O
Reino Suevo, também denominado Reino da Galécia (em latim: Gallaecia/Galliciense
Regnum), foi um Reino pós-romano que existiu no Noroeste da Península Ibérica
entre o ano 411 e 585 e um dos Primeiros Reinos a separar-se do Império Romano.
O Reino foi fundado pelos Suevos, um povo de origem Germânica que, no ano 409,
invadiu a Península Ibérica juntamente com os Vândalos e os Alanos. Tendo
ocupado inicialmente, as regiões costeiras das Províncias Romanas da Galécia e
do Norte da Lusitânia e estabelecido a Capital em Braga, o Reino manteve a sua
independência até 585, data em que foi anexado pelos Visigodos e convertido na
sexta província do Reino Visigótico. Ao longo do século V o Reino inicia uma
série de campanhas militares bem, sucedidas na Península Ibérica. Em 419,
Hermerico controlava toda a província da Galécia. Durante o Reinado de Réquila
os Suevos conquistaram algumas das mais importantes cidades romanas, como
Mérida em 439, Capital da Lusitânia, Mértola em 440 e Sevilha em 441, Capital
da Hispânia Bética. No entanto, em 456 os Suevos são derrotados por um exército
de federados, enviado pelo Imperador Ávito entre 455-456. A execução do Rei
Requiário deu origem a uma crise de sucessão e guerra civil no Reino Suevo, em
que duas facções competiram pelo trono. Em 460, Remismundo uniu as duas, facões
e tornou-se Rei, tendo conquistado as cidades romanas de Conímbriga em 468 e
Lisboa em 469. Praticamente não existem fontes documentais sobre a história do Reino
entre 470 e 550, intervalo que os historiadores denominam período obscuro. Na
segunda metade do século VI são convocados vários concílios católicos no Reino
que confirmam a conversão da corte ariana para o catolicismo e consolidam o
papel da Igreja na administração do território. O Arcebispo de Braga, Martinho
de Dume, presidiu a vários concílios e promoveu o renascimento cultural e
político do Reino. Durante a década de 570 o vizinho Reino Visigótico, que
dominava já a maior parte da península, inicia uma série de campanhas a norte e
em 576 atravessa as fronteiras da Galécia. Em 583 o Rei Miro é derrotado em
Sevilha e forçado a assinar um tratado de fidelidade com os Visigodos. Em 585,
o Reino Suevo é invadido pelo exército do Rei Leovigildo e anexado no Reino
Visigótico.
História
A
Galécia e o Norte da Lusitânia eram províncias remotas do Império Romano. Ao
contrário de outros povos bárbaros, como os Vândalos, os Visigodos, os
Ostrogodos ou os Hunos, que tiveram um papel importante na perda das províncias
ocidentais de Roma, os Suevos praticamente não constituíam uma ameaça para os
interesses de Roma. Ao longo da sua história enquanto nação independente, os
Suevos mantiveram uma atividade diplomática significativa, principalmente com o
Império Romano do Ocidente, com os Vândalos, Visigodos e, mais tarde, com os
Francos.
Origem
e Migração dos Suevos
Pouco se
conhece sobre os Suevos que na noite de 31 de Dezembro de 406 atravessaram o
Reno para ocupar o Império Romano. Especula-se que estes Suevos sejam o mesmo
grupo que alguns registos da época mencionam como Quados, povos que viviam a Norte
do Danúbio no território que é hoje a Áustria Oriental e a Eslováquia Ocidental.
Este povo desempenhou um papel significativo nas guerras marcomanas do século
II quando, em conjunto com os Marcomanos, lutaram contra as forças romanas
comandadas pelo Imperador Marco Aurélio. A principal razão para associar os
Suevos e os Quados no mesmo grupo tem origem numa carta escrita por Jerónimo de
Estridão que lista os invasores que em 406 atravessaram a Gália, na qual lista os
Quados, mas não os Suevos. No entanto, o argumento para esta teoria baseia-se
apenas no desaparecimento da menção aos Quados e na emergência dos Suevos, e
contrasta com o testemunho de outros autores contemporâneos, como Orósio, que
cita os Suevos entre os povos que atravessaram o Reno em 406, a par dos Quados,
Marcomanos, Vândalos e Sármatas. Gregório de Tours identifica os Suevos da
Galécia como Alamanos, enquanto Procópio de Cesareia os identifica simplesmente
como Germânicos. Jordanes menciona outros grupos de Suevos que viviam na região
do Danúbio entre os séculos V e VI. Recentemente, tem-se sugerido que a falta
de referência aos Suevos pode significar que eles não eram um grupo étnico
distinto e antigo em si, mas antes o resultado de uma antogénese recente de
vários grupos de pequena dimensão, entre os quais os Quados e os Marcomanos,
que migraram em conjunto do vale do Danúbio para a península Ibérica. Embora
não exista documentação clara sobre as razões por trás da migração do ano 406,
uma teoria com aceitação significativa sustenta que a migração forçada de
vários povos germânicos para Oeste do Reno se deveu à pressão dos Hunos em
finais do século IV. Independentemente das razões, os Suevos, juntamente com os
Vândalos e os Alanos, atravessaram o Reno na noite de 31 de dezembro de 405. A
sua entrada no Império Romano aconteceu numa época em que no Império do
Ocidente ocorriam uma série de invasões e guerras civis. Entre 405 e 406 a
península itálica foi invadida pelos Godos sob o comando de Radagaiso e o trono
romano foi sucessivamente reivindicado por uma série de usurpadores. Isto
permitiu aos povos bárbaros entrar na Gália com pouca ou nenhuma resistência e
ocupar as províncias da Germânia Inferior e da Bélgica antes de terem sido
considerados uma ameaça. Em resposta à invasão bárbara da Gália, o Imperador
Constantino III repeliu os invasores Vândalos, Alanos e Suevos, que ficaram
confinados à Gália do norte. No entanto, na primavera de 409 o General Gerôncio
liderou uma revolta na Hispânia e instalou no trono de Roma o seu próprio Imperador, o usurpador Máximo. Constantino, que tinha sido recentemente elevado
a Augusto, dirigiu-se para a Hispânia para conter a rebelião. Gerôncio
respondeu instigando e mobilizando os bárbaros da Gália contra Constantino. No
verão de 409, os Vândalos, Alanos e Suevos começaram a deslocar-se para sul em
direção à Hispânia.
