Pesquisar neste blogue

segunda-feira, dezembro 01, 2014

Batalhas Navais-Índico-1589

Mombaça
(5 de Março de 1589)



Ao saber das depredações causadas por Mir Ali Bec na costa de Melinde em 1586 o vice-rei Dom Duarte de Meneses havia despachado prontamente para lá (em 9 de Janeiro de 1587) uma poderosa armada constituída por dois galeões, três galés e treze fustas, guarnecidos com seiscentos e cinquenta portugueses, sob o comando de Martim Afonso de Melo. Não tendo encontrado sinais de Mir Ali Bec, que nesse ano não saíra do mar Vermelho, Martim Afonso tinha-se limitado a destruir a cidade de Ampaza e a submeter algumas vilas e cidades da costa de Melinde que haviam acolhido os Turcos, incluindo a própria cidade de Mombaça que, para não ser arrasada, teve de pagar um avultado resgate. Feito isto, dirigira-se para Ormuz, onde, aliás, veio a falecer. Entretanto, no mar Vermelho, Mir Ali Bec estava a reunir forças para levar por diante a projectada construção de uma grande fortaleza em Mombaça, o que daria aos Turcos o domínio de toda aquela costa e colocaria em sério risco as naus da carreira da Índia que, tanto na viagem de ida como na de volta, navegavam durante várias semanas a curta distância dela. Mas o sultão do Cairo estava a lutar com dificuldades financeiras e, por isso, das dez galés novas que haviam começado a ser construídas em Suez apenas foram acabadas quatro que, depois de guarnecidas e equipadas, foram enviadas para Moca e entregues a Mir Ali Bec. Com essas quatro galés e a fusta que tinha capturado aos Portugueses no cruzeiro anterior, fez-se aquele de novo ao mar em fins de 1588 ou princípios de 1589. Depois de ter escalado Mogadixo, onde se reabasteceu, de ter tentado atacar Melinde, onde foi rechaçado pelos portugueses que lá se encontravam, e, de ter tocado em várias outras cidades, onde exigiu o pagamento de pesados tributos, Mir Ali Bec chegou a Mombaça disposto a dar início à construção da grande fortaleza com que sonhava. Mas a conjuntura não podia ser pior. Nessa época estava tendo lugar uma migração dos Zimbas, povo antropófago originário da Zambézia, que se dirigia para norte devastando tudo à sua passagem. Quíloa havia sido tomada e os seus habitantes comidos. Agora era a vez de Mombaça enfrentar o pesadelo dos terríveis zimbas que se encontravam acampados em grande número no continente, em frente à ilha. Nestas circunstâncias, viu-se Mir Ali Bec forçado a distrair parte da sua armada para conter os zimbas enquanto dava início à construção de um pequeno forte destinado a controlar a entrada da barra e que, possivelmente, teria a intenção de, mais tarde, ampliar. Mas, desta vez, os Portugueses estavam alerta. Tendo o cuidado de se manter informados sobre o que se estava a passar no mar Vermelho, por intermédio dos navios árabes que de lá vinham. E logo que tiveram notícia de que Mir Ali Bec estava aprontando uma nova armada mandaram uma fusta à Índia a pedir socorro ao Vice-Rei. Por morte de D. Duarte de Meneses, governava então a Índia Portuguesa Manuel de Sousa Coutinho, que imediatamente organizou uma armada destinada à costa de Melinde, capitaneada por seu irmão Tomé de Sousa Coutinho, que compreendia dois galeões, cinco galés, seis galeotas, seis fustas e uma manchua, onde iam embarcados, além dos marinheiros, novecentos soldados portugueses. A dimensão desta armada torna bem patentes duas coisas: a primeira é que os portugueses da Índia se tinham claramente apercebido da importância da ameaça que representava a instalação dos Turcos na costa de Melinde; a segunda é que dispunham de meios mais que suficientes para a enfrentar. Não foi fácil a viagem de Tomé de Sousa de Goa para a costa africana. Sucessivos temporais obrigaram uma das galés a arribar ao porto de partida devido a estar a meter água; os dois galeões desgarraram-se dos navios de remo; na maior parte destes foi necessário deitar carga ao mar para não ir ao fundo. Afinal, nos últimos dias de Fevereiro, os navios de remo, que apesar de tudo se tinham conseguido conservar juntos, chegaram a Brava, onde lhes foi dito que Mir Ali Bec tinha passado para sul havia pouco. Grande foi o contentamento dos portugueses, que