Os
visigodos foram um de dois ramos em que se dividiram os godos, um povo
germânico originário do leste europeu, sendo o outro os ostrogodos. Ambos
pontuaram entre os bárbaros que penetraram o Império Romano tardio no período
das migrações. Após a queda do Império Romano do Ocidente, os visigodos tiveram
um papel importante na Europa nos 250 anos que se seguiram, particularmente na
península Ibérica, onde substituíram o domínio romano na Hispânia, reinando de
418 até 711, data da invasão muçulmana. Alguns autores defendem a origem do
nome "Visigodo" na palavra Visi ou Wesa ("bom") e do nome
Ostro, de Astra (“resplandecente”). Mas a opinião mais consagrada considera a
origem da palavra na denominação de "godos do oeste", do alemão
"Westgoten", "Wisigoten" ou "Terwingen", por
comparação com os ostrogodos ou "godos do leste", em alemão
"Greutungen", "Ostrogoten" ou "Ostgoten". Os
vestígios visigóticos em Portugal e Espanha incluem várias igrejas e
descobertas arqueológicas crescentes, mas destaca-se também a notável
quantidade de nomes próprios e apelidos que deixaram nestas e noutras línguas
românicas. Os visigodos foram o único povo a fundar cidades na Europa ocidental
após a queda do Império Romano e antes do pontuar dos carolíngios. Contudo o
maior legado dos visigodos foi o direito visigótico, com o Liber Iudiciorum,
código legal que formou a base da legislação usada na generalidade da Ibéria
cristã medieval durante séculos após o seu reinado, até ao século XV, já no fim
da Idade Média.
Origem
e migrações dos visigodos
Os
visigodos emergiram como um povo distinto no século IV, inicialmente nos Balcãs
onde participaram em várias guerras com os romanos, e por fim avançando por
Itália e saqueando Roma sob o comando de Alarico I, no ano 410. Este povo
conquistou no século III a Dácia, província romana situada na Europa
centro-oriental. No século IV, antes da ameaça dos hunos, o Imperador Bizantino
Valente concedeu refúgio aos visigodos ao sul do Danúbio, mas a arbitrariedade
dos funcionários romanos levou-os à revolta. Penetraram nos Balcãs e, em 378,
esmagaram o exército do Imperador Valente nas proximidades da cidade de
Adrianópolis. Quatro anos depois, o Imperador Teodósio I, o Grande
conseguiu estabelecê-los nos confins da Mésia Secunda, província situada ao
norte da península balcânica. Tornou-os federados do império e deu-lhes posição
proeminente na defesa. Os visigodos prestaram uma ajuda eficaz a Roma até 395,
quando começaram a mudar-se para oeste. Em 401, chefiados por Alarico I, que
rompera com os romanos, entraram na Itália e invadiram a planície do Pó, mas
foram repelidos. Em 408 atacaram pela segunda vez e chegaram às portas de Roma,
que foi tomada e saqueada em 410.
Corte
em Tolosa
Nos
anos seguintes ao saque de Roma, o Rei Ataulfo estabeleceu-se com seu povo no
sul da Gália e na Hispânia e, em 418, firmou com o futuro imperador Flávio
Constâncio um tratado pelo qual os visigodos se fixavam como federados na
província de Aquitânia Segunda, na Gália. A monarquia visigoda consolidou-se
com Teodorico I, que enfrentou os hunos de Átila na «Batalha dos Campos
Cataláunicos». Em 475, Eurico declarou-se monarca independente do Reino Visigodo
de Tolosa, que incluía a maior parte da Gália Aquitânia e a Hispânia. Seu
reinado foi extremamente benéfico para o povo visigodo, além da obra política e
militar, Eurico cumpriu uma monumental tarefa legislativa ao reunir as leis dos
visigodos, pela primeira vez, no Código de Eurico, conservado num palimpsesto
em Paris. Seu filho Alarico II codificou, em 506, o direito de seus súbditos
romanos, na "Lex romana Visigothorum", mas carecia dos dotes
políticos do pai e perdeu quase todos os domínios da Gália em 507, quando foi
derrotado e morto pelos francos de Clóvis, na «Batalha de Voillé», perto de
Poitiers. Desmoronou então o Reino de Tolosa e os Visigodos foram obrigados a
transferir-se para a Hispânia.
