a família então detinha. Em 1537, parte para a Índia, ao encontro dos seus dois irmãos. De acordo com os relatos da sua obra ‘Peregrinação’, foi durante uma expedição ao mar Vermelho em 1538, Mendes Pinto participou num combate naval com os otomanos, onde foi feito prisioneiro e vendido a um grego e por este a um judeu que o levou para Ormuz, onde foi resgatado por portugueses. Acompanhou a Malaca Pedro de Faria, de onde fez o ponto de partida para as suas aventuras, tendo percorrido, durante 21 acidentados anos, as costas da Birmânia, Sião, arquipélago de Sunda, Molucas, China e Japão, grande parte desse tempo ao lado do pirata António de Faria. Numa das suas viagens a este país conheceu S. Francisco Xavier, influenciado pela personalidade, decidiu entrar para a Companhia de Jesus e promover uma missão jesuíta no Japão. Em 1554, depois de libertar os seus escravos, vai para o Japão como noviço da Companhia de Jesus e como embaixador do Vice-rei Dom Afonso de Noronha junto do daimyo de Bungo. Esta viagem constituiu um desencanto para ele, quer no que se refere ao comportamento do seu companheiro, quer no que respeita ao comportamento da própria Companhia. Desgostoso, abandona o noviciado e regressa a Portugal. Com a ajuda do ex-governador da Índia Francisco Barreto, conseguiu arranjar documentos comprovativos dos sacrifícios realizados pela pátria, que lhe deram direito a uma tença, que nunca recebeu. Desiludido, foi para a sua Quinta de Palença, em Almada, onde se manteve até à morte e onde escreveu, entre 1570 e 1578, a obra que nos legou, a sua inimitável Peregrinação. Esta só viria a ser publicada 20 anos após a morte do autor, receando-se que o original tenha sofrido alterações às quais não seriam alheios os Jesuítas. Deixou-nos um relato tão fantástico do que viveu (a Peregrinação, publicada postumamente em 1614), que durante muito tempo não se acreditou na sua veracidade, de tal modo que até se fazia um jocoso dito com o seu nome: Fernão Mendes Minto, ou então ainda: Fernão, mentes? Minto!. Esta ideia de que o que contava era demasiado fantasioso para poder ter-lhe realmente acontecido parte do princípio que se pode julgar um texto do séc. XVI com os critérios de hoje, mas na verdade o texto é uma inestimável fonte de informação para conhecermos o que sucedia aos navegadores e aventureiros que iam a caminho do extremo-oriente nas caravelas portuguesas, mesmo que nem todas essas coisas tenham acontecido realmente a Fernão Mendes Pinto e que ele tenha compilado alguns relatos que ouviu as suas lógicas. Fernão Mendes Pinto fora contemporâneo do auge da expansão marítima portuguesa e da paradoxal decadência interna que assolava as terras lusitanas. Chegou a presenciar a unificação de Portugal com a Espanha sob o governo do Rei Filipe II de Espanha (1556-1598). A presença da Inquisição fez-se particularmente forte nesse período, promulgada por decreto papal do Papa Paulo III em 1536, um ano antes da partida do autor, e efectivada em 1547, sob a instância de Dom João III de Portugal. Em 1558, Fernão Mendes Pinto estabeleceu-se na Quinta de Vale do Rosal, situada na Charneca de Caparica, e acredita-se que foi na mesma que escreveu, entre 1569 e 1578, aquela que viria a tornar-se numa famosa obra literária: Peregrinação. O texto original foi deixado à Casa Pia dos Penitentes que só iria publicá-lo 31 anos após a morte de seu escritor. A tamanha demora na sua publicação é creditada ao temor do autor frente à Inquisição. De facto, o temor de Fernão Mendes Pinto provou-se justificado uma vez que a versão impressa tem muitas frases apagadas e "corrigidas". Mais gritante ainda é o completo desaparecimento de referências a Companhia de Jesus, uma das mais activas congregações religiosas no Oriente, e que possuía claras relações com Fernão Mendes Pinto (pois fora membro da mesma anos antes da escrita da obra). O tamanho da obra também era um obstáculo considerável naquela época, ainda mais sem o auxílio financeiro de nenhuma instituição ou mecenas. Independente disso, a Casa Pia submete os escritos de Pinto ao crivo da Inquisição, que o aprova em 1603, o mesmo ano em que o processo de análise se iniciou. Somente em 1614 o famoso editor Pedro Craesbeeck aceita a empreitada, ainda que o contexto da época não lhe fosse favorável. O livro, organizado por Frei Belchior Faria, fora publicado com o seguinte título (na íntegra e em português clássico): "Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da Companhia de Iesus." Pesavam contra a obra o grande distanciamento temporal e as drásticas mudanças no cenário oriental que Fernão Mendes presenciara e o daquele momento, com as fortes presenças dos ingleses e holandeses na região. Além disso, seus escritos fariam concorrência com autores muito mais recentes e eruditos, como João de Barros, Luís Vaz de Camões e Fernão Lopes de Castanheda. A Peregrinação deixara de tratar de um assunto de momento para se tornar a descrição de um tempo passado. Contrariando as expectativas, a ‘Peregrinação’ torna-se um sucesso, recebendo 19 edições em seis línguas. Abrem-se imediatamente discussões a respeito da veracidade dos eventos narrados. Essa questão é trabalhada por autores como P. G. Adams, Mary Campbell, Maurice Collis e A. Pagden, não se limitando apenas à ‘Peregrinação’, mas abrangendo o género de relatos de viagem como um todo. Serão levantadas dúvidas e questionamentos que resultarão em uma delimitação mais profunda entre o registro histórico e a ficção. Percebe-se com isso uma clara mudança nos referenciais da narrativa, não mais os mesmos pelos quais Mendes Pinto se pautava. Já não era mais suficiente para o leitor desse tempo a alegoria medieval. Ele agora exigia uma factualidade efectiva e comprovável, pois ele sentia-se estimulado a ir ver por conta própria essas terras desconhecidas e explorar suas riquezas. Nesse contexto, a precisão do testemunho ocular fazia-se fundamental. Foi Fernão Mendes Pinto que descreveu o Reino do Sião, em meados do séc. XVI, durante a sua permanência, em Ayuthaya, como soldado ao serviço da corte, envolvido em lutas acérrimas contra os exércitos do Reino do Pegu, cujas estas voltaram num feudo. Não vou agora tratar da trágica história da Rainha Suryothay de Ayuthaya, esposa real do Rei Mahachakrabhad, que numa das invasões, em 1548, levada acabo pelos birmaneses, Suryothay monta um elefante e morre na peleja quando procura salvar o seu esposo real. Ao Pinto chamaram-lhe mentiroso, depois de ter deixado o número dos vivos, quando a sua obra, a "Peregrinação" foi publicada, em 1614. Está traduzida, em francês e nos escaparates, em 1628, das livrarias de Paris e em 1671, imprimida em Amesterdão na língua alemã. O mesmo aconteceu na língua inglesa. A obra e um "best-seller" e motivo de controvérsia a narração das coisas do oriente. Partiu duma Lisboa, pobre e fedorenta, à procura da aventura e da fortuna no Oriente, no ano de 1537 com a idade de 26 anos. Regressou pobre (igual como tinha partido em 1558) e no quase fim da sua vida, pelos bons serviços prestados à Pátria, Filipe II de Espanha e Rei de Portugal, na altura, atende o pedido dos padres italianos João Pedro da Maffei e Gaspar da Cruz, Reitor do Colégio de Santo Antão, para que lhe seja concedida uma tença anual. Chegou-lhe, finalmente, a esmola, ao fim de 25 anos a ter solicitado! Dois moios de trigo, por ano, enquanto fosse vivo. Nesse ano a 8 de Julho morre Pinto. Pinto viaja pela Costa Oriental de África, Índia, Pegu, Samatra, Sião, Camboja, China e o Japão. Nesta ‘peregrinação’, transbordante de aventuras o caminhante foi: cronista, soldado da fortuna, pirata, jesuíta e o primeiro Embaixador de Portugal no Japão. Hoje era rico no outro dia um pobre Jó. Por onde vai passando encerra na sua memória, privilegiada o que observa: a fauna, usos e costumes dos povos, tormentas dos oceanos a que esteve sujeito, naufragando várias vezes. João de Barros, o cronista que escreveu as Décadas da Ásia, serviu-se de informações de Pinto sobre o Japão, assim como: confessou claramente, o italiano Giovani Botero no seu livro "Relações Universais", publicado em Roma em 1592. Já velho, cansado e desiludido do mundo, Fernão Mendes Pinto, sentado junto a margem do Tejo "roidinho de saudades" aguarda a chegada das caravelas, vindas do Oriente. Deseja saber aquilo que por lá se ia passando. Era o feitiço da nostalgia oriental a atormentar-lhe a mente no fim de sua vida. Pinto quando começa a escrever a "Peregrinação", não teve qualquer ambição de os seus relatos serem publicados. Podemos, no entanto, chegar à conclusão, que o escritor escreve os seus relatos com o "credo no pensamento" e o terror de ser levado ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição que imperou, como repressão, nas gerações portuguesas, muito além da jurisdição do El-Rei de Portugal, por séculos. Pode não corresponder à realidade, quando iniciou o seu relato das aventuras, que a obra era dedicada a seus filhos. “ (...) pois me quiz (Deus) conservar a vida para que eu pudesse fazer esta rude e tosca escritura, que por herança deixo aos meus filhos (porque só para eles e a minha tentação escrevê-la) para que eles vejam nela estes meus trabalhos e perigos da vida que passei no decurso de 21 anos (...)”. Terminou o testamento de família e morre cinco anos depois. Passados trinta anos a ‘Peregrinação’ é publicada e, quantos cortes teriam sido feitos, pela foice severa de gume afiado do inquisidor-mor, antes de ser conhecida do público. Assassinado um relato impressionante, daquilo que Pinto viu nunca escrito pelos cronistas seiscentistas portugueses ou europeus. Conheceu no Oriente Francisco Xavier. Foram amigos e emprestou-lhe dinheiro para que o "Apóstolo das Índias" construísse a primeira igreja no Japão. Pinto foi irmão jesuíta, foi expulso da congregação fundada por Inácio de Loiola e nunca aclarada a razão do afastamento. Aventaram a hipótese que Pinto seria "marrano", ou pelos "prazeres carnais", que certamente teve durante as suas aventuras orientais. Pinto é prudente ao escrever não designando aventuras de amor. Entende-se que o cronista foi ferido pela seta do "Cupido" na Ilha da Espingarda, Tanegashima, no Japão. A lenda ficou. Todos os anos, nos festejos anuais, realizados nesta ilha em honra da espingarda, introduzida por Pinto logo que chegou ali, com credenciais de Embaixador de Portugal em 1543. Os festejos são totalmente dedicados a Portugal. Há disparos da espingardaria lusa do seculo XVI, quando ainda a projecção da bala não era accionada pela pressão do gatilho, mas incendiada a pólvora com o murrão da mecha. Pelas ruas de Tanegashima, uma caravela com as velas de Cristo percorre as principais ruas. Uma multidão entusiasmada, apinha-se nas bermas. No convés, marinheiros portugueses e o Fernão Mendes Pinto, todo garboso, na proa. Na ré a sua amada nipónica, de longos cabelos pretos esvoaçando ao vento. Pinto partiu em busca de outras terras e novas aventuras e prometeu ao seu amor (reza a lenda), ja com um filho seu, que voltaria... nunca mais regressaria a Tanegashima e foi então que surge ("o poema da verdadeira paixão que fascinou as duas culturas, a japonesinha de cabelos compridos, olhos negros e amendoados, todos os dias, em cima das rochas, olha o horizonte do mar para o ocidente, na esperança do regresso do seu amor português ao aconchego do seu seio”). Francisco Xavier morreu na Ilha de Sanchuão, na China, a cinquenta milhas de Macau. O apóstolo tomou de base esta ilha, local de marginais e piratas, na esperança de poder entrar na China e propagar o cristianismo. Não consegue e morre em 1552. O corpo do santo é levado para Malaca, depois para Goa, onde repousam as suas relíquias. Pinto, depois de tantas tormentosas aventuras no Oriente, estava em Goa com o propósito de regressar a Portugal. Relata assim a chegada dos restos mortais a esta terra: “Em este tempo o padre Mestre Belchior determinou de ir numa fusta que o senhor Vizo-Rey lhe deu, a buscar o corpo do Padre Mestre Francisco, que trazia hum irmão de Malaca, numa nao, e pola amizade passada com elle tive offerecy-me ao padre para ir com ele, como fui, e assi levou consigo três irmãos e 4 míninos da doutrina e a mim só, em ouvyr de fora. Andamos polo mar 4 dias com suas noutes, em busca e achamos a nao junto de Baticala, 20 legoas de Goa...”. A fortuna não bafejou Pinto na terra do sol nascente e escreveu:” (...) nas partes da China e Japão e sempre me ocupei em ajuntar bens da terra que erao os que eu pretendia; somente em Japão, todalas vezes que la fui ou mandey, acertei sempre perder; estando sempre penando nisto, queixando-me quam pouco ditoso fora em aquella terra, determinei de nunca tornar a ella, pois que tudo me sucedia tao mal, e estando nisto comecei a cuidar que se tornasse que me podia restaurar; acordando-me para confirmacão do que me podia Deus ajudar, pois com ho dinheiro que eu tinha em Japão emprestado ao Padre Mestre Francisco, se ouve feito a primeira igreja e casa da Companhia (...) ”. Pinto em 1555 parte de Malaca para Goa com "pé-de-meia" e pretende voltar a Portugal. Não tem conhecimento que Xavier já tinha morrido. O seu propósito seria o de recuperar o empréstimo que lhe tinha feito no Japão. Em Goa tem conhecimento que os seus restos mortais vinham de Malaca e na mesma carta mais adiante diz: “E com esta determinacão, cheguei a Goa, esperando as naos do reino para me partir logo, parecendo-me que minha glória e felicidade estava entrar em Momtemor com nove ou dez mil cruzados, e que com hum homem não roubasse o calis ou custódia da igreja, ou fosse mouro, que nenhua outra via se podia temer o inferno, e que bastava ser christão e que a misiricórdia de Deos era grande.” As cerimónias fúnebres, em Goa, em honra de Xavier são imponentes e com elas se aproveitam os jesuítas da propagação da fé. É então que Pinto influenciado pelo grande cerimonial e aliciado pelos missionários se consagrou à ordem como irmão. Não descuram os seguidores de Inácio Loiola que Pinto é uma figura com enormes conhecimentos da Ásia e, além de se aproveitarem da sua generosidade, ele e necessário para os jesuítas o enviarem como mensageiro a terras onde eles ainda não tinham chegado com a cruz. Com isto, também, o ser despojado das suas economias - granjeadas sabe Deus como. José Feliciano de Castilho diz-nos: “Acharam na Índia um homem aproveitável, por seu talento, sua influência, suas relações e suas riquezas; lançaram-lhe o arpão. Chamaram-no ao confessionário, entregaram-no à direcção do mais hábil, preparam cenas de efeito, surpreenderam-lhe os votos, apoderaram-se-lhe da riqueza, negociaram com as suas virtudes e, seu exemplo, levantaram-no ao sétimo céu. Amaldiçoado pela sua saída, conjuram esforços contra o desgraçado (...); já o perseguem em Goa, a ponto de o constranger e fugir dali; já o enredam com o Governo de Portugal de modo que não receba renumerações os seus serviços; já impõem aos seus escritores sepulcral silêncio acerca de tão notável homem; já fazem espalhar as vozes mais desfavoráveis para o seu crédito; jé, enfim, cometem, para prejudicá-lo, as mais vergonhosas falsificações”. No século XVI, pouco depois de a sua obra ter sido publicada, o povo português habituado a ver para crer, não aceita ou dá crédito as narrações daquilo que Pinto tinha visto na Ásia e desde logo inventam: "Fernão Mendes? Minto". Tem sido esta ligação entre Pinto e a sua obra a "Peregrinação", ainda muito pouco conhecida a grandeza deste livro pelos portugueses, que infelizmente: “e o escritor é posto assim no rol dos aldrabões, que falam muito mas não dizem nada, uma espécie de vendilhão a tentar vender a sua "banha da cobra" que ninguém está interessado em comprar”. Sobre a vida e obra do Fernão Mendes Pinto poder-se-iam, na sua análise, escrever milhares de páginas de tanto que viu e passou no Oriente. Continuarei com Pinto na Varanda do Oriente e narrando a sua passagem no Sião ou Reino de Ayuthaya.