o que mais temiam era não encontrar a armada inimiga. Dispararam-se os canhões e os arcabuzes, tocaram-se os instrumentos bélicos e encheram-se os ares com a vozearia das guarnições! Em face de tão boas novas, Tomé de Sousa apressou-se a continuar a sua viagem. Em fins de Fevereiro tocou em Ampaza, possivelmente para arranjar mantimentos; seguidamente aportou a Lamu a fim de fazer aguada. Aí encontrou recado de Mateus Mendes de Vasconcelos, capitão-mor daquela costa, de que Mir Ali Bec se encontrava em Mombaça. Completada a aguada, Tomé de Sousa dirigiu-se sem mais detença para Melinde, onde juntou à sua armada uma boa galeota e duas fustas que Mateus Mendes tinha preparadas para o acompanhar. Nessa mesma noite, depois de uma breve visita ao Rei, tomou o caminho de Mombaça, onde chegou no dia seguinte de manhã, que era 5 de Março. Sobranceiro ao braço de mar que conduz à cidade tinha Mir Ali Bec construído um pequeno forte guarnecido com artilharia de grosso calibre com que contava impedir a entrada aos navios portugueses se por ali aparecessem; para evitar que os zimbas entrassem na ilha vira-se forçado a destacar duas das suas galés para um passo existente no canto NW da mesma que podia ser vadeado com água pelo peito na maré vazia; as outras duas galés e a fusta tinham ficado fundeadas junto à cidade. Apesar do aspecto ameaçador do forte, Tomé de Sousa Coutinho decidiu forçar imediatamente a entrada para não quebrar o ímpeto que pressentia nos seus homens nem dar tempo ao inimigo para se refazer do choque resultante da sua chegada. E com todos os navios profusamente embandeirados e tocando trombetas, pífaros e tambores, arremeteu arrojadamente pela entrada da barra sem se importar com os pelouros de grosso calibre que caíam em torno da armada. À frente iam as oito fustas sob o comando directo de Mateus Mendes de Vasconcelos; logo a seguir, as oito galeotas; por fim, as quatro galés com o capitão-mor. À passagem pelo forte disparou este uma primeira salva sobre as fustas sem que nenhuma tivesse sido atingida. Enquanto os turcos estavam a carregar de novo as suas peças, passaram as galeotas. Quando se aproximou a galé capitania, todos os canhões do forte dispararam sobre ela uma segunda salva que também não acertou no alvo! Mais destros ou com mais sorte, os bombardeiros da galé conseguiram meter alguns pelouros de grosso calibre dentro daquele, que mataram o condestável turco que dirigia o tiro. Tanto bastou para que os restantes membros da sua guarnição desmoralizassem e se pusessem em fuga para a cidade! Então, um jovem fidalgo meteu-se no esquife da galé com meia dúzia de soldados, saltou em terra, entrou no forte e, depois de ter morto alguns soldados que ainda lá se encontravam, arrancou as bandeiras turcas, que eram lindas bandeiras de seda multicores, e voltou com elas, triunfante, para a galé! Entretanto, Mateus Mendes de Vasconcelos chegava ao contacto com as duas galés e a fusta que estavam diante da cidade, que logo acometeu com grande determinação. Os turcos ainda tiveram tempo para disparar por duas vezes a sua artilharia. Mas de pouco lhes serviu. Investidos por uma alcateia furiosa que disparava sobre eles dezenas de arcabuzes à queima-roupa e lhes lançava para cima catadupas de panelas de pólvora, lançaram-se à água e fugiram para terra. Alguns dos nossos, vendo que naquele lugar havia pé, atiraram-se também à água e foram atrás dos turcos até à praia, continuando a matar. E era tal a sua fúria que para os fazer recolher foi necessário ir a terra o capitão de um dos navios! As galés turcas estavam ricamente carregadas com os tributos que Mir Ali Bec havia exigido nas várias cidades por onde passara e, imediatamente, os soldados começaram a saqueá-las. A chegada de Tomé de Sousa, com as galés, veio pôr termo à desordem. Meteu nos navios tomados gente de confiança e mandou-os levar para o largo; mandou um destacamento de cem homens ao forte a fim de retirar dele toda a artilharia, o que não viria a ser tarefa fácil por alguns dos canhões serem de grandes dimensões; ordenou que Mateus Mendes de Vasconcelos, com duas galés, as sete galeotas e seis fustas fosse atacar as duas últimas