terça-feira, junho 30, 2015

Batalhas e Combates-1498 I

Mombaça
(10 de Abril de 1498)



A partir do momento em que ocupou o trono em 1481, uma das principais preocupações de Dom João II foi abrir o comércio marítimo com a Índia, contornando o continente africano pelo sul, na presunção de que daí adviriam enormes vantagens de ordem económica para portugal. Graças às duas viagens de Diogo Cão (1482-1484 e 1485-1486), à viagem de Bartolomeu Dias (1487-1488) e a outras que inevitavelmente se terão realizado entre 1489 e 1497, ficaram os Portugueses conhecendo o regime de ventos do Atlântico Sul e talvez até da costa oriental da África Austral. A partir daí, o descobrimento do caminho marítimo para a Índia estava praticamente conciuído. Faltava apenas realizar a primeira viagem que, aliás, já se encontrava em preparação quando Dom João II faleceu em 1495.


Retomando a política do seu antecessor, Dom Manuel I enviou à Índia no Verão de 1497, uma armada capitaneada por Vasco da Gama que era constituída por duas Naus, a "São Gabriel" e a "São Rafael" e uma Caravela a "Bérrio", acompanhadas por uma outra Nau destinada a levar mantimentos até ao cabo da Boa Esperança e aí queimada. A missão desta armada era apenas estabelecer relações comerciais pacifícas com as principais cidades da costa indiana, o que nessa altura parecia não oferecer qualquer dificuldade, desde que conseguise lá chegar. Mas se a primeira viagem dos Portugueses à Índia constituiu, sob o ponto de vista náutico, um portentoso sucesso que haveria de ecoar através dos tempos, o mesmo não se poderá dizer dela sob o ponto de vista diplomático e comercial, sobretudo devido à obstrução dos Muçulmanos. Ao tempo em que os Portugueses entraram no oceano Índico, já este era perfeitamente conhecido dos Árabes de Omã e do Iémen, que nele navegavam, possivelmente, desde há três mil anos antes de Cristo, tendo alcançado Cantão no século oitavo da era cristã. Em resultado das suas longas viagens, pequenos núcleos de árabes foram-se fixando por toda a orla daquele oceano, misturando-se pacificamente com as populações locais e, em numerosos casos, tornando-se senhores de vilas e cidades. Desnecessário será acrescentar que a existência de tais núcleos facilitou enormemente a difusão do Islamismo nas regiões circundantes. Quando atingiu a costa oriental da África, preocupado como estava em arranjar pilotos que o conduzissem à Índia, Vasco da Gama aportou sucessivamente a Monçabique, Monbaça e Melinde.



A chegada a Monbaça teve lugar num sábado, a 7 de Abril de 1498, ficando a armada portuguesa, por precaução, fundeada do lado de fora do porto. Seguiram-se dois dias de negociações com as autoridades locais com vista a obter delas pilotos, mantimentos e alguma carga. Mas os árabes que viviam na cidade não acolheram de bom grado a presença dos Portugueses, nos quais viam não só os inimigos irredutíveis da sua Fé mas também perigosos concorrentes no domínio do comércio marítimo. E para cortar o mal pela raiz aconselharam o rei a capturar os nossos navios. Convenceu-se facilmente aquele das vantagens de o fazer mas, como não dispunha de forças militares suficientemente poderosas para se baterem abertamente connosco, resolveu servir-se da traição. Ao mesmo tempo que procurava manter uma aparência de grande cordialidade com os Portugueses para melhor os iludir, insistia com Vasco da Gama, por meio de mensagens, para que levasse os seus navios para o porto interior, a fim de mais facilmente poderem carregar. Convencido da boa-fé do rei de Mombaça, resolveu este fazer-lhe a vontade, e no dia 10 de Abril pela manhã, deu ordem para suspender, na intenção de ir fundear no porto interior. Aconteceu, porém, que, devido possivelmente à corrente a "São Gabriel" não obedeceu à acção do leme e à mareação das velas, começando a abater em vez de guinar para o bordo desejado, pelo que foi necessário voltar a largar o ferro. A manobra em si, nada tinha de especial. Mas como foi feita debaixo de uma certa excitação, com os oficiais a gritar ordens e os marinheiros a correr de um lado para o outro, os árabes que estavam a bordo, e que não tinham a consciência tranquila, julgando que a traição que estavam preparando tinha sido descoberta, entram em pânico e fugiram para as suas embarcações ou lançaram-se à água. Só então os nossos se aperceberam de que a insistência do rei para se mudarem para o porto interior não tinha outro fim senão colocá-los numa posição onde mais facilmente lhes pudesse queimar os navios. Bem desejaria Vasco da Gama, depois deste incidente, ambadonar imediatamente Mombaça e seguir viagem. Mas não o pôde fazer por o vento possivelmente de leste, não dar para isso. Nessa mesma noite, a coberto da escuridão, duas embarcações da terra aproximaram-se da nossa armada sem serem pressentidas e puseram na água um certo número de nadadores encarregados de cortar as amarras dos navios portugueses a fim de os fazer dar à costa. Mas os nossos estavam vigilantes e de bordo da "Bérrio" foi dado o alarme logo que sentiram que lhe estavam a tentar cortar a amarra. Acordados em sobressalto, marinheiros e soldados pegaram em armas e afugentaram os nadadores e as embarcações que os apoiavam, possivelmente disparando tiros de besta e de bombarda. Na "Crónica do Descobrimento e Primeiras Conquistas da Índia pelos Portugueses" lê-se «(...) foram sentidos, e com as bombardas e bestas os escaramentaram de maneira que nunca ousaram de tornar mais». Dizem outros cronistas que nas duas noites seguintes se terão repetido as tentativas de cortar as amarras dos nossos navios, igualmente sem resultado. No entanto, esta versão parece-nos menos verosímil. A 13 de Abril, tendo rondado o vento, a armada portuguesa deixou mombaça, continuando para norte, ao longo da costa em busca de uma cidade onde pudesse encontrar o tão desejado piloto que fosse capaz de a conduzir à Índia a salvamento.

segunda-feira, junho 29, 2015

Batalhas e Combates-1498 II

Angediva
(Setembro de 1498)


As tentativas de Vasco da Gama para fazer amizade com o Samorim de Calicut e para deixar uma feitoria nessa cidade não foram bem sucedidas. Por um lado, os comerciantes islamizados (os «Mouros» como lhes chamavam os Portugueses de então) não se cansavam de tecer intrigas contra Vasco da Gama e de subornar os funcionários do Samorim para lhe criarem dificulades, por outro lado, Vasco da Gama não ia prevenido com o dinheiro e os presentes necessários para abrir caminho num centro comercial tão rico como era Calicut, dado que quando partira de Lisboa ainda eram muito mal conhecidos em Portugal os processos de comerciar no Oriente. Por tudo isso, Vasco da Gama não conseguiu vender toda a mercadoria que levava, nem comprar a quantidade de especiarias que desejava para carregar completamente os seus navios. Em fins de Agosto com a «monção» prestes a terminar e já enfadado com as dilações e os embustes do Samorim, Vasco da Gama mandou fazer fogo sobre três almadias em que estavam emissários seus e, seguidamente abandonou Calicut, levando consigo alguns malabares como reféns. Ficou o Samorim sumamente irritado com este procedimento e procurou arranjar forma de capturar ou destruir a armada de Vasco da Gama para tirar aos portugueses a possibilidade de virem a saber que o caminho marítimo para a Índia fora descoberto e, portanto, de lá voltarem. Deve dizer-se que sendo Calicut a cidade mais importante da costa do Malabar, por cujo porto passavam por ano centenas de Naus, não teria sido dificel ao Samorim organizar uma armada suficientemente forte para criar sérios embaraços a Vasco da Gama, se este, por um feliz, acaso, não tivesse chegado à Índia durante o período da «monção», em que chove torrencialmente e o mar se torna alteroso, o que nesse tempo, obrigava a desarmar ou pôr em seco todos os navios até à chegada do bom tempo (Setembro). Nas circunstâncias em que se encontrava, o Samorim apenas pôde enviar em perseguição da armada portuguesa cerca de setenta embarcações guarnecidas com gente de armas, na esperança de a poderem tomar à abordagem. Alguns dias mais tarde, encontrando-se Vasco da Gama um pouco a sul de Calicut, com os seus navios encalmados, foi atacado pelas embarcações do Samorim. Procurou afuguentá-las com a artilharia, mas elas persistiram nas suas tentativas de abordagem durante mais de uma hora, causando certo embaraço aos nossos navios por serem muitas e surgirem de todos os quadrantes, ora aproximando-se, ora afastando-se, o que os obrigava a estar constantemente a mudar de alvo.