Corte
em Toledo
O
Reino Visigótico na península Ibérica esteve durante algum tempo sob o domínio
dos ostrogodos da Itália, mas logo recuperou a sua velha autonomia. Até
conquistar o domínio sobre toda a península Ibérica, os visigodos enfrentaram
suevos, alanos e vândalos, grupos de guerreiros germânicos que haviam ocupado a
região desde antes de sua chegada. A unidade do reino teria sido completa já
durante o reinado de Leovigildo, mas ficou comprometida por, dentre outros
problemas, uma questão religiosa: os visigodos professavam o arianismo e os
hispano-romanos eram católicos. O próprio filho de Leovigildo, Hermenegildo,
chegou a sublevar-se contra o pai, depois de converter-se ao Catolicismo. Mas
esse obstáculo para a fusão com os hispano-romanos resolveu-se em 589, ano em
que o rei Recaredo I proclamou o Catolicismo religião oficial da Hispânia
visigótica. Na realidade, as aristocracias godas e hispano-romano se
encontravam de tal forma entrelaçadas, que a existência da diferença religiosa
e de leis específicas para cada um dos grupos era naquele momento apenas uma
barreira formal: na prática, os casamentos mistos eram comuns, e a própria
divergência religiosa podia ser matizada, como se pode comprovar pelo facto de
a Igreja Católica na região nunca ter passado por perseguições sistemáticas por
parte da monarquia visigoda, até o reinado de Leovigildo. Outro indício de que
a diferença religiosa entre godos e hispanos romanos já não era um elemento de
distinção fundamental (se algum dia o foi), é o facto de a própria rebelião do
filho católico de Leovigildo ter sido apoiada também por aristocratas arianos.
A conversão de Recarredo I, no III Concílio de Toledo, em 589, marca o início
de uma estreita aliança entre a monarquia visigoda e a Igreja católica ibérica,
desenvolvida marcadamente ao longo do século VII, a qual ganharia uma expressão
peculiar em textos de intelectuais eclesiásticos da época, cujo ícone mais
famoso é Isidoro de Sevilha. A monarquia visigoda foi destruída em 711 pela
invasão muçulmana procedente do norte de África, que substituiria o Reino
Visigótico por Al-Andaluz.
Fim
da monarquia, invasões e resistência de 711 a 722
A
monarquia dos visigodos era electiva. Com a morte do rei Vitiza em c.710, as
cortes reuniram-se para eleger o seu sucessor, constituindo-se duas facções em
disputa pela eleição: o grupo do seu filho Ágila II e o de Rodrigo, o último
rei visigodo de Toledo. Rodrigo foi eleito em Cortes muito disputadas,
provavelmente na Primavera de 710, mas a facção que apoiava o filho de Vitiza
não aceitou a sua eleição e iniciou-se um período de guerra civil. Os
partidários de Ágila solicitaram, então, apoio ao governador muçulmano de
África, Tárique, abrindo-lhe as portas de Ceuta e incitando-o a enviar uma
expedição militar à península, já que, desde o final do século VI, os judeus
vinham sendo perseguidos naquela região e, de acordo com a xariá, a lei
islâmica, é obrigação do muçulmano defender os adeptos dos livros (judeus e
cristãos). Esta defesa era sustentada pelo facto de, desde 612, os regentes terem
decretado o batismo compulsório de judeus, por decreto real, sob pena de
confisco dos bens ou expulsão daquela terra. A monarquia dos visigodos era
electiva. Com a morte do rei Vitiza em c.710, as cortes reuniram-se para eleger
o seu sucessor, constituindo-se duas facções em disputa pela eleição: o grupo
do seu filho Ágila II e o de Rodrigo, o último rei visigodo de Toledo. Rodrigo
foi eleito em Cortes muito disputadas, provavelmente na Primavera de 710, mas a
facção que apoiava o filho de Vitiza não aceitou a sua eleição e iniciou-se um
período de guerra civil. Em 711, sob o comando do próprio Tárique, tropas
muçulmanas atravessaram o Estreito de Gibraltar e venceram os partidários de
Rodrigo na batalha de Guadalete. Contudo, após a vitória, os muçulmanos não
colocaram Ágila no trono e foram alargando as suas conquistas pela península
Ibérica, território designado em língua árabe como Al-Andaluz, da qual, por
fim, ficaram senhores, colocando sob tutela cristãos e judeus, pois ambos
sofriam ataques e combatiam-se mutuamente. Abdulaziz ou Abdul-el-Aziz, primeiro
walis (governador muçulmano) do Al-Andaluz, subjugou a Lusitânia e a
Cartaginense, saqueando as cidades do Norte que lhe abriam as portas e atacando
aqueles que lhe tentaram resistir. Às suas investidas escapou, porém, uma parte
das Astúrias, no Norte, onde se refugiou um grupo de visigodos sob o comando de
Pelágio. Uma caverna nas montanhas servia simultaneamente de paço ao rei e de
templo de Cristo. Por vezes, Pelágio e seus companheiros desciam das montanhas
em surtidas para atacar os acampamentos islâmicos ou as aldeias despovoadas de
cristãos. Um desses ataques, a designada batalha de Covadonga, travada em 722,
marcou, segundo muitos historiadores, o início do longo processo de retomada
dos territórios ocupados ao qual se deu o nome de Reconquista Cristã. A partir
do pequeno território que Pelágio designou como Reino das Astúrias, os cristãos
(hispano-godos e lusitano-suevos), acantonados nas serranias do Norte e
Noroeste da península, foram, gradualmente, formando novos reinos, que se
estenderam para o Sul. Surgiram, assim, os reinos de Castela, Leão (de onde
derivou, mais tarde, o Condado Portucalense e, subsequentemente, Portugal),
Navarra e Aragão. O reino das Astúrias durou de 718 a 925, quando o rei
asturiano Fruela II ascendeu ao trono do Reino de Leão, unificando os dois
reinos.