Fundação
do Reino Suevo de 409 a 416
Em
411, os vários grupos bárbaros dividiram as províncias da Hispânia entre si. Os
Vândalos Silingos estabeleceram-se na Hispânia Bética, os Alanos nas províncias
da Lusitânia e da Hispânia Cartaginense e os Suevos partilharam a província da
Galécia no noroeste peninsular. A guerra civil que irrompeu na Península
Ibérica entre as forças de Constantino e Gerôncio deixou as passagens pelos
Pirenéus propositada ou inadvertidamente negligenciadas, tornando a Gália do
sul e a península Ibérica vulneráveis a uma eventual invasão bárbara. Idácio de
Chaves documenta que a travessia dos Vândalos, Alanos e Suevos para a Península
Ibérica teve lugar ou a 28 de Setembro ou a 12 de Outubro de 409. Alguns
historiadores assumem que as duas datas correspondem ao princípio e ao fim da
travessia dos Pirenéus, uma vez que não seria possível para um grupo de
milhares de pessoas atravessar uma barreira de tal magnitude em apenas 24
horas. Idácio escreve ainda que, após entrarem na Hispânia, os povos bárbaros e
os próprios soldados romanos passaram os anos de 409 e 410 a pilhar comida e
valores das cidades. Este processo causou uma fome generalizada que, ainda
segundo Idácio, forçou os locais ao canibalismo. Em 411, os vários grupos
bárbaros decidiram firmar a paz e dividir as províncias da Hispânia entre si. A
historiografia da época refere o termo sortes, ou lotes, para os territórios
recebidos por cada federado bárbaro, pelo que muitos historiadores mencionam a
possibilidade de ter existido um tratado com o governo de Máximo. No entanto,
não existem evidências concretas de qualquer tratado entre os Romanos e os
bárbaros. Idácio não menciona qualquer tratado e apenas refere que a paz de 411
foi resultado da compaixão de Deus, enquanto Orósio afirma que, numa data
posterior, os Reis dos Vândalos, Alanos e Suevos tentaram obter um pacto semelhante
ao dos Visigodos. Na divisão de territórios entre os quatro grupos bárbaros, os
Vândalos Silingos estabeleceram-se na Hispânia Bética, os Alanos nas províncias
da Lusitânia e da Hispânia Cartaginense e os Suevos partilharam a província da
Galécia no noroeste peninsular. A divisão da Galécia entre os Suevos e os
Asdingos colocou os Suevos na parte ocidental da província, na costa do
Atlântico, muito provavelmente no território entre as atuais cidades do Porto,
a sul em Portugal, e Pontevedra, a norte na Galiza. Pouco tempo depois, a
cidade de Braga torna-se a capital da região e os Suevos expandem-se para as
cidades de Astorga, para a região de Lugo e para o vale do rio Minho. Não
existem evidências de que os Suevos tenham ocupado outras cidades na província
antes do ano 438. A relação inicial entre os Gaélicos e os Suevos não era tão
conflituosa como algumas vezes é sugerido. Idácio não menciona qualquer guerra
ou conflito com os habitantes locais entre os anos 411 e 430 e Orósio afirma
que os recém-chegados muito rapidamente "trocaram
a espada pelo arado" após receberem as terras. Com base em dados toponímicos,
tem sido proposto que os Búrios, outro grupo germânico, teriam acompanhado os
Suevos e se instalaram na Galécia na região Entre-Os-Rios Cávado e Homem, na
região de Búrio, atualmente Terras de Bouro.
