Inconfidência Mineira
A ‘Inconfidência Mineira’, também referida como ‘Conjuração Mineira’, foi uma possível conspiração, de natureza separatista que poderia ocorrer na então capitania de Minas Gerais, no Estado do Brasil, contra, entre outros motivos, a execução da derrama e o domínio português, sendo abortada pela Coroa portuguesa em 1789. Desde a primeira metade do século XVIII houve na capitania de Minas Gerais motins por razões variadas, em torno de questões como tributação, abastecimento de alimentos e acções das autoridades, com destaque para a Guerra dos Emboabas e a Revolta de Filipe dos Santos. Enquanto alguns levantes procuravam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736, e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação [cobrança dos quintos reais (impostos) feita com base no número de escravos].
Durante o reinado de Dom José I (1750-1777), eclodiram inconfidências em locais isolados de Minas em Curvelo, (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo (1776) sempre em função de atritos com autoridades e seus aliados. Ao contrário da Inconfidência Mineira, esses motins anteriores implicavam manifestações concretas de violência, com a população na rua, arruaças, vivas à liberdade e referência a apoios de outras potências colonizadoras. Desde meados do século XVIII fazia-se sentir o declínio da produção aurífera nas Minas Gerais. Por essa razão, na segunda metade desse século, a Coroa portuguesa intensificou o controlo fiscal sobre a sua colónia na América do Sul, proibindo, em 1785, as atividades fabris e artesanais na Colónia e taxando severamente os produtos vindos da Metrópole. Desde 1783 fora nomeado para governador da capitania de Minas Gerais Dom Luís da Cunha Meneses, reputado pela sua arbitrariedade e violência. Sem compreender a real razão do declínio da produção aurífera (o esgotamento das jazidas de aluvião) e atribuindo o fato ao ‘descaminho’ (contrabando), a Coroa instituiu a cobrança da ‘derrama’ na região, uma taxação compulsória em que a população de homens-bons deveria completar o que faltasse da cota imposta por lei de 100 arrobas de ouro (1.500 kg) anuais quando esta não era atingida. Era também descontado o quinto 20% do ouro e da quantidade de escravos (capitalização).
Estes fatos atingiram expressivamente a classe mais abastada de Minas Gerais (proprietários rurais, intelectuais, clérigos e militares) que, descontentes, começaram a se reunir para conspirar. Entre esses descontentes destacavam-se, entre outros, o contratador Domingos de Abreu Vieira, os padres José da Silva e Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa e Carlos Correia de Toledo e Melo, o cónego Luís Vieira da Silva, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, o coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o capitão José de Resende Costa e seu filho José de Resende Costa Filho, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Pisa e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de ‘Tiradentes’. A conjuração pretendia eliminar a dominação portuguesa de Minas Gerais, estabelecendo um país independente. Não havia a intenção de libertar toda a colónia brasileira, pois naquele momento uma identidade nacional ainda não havia-se formado. A forma de governo escolhida foi o estabelecimento de uma República, inspirados pelas ideias iluministas da França e da 'Independência dos Estados Unidos da América' (1776). Ressalve-se que não havia uma intenção clara de libertar os escravos, já que muitos dos participantes do movimento eram detentores dessa mão-de-obra. Entre outros locais, as reuniões aconteciam em casa de Cláudio Manuel da Costa e de Tomás Antônio Gonzaga, onde se discutiram os planos e as leis para a nova ordem, tendo sido desenhada a bandeira da nova República, (uma bandeira branca com um triângulo e a expressão latina ‘Libertas Quæ Sera Tamen’), cujo dístico foi aproveitado de parte de um verso da primeira écloga de Virgílio e que os poetas inconfidentes interpretaram como ‘liberdade ainda que tardia’. O novo governador das Minas, Dom Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena, foi enviado com ordens expressas para lançar a derrama, razão pela qual os conspiradores acertaram que a revolução deveria irromper no dia em que fosse decretado o lançamento da mesma. Esperavam que nesse momento, como apoio do povo descontente e da tropa sublevada, o movimento fosse vitorioso.
A conspiração foi desmantelada em 1789, ano da Revolução Francesa. O movimento foi traído por Joaquim Silvério dos Reis, que fez a denúncia para obter perdão de suas dívidas com a Coroa. O visconde de Barbacena mandou abrir, em junho de 1789, a sua devassa com base nas denúncias de Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago, Inácio Correia Pamplona, tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Domingos de Abreu Vieira e de Domingos Vidal Barbosa Lage.