Cultura
visigótica-Religião
Os
visigodos, assim como outros povos Germânicos, originalmente seguiam o que é
hoje conhecido como paganismo germânico. No início da Idade Média, os
germânicos foram lentamente se convertendo ao cristianismo, mas muitos
elementos da cultura pré-cristã permaneceram firmes após o processo de
conversão. Os visigodos, Ostrogodos e vândalos foram cristianizados enquanto
ainda viviam fora dos limites do Império Romano, no entanto, adotaram o
arianismo, uma visão cristológica da igreja primitiva, considerada herética
pelo catolicismo ortodoxo, desde o Primeiro Concílio de Niceia, em 325. Existia,
portanto, uma diferença religiosa entre os povos católicos da Hispânia e os
visigodos, que professavam o arianismo. Os visigodos ibéricos mantiveram-se
arianistas até 589. Existiam também divisões profundas entre a população
católica da Península, anteriores à chegada dos visigodos. Logo no início do
pontificado do Papa Leão I, nos anos 444-447, Turribius, Bispo de Astorga,
enviou a Roma um memorando avisando sobre a sobrevivência do priscilianismo,
uma corrente ascética, pedindo auxilio à Santa Sé. Leão interveio, enviando um
conjunto de normas que cada bispo deveria assinar, todos o fizeram. Contudo, um
segmento significativo das comunidades cristãs ibéricas afastava-se da
hierarquia ortodoxa e considerava bem-vinda a tolerância dos Visigodos arianos.
Os visigodos evitavam interferir entre os católicos mas estavam interessados no
decorum e na ordem pública. Em 589, o Rei Recaredo I converteu o seu povo ao
catolicismo. Com a conversão dos Reis Visigodos, os bispos católicos aumentaram
o seu poder até, no quarto Concílio de Toledo, em 633, tomaram para si o direito
dos nobres, de escolher um Rei entre a Família Real. A perseguição visigótica
aos judeus começou após a conversão de Recarredo, quando em 633 este mesmo
sínodo de bispos declarou que todos deveriam ser batizados.
