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domingo, agosto 31, 2014

Portugal no Século XVIII - O Absolutismo (I)

Ano de 1700

Infância e Aprendizagem



Nasceu em Lisboa, no paço real no dia 22 de Outubro de 1689, filho segundo de Dom Pedro II e de Dona Maria Sofia de Neuburg, baptizado no mesmo ano a 19 de Novembro. A sociedade da corte reconhecia que nos primeiros tempos da fase da vida de um futuro Rei, deveria a sua educação ser entregue a mulheres, só mais tarde entrariam em cena os elementos masculinos. O papel de sua mãe foi pouco influente na educação dele e de seus irmãos. Alemã, distante e pouco simpática com humor difícil, afastava de si as pessoas, vivendo com alguma tristeza. No princípio de casada, gostava muito de beber vinho e jogar, mas o Rei Dom Pedro II repreendeu tantas vezes e com tanta severidade que se viu obrigada a abandonar esses prazeres. Com o tempo tornou-se devota, passando a maior parte do tempo nos conventos. Extremamente ciumenta do seu marido, nos seus ataques de mau génio tratava mal toda a gente, da corte, incluindo os próprios filhos. Atendendo aos filhos ilegítimos do Rei, os referidos ciúmes não eram de todo infundados. Dona Maria Sofia de Neuburg morreu em 4 de Agosto de 1699 com apenas 33 anos, tendo Dom João apenas 10 anos.



Sua tia Dona Catarina, Rainha de Inglaterra, regressada a Portugal depois de enviuvar, assumiu em princípio a educação do sobrinho, pelo menos até á sua morte em 1705. Duma forma geral as informações recolhidas, não parecem indicar, que Dom João tenha tido uma educação muito cuidada. Entregue a alguns padres jesuítas. Bastante influente nessa educação foi a do Inquisidor-geral do Santo Ofício, Dom Nuno da Cunha de Ataíde e que terá marcado Dom João para o resto da vida. Seu pai, resolveu arma-lo cavaleiro da Ordem de Cristo, apenas com 7 anos.



Em 1 de Dezembro de 1697, o Rei convoca cortes para o fazer jurar sucessor da coroa. A sua irmã Dona Teresa, morreria em 1704, vitimada por bexigas malignas (Varíola), como tantas outras da sua idade.

A Guerra da Sucessão em Espanha

(Início)



Um breve resumo sobre as causa desta guerra, iniciada no Reinado de Dom Pedro II, ajuda a perceber as consequências que viriam a acontecer neste Reinado O Rei de Espanha, Carlos II, era um pobre degenerado de tal modo doente que os que o rodeavam, esperavam vê-lo morrer a todo o momento. Com 30 anos apenas, tinha todo o aspecto de um velho, tez lívida, o corpo sem força e espírito apático. O último dos Habsburgos no trono espanhol, não era capaz de discernir os interesses do trono e menos ainda de os defender. O único filho de Filipe IV (o "nosso" III) ao sobreviver ao pai, cujo trono, quando da sua morte, e atendendo á sua menoridade é entregue a sua mãe Mariana de Áustria. Com a sua morte aos 39 anos e obviamente sem descendentes, abriu-se em Espanha um grave conflito europeu, pela sua sucessão. Para se fazer uma ideia da extensão dos domínios espanhóis na altura refira-se: A Espanha, Nápoles, Sicília, Senhor de quase toda a Itália excepto dos Estados Papais e da Sereníssima República de Veneza, e do império ultramarino castelhano, do México à Patagónia e que incluía Cuba e as Filipinas. Era Rei de Nápoles e Sicília, Rei titular de Jerusalém e Rei da Sardenha e dos Países Baixos, Duque de Milão, Conde da Borgonha e Conde do Charolais.


As guerras da Restauração portuguesa, haviam terminado na época de regência de sua mãe em 1668. Em 1 de Novembro de 1700, data de falecimento de Carlos II e por testamento o trono de Espanha, é atribuído a um neto de Luís XIV e de Maria Teresa de Espanha, o Duque Filipe de Anjou, filho segundo do delfim francês. Portugal que havia firmado com a França, antes da morte de Carlos II, um acordo em que se previa inclusivamente a anexação de Badajoz e Alcântara, viria a mudar de estratégia em Maio de 1703. Mais uma vez, o facto da Inglaterra como seria óbvio imaginar, não aceitar facilmente, uma coroa espanhola-francesa em Espanha, com a Holanda em 1703, decide aliar-se ao Imperador alemão o Arquiduque Carlos, que apresentara a sua candidatura ao trono espanhol. Uma vez "entrincheirados" nesta aliança como seria de prever Filipe V, em 30 de Abril de 1704 declara guerra a Portugal, abrindo-se de imediato hostilidades fronteiriças.



O ponto mais alto do conflito, segundo a visão portuguesa, foi em 28 de Junho de 1706, quando as tropas da Grande Aliança comandadas pelo Marquês de Minas entram em Madrid, fazendo aclamar o Arquiduque Carlos como Carlos III Rei de Espanha. Como essa data antecede em 6 meses a morte de Dom Pedro II, pode dizer-se que esta guerra no tempo de Dom João V, consiste num desfilar de derrotas até ao fim da mesma, consolidada na paz de Utreque em 1712.

Ano de 1706

Morte do Rei Dom Pedro II


Num domingo a 5 de Dezembro de 1706, o Rei Dom Pedro II, dizem uns depois da missa e outros depois da caça, recolheu numa quinta em Alcântara, que lhe havia sido cedida, por obras no palácio, "alguma coisa aquebrantado" onde depois "lhe sobreveio grande febre com uma sonolência invencível", não bastando para o acordar, a enorme quantidade de ventosas e de outros remédios que se julgou conveniente aplicar-lhe. Reconheceram os médicos "a grande debilidade da cabeça", tendo-o purgado com o famoso extracto de agárico. Parece que "obrou copiosamente", mas foi necessário sangrá-lo novamente e por duas vezes nos pés, "porque havia uma sezão muito grave". Mais tarde uma "pontada que lhe deu da banda esquerda", que alguns chamaram de "pleuriz bastardo". As sangrias não paravam, mas as aflições e as dores não passavam, levaram à conclusão, que o fim se aproximava. Após um sofrimento de 4 dias, Dom Pedro II morre no dia 9 de Dezembro de 1706. Conforme prática na época, com os Reis defuntos, Dom Pedro foi embalsamado. Existe relato minucioso sobre as entranhas reais tipo "O bofe estava todo negro" ou "a pleura do lado esquerdo estava esfacelada com uma grande porção de sangue gumoso", mas uma informação mais restrita diria que "se lhe acharam 23 pedras de fel e também um bolso de matéria em outra parte". Também como era norma os intestinos retirados durante o processo, foram devidamente enterrados em local diferente do corpo embalsamado, foram para o mosteiro das Flamengas em Alcântara. Foi enterrado no convento de São Vicente de Fora.


Os Meios-Irmãos do Rei Dom João V

Tal como Dom João V, já seu pai Dom Pedro II, num papel por si assinado em 1704, declara que tivera dois filhos fora do casamento e tal como seu filho, também afirmava que eram filhos de "mulheres desobrigadas e limpas de toda a nação infecta". Consta nas memórias do Conde de Povolide que também havia sido pai de um filho de "cor parda", que se tornara padre e que claro nem pela cabeça do Rei passou sequer a ideia de a ele se referir. Dona Luísa nascera a 9 de Janeiro de 1679, quando ele ainda era casado com Dona Maria Francisca de Sabóia, foi educada em casa dum secretário de Estado, passou por um convento em Carnide vindo mais tarde casar com um filho do Duque de Cadaval. Só nessa altura foi reconhecida pela Rainha Dona Maria Sofia e tratada pela corte como filha do Rei. Foi o único filho ilegítimo a ser reconhecida pelo pai em vida desta Dona Luísa era filha de Maria Carvalho, "moça de varrer", criada de uma dama da câmara, e também ela "limpa de sangue", que entrou para o Convento de Santa Mónica, (como quem diz aprisionada no convento), pois não sendo religiosa, por ali ficou quando El-Rei se cansou dela. Dona Luísa enviuvou e mais tarde voltando a casar com um cunhado, acabando por enlouquecer e morrer aos 54 anos. Dom Miguel que Dom Pedro II declarou á hora da morte, ser sua mãe, uma francesa de nome Ana Armanda du Vergé, moça da câmara e dama da Rainha Dona Maria Francisca Isabel de Sabóia, e Dom José que era filho de Francisca da Silva, cujo pai era tanoeiro, mas tudo "gente limpa de sangue". Quando Dom Pedro morreu, esses filhos, tinham 7 e 3 anos respectivamente, estavam a ser criados em casa de Bartolomeu de Mexia para quem ele pediu a Dom João V lhe concedesse mercês, que com tanto zelo cuidava de seus irmãos. Foram estes irmãos sempre tratados por Dom João V, conforme seu pai havia preconizado. Dom Miguel haveria de casar em 1715 com Dona Luísa Casimira de Nassau e Ligne, filha do Príncipe Carlos José Ligne, e herdeira da Casa de Arronches. Deste casamento nasceram os Duques de Lafões Dom Pedro e Dom João, e a Marquesa de Cascais, Dona Joana Perpétua de Bragança. Dom Miguel tinha apenas 20 anos quando, andando a passear no Tejo, em 13 de Janeiro de 1724, se virou o bote que o conduzia, e naufragou, morrendo afogado. Muitos dias correram sem aparecer o cadáver, até que vindo à praia no dia 5 de Fevereiro, foi sepultado com a pompa costumada na igreja do convento de S. José de Ribamar. Dom José seguiu a carreira eclesiástica, estudando primeiro em Évora, tendo depois chegado ao Arcebispado de Braga.

Dom João V um Rei Freirático?


Nos séculos XVII e XVIII, a inclinação religiosa não era uma das razões mais importantes para trancar uma jovem num convento. Um espírito rebelde, uma natureza sensual, um amor inaceitável ou uma gravidez ilegítima eram motivos mais comuns. Sem a vigilância familiar, da sexualidade enclausurada brotavam êxtases místicos, auto flagelações e até os amores entre freiras e seculares. Uma das principais razões, é o prazer pela transgressão das regras ditadas pela Igreja, que mantinha então a sociedade portuguesa sob a Inquisição. A violação do espaço conventual era um acto político contra o poder da Igreja. Uma subversão da qual o próprio Rei João V participava. Enquanto, pressionado por seus auxiliares, desencadeava dura perseguição contra os freiráticos, o Rei enfeitava de ouro brasileiro, para seus encontros com Madre Paula, uma alcova ligada ao convento de Odivelas por uma passagem secreta. O Rei não estava só em sua preferência por amantes de hábito. Muitos nobres suspiravam diante das grades ou pulavam muros dos conventos. O fascínio do proibido, as dificuldades da sedução tornavam ainda mais aliciantes as conquistas.



A mais famosa delas foi, sem dúvida, Madre Paula, talvez a freira mais conhecida do mosteiro. Paula Teresa da Silva e Almeida nasceu em Lisboa em 30 de Janeiro de 1718. Era neta de João Paulo de Bryt, um alemão que fora soldado da guarda estrangeira de Carlos V e se estabelecera em Lisboa como ourives. Paula entrou para o convento de Odivelas aos 17 anos de idade, e ali professou, após um ano de noviciado. Frequentador assíduo do convento de Odivelas, Dom João V mantinha várias amantes que ia substituindo conforme lhe era conveniente. Quando encontrou a jovem ficou loucamente apaixonado por ela. Nessa altura, a freira Paula já era famosa: havia-se tornado amante de Dom Francisco de Portugal e Castro, Conde de Vimioso, e que pouco antes tinha sido agraciado com o título de Marquês de Valença. Dom João V não teve problemas para resolver a situação. Ele chamou o fidalgo e disse-lhe: "Deixa a Paula que eu te darei duas freiras à tua escolha". Assim, Paula passou a ser amante do Rei que era trinta anos mais velho do que ela. Madre Paula exercia uma influência imensa sobre o Rei. Quem precisasse de um favor Real já sabia que a maneira mais segura de conseguir, era só recorrer à valiosa protecção da Madre Paula, a quem o soberano visitava todas as noites. Das numerosas amantes de Dom João V, Madre Paula foi a única que soube dominá-lo até à morte. O Rei foi extremamente generoso não só com ela como com a sua família. O Palácio Pimenta onde se encontra o Museu da Cidade de Lisboa no Campo Grande foi mandado construir por Dom João V para a sua amante. O pai de Paula chegou a ser agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo, a receber uma tença de doze mil reis e outros benefícios que lhe permitiram viver tranquilo. O luxo em que vivia Paula no convento de Odivelas foi bem reproduzido em um documento da época, por Ribeiro Guimarães no seu Sumário de Vária História, onde descreve a magnificência asiática dos aposentos da Madre Paula e sua irmã. Para servi-la, Madre Paula tinha nove criadas. Do romance entre Madre Paula e Dom João V nasceu um menino que foi baptizado com o nome de José, como o príncipe herdeiro, e que mais tarde veio a exercer as funções de inquisidor geral. A vida desregrada do Rei escandalizava não só a corte como também os súbditos mais humildes. Mas ninguém se atrevia a repreender as atitudes de Dom João V. Para se fazer uma ideia da moralidade desse tempo, basta recordar o que disse a Abadessa Dona Feliciana de Milão, às damas da Rainha que não se levantaram, como lhes competia, à sua passagem. "Não se levanta de graça quem se deita por dinheiro". Após a morte do Rei, que lhe deixou uma mesada principesca, Madre Paula continuou no seu recolhimento, recebendo os grandes que ainda se aproximavam. Assim se conservou ainda durante trinta e cinco longos anos, com a altivez de uma soberana em exílio. Faleceu, em 1785, aos 67 anos de idade e foi sepultada na Casa do Capitulo do Convento de Odivelas. Entretanto, vários nobres haviam recebido em 1724, ordem para assinar o compromisso de não visitar os conventos de freiras, a não lhes escreverem, nem lhes fazerem acenos da rua. Chegando mesmo a serem, anunciados propósitos de penas prisão e de degredo. Tratavam-se apenas de leis para controlar o comportamento dos freiráticos, não o seu, claro, um Rei Absoluto está acima desses detalhes.