Fernão Nunes

Fernão Nunes (também referido como Fernao Nuniz) foi um viajante, cronista e comerciante de cavalos português que viveu três anos em Vijayanagara, capital do Império Vijayanagara, ou "Reino de Bisnaga" (como era referido pelos portugueses) situado no Decão, no sul da Índia, entre 1535-1537. Os seus relatos revelam interessantes detalhes sobre Vijayanagara de então, incluindo a construção de grandes fortificações, torres de vigia, e muralhas. A partir das suas anotações sabe-se que a expansão dos limites da capital real ocorreu sob o reinado dos reis Bukka Raya II e Deva Raya I.

Domingo Pais

Domingo Pais (século XVI) foi um viajante português que visitou o Império Vijayanagara, ou "Reino de Bisnaga" (como era referido pelos portugueses) situado no Decão, no sul da Índia, cerca do ano 1520 durante o reinado do Rei Krishna Deva Raya. A sua descrição de Hampi, a capital imperial hindu, é a mais detalhada de todas as narrativas históricas sobre esta antiga cidade. Relata Pais que "o dito reino tem muitos lugares na costa da Índia; são portos marítimos com os quais estamos em paz, e em alguns deles há feitorias, em particular em Amcola, Mirgeo, Honor, Batecalla, Mamgalor, Bracalor y Bacanor”. Domingo Pais relata a avançada tecnologia de irrigação que permitia ao reino dispor de grandes quantidades, e a preços muito módicos, de uma grande variedade de culturas. Também o mercado de pedras preciosas mostrava uma intensa actividade. A cidade prosperava e o seu tamanho, aos olhos do narrador, era comparável a Roma, com muita vegetação, aquedutos e lagos artificiais.

Timoja

Timoja (também conhecido como Timoji ou Timayya) foi um corsário hindu ao serviço do Império Vijayanagara (então denominado Reino de Bisnaga) e dos portugueses na primeira década do século XVI. Reclamando ter nascido em Goa e ter fugido a cidade após esta ser conquistada por Hidalcão, o sultão de Bijapur em 1496. Desde o século XIV que o Decão tinha sido dividido em duas entidades antagonistas: de um lado o sultanato de Bahmani e nos outros os rajás hindus mobilizados em torno do Império Vijayanagara. As guerras contínuas exigiam frequentes abastecimentos de cavalos, importados através das rotas marítimas da Pérsia e Arábia. Este comércio estava sugeito a frequentes assaltos por numerosos bandos de piratas emboscados nas costas ocidentais da Índia. Timoji actuava como corsário (assaltando os comerciantes de cavalos, que entregava ao rajá de Honavar) e como pirata, atacando as frotas de mercadores de Kerala (Cochim) que negociavam pimenta com Guzerate. Timoja actuava ao largo da Ilha de Angediva tendo dois mil mercenários às suas ordens e pelo menos catorze navios. Timoja encontrou-se com a frota de Vasco da Gama ao largo de Anjediva em 1498, mas o almirante português, suspeitando que fosse um espião, recusou os seus avanços. Em 1505 Timoja atraiu o Vice-Rei Francisco de Almeida a um estuário e, após tê-lo feito esperar três dias, surgiu na sua frente ricamente vestido oferecendo os seus serviços e homenagem. Em 1507 Timoji avisou o Vice-Rei da preparação do cerco de Cananor por forças de Calecute e abasteceu a fortaleza durante o cerco. No fim de 1507, quando uma frota mameluca sob comando de Mirocem (nome em português de Amir Husain Al-Kurdi) se juntou às forças de Calecute, tornou-se o principal informador de Francisco de Almeida. Pouco depois da Batalha de Diu, Timoji encontrou o imperador de Vijayanagara, Krishnadevaraya oferecendo-lhe um rico tributo. Este solicitou aos portugueses a conquista de Goa, o principal porto no comércio de cavalos. A cidade havia sido conquistada a Vijayanagar pelos sultões Bahmani em 1469, e passara para Bijapur. No final de1509, o que restava da frota mameluca derrotada na batalha de Diu aí se abrigara. Após o conquista de Goa, Timoji foi encarregado do comando das tropas indianas fieis aos portugueses. Contudo, depressa foi afastado desta missão pela sua recusa em seguir ordens. O comando das tropas indianas foi entregue a um pretendente do trono de Honavar e Timoji retornou à pirataria. Foi feito prisioneiro quando realizava uma incursão e morreu de envenenamento por ópio pouco depois de ser transportado para a capital de Vijayanagar.

Fernão Pires de Andrade

O Capitão Fernão Pires de Andrade (também referido como Fernão Peres de Andrade) foi um navegador, guerreiro e mercador português do século XVI, farmacêutico e diplomata oficial sob ordens do governador de Malaca Afonso de Albuquerque e uma das personagens de maior relevo da História Oriental de Portugal. Em Agosto de 1505 combateu na tomada de Mombaça sob as ordens de Dom Francisco de Almeida, pelo qual, aos 16 anos, fora armado Cavaleiro. No ano seguinte encontramo-lo a servir na armada de Dom Lourenço de Almeida. Sendo dedicado a Dom Francisco de Almeida, tomou o partido deste nas contendas com Afonso de Albuquerque, nisso acompanhado por seu irmão Simão de Andrade. Os dois reconciliaram-se depois com Afonso de Albuquerque e os dois se acharam no mal sucedido ataque a Calecute, bem como nos combates com os Indianos de Goa. Ambos fizeram oposição a Afonso de Albuquerque a propósito das providências que este tomou para reprimir os abusos a bordo dos navios da frota; ambos foram a Malaca, em cuja tomada Fernão Peres de Andrade sofreu ferimentos sem importância, ao passo que seu irmão foi ferido com gravidade. Simão de Andrade regressou depois à Índia, partindo ao mesmo tempo que Afonso de Albuquerque, enquanto Fernão Peres de Andrade ficou em Malaca, com o cargo de Capitão-Mor do Mar. No exercício dessas funções derrotou e fez fugir para Java o Chefe Jau Pate Quetir, que pretendia tomar-lhes a cidade. Em fins de 1512 destruiu totalmente uma grande frota de juncos Malaios do Soberano de Japara, em Java, a quem os cronistas Portugueses dão o nome de Pate Unuz ou Pateonuz, a qual viera com o intuito de conquistar Malaca. E porque a fortaleza, depois dessa estrondosa vitória, ficava segura, e se acabara o ano que prometera a Afonso de Albuquerque de ficar em Malaca, além de que estava descontente com o Governador da praça, Rui de Brito, partiu-se para a Índia em Janeiro de 1513. Em 1516 foi encarregado de ir iniciar as relações comerciais com a China, devendo enviar à capital desse país um Embaixador do Rei de Portugal, que seria Tomé Pires, outrora Boticário do Príncipe Herdeiro Dom Afonso de Portugal, homem curioso e investigador, desejoso de conhecer muitas drogas que lhe diziam haver na China, e que fora até aí encarregado de escolher, na Índia, as drogas medicinais que deviam ser enviadas para a metrópole. Várias contrariedades impediram Fernão Peres de Andrade de realizar esse ano a sua missão e, por isso, voltou a Malaca, donde partiu em Junho de 1517 com uma frota de oito navios. Quando começava a entrar pelas ilhas adjacentes ao por toda cidade de Cantão, encontrou-se com uma armada Chinesa de muitas velas, sob as ordens dum Capitão que, por ordenança da cidade, andava em guarda da costa, a fim de que os navios que demandassem o porto não fossem roubados pelos corsários que, às vezes, vinham andar naquela paragem. Atiraram-lhe os Chineses alguns tiros, para saberem se era homem de guerra, se de paz. Ele não respondeu com a sua artilharia, antes se deixou ir todo aquele dia embandeirado, mandando tocar as trombetas e fazer todos os sinais de paz, se bem que se achasse apercebido para combater, no caso de os Chineses passarem a mais que aquela simples demonstração. No dia seguinte, sempre seguido pela armada Chinesa, aportou na ilha Tamou, a que os Mouros chamavam da Veniaga. Conhecendo aí, pelo Português Duarte Coelho, de que natureza era aquela frota, mandou um recado ao Capitão dela, fazendo-lhe saber quem era, e como vinha com uma Embaixada do Rei de Portugal ao Imperador da China. Respondeu-lhe o Capitão que fosse bem-vindo, e que se entendesse com o Almirante seu superior, que se achava em Nantó. Com calma firmeza, Fernão Peres de Andrade conseguiu, apesar das astúcias do Almirante, chegar a Cantão em fins de Setembro, com toda a galhardia e festa que pôde, salvando à terra. Aí assistiu à entrada pomposíssima dos três Governadores da cidade, que se achavam fora. Desembarcou o Embaixador Tomé Pires com mais sete Portugueses que o acompanhavam, fez negociar as mercadorias que trouxera e, no fim de Outubro, retirou para a ilha da Veniaga. Daí enviou Jorge Mascarenhas às ilhas dos Léquios, e Duarte Coelho a Malaca, a dar novas de como fora recebido o Embaixador que levara. Antes de se fazer ao mar, Fernão Peres de Andrade mandou lançar pregões de que ia partir e que, se houvesse pessoa que dalgum Português tivesse recebido algum dano ou lhe devesse alguma coisa, viesse a ele para lhe mandar satisfazer tudo. Foi isto muito apreciado pelos naturais, que passaram a considerar os Portugueses como homens de muita verdade e de justiça. Partido Fernão Peres de Andrade com toda a sua frota no fim de Setembro de 1518, chegou finalmente a Malaca (diz João de Barros) mui próspero em honra e fazenda, coisas que poucas vezes juntamente se conseguem, porque há poucos homens que por seus trabalhos as mereçam pelo modo que Fernão Peres naquelas partes as ganhava. O seu contacto com a Dinastia Ming em 1517 (após contactos iniciais por Jorge Álvares e Rafael Perestrelo em 1513 e 1516, respectivamente) marcou o início dos contactos directos comerciais e diplomáticos da Europa com a China. Apesar da missão ter sido inicialmente um sucesso, levando a Embaixada directamente a Pequim, as relações deterioraram-se devido a acontecimentos que geraram uma impressão muito negativa dos portugueses na China. Estes incluíram actos de seu irmão Simão de Andrade, e rumores sobre os Portugueses aliados a factos reais da conquista de Malaca, então um estado tributário da Dinastia Ming. O comércio e relações regulares entre Portugal e a dinastia Ming ocorreriam apenas no fim da década de 1540 e por fim com o estabelecimento do domínio português em Macau em 1557. Regressado a Cochim, viveu ali principescamente, dando festas sumptuosas que excitavam a inveja e a cobiça dos outros Portugueses, os quais já não pensavam senão em ir à China. Veio, finalmente, para a metrópole e foi comandar uma nau da armada que transportou a Itália a Infanta Dona Beatriz de Portugal, Duquesa de Sabóia. Em 1535 tornou ao Oriente, como Comandante duma frota. Em 1538 já estava de novo em Portugal quando se divulgou a notícia de que uma poderosa esquadra Turca passara à Ásia com o objectivo de destruir o nosso domínio. Dom João III de Portugal tratou de preparar gente em todo o Reino para socorro ao Governador da Índia, que era então Nuno da Cunha. Fernão Peres de Andrade foi enviado ao Porto. Esses preparativos foram, porém, interrompidos, por se vir a reconhecer que não eram precisos. Fernão Peres de Andrade voltou à Índia com uma frota de sete naus, indo a comandar uma delas seu filho Simão Peres de Andrade. Daí em diante nada se sabe dele, desconhecendo-se a data e o local da sua morte. Fernão Pires de Andrade era referido como um "Folangji" (佛郎機) nos arquivos dinásticos Ming. Folangji, de Franques ou Francos, o nome genérico pelo qual os Muçulmanos se referiam aos Europeus desde as Cruzadas, que declinou no termo Indiano e Sul-Asiático Ferengi. Os Chineses adoptaram este termo.