Consolidação
e expansão territorial de 416 a 448
Durante
as sucessivas pilhagens suevas, os Gaélicos, pouco romanizados, foram obrigados
a refugiar-se e a ocupar os antigos castros da Idade do Ferro. Em 416, os
Visigodos entram na península Ibérica, enviados pelo imperador ocidental para
combater os bárbaros que aí chegaram em 409. Por volta de 418, os Visigodos,
liderados pelo Rei Vália, tinham devastado os Vândalos Silingos e os Alanos. De
parte desta campanha ficaram os Vândalos Asdingos e os Suevos, que permaneceram
as duas restantes forças na península. Em 419, depois da partida de Vália para
o território da Aquitânia, irrompeu um conflito entre os Vândalos, liderados
pelo Rei Gunderico, e os Suevos, liderados pelo Rei Hermerico. Os dois
exércitos defrontaram-se na «Batalha dos montes Nervasos», mas a intervenção das
forças romanas comandadas pelo General Astério foi decisiva no conflito,
atacando os Vândalos e forçando-os a deslocar-se para sul, na atual Andaluzia,
o que deixou toda a Galécia praticamente na posse dos Suevos. O restante
reinado de Hermerico foi dedicado à consolidação do governo Suevo na província
da Galécia. Em 430 rompeu com a paz mantida com os povos locais, pilhando a
Galécia central e forçando os gaélicos, pouco romanizados, a ocupar os antigos
castros da Idade do Ferro. Embora tenha sido estabelecida uma nova paz, firmada
com a troca de prisioneiros, em 431 e 433 surgiram novos focos de conflito. Em
438, Hermerico adoece. Tendo anexado ao seu reino a totalidade da antiga
província romana da Galécia, estabeleceu a paz com a população local e abdicou
do trono dos Suevos em favor do seu filho Réquila. Réquila viu a oportunidade
para expansão do reino e começou a avançar para outras regiões da península
Ibérica. No mesmo ano liderou campanhas militares em Bética, derrotando em
batalha o duque romano (Romanae Militiae Dux) Andevoto nas margens do rio
Genil. No ano seguinte, os Suevos invadiram a Lusitânia e conquistaram a
capital, Mérida, que se tornou por um breve período de tempo a nova capital do Reino Suevo. Réquila continuou a expandir o reino e, por volta de 440, tinha
cercado e forçado a rendição do General romano Censório na cidade estratégica
de Mértola. Em 441, poucos meses após a morte de Hermerico, o exército suevo
conquista Sevilha, a capital da Hispânia Bética, permitindo aos suevos ter
algum domínio não só sobre a Hispânia Bética como também sobre a Hispânia
Cartaginense. Em 446, os romanos enviam para as províncias hispânicas o mestre
dos soldados Vito que, com a assistência dos Godos, tentou subjugar os Suevos e
restaurar a administração romana na Hispânia. Réquila marchou de encontro dos
romanos e, após a derrota dos Godos, Vito retirou-se em desgraça e não foram
feitas mais tentativas do Império Romano para tentar recapturar a Hispânia.
Reinado
de Requiário I de 448 a 456
Em
448, Réquila morre, deixando o trono suevo ao seu filho Requiário I. Ao
contrário do seu pai, pagão, Requiário foi um dos primeiros Reis Cristãos entre
os povos germânicos e o primeiro a cunhar moedas em seu nome. Alguns
historiadores acreditam que a cunhagem é um sinal claro da autonomia do Reino
Suevo, uma vez que na fase final do Império a cunhagem de moeda própria está
associada à declaração de independência. Com a pretensão de dar continuidade às
carreiras do pai e do avô, Requiário deu início a uma série de manobras
políticas ambiciosas no reino. A primeira foi o seu casamento com a filha do Rei Godo Teodorico I em 448, de modo a estreitar os laços políticos entre os
dois povos. Também liderou uma série de pilhagens na Vascónia, Saragoça e
Lérida, na Hispânia Tarraconense, que à data ainda se encontrava sob domínio de
Roma. Estas pilhagens eram muitas vezes realizadas em coligação com os
Bagaudas, insurgentes hispano-romanos locais. Em Lérida chegou a capturar
prisioneiros, que foram levados como servos para as províncias suevas da
Galécia e da Lusitânia. Na sequência destas pilhagens, Roma envia um embaixador
aos Suevos com a missão de negociar as condições de paz. No entanto, em 455 os
Suevos pilham as terras cartaginenses que tinham sido devolvidas a Roma. Em
resposta, o novo imperador Ávito e o Reino Visigótico enviam uma embaixada
conjunta, uma vez que a paz estabelecida com Roma também estava a ser garantida
pelos Godos. No entanto, entre 455 e 456 Requiário lança duas novas campanhas
militares na Hispânia Tarraconense e regressa à Galécia com um elevado número
de prisioneiros. O Imperador Ávito finalmente responde à insolência de
Requiário no outono de 456, enviando para a Galécia através dos Pirenéus um
exército imenso liderado pelo Rei Visigodo Teodorico II. Este exército era
constituído por federados, incluindo os Burgúndios liderados pelos Reis
Gondioco e Chilperico I. Os Suevos mobilizaram-se e ambos os exércitos
defrontaram-se em 5 de outubro nas margens do rio Órbigo perto de Astorga. Os Godos
de Teodorico II derrotaram os Suevos que, embora mortos e capturados em grande
número, conseguiram fugir. Requiário retirou-se em direção à costa atlântica,
perseguido pelo exército Godo, que conquistou e pilhou Braga em 28 de outubro.
Mais tarde, Requiário foi capturado no Porto, onde tentava embarcar para fugir,
tendo sido executado em dezembro do mesmo ano. Após a sua execução, Teodorico
continuou a luta com os Suevos ao longo de mais três meses. No entanto, em
abril de 459 regressou à Gália, alarmado pelos movimentos políticos e militares
do novo Imperador Majoriano e do General Ricímero, enquanto os seus aliados
pilhavam Astorga, Palência e outras cidades no regresso aos Pirenéus.