Ano de 1707

Abril, 25 - Batalha de Almansa.



As forças do Arquiduque Carlos, que incluem os contingentes portugueses, sofrem uma pesada derrota pelo exército franco-espanhol, do Duque de Berwick, que conduz a ofensiva em nome de Dom Filipe V de Bourbon, que recupera o controlo sobre grande parte da Espanha incluindo Madrid.



Abril - Diogo de Mendonça Corte Real é nomeado secretário de Estado. Dom João V logo em Abril de 1707 nomeou Dom Diogo de Mendonça Corte Real seu secretário de Estado, ki8m mandando-lhe passar a respectiva carta em 27 do mesmo mês. O distinto diplomata conservou-se no ministério até falecer, prestando sempre importantes serviços, principalmente nas difíceis negociações do Tratado de Utrecht, onde Portugal correu sério risco de ser sacrificado.



Maio, 26 - Capitulação de Serpa às forças do Duque de Ossuna.

Junho, 27 - Assinado em Viena o tratado de casamento de Dom João V com Dona Maria Ana da Austria. O Casamento de Dom João V foi negociado em 1708. Os dois noivos eram primos direitos, por serem irmãs a Rainha Dona Maria Sofia de Portugal e a Imperatriz Leonor Madalena, respectiva mães de Sua Majestade o Rei de Portugal e da Sereníssima Arquiduquesa da Áustria. Inaugurando o estilo faustoso da diplomacia de Dom João V, Portugal procurava com o casamento uma aproximação aos outros membros da Grande Aliança. Dom João V enviou uma luxuosa embaixada à capital imperial, chefiada pelo Conde de Vilar Maior, Fernão Teles da Silva, que chegou a Viena a 21 de Fevereiro desse mesmo ano. A 6 de Junho, dia do Corpo de Deus, fez-se a entrada pública da embaixada portuguesa para o pedido da Arquiduquesa.



Coroação e Casamento Real


Em 1 de Janeiro de 1707, realizou-se o levantamento e juramento de Dom João Francisco António José Bento Bernardo, como 24º Rei de Portugal, com o título de Dom João V, o Magnânimo, o Rei-Sol Português, ou ainda num epíteto muito mais irreverente como o Freirático, pela sua obsessão sexual por freiras, como se anotará mais adiante. Quando subiu ao trono o Reino estava em guerra contra a Espanha e a França, em resultado da liga, que seu pai havia feito com o Imperador da Alemanha, Inglaterra e a Holanda pela sucessão do trono espanhol, por apoio ao Arquiduque Carlos. Na sequência de acordo já feito por seu pai, iniciaram-se logo em Dezembro de 1708, os festejos do seu casamento com Dona Maria Ana da Áustria. Grande sumptuosidade nas festas do casamento, durante vários dias, mesmo com as dificuldades financeiras provocadas pela guerra (bem nossa esta característica). O povo, esse como habitualmente regressaria "aos feijões e ao bacalhau", como quem diz que depois da ostentação real o povo voltaria ao seu pobre quotidiano.



Relato da chegada da Rainha e do casamento real. Na viagem para Portugal tocou em diversos portos, realizando-se sempre pomposas festas, até que em 26 de Outubro chegou a Lisboa, onde teve uma imponentíssima recepção. No paço da Ribeira houve serenatas e músicas. No Terreiro do Paço queimaram-se fogos-de-artifício, e armou-se um anfiteatro, onde em três tardes sucessivas se realizaram corridas de touros. No dia 22 de Dezembro, seguidas dum pomposo cortejo, foram as pessoas reais e toda a corte à Sé, onde se cantou um solene Te-Deum. No Anno Histórico do Padre Francisco de Santa Maria, vol. II, pág. 334 e seguintes, vêem minuciosamente descritas as esplêndidas festas, os deslumbrantes cortejos e cerimónias, que se realizaram em Viena de Áustria e em Lisboa, assim como a descrição do dote da Rainha. Do contrato do casamento, e de muitas ofertas feitas pelo Imperador da Áustria às pessoas que compunham a embaixada portuguesa.

Os Emboabas



Os emboabas aclamaram o riquíssimo português Manuel Nunes Viana como governador das Minas, que enriquecera com o contrabando de gado para a zona mineira. (Manuel Nunes Viana foi um português radicado na Baía muito jovem. Ficou conhecido por actos de coragem que o levaram do sertão baiano para a região mineira onde se tornou proprietário de lucrativas lavras de ouro). Várias lendas circulam sobre ele. O Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil alega que teria assassinado a filha, por não aprovar seu amor a um rapaz pobre, que afogava seus inimigos em uma lagoa próxima de sua fazenda, e que apressava a morte dos doentes ricos de sua região para tomar-lhes suas fortunas) foi hostilizado por Manuel de Borba Gato, um dos mais respeitados paulistas da região. Nos conflitos que se seguiram, os paulistas sofreram várias derrotas e foram obrigados a abandonar muitas minas. Um dos episódios mais importantes da Guerra dos Emboabas foi o massacre de paulistas, no chamado Capão da Traição. Nas proximidades da actual cidade de São João Del-Rei, um grupo de emboabas chefiados por Bento do Amaral Coutinho, prometeu aos paulistas que lhes pouparia a vida, caso se rendessem, quando entregaram suas armas, foram massacrados impiedosamente. Inconformados com o massacre que tinham sido vitimas à mãos do grupo liderado por Viana, os paulistas, desta vez sob liderança de Amador Bueno da Veiga, formaram um exército que tinha como objectivo vingar o massacre de Capão da Traição. Esta nova batalha durou uma semana. A guerra foi favorável aos Emboabas tendo os paulistas perdido muitas possessões mineiras, mas donde se retirou a vantagem de pelo facto de terem feito explorações noutros locais, especialmente em Mato Grosso e Goiás, onde vieram a descobrir mais ouro.


Estas foram as principais consequências da Guerra dos Emboabas:

Criação de normas que regulamentam a distribuição de minas entre emboabas e paulistas.

Regulamentação sobre a cobrança do quinto.

Criação da capitania de São Paulo e das Minas Gerais, ligada directamente à Coroa, independente portanto do governo do Rio de Janeiro (3 de Novembro de 1709).

Elevação da vila de São Paulo à categoria de cidade.

Pacificação da região das minas, com o estabelecimento do controle administrativo da metrópole.



Ano de 1708


Maio, 6 - Lei que reitera antigas pragmáticas contra o luxo. Essas medidas tinham como objectivo "evitar a desordem do luxo" e o empobrecimento dos vassalos. De entre uma infinidade delas, a lei de 6 de Maio de 1708, do tempo de Dom João V, é a que hoje nos parece mais idiota: proibia o uso de fitas de cor nos chapéus pretos e de fitas pretas nos chapéus pardos, entre outras coisas, que caiam no ridículo de regulamentar por exemplo o número de bolsos, que deveria ser adaptado à medida da estatura do indivíduo. Como sempre em Portugal estas leis, cumpriam-se no primeiro mês, infringiam-se no segundo e esqueciam-se no terceiro. Gustavo de Matos Sequeira, em "Depois do Terramoto", escreve que todas as leis proibindo o luxo, as chamadas pragmáticas, tiveram pouca eficácia.

Julho, 9 - Viena de Áustria - Casamento por procuração de Dom João V com Dona Maria Ana


Outubro, 27 - Desembarca em Lisboa a Rainha Dona Maria Ana

Dezembro, 12 - Regimento militar das ordenanças. Por alvará procede-se a nova reorganização da Exército e estabelecem-se as Novas Ordenanças. Com esta reforma "proibiu-se a venda de postos militares, bem como a sua troca entre oficiais de linha e oficiais das ordenanças ou dos terços de auxiliares ficando só autorizado entre oficiais de linha da mesma arma e graduação". Foi exigido saber ler e escrever aos tenentes, alferes e sargentos. "Aboliu-se o antigo uso do alistamento e organização de tropas, a soldo de particulares".


Bissau - É arrasada a fortaleza e extinta a capitania. A capitania de Bissau tinha sido criada em 1687 e sido nomeado 1696 o seu primeiro capitão-mor, José Pinheiro da Câmara, que iniciou de imediato, a construção da fortaleza. Perante a ameaça dos franceses, por ordem de D. João V, foi extinta a capitania e arrasada a fortaleza. Só em 1766, por ordem de D. José I, se deu início aos trabalhos de construção da grande fortaleza de S. José de Bissau, ainda hoje digna de se admirar.

A Rainha Dona Maria Ana de Austria


Nasceu em Lintz a 7 de Setembro de 1683, faleceu no paço de Belém a 14 de Agosto de 1754. Era filha do imperador Leopoldo e de sua terceira mulher, a imperatriz D. Leonor Madalena Teresa de Neuburgo, irmã do imperador José, então reinante. Como era tradição, as rainhas de Portugal, dispunham além de rendimentos próprios, de servidores distintos daqueles que serviam o Rei. A Rainha Dona Maria Ana da Austria, era uma personalidade muito forte, de grande austeridade e católica fervorosa. Desde logo decidiu controlar as presenças masculinas em sua casa, determinando "que nas antecâmaras as fidalgas não assistentes no Paço, não falem com homem algum ainda que sejam parentes muito chegados". Para as que viviam no Palácio a regra era outra "podiam falar só a pais e irmãos e tios irmãos dos pais", mas mesmo assim só na presença de uma dona de câmara. Naturalmente oriunda de uma País de grande tradição cultural, organizava saraus em seus aposentos, com assistência restrita, em que ela própria tocava cravo. A Rainha era uma boa mãe que educava os filhos com inexcedíveis cuidados, porém não isenta de exageros, nomeadamente no que toca aos aspectos religiosos, como por exemplo o de o seu primeiro filho, Dom Pedro, ter sido sepultado, quando morreu apenas com 2 anos e pouco, com o hábito da Companhia de Jesus, por ser esse o vestuário que normalmente envergava em vida. Imagine-se pois uma criança de 2 anos, vestido de jesuíta para homenagear São Francisco Xavier de quem a Rainha era devota. Na Quaresma, "correr as igrejas", era uma prática de devoção para a Rainha, acompanhada pelas damas da sua Casa Real e elementos femininos da família. Mesmo fora dessas época as visitas ás igrejas eram constantes, Madre de Deus, Esperança e São Roque, as mais visitadas. Aos domingos costumava divertir-se nas" faluas pelo Tejo abaixo", acompanhada com música de "clarins e atabales", mas esses passeios ainda que pelo campo, acabavam invariavelmente na visita a um convento. Tudo servia de pretexto para visitas a igrejas e conventos, quando aos 2 anos de idade, o infante Dom José foi desmamado, logo a Rainha o foi oferecer a S. Francisco Xavier à igreja de São Roque. Como curiosidade lembre-se que nesta época, o período de amamentação durava geralmente até aos 3 anos e nunca as mulheres de condição nobre e muito menos as rainhas amamentavam os seus filhos. Essa tarefa era entregue a mulheres de condição plebeia, que após terminado o serviço de amamentação voltavam ás suas anteriores casas. A Rainha adorava as montarias, por exemplo em Fernão Ferro, onde se caçavam javalis e raposas. Depois armavam-se tendas para o jantar e o regresso a Lisboa. Jantares que segundo reza a Gazeta de Lisboa, não eram restritos, toda a gente comia "entre duas fontes de vinho, em que comeram todos os criados inferiores que ali se acharam e depois se expôs tudo ao povo". Enfim uma despesa superior a um conto de réis. Fundou o convento de S. João Nepomuceno em Lisboa, onde quis ser sepultada num magnífico mausoléu, e como era muito amiga da sua pátria recomendou no testamento que o seu coração fosse levado para o jazigo dos seus antepassados na Alemanha. O colégio de Santa Catarina, ocupa hoje esse antigo complexo conventual, consagrado à devoção do santo trazido pelos religiosos Carmelitas Descalços Alemães e que actualmente dá o nome ao largo onde se situa o colégio. A igreja foi decorada com frescos e pinturas, alegóricas ao seu patrono, da autoria de um grande pintor do período artístico joanino – Pedro Alexandrino de Carvalho. Testemunho da sua beleza e esplendor é ainda hoje a existência de uma imagem de João Nepomuceno de grandes dimensões que estava colocado no frontispício da igreja e que actualmente se encontra no átrio (antigo Claustro) do colégio. Anos mais tarde, em 1737, este complexo conventual foi reconstruído pelos arquitectos Carlos Mardel e Machado de Castro.

