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quarta-feira, dezembro 03, 2014

Batalhas Navais-Índico-1554

Golfo de Omã
(10 a 25 de Agosto de 1554)



Em fins de Fevereiro de 1554, largou de Goa, sob o comando de D. Fernando de Meneses, filho do vice-rei, uma armada que tinha como missão: em primeiro lugar, capturar as «naus de Meca» que nessa época do ano costumavam regressar ao mar Vermelho idas do golfo de Bengala ou de Achém; em segundo lugar, dar combate às galés turcas estacionadas em Baçorá se elas voltassem a sair para o mar. Compunha-se a dita armada de seis galeões (São Mateus, Santa Cruz, São Sebastião, São Tiago, São Lourenço e São Tomé), seis caravelas e vinte e cinco ou vinte e seis fustas e catures. Todos os navios iam muito bem equipados e municiados. Das suas guarnições faziam parte mil e duzentos portugueses, além dos habituais auxiliares canarins e malabares. À chegada ao golfo de Adém, D. Fernando destacou um certo número de fustas e catures para a entrada do mar Vermelho a fim de investigarem o que por lá se passava. As informações que trouxeram foram que somente se encontravam em Moca três ou quatro das galeotas de Cafar. Durante todo o mês de Março se conservou a armada de D. Fernando de Meneses cruzando no golfo de Adém sem que fosse avistada qualquer «nau de Meca». Será de supor que estas naus, tendo tido conhecimento da intensa actividade naval dos Portugueses naquela zona, tenham desistido das suas viagens. Em princípios de Abril, de acordo com as ordens que recebera de seu pai, D. Fernando dirigiu-se para Mascate, navegando ao longo da costa da Arábia. De caminho, desembarcou em Dofar, a fim de tentar conquistar um forte que os Fartaques tinham tomado aos Árabes da região, nossos aliados. Porém, depois de vários combates, acabou por desistir por não ter possibilidade, devido à ondulação, de desembarcar a artilharia pesada necessária para o bater. Chegado a Mascate, D. Fernando de Meneses deixou aí o grosso da armada a «invernar» (passar a «monção») e seguiu para Ormuz com os navios de remo, acompanhando várias naus de mercadores e um galeão vindo de Goa, onde ia embarcado Bernardim de Sousa, nomeado capitão daquela praça em substituição de D. Antão de Noronha. Feita a entrega do cargo, foi o dito galeão mandado «invernar» também em Mascate, depois de nele ter sido embarcada a fazenda do capitão, dos fidalgos e dos soldados que nele haviam de regressar a Goa por terem terminado as suas comissões. Em princípios de Julho, quando começaram a soprar os ventos de oeste, D. Fernando enviou três catures para a boca do Shatt al-Arab a fim de vigiarem as galés turcas. Utilizando barcos de pesca locais, alguns dos elementos das guarnições dos catures, provavelmente indianos, entraram no rio e foram mesmo a bordo das galés vender peixe! Desta forma ficaram sabendo que aquelas se estavam preparando activamente para sair para o mar. Moradobec fora substituído no comando da armada turca por Alecheluby, corsário afamado, a quem Solimão repetira a ordem de fazer regressar ao mar Vermelho quinze das galés que estavam em Baçorá. Nos primeiros dias de Agosto, já com ventos firmes de oeste, Alecheluby deixou o Shatt al-Arab rumo ao estreito de Ormuz. Imediatamente um dos catures que ali se encontrava de vigia seguiu para Ormuz, a fim de alertar D. Fernando de Meneses, enquanto os outros dois acompanhavam à distância as galés turcas Logo que D. Fernando soube que a armada turca já se encontrava no mar, meteu-se nos navios de remo e foi para Mascate, onde deixara a «invernar» os galeões e as caravelas. Também D. Antão de Noronha, que saía de capitão de Ormuz e a quem o Vice-Rei encomendara que amparasse o filho por ser ainda muito novo, se meteu numa galeota com quarenta soldados e tomou o rumo de Mascate, para onde, como já referimos, tinha mandado o galeão em que devia regressar a Goa. Por seu turno, Bernardim de Sousa, o