Por fim, sobreveio uma trovoada acompanhada de vento que permitiu a Vasco da Gama afastar-se para o largo, deixando rapidamente para trás as embarcações inimigas. Seguiu então para norte, ao longo da costa, à procura de um local conveniente para carenar os seus navios antes de iniciar a viagem de regresso a Portugal. Certo dia, entre 20 e 25 de Setembro, estando a armada fundeada junto de uns ilhéus situados um pouco a sul da ilha de Angediva, foram avistadas das duas Naus que se aproximavam cosidas com a terra. Mandando subir alguns homens aos cestos de gávea para as identificar melhor, foi Vasco da Gama informado de que, ao largo estavam mais oito Naus encalmadas. Suspeitando de que se tratasse de uma armada enviada pelo Samorim em sua perseguição, mandou aprontar os seus navios para combate e logo que começou a soprar a viração (brisa do mar), enviou a "Bérrio" ao seu encontro, a investigar. Não esquecer que, sendo a "Bérrio" uma Caravela, podia bolinar e portanto, aproveitar a viração para se aproximar das Naus suspeitas, ao passo que a "São Gabriel" e a "São Rafael", sendo Naus e consequentemente, incapazes de bolinar, nada mais podiam fazer, com o vento do mar, do que continuar fundeadas, numa atitude de expectativa. Embora neste ponto as descrições dos cronistas sejam um tanto vagas pode deduzir-se que se terá passado o seguinte; quando a "Bérrio" chegou perto da Nau que vinha mais avançada terá sido recebida com arremessos de flechas, aos quais, obviamente, terá respondido com a sua artilharia. Como os canhões de bronze dos Portugueses eram muito mais potentes do que os canhões de ferro que até então se utilizavam no oceano Ìndico é natural que as salvas da "Bérrio" tenham não só causado graves avarias na Nau adversa como também tenha assombrado a sua guarnição. Vendo-se com o leme quebrado e incapazes de governar, os tripulantes da Nau passaram-se para um zambuco que levavam a reboque e fugiram para uma das outras. È natural que a "Bérrio", dada a facilidade com que se desfizera do primeiro inimigo tenha continuado a atacar as Naus restantes com a sua artilharia.


Vendo que não tinham qualquer hipótese de sucesso perante a nossa Caravela e receando ser sucessivamente afundadas, dirigiram-se aquelas para a costa, onde deliberadamente ou fortuitamente, acabaram por encalhar. Entretanto na Nau abandonada, o pessoal da "Bérrio" encontrou nela muitos arcos, flechas, espadas, lanças, escudos e outros apetrechos de guerra (não são mencionadas bombardas), o que parece confirmar que ela efectivamente, vinha preparada para combater. Vasco da Gama, logo que viu que as Naus inimigas se começavam a dirigir para a costa, foi no seu encalço, terminando por fundear em frente do local onde elas tinham encalhado. E como não se queria aproximar muito para que não lhe pudesse acontecer o mesmo, mandou armar os batéis com «berços» (pequenos canhões) e deu-lhes ordem para irem bombardear a curta distância as sete Naus encalhadas. Bastou isso para que as suas guarnições as abandonassem e se pusessem em fuga para terra. A Nau apresada pela "Bérrio" deverá ter sido, muito provavelmente queimada. Quanto às duas Naus que foram inicialmente avistadas navegando junto à costa, nada mais sabemos a seu respeito. Se faziam parte da armada inimiga, é natural que tenha encalhado como as outras, se eram simplesmente Naus de Mercadores é provável que tenham sido deixadas seguir o seu destino. Ao outro dia, por informações de gente da terra que tinha contacto com os fugitivos, souberam os Portugueses que aquela armada tinha sido efectivamente enviada pelo Samorim de Calicut para as capturar ou destruir. Depois da acção que acaba de ser relatada, Vasco da Gama foi fundear na ilha de Angediva, onde havia condições óptimas para fazer aguada. E verificando que também nela existia uma boa praia decidiu aproveitá-la para carenar os navios. O primeiro a ser posto «a monte» (em seco) foi a "Bérrio". Certo dia, enquanto decorriam os trabalhos de cartenagem, apareceram à vista sete Fustas (navios semelhantes à Galeota mas mais pequenos), das quais se andiantaram duas bandeiras desfraldadas e tocando instrumentos bélicos em ar festivo. Perguntando Vasco da Gama aos canarins, que tinham ido à ilha vender frescos aos portugueses, o que era aquilo, disseram-lhe que aquelas Fustas pertenciam a um corsário chamado Timoja que costumava usar táctica de se aproximar das suas presas em ar de festa para depois atacar à traição. Não quis ouvir mais o nosso Capitão-Mor. Logo que as Fustas chegaram ao alcance de tiro, mandou abrir fogo à "São Gabriel" e à "São Rafael". Vendo que o seu estratagema não resultara, as Fustas de Timoja puseram-se em fuga. Nicolau Coelho, que estava no batel da "Bérrio" foi em sua perseguição, afastando-se tanto que Vasco da Gama teve que mandar inçar uma bandeira de chamamento. Após este incidente foi concluída a carenagem da "Bérrio", à qual se seguiu a da "São Gabriel". Estando esta prestes a terminar, teve Vasco da Gama a informação de que em Goa se estavam aprontando quarenta Naus para o irem atacar. Receando que se lhe sucedesse algum percalço poderia ficar para sempre perdida a memória da viagem que à custa de tantos trabalhos conseguira levar a cabo, resolveu prescindir da carenagem da "São Rafael" e sem mais delongas, iniciar a viagem de regresso. Depois de ter embarcado alguns frescos, peixe, lenha e uma pequena quantidade de especiaria e de ter completado a aguada, deixou a costa indiana a 5 de Outubro de 1498.


domingo, junho 28, 2015

Batalhas e Combates-1499

Pate
(5 de Janeiro de 1499)


A Viagem de regresso da Índia da armada de Vasco da Gama constituiu um verdadeiro calvário. Tendo Largado de Angediva a 5 de Outubro de 1498, só conseguiu alcançar a costa africana, nas proximidades de Mogadisco, três meses mais tarde a 3 de Janeiro de 1499, do que resultou perder muita gente afectadas pelo escorbuto. Dizem os cronistas que ao reconhecer que se tratava de uma cidade de «Mouros» (Muçulmanos), Vasco da Gama, que vinha irritadíssimo com a forma como aqueles tinham intrigado contra si na Índia, deu ordem para a bombardear, avariando alguns navios que estavam no porto. Mogadisco era uma cidade grande e rica pelo que somos levados a supor que o respectivo sultão, justamente indignado com o procedimento dos portugueses, tenha mandado imediatamente equipar uma armada de oito navios (provavelmente «dhows») para os perseguirem. Ia a nossa armada navegando com o vento fresco pela alheta de EB provavelmente a uma velocidade muito próxima dos oito nós (oito milhas marítimas por hora) quando, ao largo da ilha de Pate, rebentaram uma ou duas ostagas da "São Gabriel" (as ostagas são os cabos que servem para içar as pesadas vergas transversais onde envergam as velas de gávea). Para reparar a avaria foi necessário carregar o pano, ficando a armada a pairar durante algumas horas. Foi então que os navios que, em nossa opinião terão saido de Mogadisco (e não de Pate) os alcançaram. Vendo aproximar-se um grupo compacto de oito «dhows» carregados de gente de armas vindos do Norte, os Portugueses perceberam imediatamente do que se tratava, pondo-se em armas. E logo que aqueles chegaram ao alcance de tiro das bombardas, abriram fogo. Não se sabe se album dos navios atacantes foi ou não atingido. Tal como acontecera em Angediva, a potência dos canhões de bronze usados pelos nossos navios, ainda desconhecidos no oceano Índico, devem ter assustado de tal forma os «Mouros» que, acto contínuo, bateram em retirada. E assim pôde a armada de Vasco da Gama, prosseguir a sua viagem de regresso a Portugal.


sábado, junho 27, 2015

Batahas e Combates-1500

Cananor
(Outono de 1500)



As difilcudades que Vasco da Gama encontrara em Calicut convenceram o Rei Dom Manuel I de que para o restabelecimento de relações comerciais com as cidades do Malabar seria conveniente promover uma demostração de força. Por isso mandou aprestar uma armada de treze navios e mil e quinhentos homens que sob o comando de Pedro Álvares Cabral, partiu para a india a 6 de Março de 1500. Porém, dos treze navios que largaram de Lisboa, apenas seis conseguiram alcançar a costa indiana, porquanto um deles por alturas de Cabo Verde, provavelmente por razão de avaria grave, desgarrou-se da armada e foi forçado a arribar ao ponto de partida, outro foi mandado regresar após o descobrimento do Brasil, para trazer a notícia, quatro perderam-se durante uma terrível tempestade que a armada sofreu ao dobrar o cabo da Boa Esperança (sendo um deles, o que era comandado por Bartolomeu Dias), um outro, em resultado dessa mesma tempestade, separou-se dos restantes e andou errando pela costa oriental de África, donde regressou directamente a Portugal, com perda de muita gente vitima de doença. Mesmo assim, a armada que em Setembro chegou a calicut era uma força de respeito.



Além disso o Rei Dom Manuel I enviara um riquíssimo presente para o Samorim, o que levou este, embora com certa relutância a autorizar os Portugueses a instalar uma feitoria na cidade e a comprar as especiarias que quisessem para carregar as suas Naus. Não obstante, as dificuldades levantadas pelos comerciantes «mouros» e pelos funcionários indianos por eles subornados eram constantes pelo que a carga se fazia com muita lentidão, o que enervava sobremaneira os Portugueses. Certo dia o Samorim fez saber a Pedro Álvares Cabral que em breve iria passar à vista de Calicut uma Nau pertencente a um mercador de Cochim que o ofendera, recusando-se a vender-lhe determinado elefante que aquela Nau transportava. E pediu-lhe que como prova de amizade o desafrontasse tomando a Nau e o elefante. Embora receoso de melindrar o rei de Cochim, Pedro Álvares Cabral entendeu que não podia recusar o pedido do Samorim sem quebra de prestígio e deu ordem a Pêro de Ataíde para preparar o seu navio para capturar aquela Nau, dando-lhe como reforço dois fidalgos e sessenta soldados. Dias depois, estando a Nau à vista de Calicut, Pêro de Ataíde preparou-se para ir ao encontro, mas teve de atrasar a saída de Calicut por ter recebido ordem de Cabral para embarcar um «mouro» que o Samorim, a convite seu, havia enviado para presenciar o combate.