Coche da Rainha Dona Maria Ana 

*Fome generalizada no Reino, devido a uma sucessão de maus anos agrícolas entre 1707 e 1711, que resultou na escassez de trigo e outros cereais e respectiva subida de preços. Que motivou vários motins como o de Abrantes neste ano.

Actos de Devoção e Dissipação



Seria fastidioso mencionar todas as visitas que Dom João V e Dona Maria Ana e outros membros da Família Real faziam a igrejas e conventos, pois eram praticamente diárias. Nessa época o sagrado e o profano misturavam-se, as procissões e o Carnaval andavam lado a lado. Dom João V transformou alguns desses hábitos, abolindo alguns elementos de carácter mais popular e revestiu-os de maior luxo e grandiosidade, na decoração das ruas. O chão onde passavam as procissões, por exemplo a do Corpo de Cristo, era alcatifado com ervas agradáveis ao olfacto e flores, mandado armar as paredes de sedas e toldos de damasco. Aquilo que anteriormente era um espectáculo para o povo, que se divertia com os carros e as danças oferecidas pelas corporações de ofícios, passou a ser uma manifestação do poder régio, consolidado pela patriarcal. Todas as confrarias e irmandades das paróquias da corte tinham que participar, exigindo que pelo menos este ritual se espalhasse pelo Império, sobretudo no Brasil. Segundo o critério absolutista da sua época, em traços gerais pode dizer-se que o Rei aumentava as despesas que entendia fazer, com a procissão do Corpo de Deus, mas quem pagava eram os munícipes via impostos camarários, que não paravam de subir. A música religiosa foi a que mais atraiu o monarca, que tudo fez para melhorar o nível da sua capela real. Foram contratados cantores italianos, que chagaram a ser em 1730 mais de 30 elementos, tendo contratado Domenico Scarlatti, um compositor barroco, para mestre dos seus filhos. Assim se reforçava o naipe de músicos italianos, na corte portuguesas. Tendo pensado em construir um novo edifício para a Patriarcal, mandou vir a Lisboa um arquitecto muito conhecido de nome Filipe Juvara, que foi principescamente recebido, fez os seus estudos e passados 3 dias zarpou para Inglaterra, não sem antes ter recebido mercê de 2500 cruzados de tença anual, com o hábito de Cristo guarnecido de diamantes. Ao que parece o orçamento de Juvara requeria além duma avultada soma de milhões, um prazo de cerca de 30 anos para ser concretizado. Segundo se disse na altura o Rei só achou dilatado o prazo de construção, pelo que a obra não foi concretizada, ficando-se por mandar fazer algumas reparações na que já existia. Pelos vistos o projecto falhado de Santana Lopes em Lisboa, para o parque Mayer, nos nossos dias, não foi caso único na dolorosa história da dissipação inútil de recursos em Portugal. As pequenas reparações na Patriarcal já existente, tornaram-se praticamente uma obsessão para Dom João V, sendo difícil avaliar quanto foi gasto, nessa reconstrução. Dizia um estrangeiro Merveilleux na sua obra "O Portugal de Dom João V" que, "só os paramentos preciosos e a prata destinados ao serviço da igreja patriarcal, absorveram as riquezas de muitas frotas do Brasil". Numa pia baptismal mandada fazer em Itália, embutida de pedras preciosas, foi gasta uma substancial quantia, mas não foi só na decoração interior que se gastaram quantias astronómicas, também por fora se fizeram modificações urbanísticas, para que o espaço exterior ficasse mais imponente. Dom João V não poderia saber que o seu esforço de construção, a sua paranóia da Ribeira das Naus, haveria de ficar completamente destruída em 1755.

Ano de 1709

Abril - Necessária autorização régia para se fundarem novos conventos no Brasil

Abril, 20 - Bartolomeu de Gusmão ensaia no Terreiro do Paço o seu aeróstato.


Maio, 7 - Batalha do Caia - Tropas portuguesas são derrotadas perto de Badajoz.


Novembro, 9 - Instituição na Capela Real da Irmandade do Santíssimo Sacramento tornando-se o Rei juiz perpétuo. Dom João V, mal subiu ao trono, aceitou ser Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora dos Mártires, em favor da qual fixou uma renda. Pela sua importância religiosa e pastoral não admira que já nos finais do século XIV, o Papa Urbano XIV havia elevado a igreja de Nossa Senhora dos Mártires à dignidade de Basílica. Esta igreja existe em Lisboa, na zona conhecida como o Chiado. Quando da tomada de Lisboa, Dom Afonso Henriques fez um voto que de imediato cumpriu quando as portas da cidade se abriram, em 25 de Outubro de 1147, quatro dias após a rendição do governador muçulmano, edificar em honra da Santíssima Virgem um templo onde o povo de Lisboa pudesse venerar aquela sagrada imagem e que permanecesse como memória, para os vindouros, da protecção prestada pela soberana Rainha àqueles valentes soldados que, movidos pela fé cristã, animados pela esperança e abrasados pela caridade, de forma humanamente inexplicável, dado o poderio das forças infiéis, dilataram o Reinado de Cristo e conquistaram a cidade de Lisboa.


Novembro, 25 - Decreto que proíbe a emigração para o Brasil.

Autos-de-Fé - Os Espectáculos Preferidos


Durante o Reinado de Dom João V, realizaram-se em Lisboa 28 autos-de-fé públicos, em geral cada 2 anos e cerca de 341 particulares. Não havendo a certeza se o Rei esteve presente em todos eles, seguramente esteve na maioria pelo menos dos actos públicos. Dom João V gostava do espectáculo, era talvez o seu favorito, mas saliente-se que essa manifestação de barbárie a nossos olhos, não o seria nesse tempo, é incompreensível mas assim era nesse tempo e ainda durante muito tempo, pois a Inquisição foi extinta gradualmente ao longo do século XVIII, embora só em 1821 se dê a extinção formal em Portugal numa sessão das Cortes Gerais. A título comparativo, a última pessoa morta pela inquisição espanhola, foi o professor Cayetano Ripoli, garroteado em Valência em 26 de Julho de 1826, só sendo contudo abolida 8 anos mais tarde.



A Inquisição existia através dum tribunal eclesiástico, que perseguia e condenava aqueles que fossem suspeitos de praticar outras religiões. Era também uma instituição avessa à produção cultural assim como se opunha a todas as inovações científicas. Atitude "reaccionária", diríamos hoje muito justamente. Na verdade, a Igreja receava que as ideias inovadoras conduzissem os crentes à dúvida religiosa e à contestação da autoridade do Papa. A tão controversa infalibilidade que ainda hoje é defendida como dogma da Igreja Católica Apostólica Romana. Dom João V, mesmo na fase terminal da sua doença e dadas as dificuldades de locomoção, nem assim deixava de comparecer, ia de véspera para casa do inquisidor-mor o Cardeal da Cunha. Aliás o clima era de tal modo festivo que se aproveitava a ocasião, para se organizarem jantaradas, que sarcasticamente passava por enormes churrascos, como se o apetite fosse estimulado pelo espectáculo cruel de se assistir a pessoas serem mortas na fogueira. Muito embora o Papa João Paulo II tenha pedido perdão, pelos erros dos "filhos da igreja" e não da instituição Igreja, como deveria ter dito, minimizou a questão considerando que o homem de hoje tem dificuldade em entender as razões que levaram a Inquisição a ser necessária para a sua época.


Dom João V foi um Rei que sempre patenteou uma grande curiosidade científica, como se prova pelas inúmeras encomendas que os seus diplomatas faziam por cumprir de diversos instrumentos científicos como telescópios, barómetros, sextantes, relógios de pêndula, reveladores do seu interesse em desenvolver a astronomia, a matemática, etc. A astronomia e a matemática elementares foram ensinadas na "Aula da Esfera" durante cerca de século e meio no Colégio de Santo Antão, fundado em Lisboa pela Companhia de Jesus. Foi neste colégio (hoje o Hospital de S. José), que foi montado o primeiro Observatório Astronómico português. Desde o princípio el-rei se interessou pelos projectos do padre, jesuíta Bartolomeu de Gusmão que foi, provavelmente, o maior precursor mundial da história da aerostação, ficando célebre, através dos tempos, pelo invento da "Passarola".



Muito ridicularizado na época, chamavam-lhe "o americano", porém Dom João V sempre o incentivou, recebeu as chaves da quinta do Duque de Aveiro em S. Sebastião da Pedreira para ali fabricar o seu engenho. Financiando igualmente os custos do invento, basicamente em arame e papel. Em 1709 o Rei assistiu á primeira prova do invento do "Voador" de alcunha em tom jocoso, não sendo a estreia propriamente um êxito atendendo que ardeu completamente. No dia 8 de Agosto de 1709, na sala dos embaixadores da Casa da Índia, diante de Dom João V, da Rainha, do Núncio Apostólico, Cardeal Conti (depois papa Inocêncio XIII), do Corpo Diplomático e demais membros da corte, Gusmão fez elevar a uns 4 metros de altura um pequeno balão de papel pardo grosso, cheio de ar quente, produzido pelo "fogo material contido numa tigela de barro incrustada na base de um tabuleiro de madeira encerada". Com receio que pegasse fogo aos cortinados, dois criados destruíram o balão, mas a experiência tinha sido coroada de êxito e impressionado vivamente a Coroa. As experiências sucederam-se com balões de muito maior envergadura e, finalmente, embora não haja provas irrefutáveis sobre o facto, consta que um balão, enorme, provavelmente voado pelo próprio Gusmão, foi lançado na praça de armas do castelo de S. Jorge e depois de percorrer 1 km veio a cair no Terreiro do Paço. Bartolomeu Lourenço de Gusmão, nasceu em 1685 em Santos, perto de S. Paulo, no Brasil, vindo a morrer com 39 anos em Toledo, indigente e com nome falso.



Ano de 1710

Fevereiro, 17 - Criação duma Companhia de Comércio com Macau. Até este ano de 1710 o comércio com Macau, assim como o de Moçambique e Timor, era incluído no do Estado da Índia, mas foi então decidido que o comércio de Macau se faria "em direitura" com Lisboa, sem passar por Goa. Assim nesta data foi emitido um alvará, dirigido ao provedor, aos deputados da Mesa do Espírito Santo da Pedreira e aos homens de negócio que compunham a Mesa do Bem Comum do Comércio, contendo as condições para o estabelecimento da Companhia de Comércio de Macau, concedida pelo rei D. João V, pelo prazo de dez anos.



Junho, 8 - Guerra da sucessão de Espanha-Miranda do Douro cai em poder de forças espanholas. A cidade foi tomada à traição e a sua guarnição aprisionada. O crime foi perpetrado pelo sargento-mor Pimentel que era o governador da praça, entregou-a ao Marquês de Bay pela quantia de 600 dobrões.


Agosto, 17 - Morte do Padre Manuel Bernardes. O Padre Manuel Bernardes, da Congregação do Oratório de S. Filipe de Néri, nasceu e morreu em Lisboa. De acordo com a sua condição de sacerdote, sempre utilizou a ficção como instrumento de doutrina, girando sempre contudo em redor de acontecimentos verídicos, que sustentavam a eventual fantasia literária. Em consequência as suas narrativas apenas são contos por acidente de propósito, moralizante único. São de Mendes dos Remédios as palavras seguintes a propósito da comparação entre António Vieira e Bernardes [...] distanciaram-se na prédica como na vida. Vieira foi um lutador; a sua vida prende-se por mais de um laço à história política de Portugal; Bernardes viveu o melhor e maior tempo da sua vida (36 anos) entregue à meditação e à redacção dos seus livros na pobre cela da Congregação do Oratório. Lendo-os com atenção, escreve. Ou segundo António Feliciano de Castilho, sente-se que Vieira, ainda falando do Céu, tinha os olhos nos seus ouvintes e Bernardes, ainda falando das criaturas, estava absorto no Criador. Vieira vivia para fora, para a cidade, para a corte, para o mundo; Bernardes, para a cela, para si, para o seu coração. A colecção das obras do Padre Manuel Bernardes compreende dezanove volumes, entre os quais se contam os Sermões e Práticas, os Exercícios Espirituais e Meditações da Vida Purgativa, Os Últimos Dias do Homem, os Tratados Vários, em cujo 2º tomo entra o Pão Partido em Pequeninos, alguns opúsculos e as suas melhores obras, Luz e Calor e a Nova Floresta. Durante o largo período em que viveu na Congregação do Oratório, o Padre Bernardes não cessou de trabalhar, até perder a vista e a lucidez dois anos antes de morrer.