novo capitão de Ormuz, não querendo ficar ocioso, mandou artilhar e guarnecer com gente de armas um galeão e três ou quatro naus de mercadores que ali estavam e preparou-se para, depois de as galés terem passado, ir postar-se na boca do Shatt al-Arab a fim de impedir que se pudessem recolher a ele se, tal como acontecera no ano anterior, fossem obrigadas a retroceder. Decisão particularmente acertada que denota uma excepcional visão estratégica e um elevado espírito de iniciativa. Chegado a Mascate, D. Fernando de Meneses embarcou no seu galeão, que era o São Mateus, acompanhado de D. Antão de Meneses e de Manuel de Vasconcelos, que lhe serviam de mentores, e fez-se ao mar com toda a armada, rumo ao norte, ao encontro do inimigo, aproveitando os ventos gerais de sueste que durante o mês de Agosto predominam no golfo de Omã. É de supor que o galeão de D. Antão de Noronha tenha acompanhado a armada. À frente iam os catures e as fustas em missão de exploração. Seguiam-se as caravelas e, por fim, os galeões. Qualquer destas três esquadras devia ir formada em linha, isto é, com os navios ao lado uns dos outros, e com intervalos relativamente grandes entre eles. No entanto, essas linhas deviam ser bastante irregulares, uma vez que os Portugueses, de um modo geral, não se preocupavam com o rigor das formaturas. Na mente dos nossos capitães, a preocupação de ser o primeiro a abordar o inimigo prevalecia sobre quaisquer outras considerações de ordem táctica. A 10 de Agosto, pela manhã, estando as nossas fustas e catures já muito perto do cabo Mussandão, começaram a avistar as galés turcas que estavam precisamente a dobrar aquele cabo, passando entre ele e uma ilhota que lhe fica fronteira. Vinham a navegar à vela e, logo que aproaram a sul, cingiram-se o mais possível ao vento, que naquela zona ainda soprava de oeste, seguindo em coluna ao longo da costa. Pouco depois, eram avistadas pelas nossas caravelas e galeões, que foram imediatamente ao seu encontro aproveitando o vento que na zona onde se encontravam soprava de WSW e SW. De bordo das galés turcas o espectáculo devia ser impressionante. Na sua frente estendia-se uma muralha de cerca de quarenta velas que parecia intransponível. Mas Alecheluby não perdeu o sangue-frio e logo começou a idealizar a forma de sair da ratoeira em que se encontrava. Confiadamente, continuou em frente, permitindo que a distância aos navios portugueses continuasse a diminuir rapidamente, uma vez que as duas armadas iam praticamente a navegar a contrabordo. Pouco depois, começava o duelo de artilharia entre as galés que iam à frente e as nossas fustas, a que um pouco depois se juntou o galeão Santa Cruz. O mar principiou a cobrir-se de pequenas nuvens de fumo negro resultantes dos disparos e em volta dos navios empenhados no combate começaram a levantar-se as «gerbes» resultantes da queda dos projécteis. A bordo dos navios portugueses o ambiente era de franco optimismo. Capitães, fidalgos e soldados tinham como certo que em breve viriam às mãos com os turcos e não duvidavam que os esmagariam. Mas D. Antão de Noronha, que no íntimo se considerava o verdadeiro capitão-mor da armada, não queria correr riscos desnecessários. Vendo que o galeão Santa Cruz se adiantara bastante em relação ao resto da armada e que a coluna turca avançava directamente contra ele, receou que se o vento caísse lhe pudesse vir a acontecer o mesmo que tinha acontecido ao galeão de Gonçalo Pereira Marramaque no estreito de Ormuz no ano anterior. Como sabia que o Santa Cruz tinha pouca gente, passou-se para a sua galeota e foi-lhe meter dentro um reforço de trinta soldados, após o que voltou para o São Mateus, para junto de D. Fernando. Entretanto o vento refrescara, fixando-se em sudoeste, o que fez aumentar a velocidade e a capacidade de manobra dos nossos navios de alto bordo. Mais alguns minutos e as nossas caravelas estariam em cima das