Filipe de Brito e Nicote



Filipe de Brito e Nicote, também referido como Filipe de Brito de Nicote (Nicot em França) ou apenas Filipe de Brito nasceu em Lisboa, em 1566 (?) e faleceu em Sirião (Birmânia), 1613) foi um aventureiro português. Chegou a ser proclamado Rei do Pegu ou Rei de Sirião, e a história da Birmânia dá-lhe o nome de Nga Zingar. Nasceu em Lisboa, de pai francês que, segundo Cayetano J. Socarras chamava-se Jules Nicot ou Júlio de Nicote. Este último, era "provavelmente irmão do famoso embaixador [em Portugal] e linguista francês, Jean Nicot". Socarras, pretende a seguir que nasceu "em data incerta entre 1550 e 1560", mas propõe logo a data de 1566, esta sem dúvida mais provável, porque Jean Nicot ou João de Nicote esteve em Lisboa apenas de 1559 a 1561, voltando depois para Paris, enquanto seu irmão teria ficado em Lisboa, naturalizando-se e mudando seu nome para Júlio de Nicote. Diz-nos também que "casou com uma senhora Portuguesa, Marquesa de Brito ("Marquesa" sendo aqui apenas um nome, e não um título de nobreza), filha de um Filipe de Brito, que foi Camareiro do infante D. Duarte e de sua irmã, Dona Maria, a futura esposa de Filipe II de Espanha." O futuro explorador tomando o nome de família de sua mãe. Fidalgo da Casa Real de Dom Filipe II de Portugal e Cavaleiro da Ordem de Cristo, serviu na Índia na Conquista dos Reinos do Pegu e na Fortaleza de Sirião, que defendeu e sustentou. Sobre ele Manuel de Faria e Sousa (de quem temos uma das mais extensas relações da vida deste aventureiro) não refere de ascendência tão ilustre, informando-nos apenas que em Lisboa tinha o emprego de carvoeiro. Pelos anos de 1590 encontramo-lo na Birmânia, comerciante em sal na ilha de Sundiva, e depois ao serviço do rei Xilimixa do Arracão (ou em birmanês Min Raza Gyi, e não como fica dito em vários sítio Min Phalong ou Sikandar Shah que era seu pai). Em 1581, Nanda, ou Nanda Bayin ou Nandabayin, sucedeu a seu pai Bayinnaung, como quarto monarca da dinastia Taungû do Pegu (Myanmar). Teve que combater várias revoltas nos seus domínios, e teve mesmo que defender a sua própria capital, Pegu contra os Siameses. Em 1599, começou uma outra revolta, desta vez fomentada pelos seus próprios irmãos (Minye Thihathu, vice-rei de Taungû, e os vice-reis de Prome e de Ava). Esses irmãos obtiveram a ajuda do Rei Salim Shah (Min Raza Gyi), do Arracão e dos capitães mercenários Salvador Ribeiro de Sousa e Filipe de Brito e Nicote, que deram assalto a Pegu e prenderam o rei Nandabayin. Xilimixa, "tendo-se apoderado ele mesmo da coroa do reino de Pegu, e desejando mostrar sua gratidão aos portugueses que o tinham assistido, deu-lhes o porto de Sirião ou Siriam, (Thanlyeng ou Thanlyin, vila do distrito de Rangoon, no lado esquerdo do Rio Pegu (um dos braços do Rio Irauádi), a perto de três milhas da sua foz); para (segundo outro texto) "receber dobaixo da sua proteção os fugitivos Peguanos que tivessem vontade de voltar." Filipe de Brito convenceu o rei de construir aí uma casa de Alfândega, para aumentar as ruas rendas no comércio do Pegu. "Seu intento era que levantada a feitoria, se levantassem os portugueses com ela, e melhorando-se de Fortaleza, conquistassem desde ali o Reino. Estava bem longe da astúcia o Rei: e acabada a obra entregou-a a um, vassalo seu, chamado Banhadala." Banhadala, suspeitando os desenhos de Nicote, fortificou o lugar e não permitiu que nenhum português pudesse entrar com a excepção de um frade dominicano, chamado Belchior da Luz. Nicote, "vendo que não o segundava a esperança conforme à sua imaginação, quiz executar-la, antes que crescidas as fortificações, lhe impossibilitasse mais a Empresa. (…) [ Para esse fim, ele com três capitães (João de Oliva, Paulo do Rego, e Salvador Ribeiro de Sousa), e mais cinquenta portugueses, fizeram um ataque súbito ao forte. ] Executaram a ordem de Nicote de modo que alcançaram o nome de Fundadores do Domínio Português naquele Reino. Banhadala parece que adivinhava os desenhos dos portugueses: e (…) trazia o pensamento de sacudi-los dali no mesmo tempo que o Salvador [ pensava ] fazer-lhe o mesmo. Aquele compôs grandes máquinas de fogo para queimar a feitoria deste e este noticioso da fábrica esteve alerto com sua gente. Veio a noite assinalada por o incêndio, e começaram a aparecer muitos carros de chamas guarnecidos com seiscentos escudeiros peguanos. Começaram a obrar irremediavelmente; e os portugueses abandonando a feitoria, passaram à fortaleza de Banhadala, onde lhe mataram tanta gente, que lhe foi preciso abandona-la, fugindo para uma ilha pouco distante. Fortificado nela, e juntos mais de mil homens, para sustenta-los, meteu bem o punho no tesouro da Pagode de Digan. O rei, logo que ouviu falar desse procedimento, decidiu enviar o alívio imediato a Banhadala; mas o Nicote, quem parece ter ganhado uma influência extraordinária sobre Xilimixa (Salim Shah/Min Raza Gyi), dissuadiu-o de fazer algo de semelhante, pela razão que Banhadala era um ladrão sacrílego, e ofereceu os seus próprios serviços para ajustar matérias com os portugueses. A isto o Rei prontamente concordou, e logo após Nicote deu as ordens necessárias para concluir os trabalhos da fortificação na chamada Casa da Alfândega, dobaixo das suas próprias directivas, e por seus próprios homens Portugueses. Logo que os trabalhos foram suficientemente avançados, Nicote voltou para Goa, com a intenção de oferecer o forte ao Vice-rei, deixando Salvador no comando da praça. Ao mesmo tempo persuadiu o rei que a sua expedição tinha o objetivo de obter a ajuda para a conquista do Bengala. Mas antes de partir, Nicote entrou em comunicação com vários Príncipes vizinhos, propondo a cada um deles separadamente que, se se juntasse com o vice-rei na conquista projectada, poderia ficar facilmente Rei do Pegu, e alguns deles foram suficientemente persuadidos para enviar embaixadores ao vice-rei naquele objetivo ['e foi em companhia de alguns deles']. Apenas o Nicote tinha partido, o rei conheceu as suas intrigas, e cheio de indignação logo ordenou que todos os portugueses fossem expulsos do seu reino. Para o efeito, enviou Banhadala com uma frota e 6,000 homens. Esses foram encontrados por três navios com só trinta portugueses, comandados por Salvador Ribeiro de Sousa, que, em curto espaço de tempo, e sem perder um homem, mataram vários inimigos, capturaram quarenta barcos, e puseram o resto em fuga. O Xilimixa então obteve a ajuda do rei de Prome, e uma força combinada de 1.200 velas atacou o lugar pela água, enquanto 40.000 homens atacavam por terra. Salvador Ribeiro, com uma mão cheia dos seus compatriotas, retiraram-se na fortaleza, que defenderam heroicamente. Vendo que o inimigo não observava nenhuma determinada ordem no ataque, Ribeiro fez um ataque repentino uma noite, e caindo energicamente neles, matou o seu general e pôs o exército inteiro em fuga. O Banhadala pouco tempo depois novamente sitiou o forte, com um exército de 8,000 homens, e, boa artilharia, bombardeou o lugar durante um dia inteiro, e no meio da noite avançou com seus homens calmamente, e fez um assalto. A este ataque foi resistido com tanto vigor que os assaltadores foram repelidos, e 1,000 corpos mortos do inimigo foram encontrados no fosso pela manhã seguinte. [ "confessaram depois os Bárbaros haver visto contra si entre os nossos soldados, um capitão posto em cavalo branco. Creram todos que seria o Apostólico Patrão das Armas Espanholas."] O inimigo continuou o cerco durante oito meses. Um pouco da guarnição portuguesa desertou, mas, para impedir outros de seguir o mesmo exemplo, Ribeiro fez queimar todos os barcos que estavam no porto. Logo que o vice-rei [Aires de Saldanha que vinha de suceder a Francisco da Gama] soube do sucedido em Siriam, enviou reforços, com a chegada dos quais Ribeiro se encontrou à cabeça de 800 homens, com que determinou assumir a ofensiva. Tendo feito todos os planos necessários com esta finalidade, caiu inesperadamente nas construções do inimigo, que resistiu com grande coragem, mas depois de uma luta obstinada, as tropas portuguesas foram novamente vitoriosas, e o exército de Banhadala foi forçado a fugir. Ribeiro destruiu então todas as obras que tinham sido construídas para o ataque." [Diz Faria: "foi visto fugir por espaço de três léguas, de onde esteve olhando a fumaça, e até mesmo as chamas, que arrebatadamente iam lambendo quantas fábricas tinha levantado em quase um ano"] O forte agora aliviado da presença do inimigo, Ribeiro permitiu à maioria das suas tropas dispersar-se durante algum tempo, conservando só os 200 [enviados pelo Vice-Rei] dentro da fortaleza. Enquanto os portugueses foram assim espalhados, Banhadala voltou a fazer o cerco, com alguns castelos portáteis e vários tipos de bombardas. Os defensores foram reduzidos a grandes extremidades, e o sucesso do combate ficava extremamente duvidoso, quando um meteoro de fogo apareceu nos céus, assustando os sitiadores que fugiram, deixando todos os seus castelos para trás, e esses foram rapidamente destruídos pelos portugueses. Além deste êxito, Ribeiro também ganhou uma vitória sobre o Rei Massinga, na província de Camelan (Kamanlay?), na qual o rei foi morto, e grande dano feito ao seu país, tanto por terra como por mar. Devido a essas vitórias a reputação dos portugueses foi tão grande com a gente do Pegu, que rapidamente quiz sêr empregada por eles, até que dentro de um tempo curto puderam receber os serviços de 20,000 naturais. Esses, em consideração ao êxito alcançado por Filipe de Brito e Nicote, e o seu bom temperamento (por causa do qual eles o chamaram "Changá", ou "Homem Bom"), proclamaram-no rei. Como ele estava ainda ausente, Salvador aceitou a coroa em seu nome, mas logo que voltou Nicote recebeu o reino em nome do rei de Espanha e Portugal. A capitania do forte de Siriam agora recaiu sobre Rodrigo Álvares de Sequeira, que acidentalmente o queimou, ficando de pé apenas as paredes. Nicote parece que teve tanto sucesso com o Vice-rei como tinha tido com Xilimixa, e ter exercido uma influência poderosa sobre ele, para que ele não só aceitou cada exigência de Nicote, mas casou-o com uma sobrinha sua [em realidade sua filha, Luísa de Saldanha] que tinha nascido em Goa de uma mulher javanesa. Também concedeu-lhe o título de "Comandante de Siriam, e General das Conquistas do Pegu". Nicote então voltou a Siriam com reforços, e seis navios. Tendo chegado a Siriam ele rejuntou o forte, construiu uma igreja, e enviou um presente rico ao Rei de Arracão, que tinha enviado uma delegação para cumprimentá-lo sobre a sua chegada. Emitiu então ordens quanto à casa da alfândega, conforme as instruções que tinha recebido do Vice-rei, todos os navios que comerciavam na costa de Pegu devendo fazer as suas entradas lá. Como certos navios da costa de Coromandel recusaram obedecer a essas ordens, Nicote enviou a Dom Francisco de Moura com seis navios para forçar a obediência. O que foi realizado eficientemente, e, além disso, foram capturados dois barcos que pertenciam a Achin, com uma rica carga a bordo." Por seus serviços mereceu do monarca Dom Filipe II a concessão de Carta de Armas Novas, dadas com o Apelido de Brito de Nicote, designando-lhe por Solar o Castelo de Seriam. Esta Concessão tem data de 27 de Março de 1608 e, no ano seguinte, Filipe de Brito e Nicote houve Despacho Régio para revisão das Armas referidas, cuja alteração se ignora. As Armas dos de Brito de Nicote são: cortado, o 1.º de vermelho, com um castelo de ouro, lavrado de negro, aberto e iluminado de azul, ladeado de seis besantes de prata alinhados em pala, 3 à direita e 3 à esquerda, o 2.º de prata, ondado de azul; timbre: o castelo do escudo encimado por um dos besantes. Taungû foi atacada em 1612 pelos siameses e os Portugueses, com base em Sirião. Em retaliação, Anaukpetlun, filho do Príncipe Nyaungyan Min da Alta Birmânia, que lançara uma invasão da Baixa Birmânia, apoderando-se de Prome em 1607 e de Taungû em 1610, sitiou a cidade, então nas mãos do mercenário Filipe de Brito e Nicote. Apoderou-se dela em Setembro de 1613, fazendo empalar Brito e escravizar os sobreviventes Portugueses e euroasiáticos (chamados bayingyi), que foram transferidos para duas aldeias perto de Shwebo e ficaram a formar um corpo hereditário de artilheiros ao serviço dos reis da Birmânia. Ainda hoje, os bayingyi continuam a viver à volta do vale do rio Mu.



Fortaleza de Sirião

A chamada Fortaleza de Sirião localizava-se em Syriam ("Siriangh", em língua portuguesa "Sirião"), atual Thanlyin, uma vila da divisão de Yangon ao sul da atual Birmânia (Myanmar). À época do antigo Reino de Pegú, defendia um importante porto na confluência do rio Bago (rio Pegú) e de um dos numerosos braços do rio Irauádi (rio Yangon), que constituem o vasto delta do mesmo nome. Sirião era, no final do século XVI, o mais importante centro de comércio na Baixa Birmânia. Foi aí que se conseguiu impor Filipe de Brito de Nicote, que fez erguer às próprias expensas, em 1599, uma tranqueira em madeira, para proteger a feitoria dos portugueses. Poucos anos mais tarde, em 1602 fê-la reconstruir em pedra e cal. Ao longo se sua existência, os arracaneses atacaram-na várias vezes, sem que conseguissem desalojar os portugueses até que, em 1613 o rei de Ava conquistou a fortificação, vindo Nicote a ser executado.

Garcia de Orta



Garcia de Orta nasceu em Castelo de Vide, por volta de 1501 e faleceu em Goa, em 1568, foi um médico judeu português que viveu na Índia. Foi um autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia. Nasceu em Castelo de Vide em data desconhecida, provavelmente em 1501, filho do mercador Fernando (Isaac) de Orta, originário de Valência de Alcântara, e de Leonor Gomes originária de Albuquerque, ambos eram judeus convertidos ao cristianismo (cristãos-novos) espanhóis e instalaram-se em Castelo de Vide, possivelmente na sequência do Decreto de Alhambra dos Reis Católicos, que expulsou os judeus de Espanha em 1492. Frequentou as universidades de Salamanca e Alcalá, onde estudou gramática, artes e filosofia natural, provavelmente a partir de 1515, tendo-se licenciado em medicina em 1523. Regressou a Castelo de Vide em 1523, dois anos após a morte do pai, onde praticou clínica. Em 1526 obteve licença para praticar medicina e no mesmo ano mudou-se para Lisboa. Aí tornou-se médico de Dom João III e conheceu o grande matemático Pedro Nunes. Foi escolhido para dar conferências de filosofia natural na Universidade de Lisboa, e em 1533 foi eleito pelo conselho para professor da cadeira. Embarcou para a Índia a 12 de Março de 1534 como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, que foi para o Oriente como capitão-mor do mar da Índia entre 1534 e 1538 e governador de 1542 a 1545. Depois de acompanhar o seu patrono durante os quatro anos em que este granjeou grande prestígio em várias campanhas militares na costa ocidental da Índia, Orta estabeleceu-se como médico em Goa, onde adquiriu grande reputação. Aí ganhou a amizade de Luís de Camões. Em 1541 casou com uma rica herdeira, Brianda de Solis, com quem teve duas filhas. Quando Martim Afonso de Sousa regressou temporariamente a Portugal em 1938, Orta permaneceu na Índia como médico. Foi um médico conceituado em Goa, praticando medicina no hospital e na prisão de Goa. Foi médico de figuras relevantes do meio político e social como o sultão de Ahmadnagar, exercendo igualmente o comércio e outras actividades lucrativas. Apesar de nunca ter visitado a região do Golfo Pérsico ou de ter viajado para oriente de Ceilão, Orta contactou em Goa com comerciantes e viajantes de todas as nacionalidades e religiões. Graças ao seu serviço e amizade com o vice-rei Pedro Mascarenhas, cerca de 1554 foi-lhe dado o foro da ilha de Bombaim, então sob domínio português. Em Bombaim mandou construir uma quinta ou solar no local onde depois os britânicos erigiram o Forte de Bombaim (atualmente também chamado castelo [castle] e Casa de Orta). Garcia de Orta faleceu em Goa em 1568 sem nunca ter tido directamente problemas com a Inquisição, apesar desta ter estabelecido um tribunal na Índia em 1565. Contudo, logo após a morte de Orta, a Inquisição iniciou uma feroz perseguição à sua família. A sua irmã, Catarina, foi condenada por judaísmo e queimada viva num auto-de-fé em Goa, em 1569. Esta perseguição culminou em 1580 com a exumação da Sé de Goa dos restos mortais do médico e a sua condenação à fogueira por judaísmo. A obra que perpetuou o nome de Garcia de Orta foi o livro ‘Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia’, editado em Goa em 1563. Este trabalho está escrito em português na forma de diálogo entre o próprio Orta e Ruano, um colega recém-chegado a Goa e ansioso por conhecer a matéria médica da Índia. Os Colóquios incluem 58 capítulos onde se estuda um número aproximadamente igual de drogas orientais, principalmente de origem vegetal, como o aloés, o benjoim, a cânfora, a canafístula, o ópio, o ruibarbo, os tamarindos e muitas outras. Nesses capítulos, Orta apresenta a primeira descrição rigorosa feita por um europeu das características botânicas (tamanho e forma da planta), origem e propriedades terapêuticas de muitas plantas medicinais que, apesar de conhecidas anteriormente na Europa, o eram de maneira errada ou muito incompleta e apenas na forma da droga, ou seja, na forma de parte da planta colhida e seca. Contrariamente à atitude dominante entre os médicos portugueses dos séculos XVI a XVIII, que consideraram o estudo da matéria médica como um tema menor, dirigindo os seus dotes literários para as observações clínicas, Orta interessou-se prioritariamente pelo estudo das propriedades das drogas e medicamentos. Para além do seu valor científico, a obra de Orta inclui a primeira poesia impressa da autoria de Luís de Camões. Orta não só não receou que o seu gosto pela matéria médica e pela botânica pudesse levar a que fosse confundido com um boticário, pois viu-se obrigado a dispensar a tutela do próprio Dioscórides, ao tratar de drogas medicinais que o autor greco-romano na sua maioria desconhecia. Apesar de se apoiar na autoridade de vários autores, como Dioscórides, Plínio, Avicena, Serapião e Antonio Musa Brasavola, Orta não hesita em dar a primazia à autoridade da sua própria experiência: "Não me ponhais medo com Dioscórides nem Galeno, porque não hei de dizer senão a verdade, e o que sei", exclamou ele no colóquio n.º 9. Apesar de se debruçar prioritariamente sobre a matéria médica, Orta também incluiu, além de vários outros assuntos, algumas observações clínicas, das quais é de destacar a primeira descrição da cólera-asiática feita por um europeu, baseada na autópsia de um doente seu falecido com a doença. Escrito em português, e não em latim como era habitual na literatura médica, o livro de Garcia de Orta só se tornou conhecido na Europa através da versão latina editada pelo médico e botânico Charles de l'Escluse, também conhecido por Clusius (1525-1609). Clusius esteve na península Ibérica a herborizar entre maio de 1564 e maio de 1565, onde visitou Salamanca, Madrid, Alcalá de Henares e outras localidades. Clusius esteve em Portugal, nomeadamente em Lisboa e em Coimbra, desde Setembro de 1564 até meados de janeiro de 1565. Foi durante esta visita que Clusius obteve a posse de um exemplar do livro de Garcia de Orta. Clusius publicou em 1567 a edição latina resumida e anotada dos Colóquios, intitulada “Aromatum et Simplicium aliquot medicamentorum apud Indios nascentium historia ante biennium quidem Lusitanica língua… conscrita, Dom Garcia ab Horto auctore”. A procura deste livro foi muito grande e ele contou com mais cinco edições revistas e ampliadas, ainda em vida. Além da versão de Clusius, os Colóquios circularam ainda em castelhano através do livro ‘Tractado de las drogas y medicinas de las Indias Orientales’ (1578) do médico português Cristóvão da Costa. Como Clusius, Costa reorganizou a estrutura e corrigiu o texto de Orta, adicionando-lhe gravuras, que eram totalmente inexistentes nos Colóquios. Como fez com o texto original de Orta, Clusius também traduziu para latim o livro de Cristóvão da Costa.