Início da guerra dos Mascates.

Esta designação refere ao nome que os 
portugueses de Olinda, davam aos portugueses negociantes que habitavam o Recife. Rivalidades e divergências políticas, entre lealista (que defendiam a autoridade Real) e separatistas, levaram a violentos, conflitos. Problema que se resolverá no ano seguinte com a chegada dum nono governador Félix de Mendonça.




Para além dos excessos “freiráticos”, a nobreza e el-rei em particular, preferiam continuar a frequentar os conventos femininos, em especial o de Odivelas, para ouvir música sacra entre outras distracções. País cinzento e de poucas diversões na corte portuguesa, a avaliar pela correspondência da jovem nora espanhola para a sua família, sendo excepção diversões pelo Entrudo, como em 1730 foi o da representação da peça D. Quixote. A primeira ópera de António José da Silva O Judeu foi “Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança”, que se representou no Teatro do Bairro Alto em Lisboa em Outubro de 1733, na sequência de uma semana com várias distracções no paço. Desde 1732 até ao grande terramoto de 1755, representaram-se cerca de uma centena de óperas, grande parte traduzidas e cantadas em Português tendo chagado a funcionar, ao mesmo tempo, cinco teatros de ópera, incluindo o do Bairro Alto. Isto revela o interesse que a ópera, nova forma de espectáculo, despertou em Portugal. Dom João V gostava de teatro em especial as organizadas pelos Jesuítas do Colégio de Santo Antão. Serenatas eram muito frequentes, mas hoje existem muitos libretos, mas quase nenhumas partituras dessas serenatas. Compositores identificados desse tempo, Carlos Seixas, Scarlatti, o Barão de Astorga compositor siciliano, Francisco António de Almeida, organista da patriarcal, autor das operas La d’Pazienza di Socrate em 1733, La Spinabla e Il Trionfo Amore, em 1739. António Teixeira, autor de numerosas músicas de Igreja, que foi o primeiro compositor dramático da língua Portuguesa e um dos casos mais interessantes da história da música nacional, pois escreveu música para sete óperas, com base nos materiais existentes na Biblioteca do Palácio de Vila Viçosa; foram reconstituídas as partituras de Guerras de Alecrim e Mangerona e de As Variedades de Proteu. A qualidade musical e dramática, impõem António Teixeira como um dos principais compositores dramáticos da primeira metade do século XVIII. António Almeida e António Teixeira a partir de 1717, foram estudar para Itália, como pensionistas do Rei.


Ano de 1711

Março, 15 - Guerra da Sucessão de Espanha-Recuperada a praça de Miranda do Douro. A concentração de tropas para a recuperação de Miranda do Douro deu-se a 11 de Março de 1711. As tropas eram constituídas por 11 regimentos de Infantaria e 5 de Cavalaria, Comandados por Dom João Manuel de Noronha (Conde de Atalaia). Concentravam-se em Vimioso e em Alcañices (ocupada por forças portuguesas). Ao mesmo tempo, Dom Francisco de Távora, Comandante de Cavalaria, procedia ao aprisionamento das barcas da passagem do rio Negro. A acção começa no dia 13, às 5 horas da manhã, com um bombardeamento do castelo. No dia seguinte, após um ataque sobre o flanco da praça, abre-se uma brecha na muralha. O comandante espanhol pede uma trégua de três dias que lhe é recusada. Vendo o exército português preparado para o ataque rende-se sem condições.



Junho - Guerra da Sucessão de Espanha-Cerco a Elvas pelo Marquês de Bay.

Julho, 11 - A vila de São Paulo no Brasil ascende a cidade. Desde 1681 que S. Paulo era considerada cabeça de Capitania, incluindo um território muito mais vasto que o do actual Estado. Território muito vasto obrigou a uma reorganização que correspondeu também a que se desmembrasse a capitania para melhor o controle sobre a região de Minas Gerais.

Outubro - Guerra da Sucessão de Espanha-Cerco a Campo Maior pelo Marquês de Bay não foi ocupado a praça.

Dezembro, 12 - Nascimento de Maria Bárbara Xavier Leonor Teresa Antónia Josefa, filha de Dom João V, que mais tarde viria a casar com o Príncipe das Astúrias.




Ano de 1712

Dom Luis da Cunha




Nasceu em Lisboa a 25 de Janeiro de 1662, e faleceu em Paris a 9 de Outubro de 1740. Formou-se em direito na Universidade de Coimbra, tendo sido ainda com 34 anos nomeado embaixador na corte de Londres, e em 1712 recebeu a nomeação de ministro plenipotenciário no congresso de Utreque, para auxiliar o Conde de Tarouca, que já estava encarregado das negociações da paz. Célebre diplomata do século XVIII, enviado extraordinário às cortes de Londres, Madrid e Paris, foi um dos maiores do seu tempo, "atravessando" com a sua influência os Reinados de Dom Pedro II e de Dom João V, marcando também a formação de Dom José, pela recomendações e ensinamentos que lhe enviou, quando ainda Principe do Brasil. Aconselhou-o entre muitas outras coisas a que não desse o título de confessor a ninguém, pois tal função apenas servia para esse eclesiástico se imiscuir nos negócios do Reino, usando o confessionário como instrumento de influência sobre o Rei. Foi Dom Luís da Cunha que recomendou a Dom José, o nome de Sebastião de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, para Ministro do Reino. Esse testamento político de Dom Luís da Cunha foi uma das obras políticas mais lidas e conhecidas no Portugal da segunda metade do século XVIII, mesmo que só tenha circulado por meio de cópias de manuscritos. Apresentado pela primeira vez em 1815 no Observador Português, jornal português publicado em Londres, foi impresso em livro em 1820, e só reeditado em 1943 pela «Seara Nova», havendo uma edição brasileira de 1960. Dom João V foi realmente um Rei Absoluto, nunca convocou Cortes, mas algumas decisões não tomava sem ouvir, alguns conselheiros que o rodeavam.



Mesmo atendendo ao afastamento da corte, pelas sua funções de embaixador, não pode deixar-se de considerar Dom Luís da Cunha como um dos seus conselheiros, embora o fizesse duma forma indirecta, pois não se limitou a enviar para a corte relatórios sobre actividade diplomática, abordando muitas outras questões relevantes. As mais variadas matérias o preocupavam, desde a preparação militar, que considerava inadequada, tendo por isso participado na reestruturação operada no exército por Dom João V, logo a seguir á paz de Utreque. No âmbito da educação, aconselhou o Rei a promover a criação de bolsas de estudo, mandando os melhores alunos aprender no estrangeiro, noutras Universidades, para que depois de regresso a Coimbra, pudessem utilizar esses conhecimentos no ensino a terceiros. Este era o título do seu testamento político. «Deus não pôs os ceptros nas mãos dos príncipes para que descansem, senão para trabalharem no bom governo dos seus reinos.»

Em 1712, o Castelo de Campo Maior vê-se cercado por um grande exército espanhol Comandado pelo Marquês de Bay, o qual durante 36 dias lança sobre a vila toneladas de bombas e metralha, tendo conseguido abrir uma brecha num dos baluartes; o invasor ao pretender entrar por aí, sofreu pesadas baixas que o obrigaram a levantar o cerco.



Janeiro, 16 - Parte para Roma o embaixador extraordinário Dom Rodrigo de Sá Almeida e Menezes (Marquês de Fontes), mais tarde Marquês de Abrantes. Em Roma já existia um embaixador mas Dom João V decide reforçar a componente diplomática com envio de um outro embaixador para tentar resolver a questão do Padroado do Oriente e outros assuntos de menor envergadura, mas igualmente importantes. Havia um problema de exclusividade de missões em especial na China, que Portugal pretendia manter e que Roma tentava alterar enviando ao Oriente, missionários de outros países europeus. Os problemas coma cúria romana, acerca desta questão do padroado, era ainda mais complicada, mas as instruções de Dom João V ao Marquês de Fontes eram muito precisas. Podia ameaçar o Papa com duas medidas, recusa do núncio apostólico em Portugal e a criação dum tribunal para apreciação de todas as decisões papais antes da sua execução. A ameaça do regresso ao um sistema político que sustenta o direito que tinham os Reis de interferir na vida interna da Igreja, constituía na altura uma ameaça séria aos poderes papais. Havia três exigências importantes que Portugal requeria e que se prendia com a actuação do Cardeal de Antioquia, Maillard de Tournon e as suas decisões sobre as interdições do culto rendido a Confúcio, que Clemente XI apoiava e que se mantinha preso em Macau, por pressão do Imperador da China. Note-se que a apresentação ao papa só se viria efectuar 3 anos depois da sua chegada a Roma, provavelmente por força da magnificência do cortejo com que se apresentou e cuja descrição se fará quando se abordar o ano de 1716.


Setembro, 16 - Chega a Goa o novo Vice-Rei Vasco César de Menezes, Conde de Sabugosa. O seu governo foi um dos mais gloriosos que houve na Índia nos tristes tempos da decadência. Perdera-se já todo o prestígio e autoridade, e Vasco Fernandes César soube fazer respeitar de novo o nosso nome e as nossas armas. O Rajá Kanará, tratara-nos com menos consideração; Vasco Fernandes César juntou rapidamente uma esquadra de 11 embarcações, cujo Comando entregou ao Capitão Mor José Pereira de Brito, e este forçou as barras de Barcelor, Calianapor, Catapal, Moloquim, Mangalor e outras, queimou e destruiu navios e povoações, obrigando o rajá a pedir paz, e fazendo com que o rajá de Sunda, que seguira o exemplo do de Kanará, logo também se submetesse.



O Angriá, um pirata indiano, assaltava-nos as embarcações, logo o Vice-Rei mandou uma esquadra de 15 navios comandada pelo Capitão Mor António Cardim Fróis, atacar o porto de Culabo, onde o pirata se fortificara, e onde os portugueses lhe infligiram uma lição severa. As esquadras árabes de Mascate que estavam no porto de Surrate e de Rugafroi que se achava na barra do Danda foram igualmente destroçadas pelos nossos navios. Assim o nome português voltou a ser, se não temido, pelo menos respeitado na Índia, e o Grão-Mogol com quem mantínhamos boas relações, cedeu-nos, em prova de amizade, o pequeno território de Pondá, que confinava com as possessões portuguesas. No governo eclesiástico da Índia houve bastantes discórdias no tempo de Vasco Fernandes César, que nem sempre procedeu com a maior justiça na sua resolução.


Outubro, 19 - Nasce Dom Pedro o Príncipe do Brasil 2º filho de Dom João V. Segundo filho de Dom João V e de Dona Maria Ana da Áustria, primeiro filho varão seria o herdeiro do trono, se não tivesse falecido com apenas 2 anos de idade. Um ano depois da sua morte foi cantada em Roma, no palácio do Marquês de Fontes, pelos cantores da Capela Pontifícia, não esta peça, mas outra do mesmo autor Nicola Porpora. Fica a nota para se perceber a beleza da música da época barroca.


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Saque da ilha de Santiago em Cabo Verde. O Forte Real de São Filipe, também referido como Fortaleza Real de São Filipe ou simplesmente como Cidadela, localiza-se no alto da Achada de São Filipe, na Cidade Velha, no município da Ribeira Grande de Santiago, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Em posição dominante sobre a antiga cidade da Ribeira Grande, a 120 metros acima do nível do mar, foi a primeira e mais importante fortificação do arquipélago. Em 1712 foi tomada de assalto por corsários franceses, sob o comando de Jacques Cassard, que, em seguida, saquearam violentamente a cidade, incendiando-a. Foi reconstruída na segunda metade do século XVIII.

Congresso de Utreque

(1712-1715)


O Reinado de Dom João V não regista qualquer vitória para a coligação militar a que pertencíamos, no decurso da guerra da sucessão de Espanha.