Daí resultou que a Nau de Cochim ganhou grande avanço e Pêro de Ataíde só a pôde alcançar ao outro dia de manhã, já perto de Cananor. Aproximando-se dela intimou-a a que amainasse. Porém, como a Nau ia prevenida levando a bordo cerca de trezentos homens bem armados e, além disso, era muito maior e mais alterosa que a de Pêro de Ataíde, não se deixou atemorizar e respondeu à intimação com apupos, acompanhados de uma chuva de flechas e de tiros de bombarda. Ao que os portugueses rispostaram prontamente disparando toda a sua artilharia. A grande maioria das naus indianas eram de construção muito fraca por serem «cosidas» com cabos de cairo e não pregadas como as da Europa. Além disso, estavam armadas com bombardas de ferro muito menos potentes do que as bombardas de bronze dos Ocidentais. Por isso, os tiros dos navios indianos, regra geral, pouco efeito faziam nos portugueses, ao passo que os tiros destes eram susceptíveis de provocar graves avarias, tanto nos cascos como nas superstruturas e no aparelho daqueles. Foi o que aconteceu neste caso. Ao fim de pouco tempo de combate a Nau de Cochim, já com muitos mortos e feridos e numerosas avarias vendo que não conseguia fazer qualquer estrago na nau de Pêro de Ataíde resolveu refugiar-se em Cananor, indo fundear no meio de outras quatro Naus de «mouros» que ali se encontravam e que logo se aprontaram para a proteger,


Foi Pêro de Ataíde em seu seguimento e dentro do porto, travou novo combate com a Nau de Cochim e as outras quatro, causando-lhes muitas avarias, mortos e feridos sem, pela sua parte, sofrer dano de maior. Nessa altura apareceram alguns Paraus (espécie de Fustas) do rei de Cananor numa tentativa de expulsar os portugueses, mas foram facilmente repelidos pelo fogo da nossa artilharia, sendo obrigados a retirar muito destroçados. Entretanto caíra a noite e Pêro de Ataíde afastou-se para o mar com receio de que os inimigos pudessem aproveitar a escuridão para pôr fogo à sua Nau. Ao outro dia, voltou a tomar a posição próximo das cinco Naus e recomeçou a bombardeá-las. Em dado momento, mandou também fazer fogo sobre a multidão que se juntara na praia para ver o combate e que fugiu espavorida. Pouco tempo depois, os tripulantes das Naus adversas lançaram-se à água e fugiram a nado para terra. Pêro de Ataíde guarneceu com gente sua a Nau de Cochim e levou-a para Calicut. Dentro, tinha sete elefantes, incluindo aquele que o Samorim cobiçava, dos quais um fora morto durante o combate. À custa da sua carne tiveram os portugueses refeições de bifes durante vários dias! A tomada da Nau dos elefantes, nas circunstâncias em que ocorreu, causou grande sensação em toda a costa do Malabar e contríbuiu grandemente para consolidar o prestígio militar dos Portugueses. Quem não ficou satisfeito foi o Samorim. Embora tenha recebido o elefante que ambicionava e lavado a afronta dos mercadores de Cochim apercebeu-se de que os Portugueses eram muito mais perigosos do que inicialmente supusera e começou a recear que lhe quisessem tirar o reino. Daí para diante, as dificuldades postas ao carregamento das nossas Naus e os conflitos com a nossa gente multiplicaram-se. Por fim, na sequência de uma intriga por eles urdida «os mouros» assaltaram a feitoria portuguesa e mataram o feitor Aires Correia e cerca de cinquenta portugueses que estavam com ele ou que andavam descuidados pela cidade. Pedro Álvares Cabral ainda esperou durante um dia por quajquer explicação do Samorim. Como ela não viesse, mandou em represália tomar dez naus de «mouros» que estavam no porto. Os seus ocupantes defenderam-se valentemente, mas acabaram por fugir para terra, dexando seiscentos mortos e muitos cativos nas mãos dos portugueses. Estes baldearam a carga das Naus dos mouros para as suas e, depois de terem metido dentro daquelas os cativos, amarrados de pés e mãos, puseram-lhes fogo. Ao outro dia após ter mudado o fundeadouro dos seus navios para mais junto de terra Pedro Álvares Cabral bombardiou a cidade, desde o nascer ao pôr do Sol, matando muita gente, destruindo muitas casas e obrigando o Samorim a fugir para o interior. Feito isto, deixou Calicut, dirigindo-se para Cochim. O rei desta cidade, embora vassalo do Samorim de Calicut, andava constantemente em guerra com ele e, por isso, estava desejoso de ter os Portugueses como aliados. Recebeu muito bem Pedro Álvares Cabral, autorizou-o a deixar uma feitoria em Cochim e forneceu-lhe grande quantidade de pimenta. Entretanto, as notícias do que passara em Calicut do riquìssimo presente que Dom Manuel enviara ao Samorim e da forma como os Portugueses pagavam prontamente as suas compras com dinheiro ou mercadorias valiosas iam-se espalhando pela costa do Malabar, fazendo nascer em diversas cidades o desejo de nos terem como parceiros comerciais. Cananor e Coulão enviaram emissários a Cochim convidando Pedro Álvares Cabral a visitá-las. Encontrando-se praticamente concluída a carga das nossas Naus, teve Pedro Álvares Cabral informação de que se aproximava uma armada de Calicut composta por vinte e cinco Naus e muitos Paraus, guarnecidos por cerca de quinze mil homens, que o Samorim enviara contra ele para se vingar das destruições que tinha feito na sua capital. Pedro Álvares Cabral fez-se logo ao mar com todos os seus navios mas por se encontrar a sotavento, não conseguiu, apoximar-se do inimigo. Os indianos também não se chegaram aos portugueses, com receio da sua artilharia, limitando-se a segui-los à distância, à espera de uma oportunidade. Perante esta situação de impasse, Cabral decidiu seguir para Cananor, onde também foi muito bem recebido pelo respectivo rei. Completou a carga das suas Naus com algum gengibre e, tendo-as abarrotadas a mais não poder, iniciou o regresso a Portugal em 31 de Janeiro de 1501. Ainda perto da costa indiana, a armada portuguesa capturou uma rica Nau de Cambaia que Pedro Álvares Cabral deixou seguir viagem com o pedido de que dissese por toda a parte que os Portugueses só desejavam comerciar em paz e que o que acontecera em Calicut fora da exclusiva responsabilidade do Samorim. Apesar de ainda se ter perdido mais um navio de torna-viagem, as especiarias trazidas pela armada de Cabral deram um lucro considerável à Coroa portuguesa e reforçaram o empenho de Dom Manuel em proseguir com a empresa da Índia.



sexta-feira, junho 26, 2015

Batalhas e Combates-1501-1502

Cananor
(31 de Dezembro de 1501 a 2 de Janeiro de 1502)


Convencido de que Pedro Álvares Cabral teria conseguido assentar o trato das especiarias com os Reis do Malabar, D. Manuel, no ano de 1501, limitou-se a enviar à Índia uma armada de quatro Naus, das quais três eram particulares. Levava essa armada cerca de trezentos e cinquenta homens, dos quais apenas oitenta eram homens de armas, já que ia para comerciar e não para combater. Para seu Capitão-mor fora escolhido João da Nova. De notar que nesta altura, ainda prevalecia na corte de Lisboa a ideia de que era possível estabelecer relações comerciais pacíficas com a Índia. Chegada a armada à enseada de São Brás, próximo do Cabo da Boa Esperança, foi encontrada, dentro de um sapato pendurado numa árvore uma carta em que um dos Capitães da frota de Cabral dava conta da situação em que ficara a Índia. Por ela concluiu João da Nova, com alguma apreenção, que afinal as coisas não estavam tão risonhas como se supunha quando partira de Lisboa. E resolveu levar as quatro Naus consigo em vez de deixar uma em sofala, conforme estipulava o seu regimento. Depois de ter feito escala em Quíloa, Melinde, Angediva e Cananor, chegou a Cochim, onde constatou que o feitor, devido à obstrução dos comerciantes «mouros» (muçulmanos) não tinha conseguido arranjar a pimenta suficiente para carregar completamente as suas Naus.