galés! Foi então que Alecheluby desferiu o golpe que estivera preparando. A uma ordem sua, todas as galés, que já haviam sido devidamente prevenidas, arriaram as velas e, navegando a remos, executaram uma guinada simultânea para EB (um «turn», como hoje diríamos), aproando à ponta Lima, que era aproximadamente a direcção donde vinha o vento. Com esta manobra as galés turcas afastaram-se rapidamente dos navios portugueses, acabando pouco depois por ficar a barlavento de toda a nossa armada! Por mais que as caravelas e os galeões puxassem tudo para a orça, nenhum deles conseguiu chegar à ponta Lima antes de as galés a terem dobrado! Em todos os nossos navios a decepção era profunda. No São Mateus, os principais capitães portugueses, colhidos de surpresa pela superior capacidade táctica dos turcos, discutiam acaloradamente acerca da forma de alcançar as galés sem chegarem a qualquer conclusão. Por fim, um piloto «velho» conseguiu fazer-se ouvir. Dizia ele que embora naquela época do ano predominassem no golfo de Omã os ventos de sueste, havia junto à costa da Pérsia ventos que davam para navegar para leste. Afirmava que já tinha feito por ali a viagem de Ormuz para Mascate e propunha que a armada atravessasse imediatamente para a outra costa, única maneira de conseguir alcançar Mascate antes de os turcos lá chegarem. À falta de melhor, a sugestão foi aceite, e, entregando-se aos caprichos de Eolo, D. Fernando de Meneses mandou fazer rumo para a costa da Pérsia. Afinal o piloto tinha razão. Encontrando ventos propícios, a armada portuguesa, navegando a curta distância de terra, progrediu rapidamente para leste. Quando pareceu aos pilotos que já deviam ter Mascate para ré do través, voltou a atravessar o golfo de Omã com vento largo e conseguiu alcançar Mascate sem dificuldade. Aí chegados, receberam os portugueses a agradável notícia de que as galés turcas ainda não haviam passado. A manobra resultara em cheio! Antes de deixar a costa da Arábia, D. Fenando tinha destacado um certo número de fustas e catures para irem acompanhando as galés e levarem para Mascate informações relativas à sua posição. À chegada a esta cidade despachou outro grupo de fustas para irem para norte, junto à costa, ao encontro daquelas. Dois ou três dias se conservou a armada portuguesa em Mascate, aproveitando para fazer aguada e dar um pouco de descanso às guarnições. Entretanto, a armada turca arrastava-se penosamente ao longo da costa da Arábia, navegando exclusivamente a remos, o que a obrigava a fundear de tantas em tantas horas para dar repouso às chusmas. À distância, acompanhavam-na alguns catures e fustas portuguesas sempre vigilantes. Perto dos ilhéus que ficam defronte do cabo Suadi apareceram mais fustas pela proa, obviamente vindas de Mascate. Apesar de tudo, Alecheluby não estava preocupado. A persistência dos ventos gerais de sueste, embora exigisse um enorme esforço dos remadores, o que lhe era indiferente, constituía a melhor garantia de que as caravelas e os galeões portugueses que tinha deixado para trás não seriam capazes de o alcançar. O mais provável, pensava, era que tivessem recolhido a Ormuz. Ao romper do dia 25 de Agosto as fustas que alguns dias antes tinham saído de Mascate regressaram com a informação de que haviam deixado as galés junto ao cabo Suadi e que, portanto, já deviam estar muito próximas. D. Fernando de Meneses mandou imediatamente suspender e fez-se ao mar com todos os navios vistosamente embandeirados e prontos para combate, jurando a si próprio que desta vez não havia de deixar escapar os turcos. Como habitualmente, seguia à frente uma linha de fustas, depois uma linha de caravelas e por último uma linha de galeões. Nessa altura o vento era moderado de leste, o que permitia aos nossos navios navegar praticamente à popa arrasada. Como os portugueses iam a navegar à vela projectando-se sobre um horizonte de mar e os turcos