Vejamos

25-04-1707-Batalha de Almansa

26-05-1707-Capitulação de Serpa

07-05-1709-Batalha do Caia

08-06-1710-A praça de Miranda do Douro cai em poder das forças espanholas, muito embora tenha sido recuperada de novo em 15-03-1711

10-12-1710-Batalha de Vila Viçosa

Foi então assinado em 27 de Novembro de 1712 no 'Congresso de Utreque', um armistício com a França e Espanha, por 4 meses assinado entre Dom João V, Luís XIV e Filipe V, então o novo Rei de Espanha, que viria a consolidar-se em 11 de Abril do ano seguinte em Tratado de Paz e Amizade, rubricado unicamente entre Dom João V e o Rei de França. A paz com a Espanha foi depois assinada em 1715 a 6 de Fevereiro, pelos dois Reis e garantido por Jorge I de Inglaterra. Estes tratados foram impostos a todos pelo cansaço geral dos beligerantes. Dom Luís da Cunha, juntamente com o Conde de Tarouca, representou com mérito os interesses portugueses em Utreque, cuja grande vantagem, para além do fim do conflito em si mesmo, consistiu na entrega a Portugal do território e colónia de Sacramento no Brasil, que havia sido atacada e conquistada no início da Guerra da Sucessão em 1704

Ano de 1713

Março, 16 - Legislação que reitera a proibição do curso de moeda cerceada. Cercear, entre outras coisas, significa cortar em roda; diminuir; aparar. Quando executado por peritos, não provocava danos evidenciáveis no aspecto das moedas, ou seja é a operação técnica efectuada por peritos por forma a retirar quantidades mínimas dos bordos da moeda, a fim de estar conforme a lei, isto é, em termos de peso e título. Porém efectuado abusivamente, o cerceio revelou-se numa operação metalúrgica feita, sem especialização, defraudadora do peso, formato e aspecto formal dos próprios exemplares. Foi essa moeda que se mandava confiscar, as que se encontrassem com falta de peso.


Abril, 11 - Assinatura no Congresso de Utreque, do tratado de paz e amizade entre França, Inglaterra, Holanda, Portugal, Prússia e Sabóia, pondo fim à Guerra da Sucessão Espanhola. Filipe V Bourbon é reconhecido com Rei de Espanha, mas é sancionada a separação entre as coroas Espanholas e Francesas. Além disso:

1. Espanha deve ceder à Áustria os Países Baixos espanhóis

2. Espanha deve ceder à Inglaterra Gibraltar e ilha Minorca

3. França deverá reconhecer a sucessão protestante inglesa

4. França deve ceder à Inglaterra os territórios norte-americanos da Terra nova, da Acádia e da Baía de Houston.

5. Holanda obtém mais território anteriormente ocupado pela Áustria e França.

6. Sabóia-Vitor Emanuel II obtém a coroa real e a Sicília.

7. Inglaterra obtém da Espanha o assento de negros, ou seja concedeu aos ingleses autorização para introduzirem anualmente na América espanhola um determinado número de negros africanos e para que, uma vez por ano, um navio seu pudesse visitar o porto de Portobello, através do qual tinham oportunidade de fazer entrar ilegalmente grande número de produtos manufacturados nesses países.

8. A Portugal eram restituídas as praças perdidas e a colónia de Sacramento, na América


Junho, 24 - Regimento dos Ministros e Oficiais de Justiça e da Fazenda. Alvará que introduz algumas alterações no funcionamento do Desembargo do Paço. No início do reinado a estrutura administrativa era constituída por duas Secretarias e do Estado e a das Mercês e vários tribunais, o Desembargo do Paço, Conselho Ultramarino, Mesa da Consciência e Ordens, entre outros, como se chamavam na altura. Este regimento procurou simplificar a burocracia, no que à assinatura do Rei dizia respeito, dando-se maior autonomia a esse tribunais desde que por exemplo 3 ministros assinassem em conjunto.

Ano de 1714



Junho, 6 - Filho de D. João V e de D. Maria Ana de Áustria. D. José I nasceu em Lisboa, a 6 de Junho de 1714, recebendo o nome de José Francisco António Inácio Norberto Agostinho, nome sem tradições na onomástica Real, atribuído provavelmente, em homenagem ao Imperador D. José da Áustria seu tio que havia falecido em 1711. Embora não tenha nascido sucessor da coroa portuguesa, por não ser primogénito, logo em Outubro do mesmo ano, devido ao falecimento do seu irmão Pedro, veio a adquirir esse estatuto. Como habitualmente o seu nascimento foi festejado com repiques de sinos por toda a cidade de Lisboa, muito embora tenha nascido às 10 horas da noite duma quinta-feira. Foi baptizado a 27 de Agosto de 1714, sendo afilhado de Luís XIV e da Imperatriz Isabel Cristina mulher de Carlos VI, do Sacro Império.



Os seus primeiros tempos, de infância passou-os junto de sua mãe, recebendo a sua influência altamente religiosa, bem como a do seu confessor o jesuíta António Stief que lhe ministrou as primeiras letras de Latim. Recebeu a educação adequada a um Príncipe do seu tempo, no domínio das ciências e das línguas bem como da "nobre arte da Cavalaria". Muito embora se saiba pouco sobre a sua educação musical, ao contrário da sua irmã D. Maria Bárbara, que beneficiou dos, ensinamento de um dos grande músicos do seu tempo Domenico Scarlatti, que com ela seguiu para Espanha quando do seu casamento, o certo é que ficou conhecida a grande paixão de D. José I pela ópera italiana, muito embora também se possa presumir que a mesma lhe tenha sido incutida pela sua futura mulher D. Mariana Vitória. Não se pense contudo que houve unanimidade de opiniões entre os historiadores, acerca da educação de D. José, para alguns muito embora fosse inequívoca a educação recebida durante a primeira infância, parece que a mesmo não aconteceu ao logo da sua juventude, de tal forma que se afirmava quando sucedeu a seu pai que "se achava sem instrução alguma da arte de reinar". Existem afirmações extraídas da correspondência da sua mulher para seus pais, onde diz que "ele (o rei) não conhece suficientemente bem o francês para entender tudo e vos responder", ou mesmo alguns elementos extraídos através de embaixadores franceses na corte portuguesa, que confirmam a fraca aptidão de D. José, para dialogar na língua que na época se usava na actividade diplomática.

Outubro, 24 - Morte do príncipe Dom Pedro 2º filho de Dom João V e de Dona Maria Ana. O príncipe Dom Pedro quando morreu tinha apenas 2 anos e 10 dias e segundo um relato da época, terá falecido divido a uma "terçã dobre", morrendo após a habitual discussão em torno da questão de sangrar ou não o paciente. Foi descrito durante o embalsamento, que no "interior não se achou coisa que merecesse observação, para além do facto do fígado ser maior do que deveria ser". Os intestinos da criança foram sepultados no convento de São Francisco. O príncipe foi sepultado em São Vicente de Fora no dia 30 do mesmo mês.

Ano de 1715

Janeiro - Breve papal a Dom João V solicitando ajuda na guerra contra os turcos, navios saídos a 5 de Julho não chegam a tempo de incorporarem a armada. Em 1715 os Turcos ocuparam a Moreia e apoderaram-se das últimas ilhas que os Venezianos ainda possuíam no mar Egeu. Pediram estes, auxílio ao Papa que, por sua vez, o pediu aos principais Reis católicos. O de França recusou, para não ajudar a enfraquecer ainda mais uma potência que contrabalançava a Leste o peso da Áustria; o de Espanha, que continuava a disputar aos Austríacos a posse do Sul da Itália e da Sicília, limitou-se a prometer que enquanto durasse a guerra contra os Turcos suspenderia as operações militares; só o Rei Dom João V de Portugal, desejoso de cair nas boas graças do Papa, respondeu positivamente ao seu apelo.


Agosto, 10 - Inicia-se a publicação da chamada Gazeta de Lisboa: História Annual Chronologica e Política do Mundo e Especialmente da Europa, seria uma publicação semanal e manter-se-ia com esse nome até 1741. A Gazeta da Restauração publicada em 1640, foi o primeiro periódico português. O Açoriano oriental (1835) e a Revista militar (1848) são os títulos mais antigos ainda em publicação. A Casa da Moeda traça o historial da evolução do nome do boletim oficial desde 1715 até aos nossos dias da seguinte maneira: Entre 1718 e 1741 toma o nome de Gazeta de Lisboa Ocidental, para em 1741 voltar a chamar-se apenas Gazeta de Lisboa. Entre 1762 e 1778 a sua publicação é proibida pelo futuro Marquês de Pombal, só voltando a publicar-se em Agosto de 1778. Entre 1778 e 1803 e entre 1814 e 1820 foi publicada pela Impressão Régia e a partir de 1820, o jornal oficial não mais deixou de ser publicado pela Imprensa Nacional. Entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro de 1820 publica-se simultaneamente a Gazeta de Lisboa e o Diário do Governo, fundindo-se num só jornal em 1 de Janeiro de 1821 com o nome de Diário do Governo, até 10 de Fevereiro desse ano. Desde então, reflectindo o período conturbado que se vivia, passa por diversas designações: Diário da Regência (de 12 de Fevereiro a 4 de Julho de 1821). Diário do Governo (de 5 de Julho de 1821 a 4 de Junho de 1823). Gazeta de Lisboa (de 5 de Junho de 1823 a 24 de Julho de 1833). Crónica Constitucional de Lisboa e depois apenas, Crónica de Lisboa (de 25 de Julho de 1833 a 30 de Junho de 1834). Gazeta Oficial do Governo (de 1 de Julho a 4 de Outubro de 1834). Gazeta do Governo (de 6 de Outubro a 31 de Dezembro de 1834). Diário do Governo (de 1 de Janeiro de 1835 a 31 de Dezembro de 1859). Entre 1 de Janeiro de 1860 e 31 de Dezembro de 1868 chama-se Diário de Lisboa. Finalmente a partir de 1 de Janeiro de 1869 volta a chamar-se Diário do Governo, designação que mantém até 9 de Abril de 1976, quando recebe o nome actual de Diário da República.


Agosto, 18 - Faz a entrada em Paris a embaixada do Conde da Ribeira Grande. Luís Manuel da Câmara, 3º Conde da Ribeira Grande, viveu sete anos em França em vida de grande ostentação, privando com a alta nobreza. Fez sua entrada em Paris, de forma magnificente, em cinco magníficos coches, distribuindo as 10 mil moedas de prata que mandara cunhar (em comemoração ao acontecimento) além de 200 de ouro. Diz a obra a " Nobreza em Portugal", que «excedeu em riqueza, luxo e número todas as outras embaixadas». Levava séquito de um confessor, um estribeiro, dois secretários e oito gentil-homems, além de seis pajens, quatro moços de câmara, dois guardas suíços, cinco cocheiros e cinco postilhões além de 24 homens a pé. «Fez vestidos bordados com riqueza excessiva, tendo o vestido com que entrou em Paris os botões e o hábito de Cristo de diamantes, e um no chapéu de notável grandeza. Até os vestidos dos pajens eram de veludo cor de ouro com vestes e canhões de ouro de tal sorte cobertos de bordadura de prata que apenas se lhe via o fundo. Ao ombro tinham laços de fita de ouro bordada de prata com rendas de prata ao redor e franja do mesmo nas pontas. Os chapéus galardoados de prata com plumas brancas e topes de fitas brancas. As gravatas e punhos de rendas mui finas e meias negras com os quadrados bordados de prata. Todo o resto da comitiva, libré de pano fino verde, debruada por todas as orlas de um galão de prata, manga cortadas de um galão de veludo negro entre um de ouro e outro de prata, canhões e vestes mui rico de ouro, punhos d renda, chapéus com largo galão de prata e meias de seda cor de ouro, plumas cor de ouro e topes de fitas brancas e cor de ouro.» Havia cinco coches, todos a oito cavalos. O 1° coche tinha por assunto a paz novamente feita entre Portugal e a França, sendo muito grande, cercado de 8 vidros e por fora de veludo verde-escuro, todo coberto de bordado de ouro em relevo. O tejadilho formava um pavilhão airoso, que acabava no meio em um domo ou coroa, «sobre o qual se vai formando o bordado uma grande rosa levantada». Prossegue a descrição: «As 8 maçanetas de bronze dourado de ouro moído. Frisos de esculturas delicadíssimas. As 4 partes do mundo, Mercúrio, as Artes Liberais, Amalteia sobre uma pantera. O forro de ouro, franjas, cortinas de tafetá dobre verde bordadas de ouro, assento dos pés de cobre marchetado de tartaruga; rodas de 6 raios por onde sobem uns como SS que vão entrar no raio e o sustentam. Os cavalos eram, da Frísia, grandes e negros. O segundo coche de sete vidros, ouro, bronze dourado, painéis nas ilhargas com a figura da Lusitânia entre nuvens e um anjo, e com cavalos poloneses tigres, brancos com malhas. A terceira caleça de cinco vidros, tisso de prata, cobre no tejadilho, puxada por cavalos dinamarqueses, lazões tostados. O quarto, uma estufa de sete vidros, forrados de veludo carmesim, franja de ouro, cavalos alemães ruços. O 5° uma estufa forrada de veludo carmesim lavrado com fundo de prata, cavalos holandeses negros. Fizeram-se gravar 10 mil moedas de prata com peso de 3 totões e 200 em ouro (6:000 rs o peso de cada) que o estribeiro ia pelo caminho distribuindo ao povo».