Crise
de sucessão e guerra civil de 456 a 470
Quando
os Visigodos executaram Requiário, desapareceu também a linha de sucessão
dinástica. Em 456, um Rei obscuro de nome Agiulfo assumiu a liderança dos
Suevos. A origem da sua ascensão não é clara. Idácio menciona que se tratava de
um desertor Godo, enquanto Jordanes afirma que foi um Varno apontado por
Teodorico para governar a Galécia, mas que foi persuadido pelos Suevos. Agiulfo
foi morto no Porto em junho de 457, mas a sua rebelião, a par das ofensivas do Imperador
Majoriano contra os Visigodos, aliviaram a pressão sobre os Suevos. Ainda em
456, no mesmo ano da execução de Requiário, Idácio afirma que os Suevos
escolheram Maldras para seu Rei. Esta afirmação sugere que o povo Suevo pode
ter tido influência na seleção do novo monarca. No entanto, a eleição de
Maldras provocou uma divisão profunda entre os Suevos. Uma parte significativa
da população sueva a norte não aceitou a eleição de Maldras e elegeu outro
pretendente, denominado Frantano. É provável que esta fosse a mesma facção que
anteriormente tinha apoiado Agiulfo. Em 458 os Godos enviam um exército para
Hispânia, que chega a Bética em julho e retira aos Suevos o domínio da
província. Maldras foi assassinado em 460, após um reinado de quatro anos de
pilhagens sucessivas na Lusitânia e no sul da Galécia ao longo do vale do rio
Douro. No mesmo ano, Maldras foi sucedido na liderança da facção sul por um
chefe militar denominado Frumário. Ao mesmo tempo, a facção a norte escolheu
outro líder, Requimundo, que tinha pilhado a Galécia entre 459 e 460. É
provável que Frumário tenha disputado com Requimundo a liderança pelo trono
suevo até à sua morte. Ainda em 460, os Godos capturaram a cidade muralhada de
Lugo, que ainda se encontrava sob a autoridade de um oficial romano. Em
resposta, os Godos enviam o seu exército para atacar os Suevos que se estavam a
instalar nos arredores da cidade, embora a campanha tenha sido revelada por
alguns locais, que Idácio considera traidores. No entanto, devido à influência
de dois nobres romanos, Ospínio e Ascânio, o exército visigodo que perseguia
Frumário foi obrigado a retirar-se. Mais tarde no mesmo ano, Frumário devastou
a cidade de Chaves com a conivência dos romanos, capturando o Bispo e Idácio de
Chaves, que manteve prisioneiro durante três meses. A morte de Fumário, em 464,
encerrou um período de dissidência interna entre os Suevos e de conflito permanente
com a população nativa. Em 464, Remismundo, um embaixador que já por várias
vezes tinha viajado entre a Galécia e a Gália, tornou-se Rei. Remismundo
conseguiu unir as várias facções suevas sob o seu governo e ao mesmo tempo
restaurar a paz. Foi também reconhecido, e possivelmente aprovado, por
Teodorico, que lhe ofereceu armas e uma esposa. Sob a sua liderança, os Suevos
voltaram às incursões nos territórios vizinhos da Lusitânia e o Convento
Asturicense, enquanto continuavam a lutar contra várias tribos galegas, como os
Aunonenses, que se recusavam a submeter a Remismundo. Em 468, os Suevos
conseguiram destruir parte das muralhas de Conímbriga, na Lusitânia, tendo
pilhado a cidade, que ficou praticamente abandonada após a população ter sido
levada para o norte como escrava. No ano seguinte conseguiram também capturar
Lisboa, entregue pelo governador romano Lucídio e que mais tarde se tornou
embaixador dos Suevos junto ao Imperador Romano.
Período
Ariano ou período obscuro de 470 a 550
Pouco
se sabe sobre o período entre 470 e 550 para além do testemunho de Isidoro de
Sevilha que, no século VII, mencionou que durante este intervalo reinaram
vários monarcas, todos eles arianos. Um documento medieval pouco confiável
denominado Divisão de Vamba (Divisio Wambae) menciona um Rei desconhecido
denominado Teodemundo. Outras crónicas menos fidedignas e posteriores mencionam
vários Reis sob os nomes Hermenerico II, Riciliano e Requiário II. De maior
confiança é uma inscrição encontrada em Portugal, que regista a fundação de uma
igreja por uma freira em 535, sob o domínio do Rei Veremundo, o qual é
mencionado como "sereníssimo Rei Veremundo", embora esta inscrição
também possa ser atribuída ao Rei Bermudo II de Leão. Numa carta escrita pelo
Papa Vigílio ao Bispo Profuturo de Braga, datada por volta do ano 540, é
mencionado que alguns católicos se tinham convertido ao arianismo e que algumas
igrejas católicas tinham sido demolidas em circunstâncias desconhecidas.
Assentamentos
Bretões no século VI
Por
volta de finais do século V ou inícios do século VI, estabeleceu-se no norte da
Galécia um grupo de romano-bretões que procurava escapar aos anglo-saxões. Este
povoado ficou mais tarde conhecido pelo nome de Britónia. A maior parte do que
se conhece sobre este povoado tem origem em fontes eclesiásticas. Os registos
do Segundo Concílio de Braga de 572 referem-se a uma diocese denominada
Britonensis ecclesia "Igreja Britânica" e a uma sé episcopal
denominada sedes Britonarum "Sé dos Bretões". O documento
administrativo Parochiale suevorum indica que este colonato possui as suas
próprias igrejas e o mosteiro de Máximo, sendo provavelmente a Basílica de São
Martinho de Mondonedo. Mailoc, o Bispo que representou estas dioceses no II
Concílio de Braga, tinha nome de origem Britónia.