Por isso, depois de ter embarcado a pimenta que havia na nossa feitoria, resolveu voltar a Cananor. Aí chegado, foi muito bem recebido pelo Rei, que o autorizou a instalar uma feitoria e providenciou para que lhe fossem fornecidas as quantidades de pimenta e gengibre de que necessitava para completar a carga dos seus navios. Estando esta praticamente concluída, preparava-se João da Nova para iniciar a torna-viagem quando a 30 de Dezembro, apareceu à vista de Cananor uma armada que o Samorim de Calicut organizara com o propósito de destruir os portugueses, composta por cerca de quarenta Naus e cerca de cento e oitenta Paraus e Zambugos (embarcações de remo e vela mais pequenas que as Fustas) em que iam embarcados para cima de sete mil homens. Vendo João da Nova com tão poucos navios e tão pouca gente face à imensa armada do Samorim, o Rei de Cananor aconselhou-o a abandonar as Naus e a fortificar-se em terra, onde, com a sua ajuda, se poderia defender melhor. Como seria de esperar, João da Nova não aceitou o alvitre e, depois de se ter reunido em conselho com os Capitães das outras Naus, resolveu sair para o mar, onde melhor poderia tirar partido da superioridade da sua artilharia e da melhor qualidade dos seus navios. Mas não o pôde fazer nesse dia por já ter começado a soprar a viração (brisa do mar). Ao amanhecer do dia 31 de Dezembro, apareceu a baía de Cananor completamente bloqueada pela armada de Calicut. 


Aproveitando o terreal (brisa da terra), a armada portuguesa suspendeu e foi ao encontro do inimigo, disposta a libertar-se do anel de Naus e Paraus em que se encontrava encerrada. Travou-se então uma furiosa peleja em que os navios de Calicut lançavam sobre os nossos nuvens de flechas, ao mesmo tempo que os procuravam abordar. Mas, como eram muitos e, por isso, tinham de andar muitos juntos, não só se embaraçavam uns nos outros, como constituíam um alvo fácil para os nossos bombardeiros (artilheiros), espingardeiros e besteiros, que não perdiam um tiro! Rota e ultrapassada a linha de bloqueio inimiga, João da Nova provavelmente, terá continuado a navegar para o largo a fim de não perder barlavento em relação a Cananor, onde tinha que tornar antes de poder iniciar a torna-viagem. Por volta do meio dia, caindo o vento e ficando as Naus imobilizadas é natural que os Paraus e Zambucos tenham intensificado os seus ataques, que continuaram a ser repelidos pelo fogo da nossa artilharia. Vinda a viração, é de supor que João da Nova, pela razão já referida, tenha posto a proa a nordeste, continuando a batalha a desenrolar-se nos moldes anteriores, arremessos de flechas e tentativas de abordagem, por parte dos navios de Calicut, descargas cerradas da artilharia, por parte dos portugueses. Ao pôr do sol, tornando a cair o vento, as duas armadas fundearam perto da costa. Nos combates desse dia haviam sido afundados dois Paraus de Calicut e avariados muitos outros. Durante a noite, em que os portugueses tiveram de estar sempre de armas na mão, os malabares tentaram por diversas vezes pegar fogo às nossas Naus, levando para junto delas Almadias (espécie de pirogas) carregadas com materiais inflamáveis. Mas, de todas as vezes, foram pressentidos e escorraçados. O dia 1 de Janeiro foi praticamente, uma repetição do dia anterior. De manhã, com o terreal, João da Nova deverá ter feito um bordo para o mar e, à tarde, com a viração, deverá ter feito um bordo para a terra, acabando por fundear, ao pôr do Sol nas proximidades do Monte Deli, que fica cerca de quinze milhas a norte de Cananor. Durante todo esse dia continuou a ser perseguido pelas Naus, Paraus e Zambucos de Calicut, tendo conseguido afundar três das primeiras e mais sete dos segundos e terceiros. Ao outro dia de manhã, a 2 de Janeiro, estando a armada portuguesa francamente a barlavento de Cananor e tendo os portugueses perdido todo e qualquer receio do inimigo, que afinal, se revelara um «tigre de papel» é natural que João da Nova tenha decidido voltar para trás e começar a perseguir aqueles que até então o tinham estado a perseguir. Nesta fase da batalha foram afundadas mais duas Naus e três Paraus ou Zambucos de Calicut. É possivel que tenha sido nesta altura que o inimigo tentou pôr cobro à chacina de que estava sendo alvo, mostrando por diversas vezes uma bandeira branca, conforme refere Castanheda. O que não oferece dúvidas é que a armada de Calicut, com muitos navios avariados e cheios de mortos e feridos, completamente desbaratada, já não pensava senão em escapar-se. Com as suas guarnições exaustas por três dias de combates e duas noites de constantes sobressaltos, João da Nova abandonou a perseguição e dirigiu-se, de novo, a Cananor. Nesta batalha, em que ficou claramente demonstrada a superioridade da artilharia e dos navios portugueses sobre os seus congéneres índianos, sofreram os inimigos mais de quatrocentos mortos, além dos feridos que devem ter sido em número muito elevado. Dos nossos apenas uma dezena sofreram ferimentos ligeiros. De regresso a Cananor, a nossa armada capturou ainda uma «Nau de Meca», a que depois de saqueada, João da Nova mandou lançar fogo com todos tripulantes dentro. Já de regresso a Portugal, por alturas de Monte Deli, caiu-lhe nas mãos uma segunda «Nau de Meca» que teve o mesmo destino da primeira. A armada de João da Nova, que chegou sem novidades a Lisboa em Setembro de 1502, foi uma das poucas armadas da Índia que conseguiu ir e voltar com os navios todos juntos e sem perder nenhum. Para terminar, diremos também que foi esta armada que, na torna-viagem, descobriu a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, que mais tarde, se haveria de transformar num ponto de escala fundamental para a viagem de regresso da Índia.


quinta-feira, junho 25, 2015

Batalhas e Combates-1502 I

Monte Deli
(Outono de 1502)



Depois da partida de Pedro Álvares Cabral para a Índia, no ano de 1500, com uma poderosa armada e um riquíssimo presente para o Samorim de Calicut, D. Manuel ficara convencido de que o estabelecimento de relações comerciais amigáveis com as cidades da costa do Malabar estava definitivamente assegurado. Não será, por isso, de estranhar que no Outono do ano seguinte, tenha ficado profundamente vexado quando Pedro Álvares Cabral, regressou com a notícia de que o Samorim, mesmo depois de ter recebido o presente, não fora capaz, ou não quisera, impedir os «mouros» de destruir a nossa feitoria e de matar o feitor Aires Correia e mais algumas dezenas de portugueses. A partir desse momento, a política de D. Manuel em relação à Índia modifica-se. Verificando o Rei de Portugal que as cortesias e as negociações pacíficas não tinham dado resultado, decide recorrer à força das armas para defender o direito de comerciar. Dentro dessa nova orientação, manda aprestar uma poderosa armada de quinze grandes Naus, destinadas a regressar com carga, e cinco outras mais pequenas, destinadas a ficar na Índia para segurança das nossas feitorias. Além destes navios, ia na armada madeira já aparelhada para a construção de uma Caravela que havia de ter lugar depois de passado o Cabo da Boa Esperança.


Para Capitão-Mor da Frota foi escolhido D. Vasco da Gama, para Capitão-Mor da Esquadra que havia de ficar na Índia foi escolhido Vicente Sodré, tio daquele. Durante a viagem de ida perdeu-se uma Nau pequena que encalhou nos baixos de Sofala, e extraviou-se uma Nau grande, que teve de invernar na costa oriental da África. Em compensação, foi acrescentada à armada uma Caravela construída na ilha de Moçambique com a madeira que ia aparelhada para esse efeito. Pôde assim Vasco da Gama reunir na ilha de Angediva uma imponente armada de dezanove velas, com que, depois de feita aguada e embarcados alguns frescos, se dirigiu para o Sul. Nas proximidades do Monte Deli, onde começa a costa do Malabar (para quem vem do Norte), teve a armada portuguesa vista de uma grande Nau, de nome "Meri", pertencente ao sultão do Cairo, que trazia muitos mouros ricos de Calicut que com as famílias tinham ido em peregrinação a Meca, além de duzentos e sessenta homens de guarnição, entre marinheiros e soldados. Transportava também essa Nau uma carga valiosíssima. Os primeiros navios da armada de Vasco da Gama que a conseguiram alcançar começaram logo a alvejá-la com artilharia, ao que ela respondeu na mesma moeda, sem se deixar intimidar pelo número dos atacantes. Por fim, prevaleceu mais uma vez a superioridade dos canhões de bronze dos Portugueses sobre os canhões de ferro dos «Mouros». A Nau "Meri", com o costado abalado pelos nossos tiros, começou a fazer água e os seus ocupantes, receando que se afundasse, renderam-se. Os portugueses entraram nela, fecharam todos os homens válidos nos pavimentos inferiores e começaram a baldear a carga que levava para os seus batéis. Concluída esta faina, por ordem de Vasco da Gama, trouxeram consigo cerca de vinte crianças que havia a bordo (não se sabe o que fizeram às mulheres) e puseram fogo à Nau. Os «mouros» que estavam presos no interior da Nau, quando pressentiram o que estava acontecendo, ficaram furiosos e, conseguindo libertar-se, tornaram a pegar em armas e, enquanto uns se esforçavam por apagar o incêndio, os outros escorraçaram os batéis portugueses. Acudiram logo várias Naus que tentaram sucessivamente abordar a "Meri". Mas nunca o conseguiram, tal era a fúria, filha do desespero, com que os «mouros» se defendiam. E não se limitavam a defender-se! Chegaram mesmo a entrar numa das Naus que os abordou, obrigando os portugueses a refugiarem-se nos castelos até que chegou outra Nau em seu auxílio que os ajudou a repelir os «mouros». Caindo a noite, interrompeu-se o combate, mantendo-se os navios portugueses em redor da "Meri" para evitar que ela se escapasse. Ao outro dia de manhã, vendo Vasco da Gama que não era fácil tomar à abordagem a Nau inimiga nem afundá-la rapidamente com a artilharia, deu ordem para que lhe pusessem fogo. Foi encarregado dessa tarefa um batel com alguns marinheiros e bombardeiros que apesar da oposição dos defensores, conseguiu incendiá-la. A "Meri", que tão valentemente se comportara, ardeu até à linha de água, acabando por se afundar. Todos os que nela estavam morreram queimados ou afogados. Terminado o combate e repartidos os despojos, Vasco da Gama foi fundear com a sua armada em Cananor.