A restituição da colónia de Sacramento. Desde 1680 que os portugueses tinham edificado na margem esquerda do Rio da Prata, uma Colónia a que foi dado o nome de Santíssimo Sacramento. Essas foram as instruções dadas ao governador da capitania do Rio de Janeiro, D. Manuel Lobo, com o apoio das organizações de comerciantes, desejosas de alargar o âmbito dos seus negócios com as colónias espanholas estabelecidas na outra margem desse rio. Em boa verdade o objectivo imediato dessa edificação era o de continuar a participar no comércio e contrabando da prata espanhola, escoada por Buenos Aires, e em que Portugal tinha participado durante os quarenta anos que durou a condução espanhola da coroa portuguesa. Logo que os espanhóis de Buenos Aires souberam da construção da fortaleza, atacaram-na imediatamente. A guarnição portuguesa rendeu-se em Agosto, e o seu comandante foi preso. Abandonada desde 1705, no final do reinado de D. Pedro II, só depois da assinatura do ‘Tratado de Utreque’, os portugueses voltam a ocupar novamente a Colónia de Sacramento. Foi de novo fundada uma nova edificação no mesmo local onde estava a anterior fortaleza, pois nada havia restado da anterior, muito embora com alguns cuidados, nomeadamente o de criar igualmente uma povoação afastada da fortificação, (para que não se atrapalhassem mutuamente), por forma a consolidar-se pela fixação de famílias á terra. O conselheiro ultramarino Rodrigues da Costa (António Rodrigues da Costa embora jamais tivesse posto o pé numa colónia portuguesa, como a maior parte de seus colegas do Conselho Ultramarino, tornou-se e permaneceu um dos conselheiros em que a Coroa mais confiava no que dizia respeito aos assuntos coloniais), recomendava o envio de 30 ou 40 casais de Trás-os-Montes, que não só soubessem cultivar a terra, como também exercer vários ofícios, em apoio aos soldados que viessem a ocupar a fortificação. Avançava ainda que mais tarde deveriam ir casais das ilhas "onde são tantos que os não pode sustentar o pequeno terreno em que habitam". Havia contudo que ser cuidadoso nas relações com a vizinhança espanhola, sem se abandonar a firmeza necessária para se obter o espaço necessário para consolidação da colónia, por forma a distribuir uma légua de terreno a cada casal como havia sido proposto aos transmontanos que havia partido para Sacramento. Por outro lado existia a preocupação de impedir que os Espanhóis não se instalassem em feitorias que na prática conduzissem ao bloqueio e tornasse Sacramento, num enclave inserido entre domínios de Castela. Afinal o ‘Tratado de Utreque’, não havia especificado com clareza, os aspectos práticos da sua consumação no terreno. Em 1718 o governador Manuel Gomes Barbosa pede esclarecimentos sobre demarcações, pois os Castelhanos haviam apertado o cerco e os Portugueses não conseguiam ir mais longe do que "um tiro de canhão" o que dificultava a distribuição de terras aos colonos. Utreque não havia sido ainda a solução para a Colónia de Sacramento

Ano de 1716

Maio, 2 - Nascimento do infante Dom Carlos 4º filho de Dom João V e de Dom Maria Ana. Não gozava de boa saúde, frequentemente saía de Lisboa, para beneficiar de melhores ares da vila de Belas. Cascais começava a ganhar fama de ser terra muito sadia e nela viverem os homens muitos anos. Logo o infante passou a ir a banhos para aquela terra. Sempre enfermiço ao infante tudo, lhe aparecia, pleurisias, febres, etc., em 1735 ficou sem sentidos, muitas horas, achando então os médicos, por bem, "receitar-lhe" o santíssimo sacramento, pois tratava-se duma "maligna" pois "o mal está todo no peito". Animadores lá iam dizendo que se escapasse de morrer, ficaria com uma tísica que o deixaria viver pouco tempo. Finalmente morreu em Abril de 1736.


Julho, 8 - O Cerco e a Batalha Naval de Corfu. Quando a esquadra portuguesa esse ano chegou a Corfu em Agosto, já os otomanos tinham levantado o cerco.


Esquadra da Real Marinha de Guerra Portuguesa
Almirante Lopo Furtado de Mendonça, Conde do Rio Grande

Nossa Senhora da Conceição
Almirante Lopo Furtado de Mendonça, Conde do Rio Grande
(80 Peças de Artilharia)

Nossa Senhora da Assunção
(66 Peças de Artilharia)

Nossa Senhora das Necessidades
(66 Peças de Artilharia)

Santa Rosa
(66 Peças de Artilharia)

Rainha dos Anjos
(56 Peças de Artilharia)

Uma fragata
(36 Peças de Artilharia)

Esta esquadra tinha na realidade já largado do Tejo três dias antes da audiência papal, a 5 de Julho, rumo ao Mediterrâneo. Dirigiu-se primeiro a Livorno, na Itália, onde chegou a 12 de Agosto, para pedir instruções ao Papa Clemente XI. A 21 de Agosto chegou a resposta, a esquadra deveria dirigir-se a Corfu, que estava sitiada pelos turcos. Os navios do Conde do Rio Grande dirigiram-se de imediato para o Levante, mas chegariam tarde demais, após uma batalha naval indecisa entre a armada aliada cristã e a turca a 8 de Julho, os exércitos imperiais do Príncipe Eugénio tinham vencido um exército otomano às margens do Danúbio a 5 de Agosto, e como resultado os turcos tinham levantado o cerco a Corfu. O Conde do Rio Grande decidiu por isso regressar a Lisboa, e a esquadra estava de volta ao estuário do Tejo a 28 de Outubro. Esta primeira intervenção de Dom João V no Mediterrâneo em 1716 não teve assim qualquer resultado prático. No entanto, mostrou ao cunhado, o Imperador, ao Papa, e a Veneza que poderiam contar com a ajuda de Portugal na guerra contra os turcos.


Como recompensa Clemente XI elevou a arquidiocese de Lisboa criando, o Patriarcado de Lisboa com a bula ‘In supremo apostulatos solio’ de 7 de Novembro de 1716. Este era agora um de apenas três patriarcados da Igreja Católica no Ocidente. Os outros dois eram justamente Roma e Veneza.

Novembro, 17 - Bula papal criando o Patriarcado de Lisboa. Quando em 7 de Novembro de 1716 o papa Clemente XI elevou a capela real a basílica patriarcal, criando o patriarcado de Lisboa, foi esta honra uma das poucas concedidas até então, pois os únicos com relevância histórica são os de Roma, Constantinopla, Antioquia, Jerusalém e Alexandria. Estabeleceu-se também uma divisão eclesiástica com duas jurisdições, o arcebispado na sé velha e o patriarcado na capela real, sucedendo-lhe uma divisão administrativa, ficando a cidade ocidental com 22 freguesias e cerca de 700 ruas e duas praças a do Rossio e a do Terreiro do Paço, bem como os templos que chegavam a 124. Na cidade oriental ficava a parte mais antiga contida dentro das muralhas, com cerca de 300 ruas, 16 freguesias e cerca de 39 igrejas, ermidas e vários conventos. Esta divisão durou até 1740 em que foi reunificada. Sucederam-se até hoje dezasseis patriarcas à frente da Igreja lisbonense. Os patriarcas de Lisboa são sempre feitos cardeais no primeiro consistório a seguir à sua nomeação para esta Sé. Esta bula papal In suprema apostolatus solio, insere-se numa política de prestígio da coroa , procurando colocar as relações entre Portugal e Santa Sé ao nível das de outras grandes potências. A ajuda naval acedendo aos pedidos de Clemente XI e uma faustosa embaixada enviada ao Papa, inseriu-se nesse plano diplomático de D. João V. A 8 de Julho de 1716 entrou na Santa Sé a embaixada, liderada pelo Marquês de Fontes, D. Rodrigo de Meneses. Esta embaixada pretendia mostrar a magnificência do Poder Real de quem dominava um vasto império. Dado o luxo e a magnitude deste cortejo, durante muitos anos nenhum outro monarca ousou enviar embaixadas ao Vaticano. Era constituída por 5 coches temáticos e 10 de acompanhamento. Três desses coches temáticos encontram-se no Museu Nacional dos Coches. Tratou-se dum cortejo temático, tratando da conquista da navegação, das nações bárbaras vencidas e também do comércio posteriormente estabelecido. No cortejo iam mais de 30 prelados, grande número de pessoas de destaque, embaixadores príncipes que desfilaram em mais de 300 carruagens. Na audiência papal, o Marquês de Fontes entregou-lhe uma carta credencial, dando-lhe conta do nascimento de D. José, lembrando também, o precioso socorro que enviara contra o "ataque do poder otomano". D. Rodrigo de Meneses havia demorado 3 anos a preparar esta importante missão que lhe fora entregue. Mesmo assim as relações diplomáticas com a Santa Sé não foram sanadas, mantendo-se a divergência acerca duma longa e complicada questão envolvendo o cardeal de Antioquia, Maillard de Tournon e as suas decisões sobre as interdições do culto rendido a Confúcio, que Clemente XI apoiava e que se mantinha preso em Macau, por pressão do Imperador da China.



Nascimento de Dom Gaspar filho ilegítimo de Dom João. Nascimento em Lisboa de D. Gaspar a 8 de Outubro de 1716 filho de D. Madalena Máxima de Miranda e de Dom João V, foi o segundo «Menino de Palhavã».

Regência de Dona Maria Ana


A Rainha Dona Maria Ana foi regente por duas vezes. A primeira foi em 1716, quando Dom João V se afastou da capital. Retirado em Vila Viçosa, foi convalescer de uma doença séria mal esclarecida que apareceu depois de uma profunda crise de melancolia que atacou o Rei. Foi durante esta regência que o infante D. Francisco Xavier se aproximou da Rainha e tentou repetir os actos que o seu pai, o Rei D. Pedro II, tinha feito com o irmão D. Afonso VI. Tristemente célebre pela perversidade da índole. Diz dele Veríssimo Serrão que «continua a ser uma personagem enigmática da nossa história», «a quem se atribui o projecto de, por meios violentos, substituir o irmão no trono. Faltam as provas seguras do asserto, ainda que o infante não deixasse boa lembrança de seu nome, pelo instinto cruel e pela rudeza do seu viver. Dedicava o tempo ao exercício da caça, primeiro em Salvaterra e depois na tapada de Samora, raramente vindo ao Paço para participar nas solenidades religiosas. (...) Tudo é misterioso no seu comportamento sendo quase certo que a partir de 1715 se consumou a sua ruptura com a família real». Verdadeiro criminoso, "muito novo, um dos seus divertimentos, para mostrar a perícia em atirar ao alvo, era fazer fogo sobre os pobres marujos, que no serviço de bordo se empoleiravam nos mastros dos navios no Tejo, e que o saudavam quando o viam passar pelo rio". Em Queluz, era o terror de toda a gente pelas crueldades. Ambicioso, alimentava a ideia de usurpar a coroa ao irmão como seu pai havia feito a seu tio, D. Afonso VI, por isso, para em tudo seguir aquele exemplo, quando D. João V saía de Lisboa, chegava a incomodar a Rainha D. Maria Ana de Áustria, sua cunhada, fazendo-lhe corte descarada e inconveniente, procurando indispô-la contra o marido com intuitos ambiciosos. A Rainha, receando muito do seu carácter, procurou impedir a devota peregrinação que o Rei projectava a Nossa Senhora do Loreto, na Itália. Seus lisonjeiros dizem que tinha grandes conhecimentos de náutica, teóricos e práticos. Rebelo da Silva, na Mocidade de D. João V, e A. F. Barata, nos Jesuítas da corte, falam do antipático personagem que se distinguiu pela crueldade e ambição.

Ano de 1717

Julho, 5 - Nasce o infante D. Pedro Clemente 5º filho de D. João V e de D. Maria Ana. D. Pedro Clemente Francisco José António nasceu em Lisboa e faleceu no Paço da Ajuda, a 25 de Maio de 1786. Foi Príncipe do Brasil e, pelo casamento com a sobrinha D. Maria I, veio a ser o Rei consorte D. Pedro III.

Julho, 19 - Batalha de Matapão



Foi uma batalha naval travada a 19 de Julho de 1717, entre uma armada de aliados cristãos e a armada do Império Otomano. Foi travada no Mar Mediterrâneo no Golfo da Lacónia, no extremo sul da Grécia, a cerca de vinte milhas náuticas a nordeste do Cabo de Matapão, que lhe deu o nome.