Os réus foram acusados do crime de ‘lesa-majestade’ como previsto pelas Ordenações Filipinas, Livro V, título 6, materializado em ‘inconfidência’ (falta de fidelidade ao rei):
"Lesa-majestade
quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é
tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que
o comparavam à lepra, porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo,
sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e
aos que eles conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente, assim o
erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha
descendem, posto que não tenham culpa."
Os líderes do movimento foram detidos e enviados para o Rio de Janeiro. Ainda em Vila Rica (atual Ouro Preto), Cláudio Manuel da Costa faleceu na prisão, onde acredita-se tenha sido assassinado, suspeitando-se, em nossos dias que a mando do próprio Governador. Durante o inquérito judicial, todos negaram a sua participação no movimento, menos o alferes Joaquim José da Silva Xavier, que assumiu a responsabilidade de chefia do movimento. Em 18 de abril de 1792 foi lida a sentença no Rio de Janeiro. Doze dos inconfidentes foram condenados à morte. Mas, em audiência no dia seguinte, foi lido decreto de Dona Maria I de Portugal pelo qual todos, à excepção de Tiradentes, tiveram a pena comutada. Os degredados civis e militares foram remetidos para as colónias portuguesas na África, e os religiosos recolhidos a conventos em Portugal. Entre os primeiros, viriam a falecer pouco depois de terem chegado à África, o contratador Domingos de Abreu Vieira, o poeta Alvarenga Peixoto e o médico Domingos Vidal Barbosa Lage. Os sobreviventes reergueram-se integrados no comércio e na administração local, alguns mesmo tendo-se reintegrado na vida política brasileira.
As penas de morte foram comutadas em pena de degredo, excepto a de Joaquim José da Silva Xavier, executado em 21 de abril de 1792:
Condenado á morte:
Alferes Joaquim José da Silva Xavier - ‘o Tiradentes’
Condenados ao degredo:
Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade
Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade
José
Álvares Maciel
Coronel
Inácio José de Alvarenga Peixoto
Tenente-Coronel
Domingos de Abreu Vieira
Coronel
Francisco Antônio de Oliveira Lopes
Sargento-mor
Luiz Vaz de Toledo Piza
Cirurgião
Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
Capitão
José de Resende Costa
José
de Resende Costa
(filho)
Domingos
Vidal de Barbosa Laje
Condenados
a degredo perpétuo:
Desembargador
Tomás Antônio Gonzaga
Capitão
Vicente Vieira da Mota
Coronel
José Aires Gomes
António
de Oliveira Lopes
João
da Costa Rodrigues
Vitoriano
Gonçalves Veloso
(foi
açoitado antes de ser degredado)
Condenados
a exílio de dez anos:
Capitão
João Dias da Mota
Tenente
Fernando José Ribeiro
Condenado
às galés:
José
Martins Borges
Mandados
em paz:
Faustino
Soares de Araújo
Manuel
da Costa Capanema
(ou Manuel da Silva Capanema)
Absolvidos:
Domingos
Fernandes da Cruz
Alexandre
Silva
(ou Alexandre Pardo)
Manoel
José de Miranda
João
Francisco das Chagas
Falecidos
na prisão:
Cláudio
Manuel da Costa
Capitão
Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes
Francisco
José de Mello
Sentença
sigilosa:
(réus
clérigos)
Cónego
Luís Vieira da Silva
Padre
José da Silva e Oliveira Rolim
Padre
Carlos Correia de Toledo e Melo
Padre
Manuel Rodrigues da Costa
Padre
José Lopes de Oliveira
Tiradentes
Joaquim
José da Silva Xavier, o ‘Tiradentes’, nasceu na Fazenda do Pombal, e foi baptizado em 12 de Novembro
de 1746. Faleceu no Rio de Janeiro, a 21 de abril de 1792. Foi um dentista, tropeiro,
minerador, comerciante, militar e activista político que actuou nos domínios
portugueses no continente americano (Brasil, 1530-1815), mais especificamente
nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nascido na Fazenda do Pombal,
próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, à época território disputado
entre as vilas de São João d’El-Rei e São José d’El-Rei, na Capitania de Minas
Gerais. Joaquim José da Silva Xavier era filho do português Domingos da Silva
Xavier, proprietário rural, e da portuguesa nascida na colónia do Brasil, Maria
Paula da Encarnação Xavier (prima em segundo grau de António Joaquim Pereira de
Magalhães), tendo sido o quarto dos nove filhos. Em 1755, após a morte de sua
mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da Vila de São José, dois anos
depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, a sua
família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou
sob a tutela de seu tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, que era cirurgião
dentista. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de
assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às
práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu
o apelido (alcunha) de Tiradentes.
Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sudeste do sertão. Em 1780, alistou-se na tropa da Capitania de Minas Gerais, em 1781 foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do ‘Caminho Novo’, estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes começou a se aproximar de grupos que criticavam o domínio português sobre as capitanias por onde circulava. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de marechal da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787. Joaquim Manuel de Macedo relata que neste mesmo ano de 1787, Tiradentes conhece e se apaixona por uma certa ‘Perpétua Mineira’, dona de uma ‘casa de pasto’ (restaurante) na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Segundo a crónica, Perpétua foi vista pela última vez em 21 de abril de 1792 nas proximidades da forca onde havia sido executado seu amante.
Após a licença da cavalaria, Tiradentes morou por volta de um ano na cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para a melhoria do abastecimento de água no Rio de Janeiro, porém, não obteve aprovação para a execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse sua indignação perante o domínio português. De volta às Minas Gerais, começou a pregar em Vila Rica e arredores, a favor da independência daquela capitania. Fez parte de um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, Ex ouvidor da comarca, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador e grande proprietário de terras na Comarca do Rio das Mortes. O movimento ganhou reforço ideológico com a independência das colónias estadunidenses e a formação dos Estados Unidos. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na Europa. Além das influências externas, factores mundiais e religiosos contribuíram também para a articulação da conspiração na Capitania de Minas Gerais. Com a constante queda na receita institucional, devido ao declínio da actividade mineradora, a Coroa resolveu, em 1789, a aplicar o mecanismo da Derrama, para garantir que as receita oriundas do Quinto, imposto português que reservava um quinto (1/5) de todo minério extraído no Reino de Portugal e seus domínios. A partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses como governador da capitania, em 1783, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos, mesmo que preciso fosse prender o cobrado, a ser executada pelo novo governador da Capitania, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena (futuro Conde de Barbacena), o que afectou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762, do quinto, que à altura somava 768 arrobas de ouro em impostos atrasados. O movimento se iniciaria na noite da insurreição, os líderes da sedição sairiam às ruas de Vila Maria dando vivas à República, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, em 15 de Março de 1789 foi delatada aos portugueses pelo Coronel Joaquim Silvério dos Reis, Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago e o luso-açoriano Inácio Correia de Pamplona, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda. Anos depois, por ordem do novo oficial de milícia Ernesto Gonçalves, planejou o assassinato de Joaquim Silvério dos Reis.
Entretanto, em 14 de Março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido a derrama o que de esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em 7 de maio) abriu uma investigação. Avisado, o alferes ‘Tiradentes’, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto ao tentar entrar em contacto com Silvério dos Reis e foi preso em 10 de Maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas. Dentre os inconfidentes, destacaram-se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, o coronel Domingos de Abreu Vieira e o coronel Joaquim Silvério dos Reis (um dos delatores do movimento), os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e o ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga. Os principais planos dos inconfidentes eram, estabelecer um governo republicano independente de Portugal, criar indústrias no país que surgiria, uma universidade em Vila Rica e fazer de São João del-Rei a capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos, Tomás António Gonzaga, após o qual haveria eleições. Nessa república não haveria exército (em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar uma milícia quando necessária). Há que se ressaltar que os inconfidentes visavam a autonomia somente da província das Minas Gerais.