galés turcas que estavam de guarda ao passo dos zimbas, ficando ele com duas galés e duas fustas diante da cidade. O combate com as duas galés turcas que estavam no passo dos zimbas foi bastante mais renhido do que o anterior, porque nelas tinha Mir Ali Bec metido a sua melhor gente. Depois da costumada salva de arcabuzaria e do habitual lançamento de panelas de pólvora em profusão, os portugueses lançaram-se à abordagem, travando com os defensores violentos combates corpo a corpo. Mas a superioridade numérica dos nossos era, neste caso, muito grande. Cerca de cem turcos foram mortos em poucos minutos e mais de setenta feitos prisioneiros. Da nossa parte houve apenas dois mortos. O resto do dia passou-se a inventariar o espólio encontrado nos navios turcos para efeitos de repartição, conforme as regras em vigor. Ao cair da noite, o rei de Mombaça mandou pedir pazes. Concedeu-lhe Tomé de Sousa vinte e quatro horas de tréguas com a condição de entregar todos os turcos que tinha consigo. O dia 6 foi passado em relativo sossego, a curar os feridos e a pôr os navios capturados em estado de navegar. Na manhã de 7, não dando o rei de Mombaça sinal de si, Tomé de Sousa Coutinho desembarcou com quinhentos soldados e ocupou a cidade sem encontrar resistência. O rei e a população tinham fugido para o arrabalde e encontravam-se escondidos no mato. Depois de ter saqueado e incendiado a cidade, bem como uma nau e numerosos navios que se encontravam varados na praia, Tomé de Sousa regressou aos navios. Apareceu então um emissário dos zimbas a felicitar os portugueses pela vitória que tinham alcançado e a pedir autorização para entrarem na ilha e comerem os vencidos! Desejoso de haver às mãos Mir Ali Bec, Tomé de Sousa Coutinho autorizou que o fizessem no dia seguinte. E, ao amanhecer, mandou as embarcações miúdas da armada para junto de terra com ordens para recolherem todos os fugitivos que se apresentassem. Tal como havia previsto, logo que os turcos, árabes e gentios de Mombaça se aperceberam de que os zimbas estavam a entrar na ilha, fugiram espavoridos para junto das embarcações portuguesas, pedindo aflitivamente para que os recolhessem, pois preferiam mil vezes ser cativos do que mortos e comidos. Desta forma foi feito prisioneiro Mir Ali Bec e mais trinta turcos, entre os quais alguns capitães importantes, cerca de duzentos árabes e muitos naturais de Mombaça. Mas muitos mais morreram afogados por já não haver lugar para eles nas embarcações. A 15 de Março chegaram os dois galeões que se tinham desgarrado durante a travessia do mar da Arábia, os quais nada mais puderam fazer do que embandeirar festivamente e assinalar a vitória com uma potente salva de artilharia. Deixando Mombaça completamente arruinada, Tomé de Sousa Coutinho foi à ilha de Pemba, onde colocou no trono um rei favorável aos Portugueses, e daí dirigiu-se para Melinde, onde chegou a 22 de Março. Desnecessário será dizer que a estrondosa vitória que alcançara sobre os Turcos e a prisão de Mir Ali Bec encheram de pasmo as gentes de toda aquela costa e fizeram subir consideravelmente o prestígio dos Portugueses ou, dizendo melhor, o medo que inspiravam. Mal podendo acreditar no que os seus olhos viam, os nativos diziam uns para os outros: "Com os Portugueses ninguém se meta porque mais tarde ou mais cedo lhas pagará!" Em Melinde, Tomé de Sousa deixou, além da galeota e das duas fustas que eram de lá, duas fustas da sua armada, a fim de ajudarem a defender a cidade dos zimbas que se estavam aproximando. Desde já se poderá dizer que quando estes, mais tarde, tentaram tomar de assalto Melinde sofreram uma tremenda derrota, sendo obrigados a regressar às suas terras completamente destroçados. Com o resto da armada, Tomé de Sousa Coutinho ainda se conservou durante mais algum tempo na região a fim de castigar os Reis de Lamu, Pate e Mandra pelo auxílio que tinham dado aos turcos. A 15 de Abril iniciou a viagem de regresso a Goa, onde chegou a 16 de Maio, sendo muito festejado. Mir Ali Bec foi tratado com todas as honras e, mais tarde, enviado para Portugal, onde acabou por se converter ao Cristianismo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.