vinham a navegar a remos projectando-se sobre a terra, era inevitável que avistassem a nossa armada muito antes de poderem ser avistados por ela. De começo, Alecheluby não se alarmou. Convencido de que a armada portuguesa estava muito para trás, pensou que as velas que começavam a avistar-se eram de navios mercantes que se dirigiam para Ormuz. Mas vendo que o seu número continuava a aumentar, acabou por compreender que, por razões que lhe escapavam, era novamente a nossa armada que tinha diante de si. Não obstante, apesar de se encontrar numa situação que parecia desesperada, não se desorientou. Partindo do princípio de que ainda não teria sido avistado pelos portugueses, aproximou-se ainda mais da costa, acabando por ficar encoberto por uma ponta de terra, onde, provavelmente, se terá deixado ficar à espera que os nossos navios passassem. De bordo destes, as galés turcas só terão sido avistadas, já a curta distância, quando deixaram pelo través de BB a ponta de terra acima referida. Nessa altura, as galés lançaram-se à voga arrancada para barlavento, ao longo da costa, exactamente como tinham feito quinze dias antes no cabo Mussandão. Surpreendidos, os capitães dos nossos galeões e caravelas apressaram-se a guinar para BB e, orçando o mais possível, procuraram alcançar a costa que tinham pela proa antes de as galés lá chegarem. O navio português que ia a navegar mais próximo de terra e que, consequentemente, parecia ter maiores possibilidades de interceptar as galés era a capitânia de D. Fernando de Meneses, o galeão São Mateus. Mas como levava as vergas braceadas no limite andava relativamente pouco e abatia muito. Com a respiração suspensa, a guarnição não tirava os olhos da coluna de galés que voavam sobre as águas com os chicotes dos comitres flagelando sem piedade as costas dos remadores. Estando o galeão ainda a uma certa distância da costa, a primeira galé cortou-lhe a proa passando-se para barlavento! E, logo a seguir, outra... e outra... e outra ... ! Não havia hipótese de chegar a tempo! As galés iam, mais uma vez, escapar-se! Foi então que alguém lançou para o ar a ideia de fundear para, ao menos, poder disparar a artilharia contra elas. Atabalhoadamente foi largado um ferro e carregado o pano. Lentamente, o galeão começou a fazer cabeça ao vento, enquanto os bombardeiros, tensos, aguardavam de morrões acesos. Finalmente o galeão ficou paralelo à coluna de galés e a pequena distância delas. Já nove tinham passado quando as bombardas do São Mateus começaram a disparar. Tiros curtos... tiros compridos... Em silêncio absoluto, os soldados e os marinheiros sustinham a respiração. De súbito, um pelouro de grosso calibre acertou em cheio na décima galé, metendo-lhe a borda dentro, quebrando-lhe muitos remos e matando-lhe numerosos remadores de BB. Impulsionada pelos remos de EB a galé atravessou-se instantaneamente. E foi o fim! Como as galés iam muito perto umas das outras a navegar a grande velocidade, quando a dianteira estacou, as que seguiam atrás dela não tiveram tempo de se desviar nem de estacar e roçando umas pelas outras partiram as apelações (conjunto de remos) e ficaram imobilizadas! A bordo da nossa capitânia era o delírio! Já muito perto vinham as caravelas, qual matilha enfurecida, sequiosa de sangue. A primeira era a de D. Jerónimo de Castelo Branco. Ao passar muito perto da popa do São Mateus, um seu irmão que estava no chapitéu deste gritou-lhe entusiasmado: -Vara-me essa caravela, rapaz!