Tejo
(18 de Julho de 1384)
Logo que foi aclamado pelo povo de Lisboa «Defensor e Regedor do Reino» viu-se o Mestre de Avis a braços com a tarefa ingente de defender Portugal contra a invasão de Castela, tendo apenas pelo seu lado uma pequena parte da nobreza, as cidades de Lisboa e Porto e a província do Alentejo, já que a maior parte da nobreza e o resto do País eram pela filha legitima de Dom Fernando e consequentemente, pelo seu marido, o Rei Dom João I de Castela. Nesse tempo, para efeitos militares, Portugal era Lisboa. Isso mesmo compreendera Henrique II de Castela quando na guerra de 1372-1373 lhe veio pôr cerco. Também o terá compreendido o Mestre de Avis ao concentrar todos os recursos de que dispunha na sua defesa. Mas para defender eficazmente Lisboa, eram precisas duas coisas, uma boa muralha que a protegesse do lado de terra, uma forte armada que garantisse o domínio do estuário do Tejo, pois que nada adiantaria cercar a cidade pelo lado de terra deixando francas as comunicações, através do rio, com Santarém, Barreiro, Almada, etc. Na guerra de setenta e dois, a muralha então existente era ainda a velha muralha dos primeiros reis que de resto a cidade já há muito havia galgado. Agora dispunha o Mestre de Avis da nova muralha que Dom Fernando mandara erigir, depois daquela guerra, fazendo jus ao ditado, «casa roubada, trancas à porta!»
Quanto à armada, dispunha o Mestre, além de algumas Naus, das Galés que tinham sido capturadas em Saltes e mais tarde devolvidas a Portugal por certo muitas delas em mau estado. Com notável visão estratégica, reconhecendo que a armada era o elemento essencial para a defesa de Lisboa e que Lisboa era o elemento essencial para a defesa de Portugal, mandou imediatamente armar todas as Galés e Naus que estavam na cidade, encarregando dessa tarefa o enérgico Bispo de Braga, Dom Lourenço. E, graças à incansável actividade deste, foi conseguido organizar em pouco tempo uma armada de doze Galés e sete Naus, às quais se juntaram uma Galé e uma Galeota vindas do Algarve. A guarnição total desta armada era de cerca de três mil marinheiros e remadores e oitocentos homens de armas. Esforço deveras notável se atendermos à situação em que se encontrava a cidade, prestes a ter de suportar um novo cerco. Apesar de tudo, foi considerado que a armada não era suficientemente forte para se bater com a de Castela, acabando por ser decidido em conselho enviá-la ao Porto a fim de se reforçar com as Naus e gente de armas que lá houvesse e depois, voltar ao Tejo com maior probabilidade de vencer a armada castelhana. A 14 de Maio de 1384 largou a nossa armada rumo ao Porto sob o comando de Dom Rodrigues de Sousa. Chegada àquela cidade, contribuiu decisivamente para repelir as forças castelhanas que a pretendiam ocupar. Na sequência dessa acção, as nossas Galés dirigiram-se para as costas da Galiza, onde andaram às presas durante alguns dias. Entretanto, no Porto trabalhava-se febrilmente para reforçar a armada com navios e gente de armas e mantimentos. Quanto a navios, foram-lhe acrescentadas mais quatro Galés e dez Naus, o que é deveras importante. Mas no que diz respeito a gente de armas e a mantimentos as difilculdades foram maiores, porque, exeptuando o Porto, todo o resto do Norte estava ainda por Dona Beatriz.
Em face disso, mandou o Mestre recado a Nuno Álvares Pereira para seguir para aquela cidade, com toda a sua hoste, a fim de embarcar na armada. Por seu lado, os chefes desta, para remediar a falta de gente, enviaram um emissário ao alcaide da cidade de Coimbra, Dom Gonçalo, oferecendo-lhe o comando da armada, em substituição de Rodrigues de Sousa, que havia sido deposto, se quisesse passar-se para o partido do Mestre. Depois de ter posto certas condições que foram aceites, Dom Gonçalo acedeu e marchou para o Porto com gente de armas de Coimbra, embarcando-se na armada. E porque lhe parecesse que já dispunha de força bastante para bater os castelhanos ou porque receasse que, em chegando Nuno Álvares, o Mestre transferisse para ele o comando, decidiu sair desde logo do Porto, no que foi apoiado por Rui Pereira, que embora tio de Nuno Álvares, também não estava disposto a servir sob as suas ordens. Recorde-se que Nuno Álvares Pereira nessa altura tinha apenas vinte e quatro anos. Em vão Nuno Álvares, que se dirigia em marchas forçadas para o Norte escreveu cartas a Dom Gonçalo e a Rui Pereira pedindo-lhes para esperarem por ele, primeiro no Porto, depois em Buarcos. Ambos fizeram orelhas moucas e apressaram a viagem quanto puderam. Entretanto, em Lisboa o rei de Castela, ao saber que a nossa armada largara do Porto, reuniu imediatamente em conselho os seus principais chefes navais a fim de decidir a estratégia e a táctica a adoptar para lhe fazer frente. O Almirante Sanchez de Tovar e o comandante das Galés eram de opinião de que se fosse esperar a armada portuguesa no mar, a sul das Berlengas. O comandante das Naus era da opinião de que se deveria combater dentro do rio, dada a dificuldade em se aguentar numa posição de espera no mar, em que seria obrigado a fazer constantes viragens de bordo debaixo de nortada. Pensava que as Naus acabariam por descair para sul da barra do Tejo, o que deixaria as Galés sozinhas. O rei preferiu não correr riscos e decidiu que se desse o combate dentro do rio. Ficou então assente que a armada castelhana se conservaria fundeada junto da margem norte e se lançaria ao ataque da armada portuguesa, a favor da nortada, logo que aquela começasse a entrar na parte mais estreita do rio. A 17 de Julho chega a nossa armada a Cascais, onde fundeia, na força de cinco grandes Naus de guerra, dezassete Galés e doze naus mais pequenas. Os Castelhanos são imediatamente avisados por intermédio de duas Galés que tinham de vigia nas imediações do cabo Raso e, nessa mesma tarde, começaram a organizar o seu dispositivo de batalha mudando o fundeadouro da maior parte dos seus navios para junto da margem norte, na zona compreendida entre Belém e Santos. A frota castelhana era constituida por quarenta Naus e treze Galés. Dada a forma como se veio a desenrolar o combate, é de supor que próximo de Belém estivessem fundeadas um certo número de Naus, possivelmente as mais fortes, depois as Galés e mais perto de Santos o resto das Naus. Em todos os navios deverá ter sido embarcada muita gente de armas de reforço, retirada das tropas que cercavam a cidade. Aproveitando o afrouxamento do bloqueio resultante da alteração do dispositivo inimigo, nessa mesma noite veio de Cascais um batel para dar novas da armada e concertar com o Mestre a forma de actuar no dia seguinte. Ao saber que Nuno Álvares não tinha embarcado, o Mestre ficou muito pesaroso e, parecendo-lhe muito arriscado travar um combate decisivo com as guarnições dos navios desfalcadas, deu ordem para que, na manhã seguinte, a armada se limitasse a tentar furar o bloqueio e atingir Lisboa, evitando, tanto quanto posível, o combate.