A armada cristã era essencialmente composta pela Armada grossa da República de Veneza, com uma esquadra de auxiliares dos Estados Pontifícios, da Ordem de Malta, do grão-ducado da Toscana, e de Portugal. Com o desenvolver dos acontecimentos, foram estes últimos que travaram o combate mais importante da batalha, tendo a armada otomana retirado após um dia de combates, principalmente com as naus de guerra portuguesas. A batalha foi uma vitória táctica dos aliados, mas indecisa do ponto de vista estratégico. No entanto, apesar de não apresentar qualquer resultado estratégico, o desempenho da esquadra portuguesa prestigiou a Armada Real Portuguesa, e toda a campanha pode ser considerada um grande êxito diplomático de Dom João V (apenas, parafraseando Clausewitz, com outros meios).



Em 1683, na guerra que na historiografia alemã é conhecida como a Grande Guerra Turca (Großer Türkenkrieg, 1683-1699) os exércitos do Império Otomano tinham voltado a pôr cerco a Viena, capital do Sacro Império Romano-Germânico, como tinham feito em 1529, no auge do poder dos turcos, com Solimão, o Magnífico. No entanto, os otomanos acabaram por perder a guerra, tendo a Áustria imposto o Tratado de Karlowitz aos turcos em 1697, pelo qual estes perderam importantes territórios. Isto levou o sultão otomano, Mustafá II, a abdicar em favor do irmão Ahmed III em 1703. Anos mais tarde, depois de ter derrotado a Rússia, cujo exército fora comandado pessoalmente por Pedro, o Grande, em 1711, o sultão quis recuperar o que o império tinha perdido em 1697. Por esse motivo, invadiu em 1715 a Moreia, a pretexto de que a República de Veneza tentava encorajar uma revolta em Montenegro contra os otomanos. Sem possibilidades de combater os otomanos sozinha, Veneza logo pediu ajuda ao Papa e ao Imperador.


No Ocidente, tinha-se acabado de disputar a Guerra da Sucessão Espanhola, de 1702 a 1714. Durante esta guerra, a França e a Espanha tinham lutado contra a Áustria, a Grã-Bretanha e os Países Baixos para colocar um Rei no trono espanhol, vago após a morte de Carlos II de Espanha. Nesta guerra de sucessão, Portugal tinha alinhado em 1703 com a Áustria, tendo o pretendente austríaco, o Arquiduque Carlos (mais tarde Carlos VI, Sacro Imperador Romano-Germânico, e cunhado de Dom João V), desembarcado em Lisboa em 1704 com um exército aliado anglo-holandês. Este exército, juntamente com o exército português, tomou Madrid em 1706, apenas para sofrer a derrota na Batalha de Almansa em 1707. No ano seguinte, em 1708, o Rei de Portugal, Dom João V, casou com Maria Ana de Áustria, irmão do Imperador e do Arquiduque Carlos. Mas a paz chegou em 1713, sem grandes benefícios para Portugal.


Em 1715, quando Veneza, pediu auxílio contra os turcos, a Áustria, e os Estados Pontifícios responderam ao pedido. Mas enquanto a Áustria poderia colocar um forte exército no campo de batalha, não dispunha de uma armada significativa. O Papa Clemente XI pediu ajuda aos principais reinos católicos (a Espanha, a França, e Portugal) contra o invasor muçulmano. A França, no entanto, não quis ajudar a Áustria, com quem acabara de estar em guerra. Mas a Espanha enviou uma esquadra de seis naves ao Mediterrâneo. Dom João V, certamente para não querer ficar atrás do Rei espanhol, e ainda como uma maneira de promover Portugal no panorama internacional, enviou uma das mais grandiosas embaixadas de todos os tempos a Roma. Chefiada, pelo Marquês de Fontes, dois anos depois, premiado, com o título, historicamente mais importante de Marquês de Abrantes, esta pôde a 8 de Julho de 1716 comunicar a Sua Santidade que uma esquadra de cinco naus de guerra e uma fragata, para além de embarcações auxiliares, seria esse mesmo Verão enviada contra os turcos. A esquadra, comandada pelo Conde do Rio Grande, era composta pelos seguintes navios principais:


Ainda em Dezembro de 1716, o Papa voltou a escrever ao monarca português, pedindo-lhe nova ajuda no ano seguinte. Dom João V respondeu afirmativamente, e iniciou logo preparações, para poder enviar uma esquadra ao Mediterrâneo mais cedo do que fora o caso em 1716, para assim ter maior probabilidade de participar em acções contra o inimigo.


A esquadra de 1717 estaria novamente às ordens do Conde do Rio Grande. Decidiu-se enviar as mesmas cinco naus da esquadra de 1716, reforçadas por duas naus acabadas de construir, a Nossa Senhora do Pilar, uma nau de 80 peças tal como a Nossa Senhora da Conceição, a nau capitana do Conde do Rio Grande, e uma menor de 58 peças, esta em vez da fragata do ano anterior. A Nossa Senhora do Pilar, construída em Salvador (Bahia), foi armada pelo Infante Dom Francisco, o mais velho dos irmãos de Dom João V, que era de longe o maior entusiasta de questões navais na família real.


Na Primavera de 1717 fizeram-se assim todos os preparativos necessários, a que os monarcas assistiram pessoalmente. No dia 25 de Abril de 1725, um Domingo, as majestades e o infante Dom Francisco foram a bordo, assistindo aos últimos preparativos. O dia seguinte foi também passado no mar por Dom Francisco. Por fim, às sete da manhã de 28 de Abril de 1717, a esquadra largou rumo ao Mediterrâneo. A bordo da almiranta ia o infante Dom Francisco, que permaneceu a bordo até ao fim da tarde, quando regressou a terra a bordo de um iate, a sua despedida foi marcada por uma salva de 21 tiros de todas as naus da esquadra, a saber:

A Esquadra Portuguesa na Batalha de Matapão.


Nossa Senhora da Conceição
Almirante Lopo Furtado de Mendonça, Conde do Rio Grande
(80 Peças de Artilharia - Nau Capitânia - 700 homens de guarnição - 390 marinheiros, 220 soldados e 90 artilheiros)

Nossa Senhora do Pilar
Vice-Almirante Manuel de Távora da Cunha, Conde de Vila Verde
(80 Peças de Artilharia - Nau Almiranta - 700 homens de guarnição - 390 marinheiros, 220 soldados e 90 artilheiros)

Nossa Senhora da Assumpção e São Pedro
Capitão-mor Pedro de Castello-Branco
(66 Peças de Artilharia - Nau Fiscal - 500 homens de guarnição)

Nossa Senhora das Necessidades
(66 Peças de Artilharia - 500 homens de guarnição)

Santa Rosa
(66 Peças de Artilharia - 500 homens de guarnição)

São Lourenço
(58 Peças de Artilharia - 450 homens de guarnição)

Rainha dos Anjos
(56 Peças de Artilharia - 450 homens de guarnição)

Para além das 7 naus de guerra, a esquadra incluía ainda as seguintes embarcações:

São Tomás de Cantuária
(20 Peças de Artilharia - 225 homens de guarnição)
(Destinado a servir como navio-hospital, transportava ainda sobressalentes, etc.)

Santo António de Pádua
(8 Peças de Artilharia - 60 homens de guarnição)
(Destinado, se propício, a servir como brulote).

Santo António de Lisboa
(8 Peças de Artilharia - 60 homens de guarnição)
(Destinado, se propício, a servir como brulote).

Uma Tartana para avisos
(18 Peças de Artilharia - Pedreiros - 80 homens de guarnição)

Era assim, uma esquadra, de sete naus de guerra, e quatro naves auxiliares, de 526 canhões no total e cerca de 3.840 homens de guarnição. Na hierarquia da esquadra, a Nossa Senhora da Conceição era a nau capitana; levava o Conde do Rio Grande como almirante da esquadra. A Nossa Senhora do Pilar, uma nau mais recente e maior (e outras vezes armada com 84 peças), era a almiranta, levava o Conde de São Vicente como vice-almirante da esquadra. Ambas estas naus principiais levavam cerca de 700 homens de guarnição. 390 marinheiros, 220 soldados, e 90 artilheiros. A Nossa Senhora da Assumpção era a fiscal, ou terceira na hierarquia, levava Pedro de Castello-Branco como capitão. Estas três naus, juntamente com a Santa Rosa e a veneziana Fortuna Guerriera de 70 peças, travariam o combate mais importante contra as naus turcas na Batalha de Matapão.


Merece destaque, nesta batalha contra os turcos muçulmanos, o facto de todas as naves da Armada Real portuguesa nesta época, das maiores às mais pequenas, terem nomes de santos ou outros conceitos religiosos da Igreja Católica. Principalmente a nau capitana deve ser referida, desde que Dom João IV após a Restauração em 1640 declarou Nossa Senhora da Conceição como Padroeira e Defensora do Reino, sempre até ao ano de 1790 a Armada Real teve uma nau principal com esse nome. A nau capitana na Batalha de Matapão tinha assim em 1701 substituído outra com o mesmo nome de 1686-1699, que por sua vez substituíra outra de 1675-1687, etc. Mais tarde vemos outra nau com o mesmo nome por exemplo na campanha do Rio da Prata em 1736, e a nau Príncipe Real, de 90 peças, que foi uma das que participou na transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, tinha também sido lançada à agua com o nome Nossa Senhora da Conceição em 1771, antes da, armada passar a dar às naus nomes de membros da Família Real e Almirantes históricos. Merece por fim destaque as duas pequenas embarcações auxiliares terem o nome do mesmo santo, Santo António de Lisboa. Este santo, falecido e sepultado em Pádua, e até hoje o mais rapidamente canonizado em toda a história da Igreja Católica, é de longe o santo mais popular em Portugal.

Armamento da esquadra portuguesa:

As cinco principais naus portuguesas na Batalha de Matapão em 1717 estavam armadas da seguinte forma:

Naus de 80 peças: canhões de 36 libras na coberta inferior, 12 libras na coberta superior, e 8 libras nos castelos da proa e popa.

Naus de 66 peças: canhões de 24 libras na coberta inferior, 12 libras na coberta superior, e 9 libras nos castelos da proa e popa.

O armamento das naves era um misto de peças de bronze, melhores mas mais caras, e de ferro. Apenas a maior e mais moderna de todas as naus portuguesas, a 'Nossa Senhora do Pilar', se encontrava armada exclusivamente com peças de bronze (o que, juntamente com o tamanho da nau, o número de peças, e a modernidade da construção, fazia dela possivelmente a melhor artilhada e mais formidável nau de toda a armada cristã). Em comparação, os navios ingleses da época, segundo o ‘Establishment de 1706' e o correspondente ‘Gun Establishment’ vigentes, estavam armados da seguinte forma:

3ª Classe de 80 peças: canhões de 24 libras na coberta inferior, 12 libras na coberta superior, e 6 libras nos castelos da proa e popa.

3ª Classe de 70 peças: canhões de 24 libras na coberta inferior, 8 libras na coberta superior, e 6 libras nos castelos da proa e popa.

Ainda em comparação, a nau ‘Dannebrog’ de 90 peças da armada da Dinamarca, perdida na vitória naval de Køge Bugt ou baía de Køge contra a Suécia em 1710, estava armada da seguinte forma:



Dannebrog, de 90 peças: canhões de 24 libras na coberta inferior, 14 libras na coberta superior, e 8 libras nos castelos da proa e popa.

Tudo somado, peça por peça, isto significa assim que as naus portuguesas de 80 peças tinham um efeito de artilharia mais de 33% superior a uma equivalente inglesa, e mesmo cerca de 5% superior a uma de 90 peças dinamarquesa, neste exemplo; enquanto uma nau de 66 peças portuguesa tinha um efeito de artilharia cerca de 10% superior a uma inglesa de 70 peças. Dois anos mais tarde, o ‘1719 Establishment’ aumentou o tamanho dos canhões inferiores nas naus inglesas de 80 peças para 32 libras, isto sem se aumentar sensivelmente o tamanho dos navios; e isto numa altura em que as equivalentes francesas também, tal como as portuguesas, montavam canhões de 36 libras. Devemos referir, ainda para poder comparar as naus portuguesas durante todo o reinado de Dom João V, que as naus inglesas, devido ao demasiado conservador sistema de construção naval dos vários ‘Establishments’, sempre durante a primeira metade do século XVIII foram inferiores às espanholas e francesas, e muito possivelmente portuguesas (faltam-nos fontes devido ao Terramoto de 1755) quanto à relação entre artilharia e tamanho da nau, no início do século encontravam-se fracamente artilhadas, como acabamos de ver, e à medida que aumentaram o tamanho dos canhões sem aumentar de forma correspondente o tamanho das naus, encontravam-se sobre artilhadas, e logo menos estáveis quer como plataforma para a artilharia durante combate, quer em cruzeiro. Isto era algo de que os almirantes ingleses activos tinham perfeita consciência, e as suas frequentes queixas ao Almirantado inglês (incluindo a famosa frase do almirante Anson "our 70-gun ships are little superior to their 52-gun ships." levaram por fim ao abandono do sistema, no fim da Guerra da Orelha de Jenkins (1739-1748) e da Guerra da Sucessão Austríaca (1740-1748), em que as naus da Royal Navy tinham provado estar manifestamente atrasadas em relação às inimigas.