quarta-feira, junho 24, 2015

Batalhas e Combates-1502 II

Calicut
(Outono de 1502)


Depois do combate com a Nau "Meri", Vasco da Gama foi a Cananor, onde se deteve alguns dias e daí para Calicut. Logo à chegada apresou numerosas embarcações de pesca, obrigando as restantes a procurar refúgio em terra. Seguiram-se três dias de infrutíferas negoçiações com o Samorim acerca da indemnização devida pela destruição da feitoria portuguesa ocorrida dois anos antes. Vendo que daí nada resultava, Vasco da Gama deu início às represálias, mandando enforcar nos laises das vergas todos os pescadores, cerca de cinquenta, que tinha capturado. Depois de mortos, mandou-lhes cortar as cabeças, as mãos e os pés, que enviou, dentro de um Zambuco para a praia, acompanhados de uma carta dirigida ao Samorim, em que dizia que aquilo era apenas uma amostra do que havia de sofrer pelas traições que tinha feito aos Portugueses. Seguidamente aproximou os navios de terra e submeteu a cidade a um intenso bombardeamento.


Terminado este, fez-se à vela para Cochim com o grosso da armada, deixando Vicente Sodré diante de Calicut com cinco Naus e a Caravela e ordens para não deixar entrar nem sair do seu porto qualquer navio. A situação em que se encontrava o Samorim era desesperada. No ano anterior tinha preparado uma grande armada para se opor aos Portugueses. Mas a maior parte dela tinha sido destruída por um temporal ao findar da «monção». Via agora a sua capital arruinada por sucessivos bombardiamentos, as suas embarcações de pesca impossibilitadas de pescar e, o que era mais grave o seu porto paralisado. Por outro lado, o povo já murmurava e mesmo alguns dos seus familiares criticavam-no abertamente pela forma como tratara os Portugueses que inicialmente, não lhe tinham dado qualquer razão de queixa, antes pelo contrário. Por tudo isso, resolveu-se o Samorim a tentar mais uma vez, entrar em negociações com Vasco da Gama, fazendo-lhe, por intermédio de um brãmane, a oferta de uma grande quantidade de especiaria como indemnização pelo saque da feitoria e pela morte do feitor e seus companheiros. Vasco da Gama não confiava no Samorim. Mas a proposta era tentadora. Além disso, estava sentindo certa dificuldade em obter a totalidade das especiarias de que necessitava para carregar todas as Naus com que contava regressar. Resolveu aceitar o reatamento das negociações e dirigiu~se com uma Nau para Calicut, contando que ali se encontraria Vicente Sodré com a sua armada. Mas não foi isso que aconteceu, porque aquele, por qualquer razão fortuita tinha-se afastado temporariamente. E assim viu-se Vasco da Gama sozinho, fundeado com a sua Nau diante de Calicut. É possivel que a intenção do Samorim ao propor a reabertura das negociações fosse sincera. Mas agora, vendo o inimigo praticamente à sua mercê, achou que a oportunidade era boa de mais para ser desperdiçada!


E nessa mesma noite mandou atacar a Nau portuguesa por trinta e três Paraus da sua armada. Aproximaram-se eles tão silenciosamente que os vigias só os sentiram quando já estavam muito próximos. Dado o alarme, viram-se os portugueses em sérias dificuldades para repelir os assaltantes que tentavam subir à Nau por todos os lados. Ao mesmo tempo Vasco da Gama mandou picar a amarra e largar as velas, aproveitando o terreal para se fazer ao largo. Mas os Paraus não desistiam e embora alguns deles fossem ficando para trás danificados pelo fogo da artilharia, os restantes, metendo-se pelos ângulos mortos, não cessavam de tentar abordar a Nau. Felizmente, ao romper do dia, avistou-se a esquadra de Vicente Sodré já relativamente perto, o que levou os Paraus a desistir do ataque e a voltar para Calicut. Pode imaginar-se o estado de espírito de Vasco da Gama depois de mais esta traição do Samorim. Mandou enforcar os reféns dele que tinha a bordo e regressou a Cochim cada vez mais convencido de que só a ferro e fogo era possível tratar com os Reis da Índia e com os «mouros» seus aliados. 


Por seu lado, o Samorim, vendo que não tinha outro remédio senão continuar a guerra, mandou aprontar vinte e nove Naus de guerra de «mouros» que se encontravam num porto próximo de Calicut, para atacar a armada de Vasco da Gama no regresso de Cochim, pensando que as nossas Naus depois de carregadas tivessem maior dificuldade em servir-se da artilharia. Completado em Cochim o carregamento de dez Naus, Vasco da Gama dirigiu~se a Cananor, onde contava arranjar carga para as três Naus que faltavam. Nas proximidades de Calicut, estando já em companhia da esquadra de Vicente Sodré, saíram-lhe ao caminho as vinte e nove Naus que o Samorim mandara aprontar. Mas pouco ou nada fizeram. Duas que vinham mais adiantadas foram facilmente abordadas por três Naus portuguesas. Os seus tripulantes lançaram-se ao mar, onde foram perseguidos pelos nossos batéis que mataram mais de trezentos «mouros» à lançada. As restantes, vendo o que acontecera àquelas, desistiram de continuar o ataque. E, como estavam a barlavento da armada portuguesa, não tiveram qualquer dificuldade em pôr-se a salvo. Aliás, é natural que tratando-se de Naus de particulares, possivelmente algumas delas já com carga valiosa, não estivessem muito interessadas em correr grandes riscos somente para agradar ao Samorim. Depois de recolhido o despojo das duas Naus capturadas, que foi riquíssimo, e de queimadas estas, Vasco da Gama continuou a sua viagem para Cananor, onde carregou de especiarias as três Naus que ainda levava vazias.


Seguidamente partiu para Lisboa, onde chegou sem novidades, com toda a sua armada, em Julho do ano seguinte. Em paga dos serviços prestados nesta e na Viagem anterior, do qual o menos importante aos olhos do Rei D. Manuel, não seria ter trazido a Portugal treze naus carregadas de especiarias, foi Vasco da Gama feito Conde da Vidigueira e autorizado a usar o título honorífico de «Almirante do Mar Índico». 


terça-feira, junho 23, 2015

Batalhas e Combates-1503 I

Cochim
(Outono-Inverno de 1503)



O sucesso, sob o ponto de vista náutico, da pequena armada de 1501 de João da Nova, em comperação com o descalabro da grande armada de 1500 de Pedro Álvares Cabral, deve ter levado a corte de Lisboa, antes do regresso da armada de 1502 de Vasco da Gama, a pensar que seria preferível utilizar na viagem para a Índia pequenas armadas constituídas apenas por três ou quatro navios homogéneos, a fim de evitar que os mais rápidos se atrasassem desnecessariamente por terem de regular a marcha pelos mais lentos. Possivelmente por esta razão, no ano de 1503, ao contrário do que acontecera nos anos anteriores, partiram para a Índia, em vez de uma, três armadas independentes umas das outras, qualquer delas constituída por três Naus. Duas dessas armadas, capitaneadas, respectivamente, por Francisco de Albuquerque e Afonso de Albuquerque destinavam-se a voltar com especiarias, a terceira, comandada por António de Saldanha, destinava-se a ficar cruzando nas proximidades do cabo Guardafui, a fim de interceptar as chamadas «Naus de Meca» que asseguravam o comércio marítimo entre o mar Vermelho e os portos da costa indiana. Entretanto na Índia a situação agravara-se perigosamente. Depois da partida de Vasco da Gama para Portugal, o Samorim de Calicut tinha concentrado em Panane um exército de cinquenta mil homens para castigar o Rei de Cochim, que era seu vassalo, pelo bom acolhimento que estava dando aos Portugueses. 



Sabedor disso, o feitor daquela cidade instou com Vicente Sodré, que ficara na Índia com uma armada de cinco Naus de guerra e uma Caravela armada com artilharia, para que não se afastasse de Cochim. Mas ele não lhe deu ouvidos e com a desculpa de que durante a «monção» o Samorim não se atreveria a fazer guerra, foi para a entrada do mar Vermelho à caça das «Naus de Meca». Em Julho, estando fundeado numa pequena ilha perto da costa da Arábia, foi a sua armada assaltada por um temporal tão violento que deram à costa e se perderam duas Naus, com morte de muita gente entre a qual o próprio Vicente Sodré. Os Capitães das restantes três Naus e da Caravela, pensando que a morte do seu Capitão-Mor fora castigo de Deus por ter abandonado Cochim, resolveram regressar a esta cidade. Mas, como nessa altura a «monção» estava na sua máxima força, viram-se forçados a invernar na ilha de Angediva, onde, pouco depois, se lhes juntou a Nau de António do Campo que se desgarrara da armada do ano anterior e que só então conseguira chegar à Índia. Prestes a terminar a «monção» chegou também a Angediva a armada de Francisco de Albuquerque, reduzida a duas Naus, já que a terceira se tinha perdido na viagem. Deste modo, encontravam-se concentradas naquela ilha seis Naus e uma Caravela com que Francisco de Albuquerque se apressou a ir em socorro de Cochim. Não era sem tempo!