Depois de desembarcados os mantimentos e embarcada gente de armas da cidade, se iria contra os Castelhanos. Com estas ordens foi despedido o batel, que regressou a Cascais sem novidades. Ao outro dia, 18 de Julho, pelas nove horas da manhã, com maré a encher e vento bonançoso a fresco de oeste, começou a despontar a nossa armada por detrás da ponta de São Julião. Ao chegar a Belém, admitimos que viesse formada em três colunas paralelas, melhor ou pior organizadas, a primeira composta por cinco grandes Naus sob o comando de Rui Pereira, a segunda constítuida pelas dezassete Galés, navegando à vela, por estibordo da primeira, a terceira formada pelas doze Naus mais pequenas, navegando por estibordo da segunda, relativamente perto da margem sul. Dada a força e a direcção do vento e o facto de a maré estar a encher, todos os navios deviam vir a andar bem. Ao chegar próximo de Belém, as Naus de Rui Pereira, possivelmente porque se teriam adiantado, guinaram para bombordo durante algum tempo, reduzindo a velocidade e permitindo que o resto da armada se aproximasse. Pouco depois, as Naus de Castela que estavam fundeadas próximo de Belém levantaram ferro e foram ao encontro das nossas. Porém, como o vento era de oeste, só poderiam governar a SE ou ESE, o que quer dizer que possivelmente, terão cortado a proa às suas Galés, atrasando a partida destas para o ataque. Pelo mesmo motivo só deverão ter abalroado as Naus de Rui Pereira com elas já bem dentro do rio. Seis Naus Castelhanas aferraram três das cinco Naus portuguesas, com as quais travaram um furioso combate, no qual perdeu a vida Rui Pereira. Enquanto as nossas três Naus suportavam todo peso do inimigo, acabando por ser tomadas, o resto da armada, torneando pelo sul a zona de combate, escapou-se para Lisboa. Pela razão acima apontada, ou por qualquer outra causa fortuita, as Galés Castelhanas não conseguiram alcançar nenhum dos nossos navios. Quanto às Naus de Castela que se encontravam fundeadas mais próximo de Santos, dada a direcção do vento e o estado da maré, é possivel que nem sequer tenham largado do fundeadouro com receio de serem levadas pelo rio acima. Logo que a armada portuguesa foi avistada de Lisboa, o Mestre de Avis meteu-se numa Nau com quatrocentos homens de armas e, na companhia de outras Naus mais pequenas e Barcas cheias de soldados, procurou ir em seu auxílio.
Mas as embarcações começaram a ser levadas para montante pelo vento e pela corrente e só com muita dificuldade conseguiram voltar à cidade, onde a população que enchia as muralhas acompanhava os acontecimentos com natural ansiedade. A batalha naval do Tejo poderá classificar-se como um sucesso táctico para os Portugueses, porque embora tivessem perdido três Naus, conseguiram furar o bloqueio, o que deu novo ânimo aos defensores de Lisboa e, possivelmente, terá abalado a confiança em si próprios dos sitiantes. De qualquer forma, sob o ponto de vista estratégico, nada adiantou. Sob o ponto de vista logístico, a situação da cidade piorou, já que a armada vinda do Porto poucos mantimentos trouxe e, por outro lado, fez aumentar muito o número de bocas dentro das muralhas. No entanto, o plano do Mestre de Avis continuava de pé. Logo que o pessoal recuperou das fadigas da viagem e das emoções da batalha, começou activamente a preparar a armada para travar um combate decisivo com a armada de Castela. Mas estava escrito nos livros do Destino que tal combate nunca haveria de ter lugar. Poucos dias depois chegaram ao tejo mais vinte e uma Naus e três Galés Castelhanas, o que elevou os efectivos totais da armada de castela para sessenta e uma Naus e dezasseis Galés. A partir daí, o Mestre abandonou a ideia do combate naval e resignou-se a jogar tudo por tudo numa sortida contra o exército castelhano em conjugação com um ataque que Dom Nuno Álvares Pereira, vindo do Alentejo, haveria de lançar por outro lado. Afinal, nada disso foi preciso. A peste que já grassava no campo castelhano obrigou o rei de Castela, no último instante, a levantar o cerco e a regressar ao seu país.
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