- D. Jerónimo não fez a coisa por menos. Com o pano todo em cima meteu-se pelo meio das duas primeiras galés da molhada, até dar em seco. Cada caravela tinha somente vinte soldados; cada galé teria pelo menos cinquenta. Mas o maior bordo livre das caravelas era um factor decisivo no combate à abordagem, sobretudo porque permitia aos portugueses usar à vontade a sua arma preferida: as panelas de pólvora. Mal a nossa caravela se prolongou com as duas galés começou a lançar-lhes para dentro panelas de pólvora umas atrás das outras. Queimados pelas chamas e entontecidos pelas explosões, os seus remadores lançavam-se à água e os soldados desordenavam-se. Aproveitando a confusão, D. Jerónimo saltou para a galé que tinha por BB, com quinze soldados, e à lança e à espada matou os turcos todos que lá se encontravam e que não tiveram tempo de saltar para a água. Mas já vinha chegando a caravela de D. Manuel de Mascarenhas, que aferrou por BB a outra galé que D. Jerónimo já tinha aferrado por EB e logo mimoseou com nova chuva de panelas de pólvora. Com a sua guarnição quase toda queimada e completamente desmoralizada, esta galé foi facilmente tomada por D. Manuel de Mascarenhas, que imediatamente foi atacar a terceira galé. Nesta, o combate foi mais renhido, mas os turcos acabaram por ser todos mortos ou obrigados a lançar-se à água. E eis que mais duas caravelas entram de rompante na contenda: a de António Valadares e a de Fernando Monroi. Cada um deles aferra uma galé, lança-lhe para dentro numerosas panelas de pólvora e a seguir varre-a de proa à popa à lança e à espada. Após violentos combates, estas duas galés são tomadas. A última galé terá ficado para as caravelas de Nun'Álvares de Castro e de Jorge de Moura, as últimas a chegar. Depois de uma curta resistência, foi também tomada. Em menos de meia hora, seis galés turcas tinham caído nas mãos dos portugueses com quarenta e sete canhões de bronze, sendo alguns deles basiliscos, esperas, camelos e águias, ou seja, canhões de grosso calibre. Enquanto prosseguia o combate entre as caravelas e as galés, as nossas fustas metiam-se entre estas e a terra e matavam à lançada todos os turcos que tentavam alcançar a costa a nado. Com as nove galés que lhe restavam, pairando a barlavento, Alecheluby assistia consternado à destruição das seis que tinham ficado para trás na esperança de que alguma ainda se pudesse escapar. Mas em breve se desenganou. Agora, a única coisa que lhe restava fazer era tentar salvar as que tinha consigo. Uma vez que em fins de Agosto predominam no mar da Arábia os ventos de sudoeste, optou por se dirigir à vela para o golfo de Cambaia. Terminada a batalha, D. Fernando de Meneses deu ordem às caravelas para irem no encalço de Alecheluby e recolheu a Mascate com os galeões, as fustas e as seis galés turcas que haviam sido capturadas. Ali se demorou vários dias, festejando a vitória, baptizando as galés e guarnecendo-as com gente que tirou dos outros navios. Por fim, dirigiu-se para Goa, onde chegou nos primeiros dias de Novembro. De estranhar que, pelo menos, não tenha mandado as galés e algumas fustas para o golfo de Cambaia para apoiar as caravelas que, no caso de falta de vento, se poderiam ver em sérias dificuldades perante as nove poderosas galés turcas. Entretanto, esforçavam-se aquelas por alcançar as galés, o que não era fácil porque lhes levavam um avanço considerável e iam a navegar com vento de alheta, o que lhes conferia uma velocidade pouco inferior à sua. Finalmente, já muito perto da costa indiana, as caravelas de António Valadares e de Fernando Monroi, provavelmente as que iam mais adiantadas, avistaram as galés turcas. Mas estas não estavam dispostas a combater. Com vento fresco e mar de vaga, indo a navegar bastante dispersas e, possivelmente, com falta de água, só pensavam em escapar-se. Vendo já muito perto as nossas caravelas, as duas galés que iam mais atrasadas optaram por se dirigir para a costa, onde vararam e se desfizeram, uma junto de Damão e a outra um pouco mais abaixo, perto de Danu. As restantes sete dirigiram-se para Surat, em cujo porto conseguiram entrar antes de serem alcançadas pelas caravelas de D. Jerónimo de Castelo Branco, Nun'Álvares de Castro e Manuel de Mascarenhas, que as ficaram bloqueando, fundeadas do lado de fora do «poço». Neste meio tempo, as caravelas