Negando a princípio a sua participação, ‘Tiradentes’ foi o único, posteriormente, a assumir toda a responsabilidade pela ‘inconfidência’, inocentando seus companheiros. Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo, algumas horas depois, por carta de clemência de Dona Maria I, todas as sentenças foram alteradas para degredo, à excepção apenas para ‘Tiradentes’, que continuou condenado à pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino. ‘Tiradentes’ foi enforcado. Os réus foram sentenciados pelo crime de ‘lesa-majestade’, definida, pelas ordenações afonsinas e as Ordenações Filipinas, como traição contra o rei. Crime, este comparado à hanseníase pelas Ordenações Filipinas:
“Lesa-majestade
quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é
tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que
o comparavam à lepra, porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo,
sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e
aos que eles conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente, assim o
erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha
descendem, posto que não tenham culpa.”
Por igual crime de lesa-majestade, em 1759, no reinado de Dom José I de Portugal, a família Távora, no processo dos Távora, havia padecido de morte cruel, tiveram os membros quebrados e foram queimados vivos, mesmo sendo os nobres mais importantes de Portugal. A Rainha Dona Maria I sofria pesadelos horríveis devido à cruel execução dos Távoras ordenada por seu pai Dom José I e mais tarde com os acontecimentos passados com a Revolução Francesa (com a onda de terror com os milhares de guilhotinados, particularmente de Luis XVI e de Maria Antonieta), terminou por enlouquecer. Em parte por ter sido o único a assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o inconfidente de posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou eram mais ricos, ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que ‘Tiradentes’ seria um dos poucos inconfidentes que não era tido como ‘maçom’. E assim, numa manhã de sábado, 21 de Abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajecto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo-geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local. Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espectáculo acabou por despertar a ira da população que presenciou o evento, quando a intenção era, ao contrário, intimidar a população para que não houvesse novas revoltas. Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada, os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo, Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse.
Sentença proferida contra o réu Joaquim José da Silva Xavier
“JUSTIÇA que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame Réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe, e cabeça na Capitania de Minas Gerais, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberana e Suprema Autoridade da mesma Senhora, que Deus guarde".
"MANDA
que com baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas desta Cidade ao lugar
da forca e nela morra morte natural para sempre e que separada a cabeça do
corpo seja levada a Vila Rica, donde será conservada em poste alto junto ao
lugar da sua habitação, até que o tempo a consuma, que seu corpo seja dividido
em quartos e pregados em iguais postes pela estrada de Minas nos lugares mais
públicos, principalmente no da Varginha e Sebollas, que a casa da sua habitação
seja arrasada, e salgada e no meio de suas ruínas levantado um padrão em que se
conserve para a posteridade a memória de tão abominável Réu, e delito e que
ficando infame para seus filhos, e netos lhe sejam confiscados seus bens para a
Coroa e Câmara Real. Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792, Eu, o desembargador
Francisco Luiz Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi. Sebão.
Xer. de Vaslos. Cout.º7".
Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Segundo relatos da época declaravam que Tiradentes era "um homem alto, grisalho, a barba benfeita, bigodes bem aparado". Também, o nome do movimento, ‘Inconfidência Mineira’, e de seus participantes, os ‘inconfidentes’, foi cunhado posteriormente, denotando o carácter negativo da sublevação (inconfidente é aquele que trai a confiança).
Outra
versão diz que por inconfidência era termo usado na legislação portuguesa na
época colonial e que "entendia-se por inconfidência a quebra da fidelidade
devida ao rei, envolvendo, principalmente, os crimes de traição e conspiração
contra a Coroa e, que para julgar estes crimes eram criadas juntas de
inconfidência". A
questão, da descendência, de ‘Tiradentes’ é controversa. Há poucas provas, documentais sobre os mesmos. ‘Tiradentes’ nunca se casou. Teve um caso com
Antónia Maria do Espírito Santo, a quem prometeu casamento e teve uma filha,
Joaquina da Silva Xavier (31 de agosto de 1786. Constam autos do processo de
Antónia Maria descobertos no Arquivo Público Mineiro que a mesma pediu a posse
de um escravo que ‘Tiradentes’ lhe havia dado e havia sido confiscado após sua
morte. Ali é citada sua filha (cujo padrinho foi o também inconfidente Domingos
de Abreu Vieira, rico comerciante) e faz dela a única descendente directa
comprovada por documentação. ‘Tiradentes’ também teria querido casar-se com uma
moça de nome Maria, oriunda de São João del-Rei, filha de abastados portugueses
que se opuseram à união. Sem registros comprovados por documentação, ‘Tiradentes’
teria tido com Eugénia Joaquina da Silva dois filhos, uma Joaquina que logo
morreu e João de Almeida Beltrão, que teve oito filhos. Para escapar das
perseguições da coroa e da população, um destes netos trocou seu sobrenome para
Zica, dos quais alguns descendentes recebem pensões. Viveu em Uberaba, uma neta
de ‘Tiradentes’, nascida em Março de 1819, Carolina Augusta Cesarina, falecida,
com 86 anos de idade, em 30 de Setembro de 1905, em Uberaba.