Renascimento
cultural de 550 a 579
Em
1 de maio de 561, o Rei Ariamiro, no terceiro ano do seu Reinado, convocou o
Primeiro Concílio de Braga, sendo denominado nas atas por "glorioso
rei". Tendo sido o primeiro Concílio Católico realizado no Reino, foi na
sua maioria dedicado à condenação do Priscilianismo, nunca mencionando o
Arianismo, e condenando uma única vez os clérigos por adornarem o vestuário com
granos, um termo germânico para trança, barba comprida, bigode ou nó suevo, um
costume declarado pagão. Em 1 de janeiro de 569 o sucessor de Ariamiro,
Teodemiro, convocou um concílio em Lugo dedicado à organização administrativa e
eclesiástica do reino. A seu pedido, o reino da Galécia foi dividido em duas
províncias eclesiásticas que respondiam aos Bispos metropolitanos de Braga e
Lugo, e treze sés episcopais, algumas delas novas, para as quais foram
ordenados novos Bispos. A norte e dependentes de Lugo ficavam as sés de Iria Flávia,
Britónia, Astorga, Ourense e Tui. A sul e dependentes de Braga ficavam as sés
de Dume, Porto, Viseu, Lamego, Coimbra e Idanha-a-Velha. Cada sé dividia-se em
territórios mais pequenos, denominados eclésias (Ecclesiae) e pagos (Pagi). A
escolha de Lugo para Bispado Metropolitano do norte deveu-se à sua situação
central em relação às sés e ao elevado número de suevos que aí viviam.
O Rei Suevo
Miro e São Martinho de Dume, representados num manuscrito de 1145 da obra
Formula Vitae Honestae de Martinho.
A publicação de Martinho foi originalmente
dedicada ao Rei Miro, em função da sua devoção à fé católica. De acordo com
João de Biclaro, no ano 570 o Rei Miro sucedeu a Teodemiro como Rei dos Suevos.
Na data em que ascende ao trono, o Reino Suevo encontrava-se novamente em
disputa com os Visigodos que, liderados pelo Rei Leovigildo, se encontravam a
reconstruir o seu reino, bastante diminuído e governado por estrangeiros após a
derrota pelos Francos na «Batalha de Voillé». Em 572 o Rei Miro convoca a
realização do Segundo Concílio de Braga que seria presidido por Martinho de
Dume, Arcebispo de Braga. Martinho era um homem culto, elogiado por Isidoro de
Sevilha, Venâncio Fortunato e Gregório de Tours, que levou o catolicismo aos
Suevos e promoveu o renascimento cultural e político do reino. No mesmo ano, o
Rei Miro liderou uma expedição militar contra os Roncões. Esta movimentação
teve lugar num momento em que o Rei Visigodo Leovigildo mantinha uma série de
campanhas militares bem-sucedidas no sul da península, tendo reconquistado para
o domínio visigodo as cidades de Córdova, e Medina-Sidonia e atacado a região à
volta da cidade de Málaga. No entanto, a partir de 573 as suas campanhas
aproximaram-se do território suevo, ocupando inicialmente Sabária e mais tarde
os Arrancões e a Cantábria. Finalmente, em 576 entrou na própria Galécia,
ultrapassando as fronteiras do Reino Suevo. O Rei Miro enviou vários
embaixadores que conseguiram um cessar-fogo temporário.
Declínio
e anexação pelo Reino Visigótico de 579 a 585
Em
579, o filho de Leovigildo, o Príncipe Hermenegildo, revoltou-se contra o próprio
pai, autoproclamando-se Rei. Enquanto residia em Sevilha, Hermenegildo tinha-se
convertido ao Catolicismo, influenciado por Leandro de Sevilha e pela sua
mulher, a Princesa Franca Ingundis, em manifesta oposição ao Arianismo do seu
pai. Só em 582 é que Leovigildo reuniu um exército para atacar o filho, tendo
capturado Mérida e, em 583, marchado em direção a Sevilha. Cercada, a rebelião
de Hermenegildo tornou-se dependente do apoio dos Suevos e do Império Romano do
Oriente, que desde o tempo de Justiniano (r. 527-565) controlava a maior parte
das regiões costeiras do sul da Hispânia. No mesmo ano, o Rei Miro marchou com
o seu exército para Sul com a intenção de romper o bloqueio. No entanto,
enquanto se encontrava acampado foi cercado por Leovigildo e forçado a assinar
um tratado de fidelidade com o Reino Visigodo. O Rei Miro regressou à Galécia,
onde adoeceu e morreu passado poucos dias devido, segundo Gregório, às más
águas de Espanha. A revolta de Hermenegildo terminou em 584, após Leovigildo
ter subornado os bizantinos com 30.000 soldos para retirarem o apoio ao filho.
Mapa
político da Península Ibérica c. 560, com a Galécia Sueva, a Hispânia
Visigótica e a província Bizantina de Hispânia.
Após a morte do Rei Miro, o seu
filho Eborico foi coroado Rei. No entanto, antes de ser coroado teve que
prestar tributo de apreciação e amizade a Leovigildo. No entanto, pouco menos
de um ano depois, o seu cunhado Andeca tomou o poder com o apoio do exército,
levando Eborico para um mosteiro e ordenando-o padre de modo a impedi-lo de
recuperar o trono. Posteriormente, o Rei Andeca casou com Sisegúncia, viúva do Rei
Miro, e autoproclamou-se Rei. Esta usurpação e a amizade prestada por Eborico
deram a Leovigildo a oportunidade de invadir o reino vizinho. Em 585 Leovigildo
declarou guerra aos suevos, invadindo a Galécia. Durante a campanha, os Francos
liderados por Gontrão de Borgonha atacam Septimânia, provavelmente para tentar
ajudar os Suevos. Ao mesmo tempo, enviam para a Galécia vários barcos, que
acabariam por ser intercetados pelas tropas de Leovigildo, que se apoderou da
carga e matou ou escravizou a maior parte da tripulação. Após a derrota, o Reino
passou para a posse dos Godos e transformado numa das três regiões
administrativas do Reino Visigótico, a par da Hispânia e da Gália Narbonense. O
Rei Audaca foi capturado, ordenado padre e enviado para o exílio em Beja, no
sul da Lusitânia. Após a anexação, numa fase inicial foi mantido o aparelho
administrativo do Reino Suevo. Muitos dos distritos suevos estabelecidos
durante o Reinado de Teodemiro foram mantidos. Em meados do século VII, uma
reforma eclesiástica determinou que os Bispados a norte da Lusitânia de Lamego,
Viseu, Coimbra e Idanha-a-Velha, que tinham sido anexados à Galécia no século
V, fossem devolvidos à obediência de Mérida. Os pequenos proprietários rurais
do Reino Suevo eram pessoas essencialmente de origem celta, romana e sueva, e
não Visigodos. No século que se seguiu à conquista do Reino Suevo em 585,
praticamente não se verificou migração de Visigodos para o noroeste peninsular.
