Pesquisar neste blogue

terça-feira, junho 16, 2015

Batalhas e Combates-1504 VI

Pandarane
(Outono de 1504)


No fim do Outono de 1504 achavam-se concentradas em Cochim dezasseis naus portuguesas; doze pertencentes à armada de Lopo Soares de Albergaria, três pertencentes à esquadra de António de Saldanha e uma que era a que ali tinha permanecido durante a segunda guerra contra o Samorim. Seria de esperar que António de Saldanha, logo que recompôs a sua esquadra, se tivesse dirigido para as proximidades do cabo Guardafui, de acordo com o regimento que lhe fora dado em Lisboa. Mas não o fez, provavelmente por duas razões, a primeira é que, em consequência da experiência adquirida no cruzeiro do ano anterior, terá chegado à conclusão de que não era viável manter uma esquadra naquela região sem dispor de uma base, sobretudo por falta de lugares seguros onde fazer aguada, a segunda é que havia abundância de pimenta em Cochim e, por certo pareceu-lhe que servia melhor os interesses do rei trazendo essa pimenta para portugal do que indo para a boca do «estreito» dar caça às «naus de Meca». Seja como for, o certo é que a esquadra de António de Saldanha se integrou na armada de Lopo Soares de Albergaria, carregou como ela e fez em sua companhia a torna-viagem. Para defesa de Cochim e das outras feitorias ficaram na Índia somente a mesma nau, as mesmas duas caravelas e os mesmos dois batéis que tão boa conta de si haviam dado na guerra anterior. Foi, pois, com uma armada de quinze naus que Lopo Soares de Albergaria, concluída a carga da pimenta, largou de Cochim com destino a Cananor. Em sua companhia iam ainda, navegando mais perto da costa como exploradores, as duas caravelas destinadas a permanecer na Índia.


Entretanto, em Calicut o ambiente era de desolação. Em consequência das sucessivas derrotas sofridas pelo exército e pela armada do Samorim, os reis seus vassalos tinham-lhe perdido o medo e começavam-se a rebelar, os navios evitavam frequentar os seus portos, os comerciantes «mouros» transferiam-se para outras cidades, a população em geral, cada vez mais empobrecida pela guerra, começava também a debandar. Na altura em que a armada de Lopo Soares de Albergaria passou ao largo de Calicut encontravam-se no porto de Pandarane, situado um pouco a sul da cidade, na embocadura de um rio, dezassete grandes «naus de Meca», nas quais os comerciantes árabes mais ricos estavam carregando os seus haveres na intenção de regressar à pátria, depois de terem perdido a esperança de impedir os Portugueses de se fixarem na Índia. Para se prevenirem contra um eventual ataque destes, estavam as referidas naus amarradas umas às outras, com as popas em terra, e tinham a bordo muita gente de armas, parte dela naires de Calicut e outra parte turcos, sobretudo frecheiros, que faziam parte das suas guarnições. Além disso, tinha sido montada, junto à barra, uma bateria de dois canhões de grosso calibre. Quando deram pela proximidade da armada de Lopo Soares de Albergaria, os «mouros», calculando que as nossas naus, pelo facto de estarem muito carregadas, não teriam possibilidade de se chegar às suas, armaram treze paraus e, num gesto de desforço, foram atacar as caravelas que conforme foi dito atrás, navegavam mais próximo da costa. Vendo-se subitamente rodeadas pelos paraus e tendo falta de vento para manobrar à vontande, defenderam-se aquelas com a artilharia, conseguindo manter do grosso da armada. Mas os paraus não foram no engodo e, depois de mais algumas descargas dos seus canhões e de mais uns tantos arremessos de flechas, regressaram a Pandarane, certamente satisfeitos por terem pregado um susto aos odiados «frangues» (cristãos).