Após a partida da armada de Vicente Sodré, o Samorim tinha invadido o reino de Cochim, onde a maioria dos nobres e do povo insistia com o Rei para que entregasse os portugueses da feitoria a fim de evitar a guerra. Aquele porém, numa rara manifestação de rectidão moral, recusara-se terminantemente a facê-lo, dizendo ser preferível perder o reino do que faltar ao cumprimento da palavra dada. Daí resultou que muita gente sua se passou para o invasor, ficando o exército do Rei tão enfraquecido que apesar de se ter batido valentemente, não pôde evitar que as tropas do Samorim ocupassem a cidade de Cochim. Fugiu o Rei para uma ilha próxima, levando consigo os portugueses da feitoria, enquanto o exército de Calicut, depois de ter deixado uma guarnição em Cochim, recolhia a Cranganor. Nesta altura chegou a armada de Francisco de Albuquerque que foi recebida com delirantes manifestações de júbilo, tanto pelos portugueses da feitoria como pelas gentes de Cochim que haviam permanecido fiéis ao seu Rei. As tropas de Calicut que estavam em Cochim, debandaram imediatamente e o Rei foi reinstalado com toda a solenidade na sua capital. Nessa mesma noite, Francisco de Albuquerque, que dispunha de cerca de seiscentos portugueses, auxiliados pelo que restava do exército do Rei de Cochim, deu início às represálias contra os vassalos daquele Rei que haviam auxiliado o Samorim, assaltando-lhe de supresa as suas aldeias e matando-lhes muitos soldados. 



Dada a natureza da região, toda ela cortada por numerosos esteiros e rios, os portugueses utilizavam em larga escala os seus batéis, artilhados e empavesados, o que lhes conferia grande mobilidade e superioridade táctica sobre o inimigo. Convirá esclarecer que «paveses» eram quaisquer protecções com que se alteava a borda de um navio ou de uma embarcação (geralmente escudos ou pranchas de madeira) com o fim de proteger a sua guarnição contra as flechas e as pedras lançadas pelo adversário. Nas Naus, utilizavam-se também redes estendidas por cima do convés, para o mesmo fim. No caso dos batéis utilizados em Cochim, dadas as suas pequenas dimensões, admitimos que também pudessem estar cobertos com pranchas de madeira. Reduzidas de novo as terras próximas de Cochim à obediência ao seu Rei, Francico de Albuquerque obteve autorização deste para iniciar a construção de uma fortaleza, a primeira que os Portugueses tiveram na Índia destinada a defender a cidade e a feitoria contra futuras arremetidas do Samorim. Em fins de Setembro chegou a Cochim a armada de Afonso de Albuquerque, o qual por trazer a gente mais folgada, tomou a seu cargo a obra da fortaleza. Na mesma altura, deverá ter sido montada uma segunda Caravela. Para artilhar e guarnecer a fortaleza, esta caravela e os batéis é provável que tenham sido desarmadas duas, das três Naus que restavam da antiga armada de Vicente Sodré, uma vez que deixam de aparecer referências a seu respeito.



Concluída a construção da fortaleza, Francisco de Albuquerque e Afonso de Albuquerque recomeçaram os assaltos às terras de Cochim que ainda não se tinham submetido, tendo lugar violentos combates, tanto em terra como nos rios, de que sempre os portugueses saíram vencedores. Mas se as coisas estavam decorrendo à sua feição no campo militar, o mesmo não acontecia no campo comercial. Os Paraus de Calicut infestavam todos aqueles rios e esteiros e não deixavam chegar a Cochim a pimenta necessária para carregar as Naus. Certo dia, Francisco e Afonso de Albuquerque foram informados de que numa localidade, situada aproximadamente a nove léguas de Cochim havia grande quantidade de pimenta. Resolveram logo ir buscá-la, levando quatro batéis e uns tantos paraus de Cochim. Atacados frequentemente durante o percurso por frecheiros escondidos nas margens e por paraus, os Portugueses foram levando tudo de vencida, conseguindo chegar ao fim da tarde ao local onde estava a pimenta. Carregaram-na num tone (espécie de embarcação indiana) e, nessa mesma noite, regressaram a Cochim sem ser incomodados. Tratava-se agora de voltar com o tone ao lugar donde viera levando as mercadorias destinadas a pagar a pimenta. Foi encarregado dessa tarefa Duarte Pacheco Pereira, que partiu de madrugada com os mesmos quatro batéis e os paraus de Cochim em que iam embarcados cerca de cento e cinquenta portugueses e quinhentos malabares. De novo teve que travar diversos combates antes de conseguir chegar ao seu destino, onde entregou o tone e as mercadorias que ele levava sem mais novidades. Mas uma surpresa desagradável esperava os Portugueses na viagem de regresso! Quando chegaram a uma passagem apertada, acharam-na obstruída por trinta e quatro Paraus de Calicut amarrados uns aos outros, armados cada um deles com um canhão à proa e guarnecidos com muitos frecheiros. Animou Duarte Pacheco os seus homens dizendo-lhes que não tivessem receio porque, sendo os Paraus inimigos mais alterosos que os batéis os seus tiros haviam de passar por cima destes sem lhes fazer dano. Postos em linha, com as proas voltadas para o inimigo, os quatro batéis portugueses investiram resolutamente contra os Paraus de Cochim, sem se preocuparem com a chuva de flechas que caía sobre eles. E quando chegou o momento de entrarem em acção os canhões, aconteceu exactamente aquilo que Duarte Pacheco previra, os pelouros dos malabares passaram por cima dos nossos batéis ao passo que os destes acertaram em cheio nos Paraus de Calicut, arrombando alguns e desorganizando o seu dispositivo de combate. Aproveitando a confusão, os nossos navios meteram-se por uma brecha que se formara na linha inimiga e prosseguiram no seu caminho, deixando para trás os Paraus de Calicut embaraçados uns nos outros! Mas o problema estava longe de se poder considerar resolvido. Logo que se recompuseram, os Paraus foram em seguimento dos batéis, disperando continuamente a sua artilharia. Era uma situação melindrosa já que os portugueses não tinham possibilidade de responder, uma vez que cada batel dispunha de um único canhão, montado à proa, que só podia fazer fogo para vante. Mandado seguir adiante os Paraus de Cochim que iam em sua companhia, Duarte Pacheco cobria a retirado com os batéis portugueses que de quando em quando, invertiam o rumo para disparar sobre os seus perseguidores. Esta manobra tinha, no entanto, o inconveniente de permitir que os Paraus de Calicut se fossem aproximando cada vez mais. Em consequência disso, os batéis acabaram por se ver envolvidos por eles. Entretanto, os Paraus de Cochim chegavam a esta cidade e davam conta aos Capitães-Mor da situação aflitiva em que haviam deixado Duarte Pacheco. Meteram-se aqueles imediatamente nos Paraus de Cochim com todos os portugueses que puderam arrebanhar e foram em seu socorro. Felizmente a sua ajuda não foi necessária. Quando chegaram junto dos nossos batéis já estes tinham conseguido pôr o inimigo em fuga, depois de lhe terem matado e ferido muita gente e de lhe terem afundado dois Paraus. Em consequência deste combate, o Samorim mandou reforçar os Paraus que bloqueavam a passagem da pimenta para Cochim, o que levou Afonso de Albuquerque a dirigir-se a Coulão, onde obteve autorização para deixar uma feitoria e onde conseguiu carregar as suas Naus. Esta manobra foi decisiva, pois que o Samorim, vendo por um lado que os Portugueses, graças à mobilidade que lhes conferiam as suas armadas, acabavam sempre por conseguir obter as especiarias que desejavam e que por outro lado, não conseguia escoar devido à guerra, a pimenta que tinha nos seus portos, resolveu propor negociações de paz a Francisco de Albuquerque.