A última referência aos Suevos enquanto povo distinto data de um códice
espanhol do século X: “hanc arbor romani pruni vocant, spani nixum, uuandali et
goti et suebi et celtiberi ceruleum dicunt” ("Esta árvore é denominada
ameixeira pelos Romanos; nixum pelos Hispânicos; os Vândalos, os Suevos, os
Godos e os Celtiberos chamam-lhe ceruleum"). No entanto, neste contexto é
provável que "suevos" se refira apenas ao povo da Galiza.
Religião
Rei
Ariamiro com os Bispos Lucrécio, André e Martinho durante o Primeiro Concílio
de Braga.
Igreja
Cristã estava implantada no noroeste peninsular desde o século III. Os Suevos,
de religião ariana, estabeleceram uma relação de distanciamento em relação à
Igreja, o que lhe permitiu ter uma certa autonomia, embora com algumas
dificuldades. Apesar de nem todas as atividades eclesiásticas terem sido
interrompidas, aumentaram as práticas pagãs entre a população autóctone, a
disciplina eclesiástica foi diminuindo e os clérigos desqualificados. Por outro
lado, a Igreja não se intrometia em questões políticas da monarquia, que
possuía um carácter vincadamente militar. É provável que a maioria dos Suevos
se tenha mantido pagã até ao fim do século V. Em 466, um missionário ariano de
nome Ajax, enviado pelo Rei Visigótico Teodorico II, converteu a maioria dos
suevos e fundou uma igreja ariana que dominou a região até à sua conversão para
o catolicismo na década de 560. A partir de meados do século VI inicia-se um
processo de conversão dos Suevos ao Cristianismo e consequente aproximação
entre as autoridades religiosas e políticas. A conversão favoreceu não só a
coesão interna do reino, entre os conquistadores suevos e a população
autóctone, como também as relações externas, proporcionando uma maior
aproximação aos Reino Franco e ao Império Bizantino, o que lhes permitiu uma
maior autonomia em ralação aos Visigodos. A política de favorecimento da
Igreja, adotada pelos Reis Suevos a partir deste século, permitiu a realização
de vários concílios, o investimento na organização interna da Igreja e a
fundação de uma grande quantidade de mosteiros.
Conversão
ao Catolicismo
Imagem
de São Martinho de Dume, (c.510 - 580).
As
fontes primárias apresentam a conversão dos suevos ao cristianismo de forma
bastante diferente. Uns dos registos da época, as minutas do Primeiro Concílio
de Braga, que teve lugar em 1 de maio de 561, afirmam explicitamente que o
sínodo foi realizado sob as ordens do Rei Ariamiro. Embora não haja dúvidas de
que o Rei Ariamiro tenha sido Católico, tem sido contestada a alegação de que
se trata do primeiro Monarca Católico suevo desde o Rei Requiário, uma vez que
as minutas não citam explicitamente esse facto. No entanto, foi o Primeiro Rei
a realizar um Sínodo Católico. Por outro lado, a Historia Suevorum de Isidoro
de Sevilha afirma que foi o Rei Teodemiro que realizou a conversão do seu povo
com a ajuda do missionário São Martinho de Dume. E de acordo com o historiador
franco Gregório de Tours, teria sido o Rei Carriarico, uma figura de que não
existem outros registos, que após ter ouvido falar de Martinho de Tours jurou
converter-se ao catolicismo se o seu filho fosse curado da lepra. Tendo o seu
filho sido alegadamente curado, a corte ter-se-á convertido ao Credo Niceno. No
entanto, como esta lenda faz coincidir a conversão de Carriarico com a chegada
de Martinho de Dume, por volta de 550, esta narração tem sido interpretada
enquanto alegoria da obra pastoral de Martinho de Dume e da sua devoção a
Martinho de Tours. Finalmente, segundo o cronista visigodo e católico João de
Biclaro, a conversão Sueva só ocorreu muito mais tarde, quando o Reino Suevo já
estava em processo de integração com o Reino Visigótico, após a morte do Rei
Leovigildo em 586. Teria sido o seu filho e sucessor, o Rei Recaredo I (r.
586-601), a adotar o catolicismo, tendo a maior parte do clero ariano sido
convertida no ano seguinte. Para assinalar a conversão definitiva dos Visigodos
à fé católica, foi convocado o Terceiro Concílio de Toledo em 589.
Recaredo
e vários Bispos durante o III Concílio de Toledo, no ano 589.