Quem não ficou satisfeito, foi Lopo Soares de Albergaria. Como a armada estava praticamente estacionada por falta de vento, reuniu imediatamente conselho, sendo todos os Capitães de opinião de que se deveria dar um castigo exemplar aos «mouros» pelo atrevimento que tinham tido de desafiar os Portugueses. Fundeadas as naus, foi prontamente organizada uma força de ataque constituída pelas duas caravelas e pelos quinze batéis da armada em que iam embarcados muitas fidalgos e soldados (mais um exemplo do largo uso militar que os Portugueses faziam dos batéis das naus). A ideia de manobra consistia em utilizar as caravelas para, com os seus canhões de grosso calibre, neutralizarem a bateria que defendia a entrada da barra, por forma que os batéis pudessem passar, sem ser molestados, para ir atacar as naus. O pior é que o vento caíra quase por completo e as caravelas foram-se atrasando. Quando os batéis já estavam muito próximos da barra, Lopo Soares de Albergaria, resolveu voltar atrás para dar reboque a uma das caravelas, pensando, possivelmente, que os outros capitães esperariam por ele. Mas estes estando já a ser alvejados pela bateria, em vez de aguentar, mandaram tocar as trombetas, fazer força de remos e brandando por Santiago, cruzaram ousadamente a barra, sem fazer caso dos pelouros que caíam à sua volta e foram abordar as naus. A abordagem destas constituía uma temeridade que tocava as raias da loucura, uma vez que os batéis, que não iam empavesados, logo que chegavam junto delas ficavam completamente expostos às pedradas e aos arremessos de flechas que lhes choviam de cima. Por outro lado, era preciso ter a habilidade de um artista de circo para, carregado de armas escalar o costado de uma nau alterosa, defendida por turcos valentes e experimentados. O primeiro batel que abordou uma das naus apanhou tanta pedrada e tanta flechada, e teve tantos feridos que foi obrigada a desistir, indo abordar a nau seguinte, onde encontrando menos resistência, os portugueses conseguiram entrar. O segundo batel abordou a capitânia inimiga, onde se defrontou também com grande resistência. Por sorte, o couce do tiro de um dos seus canhões tinha arrombado uma parte da borda, abrindo uma brecha por onde os atacantes puderam entrar. Com maior ou menor dificuldade, cada um batéis abordou uma nau, tendo todas elas oferecido uma enérgica resistência. Logo que uma era tomada, os portugueses lançavam-lhe o fogo e saltavam imediatamente na nau vizinha em auxílio dos companheiros que ali combatiam. Deste modo foram sucessivamente tomadas e incendiadas todas as dezassete naus! Entretanto Lopo Soares de Albergaria, conseguira com o seu batel rebocar uma das caravelas para junto da entrada da barra, donde começou a bombardear a bateria. Até que um tiro certeiro desta lhe matou de uma assentada três homens e feriu dez. Desgovernada, a caravela foi levada pela corrente de encontro à proa de uma nau que ainda não tinha sido tomada. E, como era muito mais baixa do que ela, sofreu novamente muito dano, com as pedradas e os arremessos de flechas que lhe caíram em cima.


Conseguindo, por fim, desenvencilhar-se da posição crítica em que se encontrava, nem por isso a sua sorte melhorou, já que foi encalhar na margem, donde surgiu logo um grande número de «mouros» que a entraram. E teria sido inevitavelmente tomada se não lhe tivessem acudido diversos batéis. Terminado o combate e estando o incêndio bem ateado em todas as naus os portugueses desencalharam a caravela e regressaram à armada. Neste duríssimo combate, travado em condições particularmente adversas, tiveram os nossos vinte e cinco mortos e cento e vinte e sete feridos. Dos inimigos, conforme se soube mais tarde, quando a armada chegou a Cananor, morreram para cima de dois mil. Em consequência das derrotas sofridas nas guerras de Cochim, em Cranganor, em Timor e em Pandarane, o Samorim ficou muito quebrantado e incapaz de empreender, a curto prazo, quaisquer acção de vulto contra os portugueses.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.