Tiradentes foi o único condenado à morte por enforcamento, sendo a sentença executada publicamente em 21 de abril de 1792, no Campo da Lampadosa. Outros inconfidentes haviam sido condenados à morte, mas tiveram suas penas comutadas para degredo.
Após a execução, o corpo foi levado em uma carreta do Exército para a Casa do Trem, onde foi esquartejado. O tronco do corpo foi entregue à Santa Casa de Misericórdia, sendo enterrado como indigente. A cabeça e os quatro pedaços do corpo foram salgados, para não apodrecerem rapidamente, acondicionados em sacos de couro e enviados para as Minas Gerais, sendo pregados em pontos do Caminho Novo onde Tiradentes pregou suas ideias revolucionárias. A cabeça foi exposta em Vila Rica (atual Ouro Preto), no alto de um poste defronte à sede do governo. O castigo era exemplar, a fim de dissuadir qualquer outra tentativa de questionamento do poder da metrópole. ‘Tiradentes’, ao contrário do que se pensa, não tinha barba e cabelos longos quando foi enforcado, na prisão, onde ficou por algum tempo antes de cumprir sua pena, teve o cabelo e barba raspados para evitar a proliferação de piolhos, a própria posição de alferes não permitia tal aparência. Após a decapitação e exposição pública, a cabeça de Tiradentes foi furtada, sendo o seu paradeiro desconhecido até os dias de hoje.
Conjuração
Baiana
A 'Conjuração Baiana', também denominada como 'Revolta dos Alfaiates' (uma vez que seus líderes exerciam este ofício) e recentemente também chamada de 'Revolta dos Búzios', foi um movimento de carácter emancipacionista, ocorrido no ocaso do século XVIII, na então Capitania da Bahia, no Estado do Brasil. Diferentemente da Inconfidência Mineira (1789), se reveste de carácter popular. Sendo a então Capitania da Bahia governada por Dom Fernando José de Portugal e Castro (1788-1801), a capital, Salvador, fervilhava com queixas contra o governo, cuja política elevava os preços das mercadorias mais essenciais, causando a falta de alimentos, chegando o povo a arrombar os açougues, ante a ausência de carne. O clima de insubordinação contaminou os quartéis, e as ideias nativistas que já haviam animado Minas Gerais, foram amplamente divulgadas, encontrando eco sobretudo nas classes mais humildes. A todos influenciava o exemplo da independência das Treze Colónias Inglesas, e ideias iluministas, republicanas e emancipacionistas eram difundidas também por uma parte da elite culta, reunida em associações como a ‘Loja Maçónica Cavaleiros da Luz’
1. Abolição da Escravatura.
2. Proclamação da República.
3. Diminuição dos Impostos.
4. Abertura dos Portos.
5. Fim do Preconceito.
6. Aumento Salarial.
Seu
principal líder foi Cipriano Barata, conhecido como médico dos pobres e
revolucionário de todas as revoluções. Há grande influência da sociedade maçónica
(cavaleiros da luz) e do processo de independência do Haiti ou ‘Haitianismo’. Os
revoltosos pregavam a libertação dos escravos, a instauração de um governo
igualitário (onde as pessoas fossem vistas de acordo com a capacidade e
merecimento individuais), além da instalação de uma república na Bahia e da
liberdade de comércio e o aumento dos salários dos soldados. Tais ideias eram
divulgadas sobretudo pelos escritos do soldado Luiz Gonzaga das Virgens e pelos
panfletos de Cipriano Barata, médico e filósofo.
Em 12 de Agosto de 1798, o movimento precipitou-se quando alguns de seus membros, distribuindo os panfletos na porta das igrejas e colando-os nas esquinas da cidade, alertaram as autoridades que, de pronto, reagiram, detendo-os. Tal como na Conjuração Mineira, interrogados, acabaram delatando os demais envolvidos.