Garcia Rodrigues

Garcia Rodrigues (Século XVI) foi uma combatente portuguesa no segundo cerco de Diu. Junto com Isabel Madeira (capitã), e com Isabel Dias, Isabel Fernandes, Catarina Lopes, formou um grupo de combatentes femininas que lutou na frente da batalha contra os turcos, no segundo cerco de Diu, em (1546). Este feito encontra-se registado nas Décadas de Diogo de Couto, e numa revista de 1842 foi assim descrito: Do primeiro cerco de Diu, passemos ao segundo. Este (que sustentou com valor digno da sua pessoa o famoso e esclarecido Capitão Dom João Mascarenhas, no tempo do memorável Dom João de Castro, um dos maiores homens, que com grande credito seu, e igual gloria de Portugal, governou os Estados da India) foi certamente pelas circunstâncias que se lhe juntarão muito mais formidável que o primeiro. Por este motivo se formou uma grande Companhia de mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir á fúria dos inimigos. Entre aquellas ficaram em memória os nomes de Garcia Rodrigues, Isabel Dias, Catarina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houverão neste memorável cerco, que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a ellas se deve o não ser rendida aquella Fortaleza.

Goeses católicos

Goeses católicos (concani: गोंय्चे कॅतोलिक Goiche Katholik) são católicos romanos do estado de Goa, uma região na costa oeste da Índia, antigamente parte da Índia Portuguesa. Eles são concanis e falam a língua concani. Os navios portugueses chegaram em Goa em 1510, e as atividades missionárias católicas logo tiveram começo, quando o papa Nicolau V decretou a bula pontifícia Romanus Pontifex, que garantia o apoio à propagação da fé cristã na Ásia. A maior parte dos goeses católicos descende de brâmanes Gaud Saraswati nativos de Goa, que foram convertidos pelos portugueses de 1560 para frente. O Édito da Inquisição de Goa e as guerras entre os portugueses e os maratas foram as memórias mais desconsoladas da sua história, o que levou à migração de muitos goeses católicos às regiões vizinhas de Canara e Sawantwadi em Maharashtra. O feni e suas contribuições para o mundo da música e literatura são bem conhecidos. A sua cultura é uma mistura da cultura portuguesa cristã e das culturas indianas e hindus. A noção de identidade goesa (a princípio, intimamente relacionada à cultura portuguesa) formou-se após a integração de Goa à União Indiana em 1961. A diáspora goesa católica está dispersa por todo o globo, com comunidades concentradas nos, Estados Árabes do Golfo Pérsico, nos países lusófonos e nos países anglófonos. A identidade goesa católica tem sido ampliada nos últimos tempos para incluir emigrantes de ascendência goesa católica, uma vez que cerca de metade da comunidade reside fora de Goa.

Isabel Dias

Isabel Dias (Século XVI) foi uma combatente portuguesa no segundo cerco de Diu. Junto com Isabel Madeira (capitã), e com Garcia Rodrigues, Isabel Fernandes, Catarina Lopes, formou um grupo de combatentes femininas que lutou na frente da batalha contra os turcos, no segundo cerco de Diu, em (1546). Este feito encontra-se registado nas Décadas de Diogo de Couto, e numa revista de 1842 foi assim descrito: Do primeiro cerco de Diu, passemos ao segundo. Este (que sustentou com valor digno da sua pessoa o famoso e esclarecido Capitão Dom João Mascarenhas, no tempo do memorável Dom João de Castro, um dos maiores homens, que com grande credito seu, e igual gloria de Portugal, governou os Estados da India) foi certamente pelas circunstâncias que se lhe juntaram muito mais formidável que o primeiro. Por este motivo se formou uma grande Companhia de mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir á fúria dos inimigos. Entre aquellas ficaram em memória os nomes de Garcia Rodrigues, Isabel Dias, Catarina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houverão neste memorável cerco, que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a ellas se deve o não ser rendida aquella Fortaleza.

Isabel Fernandes

Isabel Fernandes (século XIV), também conhecida como a Velha de Diu, foi uma combatente portuguesa no segundo cerco de Diu (1546). Isabel Fernandes, junto com Isabel Madeira, Catarina Lopes, Garcia Rodrigues e Isabel Dias, lutou na frente de batalha contra os turcos, no segundo cerco de Diu. Numa carta enviada em 1559 a Catarina de Áustria, rainha de Portugal, declara que o seu filho Afonso Fernandes era "o derradeiro que me ficou de dezoito que tinha, que todos se gastaram em serviço de Deus e de Vossa Alteza nestas partes". Este feito encontra-se registado nas Décadas de Diogo de Couto, e numa revista de 1842 foi assim descrito: Do primeiro cerco de Diu, passemos ao segundo. Este (que sustentou com valor digno da sua pessoa o famoso e esclarecido Capitão Dom João Mascarenhas, no tempo do memorável Dom João de Castro, um dos maiores homens, que com grande credito seu, e igual gloria de Portugal, governou os Estados da India) foi certamente pelas circunstâncias que se lhe juntaram muito mais formidável que o primeiro. Por este motivo se formou uma grande Companhia de mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir á fúria dos inimigos. Entre aquellas ficaram em memória os nomes de Garcia Rodrigues, Isabel Dias, Catarina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houverão neste memorável, cerco que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a ellas se deve o não ser rendida aquella Fortaleza.

João Casimiro Pereira da Rocha de Vasconcelos

João Casimiro Pereira da Rocha de Vasconcelos nasceu em Lisboa em data incerta e faleceu em Benguela, a 21 de janeiro de 1845 foi um militar português. Assentou praça em 1808 na Leal Legião Lusitana, participando das campanhas da Guerra Peninsular depois de ter servido no Brasil. Em 1821 foi promovido a coronel graduado, e foi mandado à Índia como governador de Diu. Todavia, Dom Manuel não lhe quis dar posse, em 1824, por informações confidenciais que o rotulavam como revolucionário. Desempenhou então na Índia várias comissões e instrutórias, quando em 1835 foi o chefe da revolta que depôs o marechal Joaquim Manuel Correia da Silva e Gama do cargo de governador da Índia, assumindo a presidência da junta de governo provincial em Goa. Entre 1836 e 1837, a junta governou apenas sobre Goa, ficando Damão e Diu sob o governo de Bernardo Peres da Silva. Com a chegada do Barão de Sabroso, que amnistiou os implicados no movimento político de 1835, João Casimiro regressou ao reino, sendo nomeado em 1844 governador do distrito de Benguela, sendo promovido a capitão efectivo.

João Rodrigues

João Rodrigues nasceu em Sernancelhe, provavelmente nos anos de 1558, 1560 ou 1561 e faleceu em Macau, em 1633 ou 1634, foi um sacerdote, jesuíta, português, missionário no Japão. Foi também um linguista, tendo escrito o primeiro dicionário de japonês-português e a primeira gramática da língua japonesa. É conhecido no Japão por João Rodrigues Tçuzu (O intérprete). Com apenas 14 anos, João Rodrigues embarcou com destino à Índia. Pouco depois da sua chegada ao Japão em 1577, foi iniciado na Companhia de Jesus. Dedicou-se ao ensino da gramática e do latim e à aprendizagem da língua japonesa e alguns anos mais tarde concluiu os estudos em teologia em Nagasaki. Depois de ordenado sacerdote em Macau regressou ao Japão, onde se tornou comerciante, diplomata, político e intérprete entre os japoneses e os navegadores estrangeiros. A sua fluência no idioma oriental mereceu-lhe uma relação especial com os principais líderes japoneses durante o período de guerra civil e da consolidação do xogunato de Tokugawa Ieyasu. Nesta época também testemunharia à expansão da presença portuguesa nesta nação e à chegada do primeiro inglês, William Adams. Durante este período, teve a oportunidade de escrever as suas observações sobre a vida japonesa, incluindo eventos políticos da emergência do xogunato e uma descrição detalhada da cerimónia do chá. Nos seus escritos revelou uma abertura de espírito sobre a cultura do seu país anfitrião, chegando a elogiar a santidade dos monges budistas. João Rodrigues seria expulso do Japão no ano de 1610, como consequência de um incidente com o navio português Madre de Deus. Este navio tinha estado envolvido em um conflito em Macau em 1609, no qual foram mortos marinheiros japoneses. Ao voltar a Nagasaki, as autoridades japonesas tentaram abordar e prender o capitão André Pessoa. Na escaramuça, o navio foi incendiado e afundou ao tentar sair do porto da cidade e, em retaliação pelo incidente diplomático, os missionários cristãos foram expulsos do país. Regressando a Macau, dedicou-se à investigação das origens das comunidades cristãs estabelecidas no local desde o século XIII. Faleceu a 1 de Agosto de 1633, tendo ficado sepultado na então igreja de São Paulo (hoje Ruínas de São Paulo).

Considerado um clássico para o conhecimento do Japão e uma das bases para o estudo do japonês arcaico, a obra do padre João Rodrigues é composta por:

•        ‘Vocabvlario da Lingoa de Iapam’ (Vocabulário da Língua do Japão, Nippo jisho em japonês), o primeiro dicionário de japonês-português (1603).

•        ‘Arte da Lingoa de Iapam’ (Arte da Língua do Japão, Nihon-dai bunten em japonês), a primeira gramática da língua japonesa (1604).

•        ‘História da Igreja no Japão’, em que incluiria também as observações do jesuíta sobre a história e a cultura do Japão da sua época e das décadas anteriores. Partes deste manuscrito foram copiadas (provavelmente transcritas a partir de um ditado oral) em Macau nos meados do século XVII e acabaram por chegar a Lisboa. O original e outra cópia foram enviados para Manila e depois para Madrid. O original continua na capital espanhola mas o segundo passou para as mãos de privados.

Jorge Álvares


Jorge Álvares nasceu em Freixo de Espada à Cinta, em data desconhecida e faleceu na China, a 8 de Julho de 1521, foi um explorador português, o primeiro europeu a aportar na China, por via marítima, e, em 1513, a visitar o território que atualmente é Hong Kong. Foi um dos portugueses que, de Malaca, se dirigiram à China, sendo o primeiro a chegar à China, em 1513, na região sul, a mando do Capitão ou Governador de Malaca português, Jorge de Albuquerque, sobrinho do conquistador Afonso de Albuquerque. A esta visita seguiu-se o estabelecimento de algumas feitorias portuguesas na província de Cantão, onde mais tarde se viria a estabelecer o entreposto de Macau. De acordo com os registos disponíveis, foi o primeiro europeu a alcançar e visitar o território que atualmente é Hong Kong. Parece ter aportado na ilha de Tamão, situada em Chu-Kiang (através do Rio da Pérola, que passa em Cantão, que os ingleses chamam Pearls River), no distrito do Rio de Este. Castanheda diz que essa ilha ficava a 3 léguas da costa da China; Damião de Góis, a 3 léguas de Nantó, e Gaspar Correia, a 18 a 20 léguas de Cantão. Em vista disto, o historiador macaense José Maria Braga identificou Tamão como a ilha de Lin-tin. Possuía um junco com o qual se dedicava ao comércio entre Malaca e Cantão, juntamente com Simão de Andrade e Rafael Perestrelo, pioneiros desse comércio, considerado ilegal pelos chineses. Participou de uma guerra contra o sultão de Bintão, capitaneando uma galé na Armada Portuguesa. Com a abordagem de Tamang (Cantão), apesar da oposição do "Itau" (mandarim local), conseguiu estabelecer-se em uma praia na ilha de Sanchoão, onde ergueu uma cabana que servia de refúgio aos comerciantes clandestinos e onde, para se achar como em terra portuguesa, fizera assentar um padrão. Passou assim a ser considerado como feitor português de Tamang, continuando, no seu junco, a navegar pelas Molucas. Nestas águas veio a ser atacado pelos indígenas de Ternate, vindo a ser gravemente ferido. Veio falecer na sua cabana, pedindo que fosse enterrado junto ao padrão que fizera erigir. Jorge Álvares, em Tamão, terá levantado o primeiro Padrão Português na China; junto a esse Padrão sepultou em 1514 o seu filho. A 8 de Julho de 1521, o seu próprio corpo foi ali reunir-se às cinzas desse jovem, falecido seis anos antes do pai. Terá morrido nos braços do seu amigo Duarte Coelho, famoso capitão dos mares do oriente, que o terá sepultado. O nosso grande cronista João de Barros diz que aquela terra de idolatria pode comer o seu corpo, mas visto que por honra de sua Pátria em os fins da terra pôs aquele padrão de seus descobrimentos, não comerá a memória de sua sepultura, enquanto esta nossa escritura durar.

Jorge Álvares, seu homónimo

Há informações acerca de outro Jorge Álvares (um filho, um homónimo?), um rico mercador português que, em 1544, foi ao Japão com Fernão Mendes Pinto e que escreveu "Informação do Japão", a pedido de São Francisco Xavier. Auxiliou ainda este religioso tendo conduzido, da China, o seu converso japonês de nome Anger. Em 1552 o religioso aportou à ilha de Sanchoão gravemente enfermo, tendo sido acolhido por Jorge Álvares na sua cabana. Os cuidados que lhe proporcionou, entretanto, foram em vão, vindo o futuro santo a falecer. Jorge Álvares foi, em 1513, o primeiro português a viajar por mar até à China. Jorge de Albuquerque, capitão-mor de Malaca e sobrinho do conquistador da cidade, fez de Álvares o seu enviado à China, na qualidade de escrivão e consequente guardião dos interesses oficiais, embarcado num junco adquirido na região. Este junco, carregado de pimenta e armado a meias com um mercador do Coromandel, viajou na companhia de outros quatro, propriedade deste mesmo comerciante. A frota representava uma conjugação de interesses da Coroa, através da sua representação local, e de comerciantes privados, numa parceria que haveria de se repetir no decurso da próxima década. Jorge Álvares aportou e levantou padrão na ilha de Lintin, chamada pelos portugueses de Tamão ou Tumen. A ilha situava-se no estuário do rio de Cantão, a cerca de vinte quilómetros desta cidade, que era o grande centro mercantil do sul da China. O levantamento do padrão reflecte uma reclamação de extraterritorialidade por parte dos portugueses, idêntica à que adoptaram no seu percurso até à China. Na época, os contactos da China com estrangeiros eram muito irregulares e, quando aconteciam, subordinavam-se ao princípio da superioridade dos costumes locais, bem como à presunção de que o soberano do reino de origem dos visitantes era, por natureza, tributário do Imperador da China. Pela novidade da sua morfologia e atitudes, os primeiros portugueses chegaram a ser vistos como uma espécie de demónios com propensões canibais, apresentando apenas leves semelhanças com seres humanos. A aprendizagem da nova realidade prometia ser longa e, por vezes, dolorosa. O futuro de Jorge Álvares, depois da sua viagem inicial ao delta do rio de Cantão, está ainda rodeado de alguma obscuridade. Regressou a Malaca após a primeira viagem em 1513, voltando à China na frota de Fernão Peres de Andrade quatro anos mais tarde e na de Simão de Andrade, em 1519, já que a sua experiência era demasiado valiosa para ser desperdiçada e, quem sabe, porque quereria também melhorar a sua situação patrimonial. Segundo o Pe. Manuel Teixeira, Jorge Álvares, fascinado pela China, não terá regressado de uma quarta viagem, realizada na monção de 1521. Outras referências, no entanto, estabelecem um fim bem menos romântico para o nosso herói, fixando a sua morte naquele mesmo ano de 1521. Estava, de qualquer modo, aberta a rota que, com base logística e comercial em Malaca, haveria de ocupar os mercadores portugueses durante as próximas décadas. A viagem para Cantão, tornada regular, realizava-se em Março ou Abril, com regresso na monção de Maio e demorava vinte a quarenta dias, em qualquer dos sentidos.

