Angediva
(Setembro de 1498)
As tentativas de Vasco da Gama para fazer amizade com o Samorim de Calicut e para deixar uma feitoria nessa cidade não foram bem sucedidas. Por um lado, os comerciantes islamizados (os «Mouros» como lhes chamavam os Portugueses de então) não se cansavam de tecer intrigas contra Vasco da Gama e de subornar os funcionários do Samorim para lhe criarem dificulades, por outro lado, Vasco da Gama não ia prevenido com o dinheiro e os presentes necessários para abrir caminho num centro comercial tão rico como era Calicut, dado que quando partira de Lisboa ainda eram muito mal conhecidos em Portugal os processos de comerciar no Oriente. Por tudo isso, Vasco da Gama não conseguiu vender toda a mercadoria que levava, nem comprar a quantidade de especiarias que desejava para carregar completamente os seus navios. Em fins de Agosto com a «monção» prestes a terminar e já enfadado com as dilações e os embustes do Samorim, Vasco da Gama mandou fazer fogo sobre três almadias em que estavam emissários seus e, seguidamente abandonou Calicut, levando consigo alguns malabares como reféns. Ficou o Samorim sumamente irritado com este procedimento e procurou arranjar forma de capturar ou destruir a armada de Vasco da Gama para tirar aos portugueses a possibilidade de virem a saber que o caminho marítimo para a Índia fora descoberto e, portanto, de lá voltarem. Deve dizer-se que sendo Calicut a cidade mais importante da costa do Malabar, por cujo porto passavam por ano centenas de Naus, não teria sido dificel ao Samorim organizar uma armada suficientemente forte para criar sérios embaraços a Vasco da Gama, se este, por um feliz, acaso, não tivesse chegado à Índia durante o período da «monção», em que chove torrencialmente e o mar se torna alteroso, o que nesse tempo, obrigava a desarmar ou pôr em seco todos os navios até à chegada do bom tempo (Setembro). Nas circunstâncias em que se encontrava, o Samorim apenas pôde enviar em perseguição da armada portuguesa cerca de setenta embarcações guarnecidas com gente de armas, na esperança de a poderem tomar à abordagem. Alguns dias mais tarde, encontrando-se Vasco da Gama um pouco a sul de Calicut, com os seus navios encalmados, foi atacado pelas embarcações do Samorim. Procurou afuguentá-las com a artilharia, mas elas persistiram nas suas tentativas de abordagem durante mais de uma hora, causando certo embaraço aos nossos navios por serem muitas e surgirem de todos os quadrantes, ora aproximando-se, ora afastando-se, o que os obrigava a estar constantemente a mudar de alvo.
Por fim, sobreveio uma trovoada acompanhada de vento que permitiu a Vasco da Gama afastar-se para o largo, deixando rapidamente para trás as embarcações inimigas. Seguiu então para norte, ao longo da costa, à procura de um local conveniente para carenar os seus navios antes de iniciar a viagem de regresso a Portugal. Certo dia, entre 20 e 25 de Setembro, estando a armada fundeada junto de uns ilhéus situados um pouco a sul da ilha de Angediva, foram avistadas das duas Naus que se aproximavam cosidas com a terra. Mandando subir alguns homens aos cestos de gávea para as identificar melhor, foi Vasco da Gama informado de que, ao largo estavam mais oito Naus encalmadas. Suspeitando de que se tratasse de uma armada enviada pelo Samorim em sua perseguição, mandou aprontar os seus navios para combate e logo que começou a soprar a viração (brisa do mar), enviou a "Bérrio" ao seu encontro, a investigar. Não esquecer que, sendo a "Bérrio" uma Caravela, podia bolinar e portanto, aproveitar a viração para se aproximar das Naus suspeitas, ao passo que a "São Gabriel" e a "São Rafael", sendo Naus e consequentemente, incapazes de bolinar, nada mais podiam fazer, com o vento do mar, do que continuar fundeadas, numa atitude de expectativa. Embora neste ponto as descrições dos cronistas sejam um tanto vagas pode deduzir-se que se terá passado o seguinte; quando a "Bérrio" chegou perto da Nau que vinha mais avançada terá sido recebida com arremessos de flechas, aos quais, obviamente, terá respondido com a sua artilharia. Como os canhões de bronze dos Portugueses eram muito mais potentes do que os canhões de ferro que até então se utilizavam no oceano Ìndico é natural que as salvas da "Bérrio" tenham não só causado graves avarias na Nau adversa como também tenha assombrado a sua guarnição. Vendo-se com o leme quebrado e incapazes de governar, os tripulantes da Nau passaram-se para um zambuco que levavam a reboque e fugiram para uma das outras. È natural que a "Bérrio", dada a facilidade com que se desfizera do primeiro inimigo tenha continuado a atacar as Naus restantes com a sua artilharia.