Feita esta, pôde ir uma Nau portuguesa carregar a Cranganor. Tudo parecia resolvido, quando o feitor de Cochim, estupidamente, mandou tomar à força um tone de Calicut carregado de pimenta, em cuja captura foram mortos alguns malabares. tanto bastou para que o Samorim interrompesse o fornecimento de pimenta e recomeçasse a guerra contra os Portugueses e contra Cochim. Procurando desesperadamente obter a pimenta que faltava para completar o carregamento das suas Naus, Francisco de Albuquerque mandou recado aos comerciantes do interior para que a fossem levar a certo local, afastado de Cochim, onde enviou uma Caravela e um batel para a recolher. Porém quando estes se dirigiam para o referido local, foram atacados por quarenta Paraus de Calicut que estavam emboscados à sua espera. Travou-se então um furioso combate, em que apesar da superioridade da artilharia da Caravela, os portugueses estiveram em risco de ser derrotados. É de crer que entretanto, o vento tivesse caído e que por isso só o batel tenha podido regressar a Cochim para pedir socorro. Mais uma vez, teve Francisco de Albuquerque de embarcar à pressa nos batéis e Paraus que estavam mais à mão, com a gente que pôde arranjar, para ir em socorro da caravela. Encontrou-a rodeada de Paraus com os quais lutava corajosamente tendo já destroçado alguns deles. À vista da flotilha de Francisco de Albuquerque os Paraus de Calicut puseram-se em fuga. Em resultado deste combate ficou a Caravela tão arrombada qur teve de ser posta em seco para ser reparada! Sendo tempo de começar a pensar no regresso a Portugal Francisco de Albuquerque deixou em Cochim Duarte Pacheco Perira com uma Nau duas Caravelas e dois batéis armados, guarnecidos por cento e quinze homens, além dos quarenta que ficaram na fortaleza, e dirigiu-se para Cananor. A Nau de António do Campo a primeira que completara a carga já ia a caminho de Lisboa. As três naus de Afonso de Albuquerque que também se encontravam carregadas deixaram a Índia pouco depois. Porém só duas chegaram a Portugal, dado que uma se perdeu na barra de Quíloa. Por fim a 31 de Janeiro de 1504, foi a vez de partir Francisco de Albuquerque na companhia de Nicolau Coelho (que comandara a "Bérrio" na primeira viagem de Vasco da Gama). E nada mais se soube a seu respeito. Desapareceram ambos na viagem sem deixar o mais pequeno rasto. Pesquisas feitas posteriormente na costa de África e na ilha de São Lourenço (Madagáscar) para os encontrar não deram qualquer resultado. Tiveram a sina dos muitos navios e marinheiros que o Mar, por vezes, engole e sepulta nas suas profundezas sem que ninguém saiba onde, nem quando nem como isso aconteceu.



segunda-feira, junho 22, 2015

Batalhas e Combates-1503 II

Zanzibar
(Outono de 1503)


As armadas que todos os anos iam à Índia, depois de passar o Cabo da Boa Esperança, subiam para norte ao longo da costa oriental da África até às proximidades do cabo Guardafui, donde soltavam rumo para a ilha de Angediva (mais tarde para Goa). Durante esse longo percurso à vista da costa oriental da África, as ditas armadas aproveitavam geralmente a ocasião, não só para fazer a aguada e meter frescos e lenha, como também para submeter ao domínio de Portugal as cidades mais importantes dessa costa. Na viagem de 1502 Vasco da Gama fez tributária Quíloa. Na viagem de 1503 foram feitas tributárias Zanzibar e Brava da forma que passamos a relatar. Os navios da armada de António Saldanha, que nesse ano partiu de Lisboa com destino ao cabo Guardafui onde se devia manter em cruzeiro, separaram-se uns dos outros após a passagem do equador, devido ao mau tempo e a erros dos pilotos. A Nau de Rui Lourenço Rodrigues Ravasco foi a primeira a chegar à ilha de Moçambique, ponto de escala obrigatório das Naus da Índia, tanto na viagem de ida como na de volta. Informado de que o seu Capitão-Mor ainda não chegara Rodrigues Ravasco, depois de ter feito escala em Quiloa, resolveu aproveitar o tempo para fazer presas nas proximidades da ilha de Zanzibar, que era um dos centros comerciais mais importantes daquela costa. Mantendo-se a cruzar com a sua Nau entre a ilha e o continente durante cerca de dois meses, conseguiu apresar mais de vinte zambugos (embarcações semelhantes aos Paraus indianos) carregados de mantimentos e outras mercadorias. Quando aqueles por saberem da sua presença, deixaram de apareçer, dirigiu-se para Zanzibar, onde fondeou. Pouco depois recebia um recado do sultão da ilha intimando-o a devolver todas as mercadorias que tinha roubado e a entregar a artilharia da sua Nau o, que obviamente, recusou. Vendo Rodrigues Ravasco que junto à praia estava embarcando muita gente de armas em Zambucos para o ir atacar, resolveu antecipar-se aos desígnios do inimigo mandando armar o batel da Nau com um «berço» (pequeno canhão) e embarcar nele cerca de trinta soldados, entre os quais alguns espingardeiros, capitaneados por Gomes Carrasco a quem deu ordem de ir combater a flotilha inimiga, antes que ela tivesse tempo para se organizar (de realçar, mais uma vez, o judicioso aproveitamento que os Portugueses faziam dos batéis das suas Naus para fins militares). Chegado o batel de Gomes Carrasco perto dos Zambucos inimigos, começou a disparar sobre eles o berço e as espingardas, causando-lhes muitos mortos e feridos, com o que a gente que estava neles principiou a fugir para terra. 


Apenas quatro Zambucos ousaram enfrentar o nosso batel, disparando flechas sobre ele. Mas foram logo abordados e tomados de assalto sendo posteriormente rebocados para junto da Nau. Depois deste curto combate, começou a juntar-se na praia o exército de Zanzibar, num total de cerca de quatro mil homens, sob o comando do filho do Sultão, a fim de impedir que os portugueses desembarcassem. Embora não tivesse a intenção de o fazer, Rodrigues Ravasco resolveu aproveitar a oportunidade para realizar uma demonstração de força. Mandou armar com berços o batel e dois dos Zambugos capturados e guarnecê-los com espingardeiros, além de outros soldados e marinheiros, enviando-os de seguida, em direcção à praia como que na intenção de tentar o desembarque. Acorreram logo os inimigos, em grande número, ao ponto para onde se dirigia a nossa flotilha, preparados para repelir o assalto. Nesse instante dispararam ao mesmo tempo todos os canhões, espingardas e bestas das nossas embarcações, fazendo uma autêntica carnificina nos defensores da praia dos quais morreram mais de trinta, entre eles, conforme se veio a saber depois o filho do Sultão. Compreendendo este que nada podia fazer contra as armas de fogo dos portugueses, decidiu-se a pedir a paz, aceitando tornar-se vassalo do Rei de Portugal mediante o pagamento anual de um tributo de 100 meticais (moeda local) e 30 carneiros.


Deixando Zanzibar, Rodrigues Ravasco dirigiu-se a Melinde, cujo Rei, fiel aliado dos Portugueses desde a primeira viagem à Índia, lhe pediu que o ajudasse na guerra que tinha com o Rei de Mombaça. Acedeu ao pedido o nosso Capitão, rumando imediatamente para esta cidade na intenção de bloquear o seu porto. No caminho, capturou duas Naus mercantes, acompanhadas de três Zambucos, em que vinham doze «mouros», que eram gente grada de uma cidade situada a norte de Melinde, chamada Brava. Esses «mouros» não só pagaram um avultado resgate para poderem continuar a sua viagem como também ofereceram espontaneamente a vassalagem de Brava mediante o pagamento de um tributo anual de 500 meticais. A razão disso é que vinha atrás deles uma terceira Nau ricamente carregada que pretendiam salvar. E de facto assim aconteceu. Quando Rodrigues Ravasco, mais tarde, interceptou essa Nau, deixou-a seguir em paz por pertencer a uma cidade que reconhecia o Rei de Portugal como suserano!


Chegado a Mombaça, Rodrigues Ravasco iniciou, desde logo, o bloqueio do porto, não permitindo que entrasse ou saísse qualquer embarcação, o que levou o Rei da cidade a interromper as operações contra o Rei de Melinde e a regressar apressadamente à sua capital. E como soubesse este Rei, pouco tempo depois, que a Nau de António de Saldanha tinha chegado a Melinde, achou mais prudente fazer as pazes com o Rei desta cidade, antes que os Portugueses lhe arruinassem o seu Reino. Deste modo, graças à simples presença das suas armadas, Portugal ia-se tornando o poder dominante na costa oriental da África. Resta dizer que, depois de se reunir em Melinde com a Nau de Rodrigues Ravasco, António de Saldanha foi para as imediações do cabo Guardafui, conforme o regimento que tinha, onde permaneceu durante algum tempo dando caça às «Naus de Meca». Por fim, dada a grande dificuldade que tinha de fazer aguada numa zona inteiramente dominada pelos Árabes, decidiu seguir para a Índia. A terceira Nau da sua armada atrasara-se tanto que não conseguira vencer o canal de Monçambique. Fazendo a viagem «por fora» da ilha de São Lourenço, fora ter a Cochim.


domingo, junho 21, 2015

Batalhas e Combates-1504 I

Passo de Cambalão
(Abril de 1504)



Durante a primeira guerra de Cochim, em 1503, tinham-se passado para o Samorim de Calicut dois italianos, idos à Índia nas Naus portuguesas a mandado de Veneza, com o propósito de ensinarem os Malabares a fabricar artilharia e a servirem-se dela contra nós. Por outro lado, os Turcos tinham fornecido ao Samorim grande quantidade de canhões e espingardas. Por tudo isso, quando ele, em 1504, voltou a invadir o reino de Cochim, após a partida para Portugal de Francisco e Afonso de Albuquerque, dispunha de um exército e de uma armada muito melhor equipados que os do ano anterior. Incluindo as tropas de quatro Reis seus vassalos, o exército do Samorim ascendia a mais de oitenta e quatro mil homens. A sua armada era composta por cerca de cem Paraus, cada um deles armado com duas bombardas e cinco espingardas, cerca de cem tones com uma bombarda cada um e grande número de captures (navios ligeiros). A concentração destas forças foi efectuada em Cranganor, donde partiram nos primeiros dias de Abril em direcção a Cochim, indo a armada pelos rios e esteiros que ligam as duas cidades, não só por ser já difícil, naquele mês, a viagem por mar, mas também por causa da fortaleza e da Nau que devendiam a barra de Cochim. Para enfrentar o enorme potencial bélico do Samorim, dispunha Duarte Pacheco Pereira somente de uma Nau, em que deixou o mestre por Capitão com mais vinte e quatro homens, duas Caravelas com vinte e cinco homens cada uma e dois batéis armados, um dos quais capitaneado por ele próprio, guarnecidos, cada um, por vinte soldados. Na feitoria, estava o feitor, fazendo também as vezes de alcaide, com mais trinta e oito homens!