Os irmãos Peres de Andrade

Os primeiros contactos entre portugueses e chineses surgem relatados, no período aqui abordado (1509-1557), através de alguns episódios com êxito comercial e diplomático, a par de outros tantos que foram mal sucedidos. Como exemplo dos casos de sucesso refere-se a primeira embaixada digna desse nome enviada à China. Em 1517 partiu de Malaca uma frota de sete navios comandada por Fernão Peres de Andrade, levando a bordo o experiente Jorge Álvares e o boticário e naturalista Tomé Pires. Fernão Peres tinha ido para Goa com o novo Governador Lopo Soares de Albergaria, fazendo a viagem já designado como futuro capitão-mor de uma esquadra destinada a “descobrir a China”. Embarcou pilotos chineses em Malaca, chegando às águas de Cantão em Agosto. Entrou em contacto com a autoridade marítima, a quem declarou o propósito de desembarcar um enviado do rei português para contactos com o imperador. Depois de alguns jogos de luzes e sombras diplomáticas com o dignitário chinês, impaciente pela demora na resposta quanto ao prosseguimento da sua viagem até Cantão, Fernão Peres decidiu-se a subir o rio mesmo sem estar formalmente autorizado para tal. Chegado a Cantão, fez-se anunciar com estrondo sonoro e visual, disparando pólvora e embandeirando em arco. O seu propósito seria apenas de revestir a sua chegada de tons solenes e festivos, mas a autoridade local não apreciou a exibição, que terá tomado por mostra de força e não de pacíficos intentos diplomáticos. Depois de esclarecimentos mútuos e apesar de alguma desconfiança natural e de um início pouco prometedor, Fernão Peres acaba por desembarcar Tomé Pires e os presentes destinados ao Imperador em Pequim. No entanto, ainda em resultado da sua ruidosa chegada a Cantão, Pires vê congelada a desejada autorização de viagem para Norte, que não aconteceria antes de Janeiro de 1520. Fernão Peres demorou-se ainda mais algum tempo pelo sul da China, partindo em 1518 de regresso a Goa. Voltou a Lisboa em 1520, onde relatou minuciosamente ao Rei os seus feitos e observações. Ao invés, exemplo de um relacionamento infeliz e tempestuoso foi o da expedição seguinte, comandada por Simão de Andrade, irmão de Fernão Peres. Esta frota partiu da Índia em 1519, com destino a Cantão. Aqui se apresentou com atitude pouco amistosa, porventura impaciente e irritado com a atitude das autoridades, que persistiam em adiar a autorização para que Tomé Pires, embaixador de Dom Manuel, pudesse viajar até à Corte em Pequim. A duplicidade de comportamento exibida pelos dois irmãos não parece difícil de entender perante a cultura e os valores do séc. XVI. Em primeiro lugar porque o desconhecimento da China, da sua História e dos seus hábitos, faziam com que alguns dos portugueses estivessem convictos da eficácia dos métodos anteriormente empregues no seu percurso até ali: o uso da força quando não obtinham imediata vassalagem das autoridades locais, seguido da reclamação do território em nome do rei português. Por outro lado, as distâncias impediam, na época, o comando e controlo das expedições, sendo o seu desfecho frequentemente ditado pelas circunstâncias locais e pelas características, interesses e postura das autoridades com as quais se deparavam. Acrescia o facto que a hierarquia do poder chinês apresentava especial complexidade, sendo a vontade do Imperador transmitida através de uma cadeia quase interminável de funcionários que não deixavam de incorporar interesses locais e pessoais na interpretação das orientações do Filho do Céu. Os episódios musculados associados à expedição de Simão Peres de Andrade acentuaram a má reputação dos portugueses e não tornaram mais fácil a missão de Tomé Pires. Fontes chinesas da época, através de relatos de funcionários da burocracia imperial, denunciam “comportamentos atrozes” e “desprezo pelas leis”. E são as mesmas fontes que justificam esse juízo com o facto de os referidos funcionários serem, ao seu nível, os guardiães dos ideais confucianos e da inerente estabilidade social, violentamente quebrada pelo comportamento dos “bárbaros intratáveis”. Tomé Pires acabou por partir de Cantão em Janeiro de 1520, por via fluvial e depois por terra, com percurso mal conhecido. Chegado a Pequim, ficou a aguardar o dia determinado pelos ritos chineses para se apresentar ao Imperador. Escreveu João de Barros, uns anos mais tarde acerca das audiências com o soberano chinês: “… É tanta a majestade deste Príncipe [o imperador da China], e os negócios desta qualidade são tão vagarosos, principalmente quando gente estrangeira há-de ir ter a ele, por tudo ser resguardos, e cautelas, que há mister muita paciência quem houver de esperar seus vagares.”. Sucede, como já atrás se referiu, que o rei de Malaca era, aquando da sua deposição por Afonso de Albuquerque, tributário do Imperador da China, ao qual enviou um embaixador, a queixar-se dos actos do português. A esta queixa inicial juntou outras, a propósito dos já relatados desmandos de Simão Peres da Andrade. Estava assim criado um ambiente adverso para uma boa recepção de Tomé Pires na corte Ming. A agravar estas circunstâncias ocorreu a morte do Imperador. A juventude do seu sucessor propiciou que os mandarins tomassem nas suas mãos as rédeas da corte, agravando as intrigas contra os portugueses, que apenas foram salvos da decapitação pelo seu estatuto diplomático. Nada impediu, no entanto, que fossem recambiados para Cantão, rejeitadas as cartas de Dom Manuel e os presentes que as acompanhavam. À chegada ao Sul, o embaixador e a sua comitiva foram presos, alegadamente como reféns da devolução de Malaca pelos portugueses ao anterior soberano local. Esta situação veio dar origem a graves confrontos com as guarnições de outros navios portugueses, entretanto ali chegados. As fontes não são unânimes quanto à sorte do embaixador, havendo as que defendem que terá ficado desterrado na China, lá morrendo em 1540. L. F. Barreto admite 1524 ou data posterior a 1528 como datas para a sua morte. Certo é que nunca regressou da sua aventurosa missão.

Batalha Naval no Sul da China

Em 1521, em Lisboa, Martim Afonso de Melo Coutinho é nomeado por D. Manuel I para “…fazer… fortaleza…e carga de mercadorias da dita China…”. Com uma armada de quatro naus e um junco ido de Malaca, alcançou as águas de Cantão em meados de 1522, visando “…assentar amizade com o rei da China...” e construir a fortaleza que lhe fora ordenada pelo seu soberano. Esta segunda embaixada enfrentou a oposição chinesa, invocando de novo a ocupação violenta de Malaca pelos portugueses. Durante duas semanas de Agosto de 1522 sucederam-se os combates entre a esquadra de Martim Afonso e os juncos da defesa marítima de Cantão. Os portugueses perderam duas das naus, e quarenta e dois deles foram feitos prisioneiros, tendo um posterior fim trágico: os vinte e três que não morreram dos ferimentos ou das provações do cárcere, foram cortados em sete pedaços cada um em Setembro do ano seguinte. Para se fazer uma ideia de como se desenrolaram estes combates no que respeita à manobra adoptada na época pelos navios chineses, recorre-se às notas que Frei Gaspar da Cruz fez publicar sobre a sua viagem pelo sul da China em 1556 e 1557: “… Trazem os chinas um dito comum para mostrarem a nobreza do seu reino, que pode fazer el-rei da China uma ponte de navios da China até Malaca, que são perto de quinhentas léguas, o qual, ainda que parece que não pode ser, todavia é dado como metáfora para significar a grandeza da China e a multidão de navios que de si pode lançar. Aos maiores navios chamam juncos, que são navios para guerra, feitos como naus grandes, aos quais fazem muito altos castelos de proa e de popa, para deles pelejarem, de maneira que fiquem senhores dos adversários. E porque não usam de artilharia, todo o seu uso é chegarem muito juntos, e cercando o navio adversário abalroam-se com ele. E no primeiro cometimento lançam muita soma de cal para cegarem os adversários, e assim dos castelos como das gáveas lançam muitos paus tostados agudos… Usam também de soma de pedra. E o principal que trabalham, é quebrarem com seus navios as obras mortas dos adversários…”. Este desaire, que não sendo regra não foi o único, aconteceu longe de Malaca, perante um adversário que operava muito próximo da sua própria base, fazendo uso de uma manobra de asfixia, para a qual os navios de Martim Afonso se revelaram em quantidade insuficiente. Acresce a modesta preparação das suas tripulações que, maioritariamente originárias da Ásia ou de África, estavam mais vocacionadas para o comércio do que para enfrentar a guarda-costeira chinesa. Martim Afonso de Melo Coutinho foi dissuadido pelos seus capitães de tentar vingar a derrota, regressando a Malaca em Outubro de 1522.

Os Portugueses na China “Fat-lông-kei” a “Fán-kuai”


Abre-se agora um parêntesis para abordar a designação dada pelos chineses aos portugueses, na medida em que ela pode ilustrar, com mais colorido, a forma como os intrusos eram vistos pelos locais. Embora a questão seja tratada pelos diferentes autores de modo semelhante, não se pode aqui esgotar a totalidade das designações registadas nas fontes, cuja diversidade se ficará a dever, em parte significativa dos casos, a diferente transcrição fonética dos termos originais. Neste contexto, aflora-se o assunto recorrendo principalmente a Luís Gonzaga Gomes, um autor de Macau, começando por referir que os termos usados não traduziam admiração nem simpatia sendo, no máximo, neutros na qualificação. Tal não pode causar surpresa, pois os contactos entre a China e o resto do Mundo não eram encorajados. Por outro lado, os portugueses apresentaram-se sem convite, oriundos de um reino distante, com estranhos hábitos e padrões culturais. De estatura comparativamente elevada, nariz afilado, olhos profundos, barbas e cabelos compridos, de costumes distintos dos povos conhecidos dos chineses, foram acolhidos com desconfiança, acentuada por alguns incidentes, uns de directa violência sobre os naturais, outros por simples falta de diplomacia e compreensão dos costumes locais. Quando Jorge Álvares aportou à China, em 1513, diz Luís Gonzaga Gomes que os portugueses eram apelidados de ‘Fat lông-kei’, a transcrição adaptada para cantonense do termo feringue, até então utilizado por indianos e malaios para designar os navegadores portugueses. O termo seria derivado do persa ou do árabe, em ambos os casos significando literalmente os francos, dele se conhecendo, de qualquer modo, numerosas variantes. Para explicar a associação dos europeus aos francos, invocam-se os contactos destes com o Próximo Oriente por ocasião das Cruzadas. Depois dos incidentes que envolveram a expedição de Simão de Andrade em 1519, era conveniente estimular uma nova aproximação, porventura menos directa e grosseira do que aquela que tinha provocado tão maus resultados. Recorreram então os portugueses ao expediente de se apresentarem para comerciar não como francos, mas sim como um povo oriundo de Malaca, sem relação com aqueles. Esta forma de branqueamento de anteriores comportamentos reprováveis pareceu produzir os efeitos desejados, passando os portugueses a serem englobados na designação de fán-iân oufangim, isto é gente estrangeira (de além-mar, segundo Rui Loureiro). Diversas fontes referem ainda ‘folangi’ como uma das designações atribuídas aos portugueses. No entanto, o efeito foi apenas parcial, já que a par desta designação, de sentido neutro e que abrangia todos os europeus, acabou por se generalizar o epíteto popular e depreciativo de Fán-kuai, ou seja diabos estrangeiros, bem como o de bárbaros. Ambas as designações persistiram até aos nossos dias, empregues por razões de mera funcionalidade, ou quando as circunstâncias aconselham o emprego de um termo depreciativo... Também é eloquente a percepção adquirida por Cristóvão Vieira (“pérsio de Ormuz”), que acompanhou Tomé Pires na primeira embaixada à China: “…Têm os chins os portugueses em pouco, por dizer que não sabem pelejar em terra; que são como peixes, que como os tiram da água ou do mar logo morrem.”.

Os Chineses aos olhos dos Portugueses


E como viam os navegadores e comerciantes ocidentais os seus anfitriões de obrigação? Para aqui deixar essa impressão, faz-se de novo apelo às coloridas notas de viagem de Frei Gaspar da Cruz, sempre mais lisonjeiras do que as feitas pelos chineses sobre os portugueses, e mais elogiosas das mulheres do que dos homens: “…Ainda que os chinas comummente sejam feios, tendo olhos pequenos e rostos e narizes esmagados, e sejam desbarbados com uns cabelinhos nas maçãs da barba, todavia se acham alguns que têm os rostos mui bem-feitos (…) mas destes são muito poucos, e pode ser que sejam de outras nações nos tempos antigos entremetidas nos chinas, em tempo que eles comunicavam diversas gentes [referência às navegações chinesas do séc. XV]. São homens os chinas mui corteses… As mulheres comummente, tirando as do longo do mar e as dos montes, são muito alvas e gentis… São comummente muito recolhidas, de maneira que por toda a cidade de Cantão não aparecia nenhuma mulher, se não eram algumas estalajadeiras e mulheres baixas.”.

O desaire da embaixada de 1522, comandada por Martim Afonso de Melo Coutinho, assinala o termo de um ciclo em que foi a Coroa a marcar o ritmo das operações, e a sua substituição pelos mercadores privados. Até 1527-1528 as trocas comerciais são praticamente nulas. A partir de então são restabelecidas as operações, agora baseadas em praças a norte de Cantão, na província de Fujian, fronteira à ilha Formosa. Foi a partir destas novas posições que, em 1543, os portugueses alcançaram o Japão. Os mercadores privados portugueses, mestiços ou asiáticos de Malaca, Patane e Java, intermediavam então os negócios entre a China e o Japão, num arranjo que parecia harmonizar os interesses dos operadores comerciais das três regiões envolvidas. Para o Japão viajavam ouro e sedas em rama e manufacturadas, em sentido inverso os navios carregavam barras de prata, metal particularmente valorizado na China, onde atingia valor comparável ao ouro. Este comércio viria a ser assegurado pelos portugueses durante quase um século, revelando-se a mais rentável de todas as redes comerciais que eram então controladas por Goa. Em 1549, as operações regressaram às águas de Cantão, retomando-se a manobra que haveria de conduzir, dentro de poucos anos, ao estabelecimento estável dos portugueses no Sul da China.

Capitão-mor Lourenço de Almeida

Dom Lourenço de Almeida nasceu em Martim, nos inícios de 1480 e faleceu em Chaul, no mês de Março de 1508, foi um capitão-mor de Portugal. Único filho varão do Vice-rei Dom Francisco de Almeida e de Dona Brites Pereira, seguiu atentamente as pisadas do pai. O "diabo louro" como era chamado, era um moço esbelto e com cerca de dois metros de altura, o que fazia de Lourenço uma das mais altas personagens do Reino. Combateu em Tânger, em 1501, e chegou ao Ceilão (actual Sri Lanka) em 1506, onde submeteu o Rei e descobriu a origem da canela. Foi incumbido pelo pai de desempenhar diversas tarefas de responsabilidade, às quais não voltou as costas e soube concluir com competência. Uma delas foi a derrota da poderosa esquadra do Rei de Calecute. No primeiro mês de 1508 Lourenço de Almeida rumou a Chaul para tomar conta das naus de Cochim e de Cananor, mas, surpreendido por uma esquadra mameluca egípcia comandada pelo chamado Mirocem travou a ‘Batalha de Chaul’, comandando os seus homens até morrer. A vontade de vingar a sua morte levou o seu pai Dom Francisco de Almeida a desobedecer ao fim do seu mandato como Vice-rei em 1509 e investir com ferocidade e ganhar a ‘Batalha de Diu’ onde participou o Mirocem.