de António Valadares e de Fernando Monroi dirigiram-se para Baçaim, onde chegaram a 20 de Setembro. Desta cidade partiram imediatamente doze fustas para Surat a fim de reforçarem as três caravelas que estavam bloqueando as galés. Poucos dias depois, quando a notícia dos acontecimentos do golfo de Oman chegou a Chaul, partiram também dali outras doze fustas com o mesmo fim. A 23 de Setembro fundeou na barra de Goa uma nau do Reino que trazia um novo vice-rei: D. Pedro de Mascarenhas. Pela mesma altura chegava também a Goa um catur vindo de Mascate com a notícia da vitória alcançada pela nossa armada sobre os Turcos, bem como outros, vindos de Baçaim e de Chaul, dando conta da presença das sete galés em Surat. Tratou logo o novo vice-rei de organizar uma armada destinada a acabar de vez com aquelas e a 10 de Outubro largaram de Goa, com destino a Surat, dois galeões e trinta navios de remo sob o comando de Fernão Martins Freire, sobrinho de D. Pedro de Mascarenhas. De notar que nesta altura, além das armadas ordinárias, tinham os Portugueses empenhados na guerra contra os Turcos oito galeões, seis caravelas e oitenta e seis galés, galeotas, fustas e catures, o que dá bem ideia da formidável potência naval que Portugal era então, apesar de todas as dificuldades de ordem financeira com que se debatia o Tesouro. Chegado a Surrate, Fernão Martins intimou o capitão da cidade a que, nos termos do tratado de paz em vigor, lhe entregasse os turcos e as galés ou então que mandasse queimar estas. Escusou-se aquele, alegando que os turcos se tinham metido pela terra dentro e que já não havia nenhum na cidade. Quanto às galés, dizia que não lhe convinha entregá-las nem queimá-las porque temia represálias dos Turcos contra as naus de Cambaia que todos os anos, com «cartazes» dos Portugueses, iam ao mar Vermelho. Em contrapartida, propunha-se mandá-las cortar, cada uma delas, em três partes. Levado o assunto ao conhecimento do Vice-Rei, este anuiu. Na presença dos capitães portugueses, cada uma das sete galés que restavam da armada de Alecheluly foram serradas em seis bocados, ficando completamente inutilizadas. Deixando dez fustas a patrulhar o golfo de Cambaia, Fernão Martins Freire regressou a Goa, onde chegou nos primeiros dias de Novembro, praticamente ao mesmo tempo que D. Fernando de Meneses. Desta forma terminou a campanha iniciada havia dois anos quando os Turcos tentaram apoderar-se de Ormuz com o fim de assegurarem as ligações marítimas entre Suez e Baçorá. Das vinte e cinco galés que empenharam nas operações com ela relacionadas, perderam seis em combate, três por encalhe fortuito ou deliberado e sete por internamente e posterior inutilização. Restavam-lhes duas no mar Vermelho e sete no Shatt al-Arab. Destas últimas, duas acabariam por ser queimadas pelos Persas por volta de 1555 e outras duas por ser tomadas pelos nossos em Barém, em 1559. Para a vitória final dos Portugueses foram factores preponderantes a abundância de meios navais de que então dispunham na Índia, o receio que os Turcos tinham de se baterem com eles no mar e a forma inteligente como o vice-rei D. Afonso de Noronha movimentou as nossas armadas. Ao mesmo tempo que conservava as galés turcas encurraladas em Baçorá, contra-atacou, cortando as comunicações do mar Vermelho com o exterior, «jogada» que levou à desintegração do dispositivo naval turco no Índico. De assinalar que em resultado da destruição da armada turca, e apesar de os Turcos continuarem senhores de Adém, as comunicações entre a Índia e a Abissínia foram restabelecidas. Outro ponto interessante a ter em conta é que em 1555 Solimão fez a paz com a Pérsia. Mera coincidência ou consequência directa da destruição da sua armada do Índico pelos Portugueses? Seja como for, a batalha do golfo de Oman coincide com o fim da expansão do Império Otomano para Leste.

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