A inferioridade das forças portuguesas em relação às do Samorim era de um para quinhentos em homens e de um para sessenta em navios! Quando a invasão de Cochim se tornou iminente, Duarte Pacheco mandou construir uma forte paliçada diante do vau que na maré baixa dava passagem para a quase ilha em que estava construída a cidade. Além disso, mandou reforçar a protecção das Caravelas e dos batéis com paveses feitos de tábuas da grossura de dois dedos e com arrombadas construídas por sacos cheios com algodão, pendurados fora da borda, destinados a amortecer o impacto dos pelouros inimigos. Mandou também armar cada batel com quatro berços. Apesar de todos estes preparativos, a população de Cochim e o próprio Rei andavam muito descoroçoados por ver que as nossas forças eram insignificantes comparadas com as do Samorim. Para os animar Duarte Pacheco efectou vários assaltos de supresa contra as terras de Cochim que se haviam passado para o lado do invasor queimando-lhes muitas aldeias e matando-lhes muitos naires. Sabendo então que o exército e armada do Samorim se estavam dirigindo para o passo de Cambalão, resolveu ir esperá-los aí, levando consigo apenas uma Caravela e os dois Batéis, já que a Nau, devido ao seu calado, não podia navegar nos rios e esteiros e a outra Caravela ainda não tinha concluído a reparação das avarias que sofrera na guerra do ano anterior. Chegado ao local, onde o rio teria cerca de cem metros de largura, fundeou os seus três navios com fortes amarras de ferro, para que o inimigo as não pudesse cortar facilmente, e mandou passar rejeiras de uns para os outros para, alando por elas, poderem orientar à vontade a direcção dos seus canhões. Ao amanhecer do dia 16 de Abril apareceu a margem norte coberta de soldados que atroavam os ares com os seus gritos e o toque de inúmeros instrumentos bélicos. À borda de água tinha sido montada durante a noite, sob a direcção dos dois italianos, uma bateria de cinco canhões que começou logo a bombardear a Caravela. Respondeu esta acto contínuo e fê-lo tão eficazmente que a guarnição da bateria se pôs em fuga. Nessa altura começou a despontar, detrás de uma curva do rio, a imensa armada de Calicut. Á sua vista, alguns Paraus de Cochim que tinham ido em companhia de Duarte Pacheco fugiram para aquela cidade, onde espalharam a notícia de que os portugueses estavam perdidos! A verdade é que, sob o ponto de vista táctico, a escolha do local fora exelente. Devido à pouca largura do rio naquele ponto, os Paraus inimigos só podiam avançar numa frente estreita. Por isso, os nossos navios só tinham que combater de cada vez com pouco mais de uma dezena. Por outro lado, devido a falta de espaço para manobrar, os que eram obrigados a retirar, destroçados e cheios de mortos e feridos, embaraçavam e desmoralizavam os que vinham atrás. Não obstante, parecia milagre como três navios minúsculos iam conseguindo deter aquela mole imensa que avançava contra eles e que parecia submergi-los. Primeiro, vieram vinte Paraus, amarrados uns aos outros, disparando continuamente as suas quarenta bombardas e as suas cem espingardas, acompanhadas do arremesso de milhares de flechas. 



Mas os paveses e as arrombadas dos nossos navios funcionaram às mil maravilhas, aguentando bem o impacto dos pelouros, das balas e das flechas, enquanto os bombardeiros e espingardeiros portugueses chacinavam as guarnições dos Paraus inimigos que não dispunham de qualquer espécie de protecção. Ao fim de pouco tempo, dos vinte Paraus que tinham iniciado o ataque, quatro já estavam meio alagados, cheios de mortos e feridos e incapazes de manobrar, os restantes, também com avarias diversas, mortos e feridos, viram-se obrigados a retirar. Mas foram logo substituídos por outro grupo de cerca de uma dezena de unidades que não teve melhor sorte. E depois, veio outro grupo, e outro, e outro... Mas o resultado era sempre o mesmo, após algum tempo de duelo de artilharia com a nossa Caravela e os nossos batéis, os Paraus do Samorim eram obrigados a bater em retirada com muitas avarias e cheios de mortos e feridos. Pelo meio-dia, estando já a água do rio tinta de sangue, a armada de calicut cessou os seus ataques e bateu em retirada. Ao mesmo tempo, as tropas de terra , que durante a batalha não tinham parado de lançar flechas sobre os nossos navios, afastaram-se também para fora do alcance da sua artilharia. Nesta primeira batalha, coforme veio a saber-se mais tarde, teve a armada de Calicut para cima de mil e trezentos mortos. Dos portugueses não morreu nem ficou ferido nenhum! Abençoados paveses e arrombadas!


Poucos dias depois depois desta primeira batalha, veio juntar-se à flotilha de Duarte Pacheco a Caravela que ficara em Cochim a acabar as reparações. Vexado com a derrota sofrida, o Samorim resolveu fazer uma segunda tentativa no domingo seguinte, que era Domingo de Páscoa, começando por enviar sessenta Paraus, por outro rio, contra a Nau que estava no porto de Cochim, na esperança de que Duarte Pacheco fosse imediatamente em seu auxílio, deixando livre o passo de Cambalão. Daí resoltou que, cerca das nove horas, chegou uma embarcação com um recado do Rei de Cochim para Duarte Pacheco pedindo-lhe que fosse ajudar a sua Nau que estava em apuros. Mas este não se deixou impressionar. No entanto, como a maré estava a vazar, resolveu ir com uma Caravela e um batel em socorro da nau, pensando que poderia regressar, logo que a maré começasse a encher, a tempo de apoiar a outra Caravela e o outro batel que ficavam defendendo o passo. E assim aconteceu! Logo que Duarte Pacheco chegou perto da Nau, os Paraus que estavam a atacar, temendo ficar entre dois fogos, puseram-se em fuga e ele aproveitando a enchente, tal como se previa, voltou rápidamente para o passo de Cambalão, onde a outra Caravela e o outro batel estavam aguentando sozinhos todo o peso da armada de Calicut. E repetiram-se as cenas da semana anterior. Os Paraus do Samorim, durante mais de três horas, lançaram repetidos ataques sobre os navios, portugueses, em tentativas desesperadas para os abordar, sendo de todas as vezes rechaçados com muitas avarias e um número elevado de mortos e feridos. Depois de terem perdido dezanove paraus, incendiados ou afundados e terem tido cerca de duzentos mortos não tiveram outra alternativa senão retirar. No dia seguinte, em vez de aproveitarem para repousar das fadigas da véspera, os portugueses foram atacar de surpresa uma povoação da ilha de Cambalão, tendo no caminho combatido com catorze Paraus, que desbarataram! E no dia imediato a esse teve lugar a terceira batalha que, tal como a primeira, começou com um bombardeamento cerrado dos nossos navios, por parte da bateria de terra. Mas o tiro desta era pouco certeiro e Duarte Pacheco deu ordem aos seus homens para não responder, a fim de dar confiança à armada inimiga para se aproximar. O estratagema resultou. Quando os navios que constituíam a sua vanguarda se aperceberam que os navios portugueses já não respondiam ao fogo de terra, convenceram-se que teriam sofrido graves perdas e lançaram-se sobre eles atabalhoadamente, certos que desta vez os iriam finalmente abordar. Só que no momento em que estavam prestes a chegar junto deles foram recebidos por uma salva disparada à queima-roupa de todos os canhões e todas as espingardas das Caravelas e dos batéis que lhes mataram muita gente e meteram no fundo, de uma assentada, oito Paraus!



O primeiro ímpeto do inimigo fora quebrado. Mas continuaram a vir mais e mais Paraus que, uns após outros, ou eram afundados ou obrigados a retirar cheios de mortos e feridos. Por volta do meio dia, quando a batalha estava já a esmorecer, um dos nossos Batéis começou a arder. Reanimaram-se os malabares e todos os Paraus que o puderam fazer concentraram sobre ele o seu fogo e os arremessos de flechas, na esperança de o tomarem. Mas, mais uma vez, as suas expectativas foram goradas. A guarnição do Batel conseguiu dominar o incêndio e continuou a combater com a mesma eficácia de antes. Só restava ao inimigo retirar. Foi o que fez, tendo perdido nesta terceira batalha mais vinte e dois Paraus e sofrido, mais de seiscentos mortos. Logo que a armada de Calicut iniciou a retirada, Duarte Pacheco, apesar de ter os seus homens exaustos, foi em sua perseguição, com os dois infatigáveis Batéis e, saltando em terra, matou muitos naires do senhor de Cambalão e queimou-lhe mais duas povoações, sem perder um único soldado! E com tudo isto andavam os Malabares e os «Mouros» assombrados e diziam que o Deus dos Portugueses estava combatendo por eles, pois que de outro modo não se podia explicar como é que, sendo tão poucos alcançavam sempre a vitória, tanto em terra como no mar, contra inimigos tão numerosos!