Luís Fróis

Luís Fróis nasceu em 1532 e morreu no dia, 8 de julho de 1597, foi missionário português. Nasceu em Lisboa e em 1548 entrou para a Companhia de Jesus. Em 1563 viajou para o Japão para pregar o Evangelho, e no ano seguinte chegou a Quioto, onde se reuniu com Ashikaga Yoshiteru, que então era xogum. Em 1569 tornou-se amigo de Oda Nobunaga e permaneceu na sua residência em Gifu (cidade) enquanto se dedicou à escrita por um curto período. Entre as suas obras encontra-se uma ‘História do Japão’.

Manuel Dias

Manuel Dias, também referido como Yang Ma-No ou Emanuel Diaz nasceu em Castelo Branco, em 1574 e faleceu na China, a 4 de março de 1659, foi um missionário jesuíta português que se destacou na China, nomeadamente na astronomia. Padre Manuel Dias iniciou a sua missão na China em 1610 e chegou a Pequim em 1613. Apenas três anos após Galileu Galilé ter divulgado o primeiro telescópio, Manuel Dias divulgou os seus princípios e funcionamento pela primeira vez na China. Em 1615 foi autor da obra Tian Wen Lüe (Explicatio Sphaerae Coelestis), que apresenta os mais avançados conhecimentos astronómicos europeus da época na forma de perguntas e respostas às questões postas pelos chineses, que seria estudado e reeditado na China até ao século XIX.

Maria Úrsula d'Abreu e Lencastro

Maria Úrsula d'Abreu e Lencastro nasceu no Rio de Janeiro, em 1682 e faleceu em Goa, em data desconhecida foi uma militar portuguesa. Destacou-se por ser uma das poucas mulheres portuguesas conhecidas por terem servido nas forças armadas do país durante a época colonial. Em 1700, ano em que completou 18 anos, deixou a casa de seu pai, João d'Abreu d'Oliveira, no Rio de Janeiro, e rumou para Lisboa. A sua ideia era a de viver o que lera sobre a Cavalaria e as Cruzadas, aventuras interditas às mulheres de então. Na capital do Reino, alistou-se como soldado sob o nome de Baltasar do Couto Cardoso e, naquele mesmo ano seguiu, junto com mais duas centenas de soldados, rumo ao Oriente, na luta contra as forças dos Bounsuló. No Estado Português da Índia participou de diversas campanhas, tendo-se destacado na conquista de Amboina, quando foi um dos primeiros soldados a entrar na fortificação. Após ter-se destacado na conquista das ilhas de Corjuém e de Panelém (1706), foi recompensada com o posto de cabo na Fortaleza do Morro de Chaul. Terá sido por essa altura que terá pedido autorização ao Rei Dom João V de Portugal para casar-se com um colega de armas, Afonso Teixeira Arrais de Melo, governador do Forte de São João Baptista, em Goa, o que obteve do soberano. Obteve baixa em 12 de maio de 1714. Afirma-se que, nas cerimónias militares, aparecia ao lado do marido envergando uniforme militar.

Rio Mu

O rio Mu é um rio na parte superior central de Myanmar (Birmânia), e um afluente do principal rio do país, o Irauádi. Ele irriga o vale de Kabaw e parte da zona árida entre o Irauádi a leste e seu maior afluente, o rio Chindwin a oeste, flui directamente de norte a sul por cerca de 275 quilómetros e desagua no Irauádi a oeste de Sagaing, perto de Myinmu. Sua área de captação acima da represa Kabo é de 12.355 km². O fluxo do rio e as chuvas são sazonais e erráticas, sendo o seu nível mais baixo de janeiro a abril, subindo acentuadamente durante maio e junho, e alto de Agosto a Outubro. Porque o Mu está dentro da zona árida da sombra de chuva da Yoma Rakhine, ele recebe escassa precipitação de monção no verão com um total de vazão de 350 mm. Uma velha expressão popular em birmanês diz assim: Ma myinbu, Mu myit htin - Se você ainda não viu um rio antes, você pensaria que o Mu é isso. Também pode ser chamado de Mu Chaung (riacho) ao invés de Mu Myit (rio) por alguns. O vale arborizado no trecho superior do rio Mu é habitado pelas minorias kadu e kanan, enquanto o fértil vale inferior constitui parte da terra natal da maioria étnica dos birmanes. Em 1503 Mong Yang, da etnia shan, atacou e tomou a guarnição norte da cidade de Myedu, que protegia o vale irrigado do rio Mu, um celeiro importante para o reino birmanes de Ava. Estes ataques culminaram em uma invasão total em 1524 e o estabelecimento do governo shan (1527-1555). O vale de Kabaw sofreu muitas invasões do reino de Manipur a oeste, mais notadamente durante o reinado de Garibaniwaj (1709-1748), quando seu exército atravessou os rios Chindwin e Mu, tomou Myedu, e chegou até Sagaing, no lado oposto da capital Ava. A situação inverteu-se em 1758 depois de o rei Alaungpaya ascender ao trono birmanês e invadir Manipur. Os bayingyi são descendentes de cativos portugueses feitos pelo rei birmanês Anaukpetlun depois de derrotar o aventureiro Filipe de Brito e Nicote, em Sirião, no ano de 1613. Estes cativos instalaram-se à volta do vale do rio Mu, nomeadamente em aldeias perto de Shwebo, e ficaram a formar um corpo hereditário de artilheiros ao serviço dos reis da Birmânia. Já não sendo artilheiros, eles continuam até hoje a manter viva a sua fé católica no vale do rio Mu, e a sua ascendência portuguesa ainda é perceptível, devido às suas características fisionómicas e culturais euro-asiáticas.

Pero de Ataíde

Dom Pero de Ataíde (ou de Taíde) nasceu em Portugal e morreu em Moçambique, em 1503, foi um navegador descrito pelo cronista Gaspar Correia como um "fidalgo mui honrado, virtuoso de condições". Dom Pero de Ataíde nasceu provavelmente no último quartel do século XV, num ramo bastardo da poderosa família dos Ataídes. Era filho natural de Dom Pedro de Ataíde, Abade de Penalva, o qual era filho bastardo de Dom Álvaro Gonçalves de Ataíde, 1.º Conde de Atouguia. Era irmão doutro navegador, Dom Vasco de Ataíde. Integrou na armada de Pedro Álvares Cabral, sendo dos poucos comandantes dos quais se sabe o nome do navio ‘o São Pedro’ seria um navio pequeno de 70 toneladas que, no entanto, protagonizou episódios durante a estada na Índia. Conta-se que o Samorim de Calecute costumava apoderar-se do que não lhe permitiam comprar. Estando Cabral e seus comandados em Calecute, pediu-lhes (como algo muito difícil) aprisionar uma nau que transportava cinco elefantes, pelos quais havia oferecido bom preço, sem sucesso. Cabral encarregou Pero de Ataíde da missão. No confronto com a nau dos elefantes, tripulada por mais de 300 homens armados com flechas, levou a sua tripulação de 60 ou 70 homens muitíssimo bem armados. Bastaram alguns tiros e o inimigo rendeu-se. Em 1502 voltou com Dom Vasco da Gama à Índia, onde permaneceu até 1503, tendo-se perdido no regresso. Salvo com alguns tripulantes, foi para Moçambique, onde morreu.

Pero Vaz de Caminha


Pero Vaz de Caminha nasceu no Porto em, 1450 e faleceu em Calecute, a 15 de Dezembro de 1500, às vezes popularmente chamado de Pedro Vaz de Caminha, foi um escritor português que se notabilizou nas funções de escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Foi também vereador na cidade portuguesa do Porto. Era filho de Vasco Fernandes de Caminha, cavaleiro do Duque de Bragança. Seus ancestrais seriam os antigos povoadores de Neiva à época do Reinado de Dom Fernando (1367-1383). Letrado, Pero Vaz foi cavaleiro das casas de Dom Afonso V (1438-1481), de Dom João II (1481-1495) e de Dom Manuel I (1495-1521). Pai e filho, para melhor desempenhar seus cargos, precisavam exercitar a prática e desenvolver o conhecimento da escrita, distinguindo-se a serviço dos monarcas. Teria participado da batalha de Toro (2 de Março de 1475). Em 1476 herdou do pai o cargo de mestre da balança da Casa da Moeda, um cargo equivalente ao de escrivão e tesoureiro, posição de responsabilidade em sua época. Em 1497 foi escolhido para redigir, na qualidade de Vereador, os Capítulos da Câmara Municipal do Porto, a serem apresentados às Cortes de Lisboa. Afirma-se que Dom Manuel I, que o nomeou para o cargo no Porto, lhe tinha afeição. Em 1500, foi nomeado escrivão da feitoria a ser erguida em Calecute, na Índia, razão pela qual se encontrava na nau capitânia da armada de Pedro Álvares Cabral em Abril daquele mesmo ano, quando a mesma descobriu o Brasil. Tradicionalmente aceita-se que Caminha faleceu em um combate durante o ataque muçulmano à feitoria de Calecute, em construção, no 16 ou 17 de Dezembro de 1500. Caminha desposou Dona Catarina Vaz, com quem teve, pelo menos, uma filha, Isabel De Caminha. Caminha eternizou-se como o autor de uma carta, datada de 1 de Maio, ao soberano, um dos três únicos testemunhos desse descobrimento (os outros dois são a Relação do Piloto Anónimo e a Carta do Mestre João Faras). Mais conhecido dentre os três, a ‘Carta de Pero Vaz de Caminha’ é considerada a certidão de nascimento do Brasil embora, dado o segredo com que Portugal sempre envolveu relatos sobre sua descoberta, só fosse publicada no século XIX, pelo Padre Manuel Aires de Casal em sua "Corografia Brasílica", Imprensa Régia, Rio de Janeiro, 1817. O texto de Mestre João demoraria mais ainda: veio à luz em 1843 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e isso graças aos esforços do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. Relação de acordo com Sílvio Castro, Pedro Álvares Cabral (comandante da frota de 13 navios). Vasco de Ataíde (comandante), Nicolau Coelho (comandante), Sancho de Tovar (comandante), Simão de Miranda (comandante), Aires Correia (comandante, feitor geral), Bartolomeu Dias (comandante), Diogo Dias (comandante), Aires Gomes (comandante), Afonso Lopes (piloto), Pêro Escobar (piloto), Henrique de Coimbra (frei), Afonso Ribeiro (degredado). Gaspar de Lemos (comandante) - Retornou a Portugal com a carta. Partiu dia 2 de maio, Nuno Leitão da Cunha (comandante da caravela Anunciada), Pero de Ataíde (comandante do navio São Pedro), Luís Pires (comandante), Simão de Pina (comandante). A célebre "Carta do Achamento do Brasil" foi escrita por Pero Vaz de Caminha em Porto Seguro, entre 26 de abril e 2 de maio de 1500. O escrivão só interrompeu o trabalho no dia 29, quando ajudou o capitão-mor a reorganizar os suprimentos da frota. Enquanto o restante da armada seguiu para a Índia, o navio de Gaspar de Lemos foi despachado por Cabral para Lisboa, ao fim da estadia no Brasil, em 2 de maio. Por meio dele, a carta chegou ao seu destinatário. Das mãos de Dom Manuel I, passou à secretaria de Estado como documento secreto, pois se queria evitar que chegasse aos espanhóis a notícia do descobrimento. Anos mais tarde, o documento foi enviado para o arquivo nacional, localizado na Torre do Tombo do castelo de Lisboa. O documento volta ao Brasil. Somente em 1773, o director do arquivo, José Seabra da Silva, mandou fazer uma nova cópia da Carta do Achamento. Seabra tinha ligações familiares com o Brasil. Supõe-se que por meio dele o texto de Caminha tenha chegado aqui, possivelmente com a sua transferência para o Rio de Janeiro quando acompanhou a família real portuguesa. Essa cópia da carta foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro pelo padre Manuel Aires do Casal, que a imprimiu em 1817, tornando-a pública pela primeira vez. O documento ganhou particular importância para o Brasil com a Independência, em 1822. Análise linguística, isso se deve ao fato de o português do início do século 16 estar bem distante do português tal qual é falado hoje em dia. Alteraram-se os sons ou os significados de algumas palavras, outras caíram em desuso, novos termos apareceram. É o caso de "achamento", usado no século 16, e substituído por "descobrimento" nos dias de hoje. Mas a simples transcrição de um trecho do original de Caminha pode deixar mais clara a acção do tempo sobre a língua e revelar o abismo histórico que se abriu entre o português do escrivão e o nosso: "Posto que o capitam moor, desta vossa frota e asy os outros capitaães screpuam a vossa alteza a noua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçam achou, nom leixarey tambem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhar poder aimda que pera o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer." Texto rico e envolvente, como o português empregado por Caminha é muito diferente do atual, não se pode ter certeza do significado de algumas palavras empregadas pelo autor. No caso de outras, sua significação simplesmente se perdeu no tempo. Há passagens da carta cuja compreensão depende das interpretações que os estudiosos propõem para preencher essas lacunas. Felizmente, esses problemas não chegam a prejudicar a compreensão do texto como um todo. Nem impedem que se possa "traduzi-lo" para o português de hoje. Com a intenção de informar ao rei o descobrimento e apresentar-lhe o que aqui se encontrou, o estilo do autor é claro e marcado pela objectividade, como convém a quem escreve um relatório. Mas o texto acaba sendo mais do que isso, pois o escrivão não se comportou como um simples burocrata. Sua linguagem nunca é seca ou mesquinha. Pelo contrário, Caminha se dá o direito de ser bem-humorado, fazendo até trocadilhos e brincadeiras ao comparar o corpo das índias com o das mulheres portuguesas. Além disso, a grande riqueza de detalhes e as impressões do autor sobre aquilo que via dão ao relato vida e uma grande dimensão humana, Caminha acompanha não somente as acções dos índios e europeus, mas também as reacções e atitudes que cada grupo tem em relação ao outro, chegando a perceber as emoções que o contacto desperta em ambos. Assim, por meio da sua narrativa o leitor parece entrar numa máquina do tempo e presenciar o momento em que portugueses e índios se encontraram no litoral baiano, quinhentos anos atrás. A carta apresenta também um duplo valor histórico. De um lado, tem a importância de ser o registro documental do descobrimento ou da entrada do Brasil na história universal, constituindo uma espécie de certidão de nascimento do Brasil. De outro, tem o mérito de revelar que a história se faz também a partir de fatos corriqueiros (como o "baile" organizado por Diogo Dias e seu gaiteiro), protagonizados por pessoas comuns e sem intenções de grandiosidade e heroísmo.

Carta a El-Rei Dom Manuel



Pero Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral, o Frei Henrique de Coimbra e o mestre João a carta que será enviada ao Rei Dom Manuel I. A Carta de Pêro Vaz de Caminha é o documento no qual Pero Vaz de Caminha registrou as suas impressões sobre a terra que posteriormente viria a ser chamada de Brasil. É o primeiro documento escrito da história do Brasil. Costuma ser erroneamente considerado o marco inicial da obra literária no país, porém, para ser obra literária, precisaria ter características irreais, já que a Carta é um documento histórico que descreve a realidade do país vista aos olhos de um escrivão. Escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Caminha redigiu a carta para o Rei Dom Manuel I (1469-1521) para comunicar-lhe o descobrimento das novas terras. Datada de Porto Seguro, no dia 1 de Maio de 1500, foi levada para Lisboa por Gaspar de Lemos, comandante do navio de mantimentos da frota. A Carta conservou-se inédita por mais de dois séculos no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. Foi descoberta, em 1773 por José de Seabra da Silva e publicada, pela primeira vez no Brasil, pelo padre Manuel Aires de Casal na sua Corografia Brasílica (1817). A Carta é exemplo do deslumbramento do europeu diante do Novo Mundo. Contudo, apresenta informações equivocadas. Em princípio, Caminha se desculpa pela Carta, a qual considera "inferior". O escrevente documenta os traços de terra e o momento de vista da terra (quando se avistou o Monte Pascoal, a que deu-se o nome de Terra de Vera Cruz). Os portugueses seguem até à praia, onde acontece o primeiro contacto com os índios, quando os portugueses praticam o primeiro escambo com os índios brasileiros. Menciona-se também o pau-brasil e é narrada a Primeira Missa na nova terra. "Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo assim, pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso, desvergonha nenhuma. Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem, todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, farteis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo, quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles, umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo." CAMINHA, Pero de Vaz. Carta a el rey D. Manuel. O pedido que Caminha faz no último parágrafo da Carta é muitas vezes tido como a primeira tentativa de nepotismo em território brasileiro. O que se verifica é que, na verdade, Caminha apelou a Dom Manuel para que libertasse do cárcere o seu genro, casado com sua filha Isabel, preso por assalto e agressão. Eis o trecho final no qual o cronista faz o pedido: "E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro—o que d'Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, 1º dia de maio de 1500."