Direito
visigótico e legado
Os
visigodos caracterizaram-se pela imensa influência que receberam da cultura e
da mentalidade política romana, realizando um importante trabalho de compilação
cultural e jurídica. Destaca-se o Direito visigótico, com figuras como Santo
Isidoro de Sevilha e obras jurídicas como o Código de Eurico, a Lex romana Visigothorum
e o Liber Iudiciorum, código visigótico que forneceu as bases da estrutura
jurídica medieval na Península Ibérica, que expressam o grau de desenvolvimento
cultural que o Reino Visigótico alcançou. Os visigodos influenciaram também
formas artísticas originais, como o arco de ferradura e a planta cruciforme das
igrejas. De origem consuetudinária, o direito visigótico foi o mais
intelectualizado ramo do direito germânico, com forte influência do direito
romano. Foi o primeiro da família a ser escrito. A primeira obra de compilação,
o Código de Eurico, de ca. 476 D.C., foi mista (nela trabalharam juristas de
formação romana). Foi elaborado para dirimir as controvérsias entre Visigodos e
hispano e galo-romanos. Neste código se tratou, pela primeira vez, dos
bucelários (homens livres, semelhantes aos clientes romanos, adjuntos a uma
família poderosa que os patrocinava ou sustentava, a troco de serviços,
principalmente militares). Parte dos originais (60 de 350 capítulos) se
encontra na Biblioteca Nacional de Paris. A maior codificação dos Visigodos,
todavia, não contém direito visigodo: foi o Breviário de Alarico II, de 506 D.C., ou Lex Romana Visigothorum (ou Breviarium Aniani, em honra a seu
chanceler), uma seleção, com interpretação, de textos de leges (Constituições
Imperiais dos códigos Gregoriano, Hermogeniano e Teodosiano) e de iura
(fragmentos de Gaio e Paulo). Recaredo I (572-586) esforça-se pela unificação
dos dois povos (godo-ariano e romano-católico), abolindo a proibição do matrimónio
entre visigodos e romanos. Recaredo I, finalmente, se converte para o
catolicismo, fazendo de Toledo a capital em 589 D.C. Mas a dualidade de
direitos (segundo o princípio da personalidade das leis) foi superada somente
pela abrogação da Lex Romana Visigothorum e pela redação, em 654 D.C., da Lex Visigothorum
de Recesvinto (653-672), (ou Código Visigótico, ou Liber Iudiciorum, ou Liber
Iudicum, ou Fórum Iudicum, que será mais tarde conhecido como Fuero Juzgo). O
seu nome revelava a sua finalidade: servir para a prática forense, dos juízes. O
Código Visigótico apresentava enorme influência da tradição romana, inclusive
na forma: em doze livros como o Código de Justiniano. Foi aprovado pelo VIII
Concílio de Toledo, demonstrando a importância da participação da Igreja na
legitimação do direito. Este costume dos Reis Godos, são os gérmenes das
futuras Cortes Gerais na Espanha ou dos Estados Gerais na França. O Fuero
Juzgo, ao lado dos costumes municipais, são as principais fontes do direito por
muitos séculos. O Código Visigótico contém 324 leis de Leovigildo, três de
Recaredo, 99 de Chindasvinto e 87 de Recesvinto. Dele há uma cópia na
Biblioteca Nacional em Paris e outra no Vaticano. Permaneceu em vigor até a
edição da Lei das Sete Partidas por Afonso X, o Sábio.
Arquitetura
Os
poucos exemplares sobreviventes da arquitetura visigótica do século VI são a
igreja de San Cugat del Vallés em Barcelona, a ermida e igreja de Santa Maria
de Lara, a Capela de São Frutuoso em Braga, a Igreja de São Gião na Nazaré e
alguns vestígios da Igreja de Cabeça de Grego, em Cuenca. Contudo o seu estilo
propagou-se nos séculos seguintes, embora os exemplos mais notáveis sejam
rurais e estejam na maioria em ruínas. Os visigodos influenciaram formas
artísticas originais, como o arco de ferradura e a planta cruciforme das
igrejas. Algumas das características da arquitetura visigótica são: Planta de
basílica, e por vezes cruciforme, podendo ser uma combinação de ambas, com
espaços bem compartimentados; Arcos em forma de ferradura sem pedras de fecho;
Abside rectangular exterior; Uso de colunas e pilares com capitéis coríntios de
desenho particular; Abóbodas com cúpulas nos cruzamentos; Paredes em blocos
alternando com tijolos; Decoração com motivos vegetais e animais. Exemplares
sobreviventes de arquitectura visigótica: Capela de São Frutuoso (Braga),
Igreja de São Gião (Nazaré), San Juan de Baños de Cerrato (Palencia), Cripta de
San Antolín de Palencia, San Pedro de la Mata (Toledo), Santa Comba de Bande
(Ourense), San Pedro de la Nave (Zamora), Santa María de Quintanilla de las
Viñas (Burgos), Santa María de Melque (Toledo).
Assentamentos
e cidades
O
assentamento visigótico foi concentrado junto do rio Garona entre Bordéus e
Tolosa na Aquitânia, e depois na Espanha e Portugal entre o Rio Ebro, no
entorno da cidade de Mérida, entre os trechos superiores do rio Douro, na
Comarca de Tierra de Campos também conhecida como Campo Gótico (em latim: Campi
Gothorum) em Castela e Leão, Astúrias e Toledo, e junto do rio Tejo e norte de
Lisboa. Pequenos assentamentos visigóticos existiram em outras partes do reino.
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