A
maior parte dos historiadores tem tentado organizar estas diferentes
narrativas. Tem sido proposto que Carriarico e Teodemiro devem ter sido
sucessores de Ariamiro, uma vez que este foi o primeiro monarca Suevo a
levantar a proibição dos sínodos católicos, pelo que a cronologia indicada por
Isidoro estaria errada. Reinhart sugere que Carriarico foi inicialmente
convertido através das relíquias de Martinho de Tours e que Teodemiro foi
convertido posteriormente através da pregação de Martinho de Dume. Dahn propõe
que Carriarico e Teodemaro são a mesma pessoa, alegando que o último é o nome
que adotou após ser batizado. Tem também sido sugerido que Teodemiro e Ariamiro
são a mesma pessoa e se trata do filho de Carriarico. Na opinião de alguns
historiadores, Carriarico não é mais do que um erro da parte de Gregório de Tours
e nunca existiu. Se, como narra Gregório, Martinho de Dume tivesse morrido no
ano 580 e tivesse sido Bispo durante cerca de trinta anos, então a conversão de
Carriarico ao catolicismo teria ocorrido no máximo em 550. Por último, Ferreiro
acredita que a conversão dos Suevos ao catolicismo foi gradual e progressiva e
que o levantamento da interdição dos sínodos católicos que após a conversão
pública de Carriarico só ocorreu no reinado do seu sucessor, que teria sido
Ariamiro. Ao mesmo tempo, Teodemiro nunca teria sido responsável por iniciar
uma perseguição aos hereges arianos durante o seu reinado devido. Após a
conquista do Reino Suevo, o Rei Leovigildo voltou a instaurar a Igreja Ariana
entre os Suevos. No entanto, após a sua morte, em 586, o seu filho Recaredo
promoveu publicamente a conversão em massa dos Suevos ao catolicismo. Esta
conversão foi contestada e confrontada por um grupo de conspiradores Arianos,
cujo líder, Sega, seria enviado para o exílio na Galécia depois de lhe terem
sido amputadas as mãos. A conversão culminou com o Terceiro Concílio de Toledo,
no qual participaram 72 Bispos da Hispânia, Gália e Galécia. Oito deles
renunciaram ao Arianismo, entre eles quatro Bispos Suevos, Becila de Lugo,
Gardingo de Tui, Argiovito do Porto e Sunila de Viseu. A conversão foi
mencionada pelo próprio Rei Recaredo: "Não só a conversão dos Godos está
entre os privilégios que recebemos, mas também a infinita multidão dos Suevos,
a quem com assistência divina sujeitamos ao nosso reino. Embora levados à
heresia por influência externa, com as nossas diligências trouxemo-los de volta
às origens da verdade." Numa carta remetida pelo Papa Gregório I, o Rei
Recaredo é referido como "Rei dos Visigodos e dos Suevos".
Fontes
e controvérsias
Devido
ao seu relativo isolamento e afastamento, as fontes sobre os Suevos são
escassas. Os períodos em que se conhece a sua história de forma mais detalhada
e através de diversas de fontes coincidem com os períodos em que Suevos se
tornam uma ameaça para Roma, como durante a expansão de Réquila e durante o
reinado de Miro, no último terço do século VI, quando se encontrava coligado
com outros reinos católicos, como os Francos e os Bizantinos, no apoio a
Hermenegildo contra o Rei visigótico Leovigildo.
Idácio
de Chaves
A
fonte mais importante para a história dos Suevos durante o século V é a crónica
escrita pelo Bispo Idácio de Chaves em 470, a qual é uma continuação da crónica
de São Jerónimo. Idácio nasceu por volta do ano 400 na cidade de Chaves, na
região dos Límicos no vale do rio Lima. Idácio testemunhou a fixação dos povos
Suevos na península em 409, e a passagem da Galécia de província romana para um
reino bárbaro independente. Embora durante grande parte da vida tenha sido forçado
a permanecer em comunidades romanas isoladas, sob ameaça constante dos Suevos e
dos Vândalos, sabe-se que em diversas ocasiões viajou para fora da Hispânia,
como embaixador ou com o intuito de aprendizagem, e que mantinha
correspondência com outros Bispos. Em 460 foi capturado pelo senhor da guerra
suevo Frumário, acusado de traição por vários locais. Depois de preso durante
três meses, enquanto os Suevos pilhavam a região de Chaves, foi libertado
ileso. A Crónica de Idácio, embora pretenda ser universal, vai-se tornando
progressivamente numa história local. Acompanhando os assentamentos bárbaros,
relata o conflito entre as diversas nações e os conflitos frequentes entre os
Suevos os Gaélicos locais pouco romanizados, o declínio do poder romano na
Hispânia, a expansão dos Suevos a sul e a leste, a sua derrota contra os
Visigodos, a reconstrução do reino sob Remismundo e a conversão ao Arianismo.
Embora seja considerado um historiador importante, a sua narrativa é por vezes
obscura e feita do ponto de vista de um estrangeiro que considerava os suevos
saqueadores sem lei. Muitas vezes não oferece qualquer explicação para as
decisões dos movimentos suevos e menciona apenas o que os Suevos fizeram, mas raramente
com que objetivo.