Vendo que não tinham qualquer hipótese de sucesso perante a nossa Caravela e receando ser sucessivamente afundadas, dirigiram-se aquelas para a costa, onde deliberadamente ou fortuitamente, acabaram por encalhar. Entretanto na Nau abandonada, o pessoal da "Bérrio" encontrou nela muitos arcos, flechas, espadas, lanças, escudos e outros apetrechos de guerra (não são mencionadas bombardas), o que parece confirmar que ela efectivamente, vinha preparada para combater. Vasco da Gama, logo que viu que as Naus inimigas se começavam a dirigir para a costa, foi no seu encalço, terminando por fundear em frente do local onde elas tinham encalhado. E como não se queria aproximar muito para que não lhe pudesse acontecer o mesmo, mandou armar os batéis com «berços» (pequenos canhões) e deu-lhes ordem para irem bombardear a curta distância as sete Naus encalhadas. Bastou isso para que as suas guarnições as abandonassem e se pusessem em fuga para terra. A Nau apresada pela "Bérrio" deverá ter sido, muito provavelmente queimada. Quanto às duas Naus que foram inicialmente avistadas navegando junto à costa, nada mais sabemos a seu respeito. Se faziam parte da armada inimiga, é natural que tenha encalhado como as outras, se eram simplesmente Naus de Mercadores é provável que tenham sido deixadas seguir o seu destino. Ao outro dia, por informações de gente da terra que tinha contacto com os fugitivos, souberam os Portugueses que aquela armada tinha sido efectivamente enviada pelo Samorim de Calicut para as capturar ou destruir. Depois da acção que acaba de ser relatada, Vasco da Gama foi fundear na ilha de Angediva, onde havia condições óptimas para fazer aguada. E verificando que também nela existia uma boa praia decidiu aproveitá-la para carenar os navios. O primeiro a ser posto «a monte» (em seco) foi a "Bérrio". Certo dia, enquanto decorriam os trabalhos de cartenagem, apareceram à vista sete Fustas (navios semelhantes à Galeota mas mais pequenos), das quais se andiantaram duas bandeiras desfraldadas e tocando instrumentos bélicos em ar festivo. Perguntando Vasco da Gama aos canarins, que tinham ido à ilha vender frescos aos portugueses, o que era aquilo, disseram-lhe que aquelas Fustas pertenciam a um corsário chamado Timoja que costumava usar táctica de se aproximar das suas presas em ar de festa para depois atacar à traição. Não quis ouvir mais o nosso Capitão-Mor. Logo que as Fustas chegaram ao alcance de tiro, mandou abrir fogo à "São Gabriel" e à "São Rafael". Vendo que o seu estratagema não resultara, as Fustas de Timoja puseram-se em fuga. Nicolau Coelho, que estava no batel da "Bérrio" foi em sua perseguição, afastando-se tanto que Vasco da Gama teve que mandar inçar uma bandeira de chamamento. Após este incidente foi concluída a carenagem da "Bérrio", à qual se seguiu a da "São Gabriel". Estando esta prestes a terminar, teve Vasco da Gama a informação de que em Goa se estavam aprontando quarenta Naus para o irem atacar. Receando que se lhe sucedesse algum percalço poderia ficar para sempre perdida a memória da viagem que à custa de tantos trabalhos conseguira levar a cabo, resolveu prescindir da carenagem da "São Rafael" e sem mais delongas, iniciar a viagem de regresso. Depois de ter embarcado alguns frescos, peixe, lenha e uma pequena quantidade de especiaria e de ter completado a aguada, deixou a costa indiana a 5 de Outubro de 1498.
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