Cópia da carta do Rei de Portugal mandada ao Rei de Castela sobre o Descobrimento do Brasil. Além da Carta de Pero Vaz de Caminha, importante documento na historiografia do país, o primeiro texto impresso que se refere exclusivamente ao descobrimento do Brasil é o panfleto anónimo, escrito em italiano, "Copia di una lettera del Re di Portogallo mandata al Re di Castella del viaggio & successo dell' India" (Cópia de uma carta do Rei de Portugal mandada ao Rei de Castela acerca da viagem e sucesso da Índia), publicada inicialmente em Roma, em 23 de Outubro de 1505, por mestre João de Basicken e logo a seguir em Milão, no mesmo ano: "Lembra William Brooks Greenlee que 'a autenticidade desta carta é contestável, mas é o mais antigo relato impresso da viagem de Cabral hoje existente.' Apesar disso, como já ressaltou Rubens Borba de Moraes, 'para os brasileiros este panfleto guarda grande interesse, visto que contém as primeiras notícias impressas da descoberta do Brasil pelo "Capitano Generale Petro Alves Cabrale...alla quale terra d'Santa Croce pose il nome..."

Carta do Mestre João

A Carta do Mestre João é o documento escrito pelo espanhol João Faras ou João Emeneslau, entre 28 de abril e 1 de maio de 1500, durante a viagem de Cabral ao Brasil, em um misto de espanhol e português quinhentista, dando ciência ao Rei de Portugal Dom Manuel I acerca do "descobrimento". A carta é famosa por fazer uma das primeiras descrições identificando a constelação Cruzeiro do Sul. Nela o autor revela a existência de um antigo mapa-múndi pertencente a Pero Vaz Bisagudo, em que já constaria o sítio desta terra. Como a de Caminha, a carta do Mestre João ficou conhecida somente no século XIX. A carta situa geograficamente a "ilha de Vera Cruz", revelando ser a ilha já conhecida: "(…)Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; mas aquele mapa-múndi não certifica se esta terra é habitada ou não; é mapa antigo e ali achará Vossa Alteza escrita também a mina.(…)".

Senhor:

O bacharel mestre João, físico e cirurgião de Vossa Alteza, beijo vossas reais mãos. Senhor: porque, de tudo o cá passado, largamente escreveram a Vossa Alteza, assim Aires Correia como todos os outros, somente escreverei sobre dois pontos. Senhor: ontem, segunda-feira, que foram 27 de abril, descemos em terra, eu e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar; tomamos a altura do sol ao meio-dia e achamos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo que, segundo as regras do astrolábio, julgamos estar afastados da equinocial por 17°, e ter por conseguinte a altura do pólo antárctico em 17°, segundo é manifesto na esfera. E isto é quanto a um dos pontos, pelo que saberá Vossa Alteza que todos os pilotos vão tanto adiante de mim, que Pero Escolar vai adiante 150 léguas, e outros mais, e outros menos, mas quem diz a verdade não se pode certificar até que em boa hora cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali saberemos quem vai mais certo, se eles com a carta, ou eu com a carta e o astrolábio. Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; mas aquele mapa-múndi não certifica se esta terra é habitada ou não; é mapa dos antigos e ali achará Vossa Alteza escrita também a Mina. Ontem quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que doutra ilha vêm aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos. Quanto, Senhor, ao outro ponto, saberá Vossa Alteza que, acerca das estrelas, eu tenho trabalhado o que tenho podido, mas não muito, por causa de uma perna que tenho muito mal, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e estar muito carregado, que não há lugar para coisa nenhuma. Somente mando a Vossa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no mar, tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de modo que se não pode fazer, senão em terra. E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como desconcertavam todos nas polegadas, riria disto mais que do astrolábio; porque desde Lisboa até às Canárias desconcertavam uns dos outros em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos cuidados que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas polegadas eram, pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que não o caminho pelas polegadas. Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam ao derredor sobre o horizonte, e ainda estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o pólo antárctico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do Carro; e a estrela do pólo antárctico, ou Sul, é pequena como a da Norte e muito clara, e a estrela que está em cima de toda a Cruz é muito pequena. Não quero alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que fico rogando a Nosso Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como Vossa Alteza deseja. Feita em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela; e melhor com astrolábio, que não com quadrante nem com outro nenhum instrumento. Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor.

Johannes

artium et medicine bachalarius

Relação do Piloto Anónimo

A relação do piloto anónimo é, ao lado das cartas de Pero Vaz de Caminha e de Mestre João, um dos três testemunhos directos do descobrimento do Brasil. Depois da Carta de Caminha, relata o momento inicial da construção da imagem do nativo pelos portugueses. O relato foi publicado, em italiano, na colectânea de viagens organizada por Fracanzano da Montalboddo e intitulada: "Paesi Novamente Retrovati et Novo Mondo de Alberico Vesputio Florentino Intitulato". "A política de sigilo, verdadeira ou falsa, do governo português referentemente ao Brasil gerou uma perda irreparável, representada no diminuto número de obras que noticiavam a existência da ilha de Vera Cruz, conforme constatou Francisco Leite de Faria (1972, Moçambique) ao lembrar que ´os impressos publicados em Portugal, no século XVI, respeitante exclusivamente ao Brasil, são poucos, raros e preciosos.´" A própria Carta de Caminha só seria publicada pelo Padre Manuel Aires de Casal em sua "Corografia brasílica", pela Imprensa Régia, no Rio de Janeiro, em 1817. Montalboddo diz ter traduzido um original em português do qual nunca se achou o paradeiro. A primeira versão em português data de 1812, de autoria de Trigoso de Aragão Morato. Trata-se de uma retroversão, vinda a público na "Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas". Baseia-se numa versão italiana publicada por Giovani Battista Ramusio, em 1550, com o título "Navigationi del Capitano Pedro Alvares Cabral Scrita per un Piloto Portoghese et Tradotta di Lingua Portoghese in Italiana" (In: "Primo Volume della Navigationi et Viaggi..."). Giovani Battista Ramusio é o primeiro a atribuir a um piloto a autoria da relação (cujo significado aqui é o de "relato") mas é pouco provável que o autor desempenhasse esse ofício. A própria narrativa quase desautoriza a suposição, desprovida das observações de natureza técnica comuns em diários escritos por pilotos de navio. Alguns historiadores crêem que Giovanni Matteo Cretico, núncio em Lisboa, seria o autor, tendo compilado ou traduzido uma narrativa anónima, remetendo-a, em seguida, ao cronista de Veneza, Domenico Malipiero. Daí a edição italiana de 1507. Há restrições a essa suposição, pois o núncio não dominava a língua portuguesa, sendo-lhe impossível compilar ou traduzir um texto. Mais plausível é a hipótese de William Greenlee, que, depois de promover cuidadoso levantamento dos homens alfabetizados que retornaram com a armada cabralina, asseverou ser o autor João de Sá, escrivão da armada. Incertezas à parte, a "Relação..." é um documento importante para os que querem conhecer a empresa marítima de Cabral. No que se refere ao descobrimento, a narrativa pouco acrescenta à Carta de Pero Vaz de Caminha (da qual o autor, aliás, morreu em Calecute). Nada mais nos dá a conhecer sobre a viagem entre Cabo Verde e a costa do Brasil, sobre as características dos nativos ou sobre os primeiros contactos com eles. Limita-se a confirmar o que, de forma mais colorida, descrevem as outras duas testemunhas do acontecimento. O interessante do relato é continuar com a armada de Pedro Álvares Cabral e narrar suas desventuras. Trata-se do único testemunho directo sobre a segunda viagem dos portugueses à costa da Índia, viagem importante para realizar o que Vasco da Gama não conseguira em 1497 e 1498: estabelecer relações comerciais permanentes com a cidade de Calecute e firmar presença na região. Cabral, quando retornou a Lisboa, foi recebido mais como o responsável por um desastre político e comercial do que como o audaz descobridor de uma rica e promissora terra. O fato de as duas primeiras fontes impressas sobre a viagem da armada de Pedro Álvares Cabral terem sido divulgadas no estrangeiro anonimamente contribuiu para o conhecimento imperfeito desse evento histórico que abre o Atlântico Sul à expansão do capitalismo e inaugura o advento da idade moderna. Essa primeira colectânea de viagens organizada por Montalboddo logo no início do século XVI teve grande fortuna editorial no século XVI e, com reedições e traduções, chegando a 35 diferentes impressões, conforme demonstrou Francisco Leite de Faria.´

Rafael Perestrelo

Rafael Perestrelo foi um navegador português, cavaleiro fidalgo da Casa real, que se notabilizou entre 1514-1517. Era filho de João Lopes Perestrelo, servidor da toalha de Dom João II e cavaleiro da Casa Real. Rafael era por esta via primo segundo de Filipa Moniz, mulher do famoso Cristóvão Colombo. Ficou conhecido por ter sido o primeiro a aportar nas costas sul da China continental em 1516-1517 para comerciar no Guangzhou, após o explorador Jorge Álvares ter aportado na Ilha de Lintin no estuário do Rio das Pérolas em Maio de 1513. Rafael foi também um negociante e capitão de navio para os portugueses em Sumatra e Malaca. João de Barros (1496-1570) escreveu que Rafael Perestrelo quase se perdeu ao navegar nas Ilhas Andamão, mas se aventurou em segurança no território de que então se dizia ser habitado por nativos canibais.

Salvador Ribeiro de Sousa

Salvador Ribeiro de Sousa nasceu em Ronfe, Guimarães, no século XVI e faleceu em Alenquer(?), no século XVII, foi um militar português, Comendador da Ordem de Cristo, eleito Rei pelo povo do Reino do Pegu, e a história da Birmânia dá-lhe o nome de Massinga. Muitos dos dados aqui apresentados têm origem no livro do padre Manuel de Abreu Mouzinho, escrito em castelhano, e traduzido em português por autor anónimo sob o título de "Breve discurso etc." Breve discurso... Rei do Pegu em 1601, In Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, 1762. Salvador Ribeiro de Sousa, capitão português, era natural de Quintiães (Couto de Ronfe), herdade de seu pai Frutuoso Gonçalves de Sousa. Tinha pelo menos dois irmãos que morreram na Índia onde foram sepultados. Em 26 de Março de 1587 parte para a Índia na Armada de Francisco de Melo. Prosseguimos em citando no Breve Discurso metendo-o em paralelo com outras relações ou com a cronologia da Índia: Aí serviu sete anos "em muitas honradas facções, como na dos navios da Meca, [Agosto de 1591, Batalha naval de André Furtado de Mendonça com três naos da Meca] "na rota da Armada de Cutimuça Marcá, no rio de Cardiva, sendo capitão de Cunhale, [André Furtado prosseguiu seu caminho e foi encontrar o corsário Cutimuça, sobrinho e general do Cunhale [ou Mohamed Cunhale Marcá] que com uma frota de vinte e huma galés se tinha senhoreado de toda a Costa de Coromandel, por onde fazia notáveis danos aos navegadores Portuguezes, vangloriando-se juntamente de que nos havia de lançar fora das Fortalezas de Manar e de Columbo; e encontrando com ella á entrada do rio de Cardiva, aqui mesmo lhe ofereceu batalha, e ele a não recusou confiado em suas forças, e nos seus bons sucessos passados. Com igual valor se investiram estas duas armadas, mas não com a mesma fortuna; porque depois de huma muito obstinada peleja, deixou Cutimuza toda a sua Armada no poder dos nossos ; e pera salvar a vida, e a liberdade, se entregou ás aguas do rio, e por elle acima escapou nadando".] "e na jornada de Jafanapatão com o feliz General André Furtado de Mendonça, aonde mostrou sempre ser soldado qualificado." ["Com estas duas vitorias de antemão ganhadas, chegou o nosso Furtado ao porto de Manar, onde achou ancorada huma Armada, não menos poderosa que a que elle mandava, a qual improvisamente acometeu, e rende-o, sem lhe escapar hum só vaso della (...) Tão velozmente correram nesta ocasião as nossas armas, que primeiro as senti-o o Rey sobre si, do que lhe chegasse a noticia da total perda das suas; e pode dizer-se que perdeu a vida sem o saber. Com elle a perdeu juntamente o seu filho primogénito; cujo irmão segundo prostrando-se aos pés do nosso Capitão Mór, lhe pediu a vida, e este generosamente lha outorgou; em sinal do que, tirando o seu próprio elmo, lho poz na cabeça; e levantando-o assim mesmo cuberto, o entrou a tratar com muita reverencia. Depois de tudo sossegado, deu-lhe a investidura daquele Reyno com mui decentes condições. Concluídas as cousas de Jafanapatão, voltou André Furtado de Mendoça pera Goa carregado de despojos, e cuberto de gloria."]. Se Salvador Ribeiro de Sousa realmente participou a essas jornadas com André Furtado de Mendonça, não aparece em nenhuma menção a seu nome em Couto. Aliás a relação citada mais acima não é realmente de Diogo do Couto. A sua Década XI da Ásia foi-lhe roubada, e o que aparece na edição setecentista dessas décadas é um "pequeno Resumo" do século XVIII, tirado de diversas fontes, "enquanto (...) não aparece aquella Undécima Década, de que só temos a noticia". "Depois passando a Ceilão [Jafanapatão também é cidade de Ceilão...] com o General Dom Jerónimo de Azevedo, militou seis anos, e foy Capitão de huma companhia, aonde assim assistiu em a famosa retirada de Malvana, [Quanto a estes acontecimentos em companhia de Dom Jerónimo, Diogo do Couto na década XII fala de um capitão cujas acções assemelham-se muito com as enumeradas aqui: mas trata-se de Salvador Pereira da Silva e não deste Salvador. Será engano ?] "como em outras perigosas ocasiões conseguiu muita honra não menos de esforçado soldado, que de prudente Capitão, como temos escrito na História daquela ilha em tempo do insigne Matias de Albuquerque Vizo-Rey que foy dos Estados do Oriente.". Em 1600 decide de voltar para Portugal "requerer a satisfação de seus serviços, e de dous irmãos seus, que naquelas partes (sepultura de homens nobres) tinham morrido gloriosamente (…). E a adversidade do tempo o obrigou a arribar ao Golfo de Ganges em Junho de 1600, e tomar o porto de Sirião no principal rio de Pegu, havendo sómente dezoito dias que o rey daquele Reyno se entregará ao de Tangú."

Filipe de Brito e Nicote

Sempre segundo o padre Manuel de Abreu Mouzinho, Salvador comandava as tropas do rei de Arracão e recebeu licença para fundar uma Casa de Alfândega em Sirião, ou Syriam, (hoje Thanlyin), perto da foz do Rio Irauádi, Birmânia). Intrometeu-se, porém, um "infiel" e ambicioso amigo Filipe de Brito e Nicote que fez edificar uma fortaleza para controlar a seu proveito (e aos dos portugueses do Estado da Índia) o negócio deste porto, o mais importante da Birmânia. O rei de Arracão indignado, atacou os portugueses refugiados na fortaleza. Salvador Ribeiro de Sousa distinguiu-se com um punhado de homens, desbaratando uma esquadra de mais de 1.000 barcos e 40.000 homens que o cercavam, que acabaram por retirar depois de muitas baixas. A fama desta e outras proezas correu o Indochina e os habitantes de Pegu deram a sua Coroa a este guerreiro português, na ausência de Picote. As façanhas de Salvador Ribeiro de Sousa deram pretexto para assunto de romance em verso de Morais Sarmento, intitulado "O Massinga".