Paulo
Orósio
Paulo
Orósio, que vivia na Galécia quando chegaram os Suevos, foi um dos principais
cronistas a descrever o nascimento do Reino Suevo. Outra fonte importante para
a história dos Suevos durante a fase de estabelecimento é o Livro 7 das
Histórias Contra os Pagãos do historiador Paulo Orósio. Orósio deixa
transparecer uma imagem bastante diferente da conquista dos Suevos e dos
Vândalos e menos catastrófica do que aquela narrada por Idácio. Na sua
narrativa, após uma entrada violenta nas Hispânicas, os Suevos e Vândalos são
descritos como um povo pacífico de camponeses e guardiões, aos quais se
juntaram os locais que procuravam escapar aos impostos e imposições romanas. No
entanto, e como tem sido salientado, a sua descrição é influenciada pela sua
agenda, uma vez que no livro tentava desculpar a cristandade da queda e
decadência de Roma.
Gregório
de Tours e Martinho de Dume
O
conflito entre Vândalos e Suevos também é narrado por Gregório de Tours que, no
século VI, narrou o bloqueio, a morte de Gunderico em circunstâncias misteriosas,
a resolução do conflito num duelo e a retirada forçada dos Vândalos para a
Galécia. Entre os Vândalos, a narrativa era diferente, uma vez que Procópio de
Cesareia escreveu que na sua tradição o Rei Gunderico foi capturado e empalado
por germânicos em Espanha. O final da Crónica de Idácio, em 469, marca o início
de um período obscuro e sem fontes na história dos Suevos, que só voltaria a
ver luz em meados do século VI, data em que existem novamente bastantes fontes.
Entre estas, as mais notáveis são as obras do Panoniano São Martinho de Dume e
do Franco Gregório de Tours. Nos "Milagres de São Martinho", Gregório
narra e atribui a conversão de Carriarico ao catolicismo a um milagre de São
Martinho de Tours, enquanto na "História dos Francos" dedica vários
capítulos às relações entre Suevos, Visigodos e Francos e ao fim da
independência dos Suevos, anexados pelos Visigodos em 585. Martinho de Dume, um
monge que chegou à Galécia por volta de 550, tornou-se um agente de
transformação. Enquanto Bispo e Abade de Dume, fundou vários mosteiros e
promoveu a conversão dos Suevos. Mais tarde, enquanto Arcebispo de Braga e
autoridade religiosa máxima do Reino, participou na reforma da Igreja e da
administração local. Várias das suas obras encontram-se preservadas, incluindo
a "Fórmula da Vida Honesta", dedicada ao Rei Miro, um tratado contra
as superstições dos habitantes locais e diversos outros tratados. Esteve também
presente nos vários concílios de Braga, cujas atas, a par do Parochiale
suevorum, são as principais fontes da vida política e religiosa do Reino.
Isidoro
de Sevilha (direita) e Bráulio de Saragoça (esquerda) numa iluminura otoniana
da segunda metade do século X
João
de Biclaro e Isidoro de Sevilha
Também
importante é a Chronica escrita pelo visigodo João de Biclaro por volta de 590.
Embora provavelmente parcial, a sua narração é um dado precioso para os últimos
quinze anos de independência dos Suevos e para os primeiros anos sob domínio
visigótico. Também de grande interesse é a história escrita por Isidoro de
Sevilha. Isidoro baseou-se nos relatos de Idácio de Chaves e na Crónica de João
de Biclaro para compilar a história dos Suevos na Hispânia. A controvérsia em
torno da historiografia de Isidoro centra-se nas suas omissões e acrescentos,
que muitos historiadores e investigadores consideram bastante numerosas para
serem apenas erros. Ao longo da "História dos Reis dos Godos, Vândalos e
Suevos", alguns detalhes de Idácio são inclusivamente alterados. Muitos
historiadores atribuem estas alterações ao facto de Isidoro poder ter tido
disponíveis, outras fontes para além de Idácio.
Legado
cultural
Uma
vez que os Suevos rapidamente adotaram o latim vulgar em uso na Península
Ibérica, são hoje em dia poucos os vestígios de língua germânica nas línguas galega
e portuguesa. É difícil fazer uma distinção entre empréstimos linguísticos
godos ou suevos, embora existam uma série de palavras características da Galiza
e do norte de Portugal que são atribuídas aos Suevos, ou aos Godos, embora não
se conheça qualquer imigração Visigótica para a Galiza anterior ao século VIII.
Estas palavras são de natureza essencialmente rural e relativas a animais, agricultura
e à vida no campo. Entre alguns exemplos: laverca (do Proto Germânico
*laiwazikōn); brita (de *breutanan", "partir"), marco (do Proto
Germânico *markan "fonteira", "limite"), maga e esmagar (do
Proto Germânico *magōn "estômago"); brêtema (do Proto Germânico
*breþmaz "vapor", "respiração"); gabar; fita; ou sá (do Proto
Germânico *salaz "origem", geração, casa"). Mais significativa
foi a contribuição Sueva para a toponímia e antroponímia locais. Os nomes
próprios Suevos continuaram a ser usados no território até à Baixa Idade Média,
enquanto os nomes germânicos continuaram a ser os nomes mais comuns entre os
habitantes locais até à Alta Idade Média. A partir destes nomes deriva também
uma toponímia bastante rica encontrada num grande número de localidades,
principalmente na Galiza e no norte de Portugal. Por exemplo, Sandiães, genitivo
germânico do nome Sindila, Gondomar, de Gundemari ou Baltar, de Baltarii, ambos
comuns em Portugal e na Galiza. Outro grupo de topónimos derivados de antigos
assentamentos germânicos são os locais com o nome Sa, Saa, Sas, na Galiza, ou
Sá em Portugal, que derivam da palavra germânica sal "casa, átrio" e
distribuídos principalmente à volta de Braga e do Porto, em Portugal, no vale
do rio Minho e nas proximidades de Lugo na Galiza.
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