Mombaça
(10 de Abril de 1498)
A partir do momento em que ocupou o trono em 1481, uma das principais preocupações de Dom João II foi abrir o comércio marítimo com a Índia, contornando o continente africano pelo sul, na presunção de que daí adviriam enormes vantagens de ordem económica para portugal. Graças às duas viagens de Diogo Cão (1482-1484 e 1485-1486), à viagem de Bartolomeu Dias (1487-1488) e a outras que inevitavelmente se terão realizado entre 1489 e 1497, ficaram os Portugueses conhecendo o regime de ventos do Atlântico Sul e talvez até da costa oriental da África Austral. A partir daí, o descobrimento do caminho marítimo para a Índia estava praticamente conciuído. Faltava apenas realizar a primeira viagem que, aliás, já se encontrava em preparação quando Dom João II faleceu em 1495.
Retomando a política do seu antecessor, Dom Manuel I enviou à Índia no Verão de 1497, uma armada capitaneada por Vasco da Gama que era constituída por duas Naus, a "São Gabriel" e a "São Rafael" e uma Caravela a "Bérrio", acompanhadas por uma outra Nau destinada a levar mantimentos até ao cabo da Boa Esperança e aí queimada. A missão desta armada era apenas estabelecer relações comerciais pacifícas com as principais cidades da costa indiana, o que nessa altura parecia não oferecer qualquer dificuldade, desde que conseguise lá chegar. Mas se a primeira viagem dos Portugueses à Índia constituiu, sob o ponto de vista náutico, um portentoso sucesso que haveria de ecoar através dos tempos, o mesmo não se poderá dizer dela sob o ponto de vista diplomático e comercial, sobretudo devido à obstrução dos Muçulmanos. Ao tempo em que os Portugueses entraram no oceano Índico, já este era perfeitamente conhecido dos Árabes de Omã e do Iémen, que nele navegavam, possivelmente, desde há três mil anos antes de Cristo, tendo alcançado Cantão no século oitavo da era cristã. Em resultado das suas longas viagens, pequenos núcleos de árabes foram-se fixando por toda a orla daquele oceano, misturando-se pacificamente com as populações locais e, em numerosos casos, tornando-se senhores de vilas e cidades. Desnecessário será acrescentar que a existência de tais núcleos facilitou enormemente a difusão do Islamismo nas regiões circundantes. Quando atingiu a costa oriental da África, preocupado como estava em arranjar pilotos que o conduzissem à Índia, Vasco da Gama aportou sucessivamente a Monçabique, Monbaça e Melinde.
A chegada a Monbaça teve lugar num sábado, a 7 de Abril de 1498, ficando a armada portuguesa, por precaução, fundeada do lado de fora do porto. Seguiram-se dois dias de negociações com as autoridades locais com vista a obter delas pilotos, mantimentos e alguma carga. Mas os árabes que viviam na cidade não acolheram de bom grado a presença dos Portugueses, nos quais viam não só os inimigos irredutíveis da sua Fé mas também perigosos concorrentes no domínio do comércio marítimo. E para cortar o mal pela raiz aconselharam o rei a capturar os nossos navios. Convenceu-se facilmente aquele das vantagens de o fazer mas, como não dispunha de forças militares suficientemente poderosas para se baterem abertamente connosco, resolveu servir-se da traição. Ao mesmo tempo que procurava manter uma aparência de grande cordialidade com os Portugueses para melhor os iludir, insistia com Vasco da Gama, por meio de mensagens, para que levasse os seus navios para o porto interior, a fim de mais facilmente poderem carregar. Convencido da boa-fé do rei de Mombaça, resolveu este fazer-lhe a vontade, e no dia 10 de Abril pela manhã, deu ordem para suspender, na intenção de ir fundear no porto interior. Aconteceu, porém, que, devido possivelmente à corrente a "São Gabriel" não obedeceu à acção do leme e à mareação das velas, começando a abater em vez de guinar para o bordo desejado, pelo que foi necessário voltar a largar o ferro. A manobra em si, nada tinha de especial. Mas como foi feita debaixo de uma certa excitação, com os oficiais a gritar ordens e os marinheiros a correr de um lado para o outro, os árabes que estavam a bordo, e que não tinham a consciência tranquila, julgando que a traição que estavam preparando tinha sido descoberta, entram em pânico e fugiram para as suas embarcações ou lançaram-se à água. Só então os nossos se aperceberam de que a insistência do rei para se mudarem para o porto interior não tinha outro fim senão colocá-los numa posição onde mais facilmente lhes pudesse queimar os navios. Bem desejaria Vasco da Gama, depois deste incidente, ambadonar imediatamente Mombaça e seguir viagem. Mas não o pôde fazer por o vento possivelmente de leste, não dar para isso. Nessa mesma noite, a coberto da escuridão, duas embarcações da terra aproximaram-se da nossa armada sem serem pressentidas e puseram na água um certo número de nadadores encarregados de cortar as amarras dos navios portugueses a fim de os fazer dar à costa. Mas os nossos estavam vigilantes e de bordo da "Bérrio" foi dado o alarme logo que sentiram que lhe estavam a tentar cortar a amarra. Acordados em sobressalto, marinheiros e soldados pegaram em armas e afugentaram os nadadores e as embarcações que os apoiavam, possivelmente disparando tiros de besta e de bombarda. Na "Crónica do Descobrimento e Primeiras Conquistas da Índia pelos Portugueses" lê-se «(...) foram sentidos, e com as bombardas e bestas os escaramentaram de maneira que nunca ousaram de tornar mais». Dizem outros cronistas que nas duas noites seguintes se terão repetido as tentativas de cortar as amarras dos nossos navios, igualmente sem resultado. No entanto, esta versão parece-nos menos verosímil. A 13 de Abril, tendo rondado o vento, a armada portuguesa deixou mombaça, continuando para norte, ao longo da costa em busca de uma cidade onde pudesse encontrar o tão desejado piloto que fosse capaz de a conduzir à Índia a salvamento.
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