Um desses panfletos declarava:
"Animai-vos
Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em
que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais."
Durante a fase de repressão, centenas de
pessoas foram denunciadas (militares, clérigos, funcionários públicos e pessoas
de todas as classes sociais). Destas, quarenta e nove foram detidas, a maioria
tendo procurado abjurar a sua participação, buscando demonstrar inocência. Finalmente,
no dia 8 de Novembro de 1799, procedeu-se à execução dos condenados.
1. Soldado Lucas Dantas do Amorim Torres.
2. Aprendiz de alfaiate Manuel Faustino dos
Santos Lira.
3. Soldado Luís Gonzaga das Virgens.
4. Mestre alfaiate João de Deus Nascimento.
O
quinto condenado à pena capital, o ourives Luís Pires, fugitivo, jamais foi
localizado.
Pela
sentença, todos tiveram os seus nomes e memórias ‘malditos’ até à 3a. Geração.
Os despojos dos executados foram expostos da seguinte forma:
A
cabeça de Lucas Dantas ficou espetada no Campo do Dique do Desterro.
A
de Manuel Faustino, no Cruzeiro de São Francisco.
A
de João de Deus, na Rua Direita do Palácio.
(atual
Rua Chile)
A
cabeça e as mãos de Luís Gonzaga ficaram pregadas na forca, levantada na Praça
da Piedade, então a principal da cidade.
Esses despojos ficaram à vista, para exemplo da população, por cinco dias, tendo sido recolhidos no dia 13 pela Santa Casa de Misericórdia (instituição responsável pelos cemitérios), que os fez sepultar em local desconhecido. Os demais envolvidos foram condenados à pena de degredo, agravada com a determinação de ser sofrido na costa Ocidental da África, fora dos domínios de Portugal, o que equivalia à morte.
Foram
eles:
José
de Freitas Sacota e Romão Pinheiro, deixados em Acará, sob domínio holandês.
Manuel
de Santana em Aquito, então domínio dinamarquês.
Inácio
da Silva Pimentel, no Castelo da Mina, sob domínio holandês.
Luís
de França Pires em Cabo Corso.
José
Félix da Costa em Fortaleza do Moura.
José
do Sacramento em Comenda, sob domínio inglês.
Cada um recebeu publicamente 500 chibatadas no Pelourinho, à época no Terreiro de Jesus, e foram depois conduzidos para assistir a execução dos sentenciados à pena capital. A estes degredados acrescentavam-se os nomes de:
Pedro
Leão de Aguilar Pantoja degredado no Presídio de Benguela por 10 anos.
O
escravo Cosme Damião Pereira Bastos, degredado por cinco anos em Angola.
Os
escravos Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz, condenados a 500 chibatadas,
ficando seus senhores obrigados a vendê-los para fora da Capitania da Bahia.
José
Raimundo Barata de Almeida, degredado para a ilha de Fernando de Noronha.
Os
tenentes Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja e José Gomes de Oliveira
Borges, permaneceram detidos por seis meses em Salvador.
Cipriano
Barata, detido a 19 de Setembro de 1798 solto em Janeiro de 1800.
O
movimento envolveu indivíduos de sectores urbanos e marginalizados na produção
da riqueza colonial, que se revoltaram contra o sistema que lhes impedia
perspectivas de ascensão social. O seu descontentamento voltava-se contra a
elevada carga de impostos cobrada pela Coroa portuguesa e contra o sistema
escravista colonial, o que tornava as suas reivindicações particularmente
perturbadoras para as elites. A revolta resultou em um dos projetos mais
radicais do período colonial, propondo idealmente uma nova sociedade
igualitária e democrática.
Conjuração
Carioca
A
chamada Conjuração Carioca foi o nome pelo qual ficou conhecida a repressão a
uma associação de intelectuais que se reuniam, no Rio de Janeiro, em torno de
uma sociedade literária, no fim do século XVIII. Esta repressão ocorreu em 1794
na ‘Sociedade Literária do Rio de Janeiro’. Um processo de devassa foi aberto e
se estendeu de 1794 a 1795, sem que fossem encontradas provas conclusivas de
que uma conspiração se encontrava em curso, além de livros de circulação
proibida. Desse modo, os implicados detidos foram libertados.
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