Rei do Pegu

"Foi durante o governo do Vice-rei Aires de Saldanha que os portugueses conseguiram a sua primeira posição em Arracão. Foi devido a Salvador Ribeiro de Sousa, que era um dos muitos soldados de fortuna portugueses que, no princípio do século XVII, tinham costume de oferecer seus serviços aos reis dos pequenos estados em que a Indochina era dividida. Nascido em Guimarães, foi para Arakan pelos fins do século XVI, onde obteve a capitania de regimento de nativos. Foram associados com ele no comando Filipe de Brito e Nicote, nascido em Lisboa, de pai francês - um homem tão ambicioso como Sousa era desinteressado. Xilimixa [Salim Shah ou ainda, em birmanês: Min Raza Gyi], Rei de Arracão, tendo-se apoderado ele mesmo da coroa do reino de Pegu, e desejando mostrar sua gratidão aos portugueses que o tinham assistido, deu-lhes o porto de Sirião (ou Thanlyeng [Thanlyin], vila do distrito de Rangoon, no lado esquerdo do rio Pegu (hoje Rio Irauádi), a perto de três milhas da sua foz). Nicote [chamado Nga Zingar em Birmânia] depois conseguiu convencer Xilimixa, de construir uma casa de Alfândega na foz do rio, abertamente para puder aumentar as suas receitas por meio disso, mas com a verdadeira intenção de valer-se dela quando concluída, e de convertê-la em uma fortaleza que poderia servir de uma base de operações aos portugueses na conquista da monarquia inteira. Logo que o trabalho foi terminado, o rei colocou-o na carga de Banadala, quem, suspeitando os desenhos de Nicote, fortificou o lugar e não permitiu que nenhum português pudesse entrar com a excepção de um frade dominicano, chamado Belchior da Luz. Nicote, que ficou assim confundido nas suas primeiras intenções, resolveu tomar posse do lugar pela força, antes que os trabalhos da defesa fossem quase concluídos. Para esse fim, ele com três oficiais (João de Oliva, Paulo do Rego, e Salvador Ribeiro), com cinquenta homens, fez um ataque súbito ao forte. Banadala refugiou-se numa ilha vizinha, onde se fortificou. Posteriormente reuniu uma força de 1.000 homens, e tomou os tesouros que pertenciam ao pagode de Digan para mantê-los. O rei, logo que ouviu falar desse procedimento, decidiu enviar o alívio imediato a Banadala; mas o Nicote, quem parece ter ganhado uma influência extraordinária sobre Xilimixa, dissuadiu-o de fazer algo de semelhante, pela razão que Banadala era um ladrão sacrílego, e ofereceu os seus próprios serviços para ajustar matérias com os portugueses. A isto o Rei prontamente concordou, e logo após Nicote deu as ordens necessárias para concluir os trabalhos da fortificação na chamada Casa Alfandegária, debaixo das suas próprias directivas, e por seus próprios homens Portugueses. Logo que os trabalhos foram suficientemente avançados, Nicote voltou para Goa, com a intenção de oferecer o forte ao Vice-rei, deixando Salvador no comando da praça. Ao mesmo tempo persuadiu o rei que a sua expedição tinha o objetivo de obter a ajuda para a conquista do Bengalo. Mas antes de partir, Nicote entrou em comunicação com vários Príncipes vizinhos, propondo a cada um deles separadamente que, se se juntasse com o vice-rei na conquista projectada, poderia ficar facilmente Rei do Pegu, e alguns deles foram suficientemente persuadidos para enviar embaixadores ao vice-rei naquele objetivo. Apenas o Nicote tinha partido, o rei conheceu as suas intrigas, e cheio de indignação logo ordenou que todos os portugueses fossem expulsos do seu reino. Para o efeito, enviou Banadala abaixo ao rio com uma frota e 6.000 homens. Esses foram encontrados por três navios com só trinta portugueses, comandados por Salvador Ribeiro, que, em curto espaço de tempo, e sem perder um homem, mataram vários inimigos, capturaram quarenta barcos, e puseram o resto em fuga. O Xilimixa então obteve a ajuda do rei de Prome, e uma força combinada de 1.200 velas atacou o lugar pela água, enquanto 40.000 homens atacavam por terra. Salvador Ribeiro, com uma mão cheia dos seus compatriotas, retiraram-se na fortaleza, que defenderam heroicamente. Vendo que o inimigo não observava nenhuma determinada ordem no ataque, Ribeiro fez um ataque repentino uma noite, e caindo energicamente neles, matou o seu general e pôs o exército inteiro em fuga. O Banadala pouco tempo depois novamente sitiou o forte, com um exército de 8.000 homens, e, tendo plantado as suas armas, bombardeou o lugar durante um dia inteiro, e no meio da noite avançou com seus homens calmamente, e fez um assalto. A este ataque foi resistido com tanto vigor que os assaltadores foram repelidos, e 1.000 corpos mortos do inimigo foram encontrados no fosso pela manhã seguinte. O inimigo continuou o cerco durante oito meses. Um pouco da guarnição portuguesa desertou, mas, para impedir outros de seguir o mesmo exemplo, Ribeiro fez queimar todos os barcos que estavam no porto. Logo que o vice-rei soube do sucedido em Siriam, enviou reforços, com a chegada dos quais Ribeiro se encontrou à cabeça de 800 homens, com que determinou assumir a ofensiva. Tendo feito todos os planos necessários com esta finalidade, caiu inesperadamente nas construções do inimigo, que resistiu com grande coragem, mas depois de uma luta obstinada, as tropas portuguesas foram novamente vitoriosas, e o exército de Banadala foi forçado a fugir. Ribeiro destruiu então todas obras que tinham sido construídas para o ataque. O forte agora aliviado da presença do inimigo, Ribeiro permitiu à maioria das suas tropas dispersar-se durante algum tempo, conservando só 200 dentro da fortaleza. Enquanto os portugueses foram assim espalhados, Banadala voltou a fazer o cerco, trazendo alguns castelos de movimento e vários tipos de bombardas. Os defensores foram reduzidos a grandes extremidades, e a ‘issue du combat’ ficou extremamente duvidosa, quando um meteoro de fogo apareceu nos céus, assustando os sitiadores que fugiram, deixando todos os seus castelos para trás, e esses foram rapidamente destruídos pelos portugueses. Além deste êxito, Ribeiro também ganhou uma vitória sobre o Rei Massinga, na província de Camelan (Kamanlay?), na qual o rei foi morto, e grande dano feito ao seu país, tanto por terra como por mar. Devido a essas vitórias a reputação do português foi feito grande com a gente do Pegu, que rapidamente quis ser empregada por eles, até que dentro de um tempo curto puderam receber os serviços de 20.000 naturais. Esses, em consideração ao êxito alcançado por Filipe de Brito e Nicote, e o seu bom temperamento (por causa do qual eles o chamaram "Changa", ou "Homem Bom"), proclamaram-no rei. Como ele estava ainda ausente, Salvador aceitou a coroa em seu nome, mas logo que voltou Nicote recebeu o reino em nome do Rei de Espanha e Portugal. O comando do forte de Siriam agora recaiu sobre Rodrigo Álvares de Sequeira, que acidentalmente o queimou, ficando de pé apenas as paredes. Nicote parece que teve tanto sucesso com o Vice-rei como tinha tido com Xilimixa, e ter exercido uma influência poderosa sobre ele, para que ele não só aceitou cada exigência de Nicote, mas casou-o com uma sobrinha sua que tinha nascido em Goa de uma mulher javanesa. Também concedeu-lhe o título de "Comandante de Siriam, e General das Conquistas do Pegu". Nicote então voltou a Siriam com reforços, e seis navios. Tendo chegado a Siriam ele rejuntou o forte, construiu uma igreja, e enviou um presente rico ao Rei de Arakan, que o tinha enviado delegação para cumprimentá-lo sobre a sua chegada. Emitiu então ordens quanto à casa da alfândega, conforme as instruções que tinha recebido do Vice-rei, todos os navios que comerciavam na costa de Pegu devendo fazer as suas entradas lá. Como certos navios da costa de Coromandel recusaram obedecer a essas ordens, Nicote enviou a Dom Francisco de Moura com seis navios para forçar a obediência. O que foi realizado eficientemente, e, além disso, foram capturados dois barcos que pertenciam a Achin, com uma rica carga a bordo. Vendo o uso que era feito da Casa da Alfandega em Siriam, o Rei de Arracão desejou apoderar-se daquele lugar e das suas receitas, e induziu o rei de Taungû a juntar-se à empresa. Isto chegando ao conhecimento de Nicote, enviou Bartolomeu Ferreira, capitão dos pequenos navios, atacar vinte pequenos "jálias" que tinham estado preparados com esta finalidade. Facilmente derrotou-os e pôs em fuga, assim escapando ao rei do país de Jangoma. O inimigo, exasperado pela sua derrota, juntou 700 pequenos navios com 4,000 homens, que foram colocados sob as ordens do filho do príncipe, e com ele foram Ximicolia e Marquetam, filhos do imperador de Pegu. Paulo do Rego Pinheiro foi enviado contra estas forças com os barcos e sete navios, e tendo capturado dez barcos que estavam em frente do resto da armada, voltou para depositá-los em um lugar seguro e logo foi-se novamente. Encontrando o inimigo demasiado forte para ele, obteve reforços, com que atacou e derrotou o inimigo, capturando vários navios. O príncipe, na sua diligência para escapar, dirigiu-se para um córrego, onde Pinheiro capturou o resto da sua frota, e o Príncipe fugiu por terra, tendo perdido 1,000 dos seus homens. Pinheiro então capturou o Forte de Chinim, e nele fez muitos presos, entre os quais estava a esposa de Banadala. Depois deste êxito Nicote tomou o mar com catorze pequenos navios, nos quais iam sessenta portugueses e 200 naturais do Pegu; ele dirigiu-se em cima de um rio, e ouvindo que o Príncipe foi em terra com 4,000 homens, 900 dos quais foram mosqueteiros, determinou atacá-los. As tropas do Príncipe foram derrotadas e ele mesmo preso, en consequência de que 2,000 homens foram enviados à sua ajuda pelo Rei de Prome, mas esses também sofreram uma derrota desastrosa, e foram forçados de retirar-se. Depois disso, Nicote foi autorizado durante algum tempo a conservar o seu domínio de Siriam em Paz. Tendo entregado o governo de Siriam a Nicote, Salvador Ribeiro de Sousa retirou-se para Portugal, onde se supõe que ele tenha passado o resto dos seus dias na sua aldeia natal, na província do Minho. O seu corpo jaz na casa de capítulo de um pequeno convento Franciscano perto de Alenquer, aproximadamente trinta milhas de Lisboa, onde uma inscrição evoca o seu nome e a sua história. Os escritores portugueses chamam-no o Marco Aurélio da Decadência da Índia, e mais de um poeta cantou os seus louvores."

Simão Álvares do Renascimento

Simão Álvares, boticário, partiu para a Índia em 1509 e viveu em Cochim entre 1514 e 1530, ocupando o cargo de boticário da fortaleza. Foi nomeado boticário-mor pelo governador Dom João de Castro e tinha à sua responsabilidade as boticas dos hospitais e das fortalezas portuguesas da Índia. Em 1546, acompanhou as tropas portuguesas em Diu, e pelos seus feitos de bravura e humanidade foi-lhe concedido um louvor pelo governador. É o autor da Informação (…) do Nascimento de todas as drogas que vão para o Reino (1547), semelhante à carta de Tomé Pires a Dom Manuel, embora mais extensa.

Simão Infante de Lacerda de Sousa Tavares

Simão Infante de Lacerda de Sousa Tavares nasceu em Lisboa, a 4 de Novembro de 1793 e faleceu em Goa, a 14 de Outubro de 1838, 2.º Barão de Sabroso, foi um militar e administrador colonial português, 88.º governador da Índia Portuguesa.

Sirião

Em fins do século XVI e princípios do século XVII Sirião serviu como base aos comerciantes portugueses, entre os quais se destacaram Filipe de Brito e Nicote e Salvador Ribeiro de Sousa. Filipe de Brito, representante oficial do rei do Arracão, comportava-se na realidade como um Senhor da Guerra, oferecendo por vezes os seus serviços aos Mon nas suas guerras contra os Birmaneses. Todavia tinha saqueado Pegu em 1599. Sirião foi tomado pelos birmaneses em 1613 e Brito executado. Thanlyin conservou-se como um porto importante na região até à sua destruição pelo rei Alaungpaya em 1756.

Tomás Pereira

Tomás Pereira nasceu em São Martinho do Vale, Famalicão, a 1 de Novembro de 1645 e faleceu em 1708 (63 anos)) foi um jesuíta, matemático e cientista português que viveu a maior parte da vida na China. Em 25 de Setembro de 1663 entrou para a Companhia de Jesus. Em 15 de Abril de 1666 embarcou para a Índia, continuando os seus estudos em Goa, chegando a Macau em 1672. Tomás Pereira viveu na China até à sua morte em 1708. Foi apresentado ao imperador Kangxi pelo colega jesuíta Ferdinand Verbiest. Foi astrónomo, geógrafo e principalmente músico, sendo autor de um tratado sobre a música europeia que foi traduzido para Chinês, e também construtor de um órgão e de um carrilhão que foram instalados numa igreja de Pequim. É considerado o introdutor da música europeia na China. Foi responsável pela criação dos nomes chineses para os termos técnicos musicais do Ocidente, muitos dos quais usados ainda hoje. Além da música, o padre Tomás Pereira participou também nas negociações do Tratado de Nerchinsk (1689), que é considerado o primeiro tratado subscrito pela China com uma potência da Europa, neste caso o Império Russo.

Ilhas Banda

As Ilhas banda (em indonésio: Kepulauan Banda) são um grupo de dez pequenas ilhas vulcânicas no Mar de Banda, cerca de 140 km a sul de Seram e 2.000 km a este da Ilha de Java. Fazem parte da província Indonésia das Ilhas Molucas. A principal cidade e centro administrativo são Banda naira, localizados na ilha com o mesmo nome. Elevam-se num oceano com 4-6 km de profundidade e têm uma área total de cerca de 180 km², com uma população de cerca de 15.000 habitantes. Até meados do século XIX as ilhas Banda foram a única fonte mundial de, noz-moscada uma das mais valorizadas especiarias. As ilhas são hoje um destino para a actividade de mergulho. Até à chegada dos europeus, Banda tinha um governo oligárquico liderado por orang kaya ('homens poderosos') com os bandaneses a terem um papel activo e independente no comércio em todo o arquipélago. Banda era a única fonte em todo o mundo a produzir noz-moscada, uma importante especiaria utilizada como tempero e conservante em culinária e em medicina, ao tempo extremamente valorizada nos mercados europeus, vendida por mercadores árabes à República de Veneza a preços exorbitantes. Mercadores e negociantes nunca divulgavam a localização exacta da origem, pelo que nenhum europeu conseguia deduzir a sua origem. Os primeiros relatos escritos de Banda são da Suma Oriental, um livro escrito pelo boticário (farmacêutico) português Tomé Pires estabelecido em Malaca entre 1512 e 1515 mas que visitou Banda várias vezes. Na primeira visita contactou os portugueses e principalmente, os marinheiros malaios em Malaca, calculando então a população entre 2.500-3.000. Reportou os bandaneses como parte de uma rede de comércio abrangendo toda a Indonésia e os únicos comerciantes de longo curso nativos das Molucas a transportar produtos para Malaca, embora alguns carregamentos de Banda também fossem feitos por mercadores javaneses. Além da noz-moscada e mace, Banda mantinha também um significativo entreposto de comércio. Entre os produtos que passavam por banda estavam o cravinho de Ternate e Tidore, a norte, penas de aves-do-paraíso das ilhas Aru e da Nova Guiné, entre outros. Em Agosto de 1511 em nome do Rei de Portugal, Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, que era ao tempo o centro do comércio asiático. Em Novembro desse ano, após assegurar Malaca e ficando a saber a localização das ilhas Banda, enviou uma expedição de três navios comandados pelo seu amigo de confiança António de Abreu para as encontrar. Pilotos malaios foram recrutados e obrigados, guiando-os via Java, as Pequenas Ilhas de Sunda e da ilha de Ambão até Banda, onde chegaram no início de 1512. Aí permaneceram, como primeiros europeus a chegar às ilhas, durante cerca de um mês, comprando e enchendo os seus navios com noz-moscada e cravinho. Abreu partiu então velejando por Ambão enquanto o seu vice-comandante Francisco Serrão se adiantou para as ilhas Molucas mas naufragou terminando em Ternate. Ocupados com hostilidades noutros pontos do arquipélago, como Ambão e Ternate, só regressariam em 1529.

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