Assim, as naus inglesas aumentariam imenso de tamanho na segunda metade do século XVIII, enquanto velhas naus viram reduzida a sua artilharia de modo a corresponder ao seu tamanho. Um exemplo é o navio de 1ª Classe de 100 peças ‘HMS Royal William’, de 1719, que em 1756 foi reduzida a um navio de 2ª Classe de 84 peças (o mesmo número que a grande 'Nossa Senhora do Pilar', a almiranta portuguesa na Batalha de Matapão em 1717, por vezes também montava. Outro exemplo é o navio de 2ª Classe ‘HMS Marlborough’ de 90 peças, que em 1752 foi reduzida a um navio de 3ª Classe de 68 peças) equivalente a várias das naus portuguesas na Batalha de Matapão. É assim importante lembrar estes factores ao querer comparar as naus de guerra portuguesas do reinado de Dom João V com as congéneres inglesas.



A 28 de Abril de 1717 largou então de Lisboa a Armada do Conde do Rio Grande. A sua missão era juntar-se à Armada Aliada Cristã, cujas principais componentes eram a Armada de Remos de Veneza, Comandada pelo Almirante Andrea Pisani, e a chamada Armada Grossa ou Armada de Vela veneziana, Comandada pelo Almirante Francesco Flangini. Mas também a Ordem de Malta, o Grão-ducado da Toscana, e os próprios Estados Pontifícios tinham contribuído com esquadras para a armada aliada, cujo supremo comando tinha pelo Papa Clemente XI sido atribuído ao Almirante Pisani. Depois de ter largado de Lisboa, o progresso da esquadra portuguesa foi o seguinte, a 1 de Maio, passou-se Cádiz, a 10 de Maio, atingiu-se a latitude de Alicante, a 19 de Maio, avistou-se a Sardenha, a 21, de Maio, avistou-se a Sicília, a 24 de Maio, chegou-se a Palermo, na Sicília. A entrada no porto foi marcada com uma salva de 13 tiros. A 25 de Maio, dia de ‘Corpus Christi’. Houve festas a bordo e em terra, e uma visita do Capitão da fortaleza, marcada com uma salva de 7 tiros. A 28 de Maio, largada de Palermo. A 30 de Maio, chegada a Messina, na Sicília. A 1 de Junho, foi dado um banquete a bordo da Nossa Senhora do Pilar em honra do governador de Messina, a partida do governador foi marcada por uma salva de 11 tiros da nau do Conde de São Vicente. A 2 de Junho, receberam-se mais visitas dos nobres de Messina, marcadas com uma salva de 7 tiros. A 3 de Junho, largada de Messina. A 10 de Junho, chegada a Corfu, marcada por uma salva de 13 tiros da nau do Conde do Rio Grande. Aqui se encontrava a Armada de Remo dos Aliados Cristãos, sob Comando de Andrea Pisani, Almirante Supremo da Armada Cristã contra os turcos, a saber:

Armada de Remo dos Aliados Cristãos
Comandante Almirante Andrea Pisani
(Almirante Supremo da Armada Cristã)

República de Veneza


4 Galeaças de Veneza




13 Galés de Veneza


Ordem de Malta


5 Galés da Ordem de Malta


Estados Papais


4 Galés do Estados Papais



Grão-Ducado da Toscana


2 Galés da Toscana



A 11 de Junho, visita do Almirante Supremo Pisani, marcada por uma salva de 13 tiros de todas as naus portuguesas. A 12 de Junho, visita do Almirante da Toscana. A 13 de Junho, dia de Santo António, a esquadra portuguesa recebeu visitas, especialmente cavaleiros da Ordem de Malta e de Florença. O dia foi marcado com salvas de 9 tiros pela manhã, 13 tiros à tarde, e novamente 9 tiros à noite por todas as naus portuguesas. A 16 de Junho, chegada das duas naus da Ordem de Malta, de 56 e 46 peças (a última na realidade uma grande fragata) e da ‘Fortuna Guerriera’ (70 Peças de Artilharia), de Veneza, a Corfu, as naus da Ordem estavam às ordens do cavaleiro francês de Bellefontaine, que tinha sido nomeado Comandante da Esquadra dos Aliados de Veneza pelo Papa, mas que os Condes portugueses logo recusaram obedecer. Visita ainda dos Condes portugueses a Pisani, marcada por uma salva de canhão e mosquetes de todas as galés. A 22 de Junho, largada da armada cristã de Corfu, rumo ao sul. A 25 de Junho, a armada fundeou em Zante, onde o Conde do Rio Grande decidiu deixar a ‘São Tomás de Cantuária’. A 29 de Junho, a armada largou de Zante. A 2 de Julho, encontro com a Armata grossa de Veneza, a sudoeste da costa da Moreia, ao largo de Modon, na Messénia. Contrariamente ao que sucedera em Messina quando a esquadra portuguesa se encontrou com a armada de remo, que não celebrou a chegada das naus do Conde do Rio Grande como os portugueses tinham esperado, a chegada das naves portuguesas provocou grandes festejos a bordo das naus de guerra de Veneza. Como não será de estranhar, a bordo da Armata grossa sabia-se melhor dar valor a naus de guerra que a bordo das galés. A Armata grossa, ou de vela, veneziana tinha largado de Corfu a 10 de Maio, e tinha chegado à ilha de Imbros, à entrada dos Dardanelos, a 8 de Junho. Precisamente dois dias depois tinha a armada otomana saído dos Dardanelos, e uma batalha sangrenta mas indecisa tinha sido travada no Mar Egeu ao largo de Imbros de 12 a 16 de Junho. Durante esses combates, em que a armada de Veneza estivera dividida em três esquadras, o Almirante Supremo Flangini, na Esquadra Vermelha, tinha morrido a bordo da ‘Leon Trionfante’ (80 Peças de Artilharia), na Esquadra Azul, a Colomba d'Oro (78 Peças de Artilharia) do Almirante Diedo, ficara seriamente danificada, mas chegaria a participar na Batalha de Matapão. Duas outras naus da Esquadra Azul não participaram, muito possivelmente por estarem demasiado danificadas. A composição da Armata grossa na Batalha de Imbros fora:

Armada de Veneza
Almirante Supremo Flangini
(9 Naus de Linha com 624 Peças de Artilharia)


Esquadra Vermelha
Almirante Flangini
(9 Naus de Linha com 624 Peças de Artilharia)

Leon Trionfante
(80 Peças de Artilharia)

Corona
(80 Peças de Artilharia)

Costanza Guerriera
(78 Peças de Artilharia)

Aquila Valiera ‘Aquila’
(76 Peças de Artilharia)

Grande Alessandro
(74 Peças de Artilharia)

Madonna dell'Arsenal
(70 Peças de Artilharia)

Fenice
(56 Peças de Artilharia)

San Andrea
(56 Peças de Artilharia)

San Francesco
(54 Peças de Artilharia)

Esquadra Amarela
Almirante Correr
(8 Naus de Linha, 514 Peças de Artilharia)

Terror
(88 Peças de Artilharia)

Madonna della Salute
(76 Peças de Artilharia)

Glória Veneta
(76 Peças de Artilharia)

Scudo della Fede
(56 Peças de Artilharia)

San Pietro
(54 Peças de Artilharia)

Aquila Volante ‘Aquiletta’
(54 Peças de Artilharia)

Nettuno
(50 Peças de Artilharia)

Madonna del Rosario
(60? Peças de Artilharia - usada como navio-hospital durante a Batalha de Matapão)

Esquadra Azul
Almirante Diedo
(9 Naus de Linha, mais de 552 Peças de Artilharia)

Colomba
(78 Peças de Artilharia)

San Pio V
(70 Peças de Artilharia)

Trionfo
(70 Peças de Artilharia)

San Lorenzo Giustinian
(70 Peças de Artilharia)

Rosa Moceniga ‘Rosa’
(56 Peças de Artilharia)

Sacra Lega
(54 Peças de Artilharia)

Valor Coronato
(54 Peças de Artilharia)

San Gaetano
(? Peças de Artilharia - não participou na Batalha de Matapão)

Venetia
(? Peças de Artilharia - não participou na Batalha de Matapão)

A Armada Otomana


O Sultão Ahmed III (1703-1730), que tentou recuperar o que o Império Otomano perdera no Tratado de Karlowitz em 1697. Quanto à armada otomana que se aproximava, esta, tal como a cristã, contava com certo número de galés, no caso nove. Este era no entanto um tipo de embarcação já fundamentalmente ultrapassado, e tal como as galés da armada cristã, as turcas não participaram nos combates. Como todas as armadas no Mar Mediterrâneo, a armada otomana tinha essencialmente sido composta por galés até ao último quartel do século XVII. Mas após um período de primeiras e modestas experiências com naus de guerra no terceiro quartel do século, por volta de 1683, aquando do início da Grande Guerra Turca e do cerco a Viena, o Império Otomano iniciou uma modernização da armada de guerra com a construção de dez naus modernas. A República de Veneza fazia justamente o mesmo na mesma época. Durante uns poucos anos a força naval dos Otomanos foi então dual, com uma forte componente de galés também. Mas logo no final da década de 1690 os turcos fizeram uma tentativa de aumentar a armada de naus de dez para vinte unidades, e apostar mais nas embarcações de vela que de remo. No início do século XVIII tinha-se atingido uma armada de 27 naus, correspondente à força naval de Veneza, e existiam planos de aumentar ainda mais a força, para um total de quarenta naus. Novas ordenações de 1706 e 1707, e novamente em 1714, tentavam organizar uma armada de vela totalmente moderna em todos os aspectos, tais como construção, armamento, tripulação, logística, etc.


A armada turca que saiu dos Dardanelos ao encontro da armada cristã em Junho de 1717 era assim composta por naus modernas equivalentes às dos cristãos, pelo menos em construção. Merece destaque a nau capitana dos turcos, uma enorme nau de três cobertas, que foi de longe a maior nave presente na Batalha de Matapão. A armada era comandada pelo próprio Grande-almirante da Armada otomana, Ibrahim Paxá, que fora nomeado apenas no ano anterior, quando o anterior Grande-almirante foi despedido após a batalha naval de Corfu. Para além de uma vintena de naus, a armada contava ainda com outra vintena de fragatas, naves mais pequenas e veleiras, que pertenciam em grande parte aos estados vassalos dos turcos da Berbéria; Argel, Tunes, Tripoli, etc. Estas eram exactamente as naus de mouros de 30-50 peças de artilharia que nesta época ainda infestavam as águas da costa portuguesa, mas cuja ameaça a Armada de Guarda-Costa da Armada Real portuguesa, que constantemente durante todo o ano mantinha naus e fragatas a patrulhar as águas da metrópole, de um modo geral conseguia conter.

A Armada Otomana Tinha a Seguinte Composição:



Armada Otomana
Grande-almirante da Armada Otomana, Ibrahim Paxá

Naus de Linha
(22 Naus de Linha com 1.376 peças de artilharia)

1 Nau de Linha
(114 Peças de Artilharia - nau capitana de três cobertas)
Grande-almirante da Armada Otomana, Ibrahim Paxá



3 Naus de Linha
(70 Peças de Artilharia)



5 Naus de Linha
(66 Peças de Artilharia)



1 Nau de Linha
(62 Peças de Artilharia)



1 Nau de Linha
(60 Peças de Artilharia)

2 Naus de Linha
(58 Peças de Artilharia)

2 Naus de Linha
(56 Peças de Artilharia)

4 Naus de Linha
(54 Peças de Artilharia)

3 Naus de Linha
(52 Peças de Artilharia)

Fragatas
(21 fragatas com (?), Peças de Artilharia)

5 Fragatas
(44 Peças de Artilharia)

1 Fragata
(40 Peças de Artilharia)

1 Fragata
(38 Peças de Artilharia)

14 Fragatas
(? Peças de Artilharia)

E ainda:

1 Nave bombarda
(34 Peças de Artilharia mais 2 morteiros de 372 libras)

9 Galés
(3 Peças de Artilharia)


Merece destaque, o facto de que várias naus turcas estavam ainda equipadas com canhões pedreiros, isto é, que disparavam grandes pedras em vez de projécteis de metal. A vantagem de balas pedreiras era que se fragmentavam no impacto, os estilhaços podendo provocar numerosas baixas na tripulação. Outrora muito comuns na Europa Ocidental, eram todavia já pouco usadas aqui, onde balas metálicas para o mesmo efeito tinham sido desenvolvidas. No entanto, é justo referir que a grande ‘Colomba’, a nau do almirante Diedo da Esquadra Azul na Batalha de Imbros, foi posta fora de combate justamente por canhões pedreiros. Por fim, é digna de menção entre as naves turcas a nave bombarda, armada com 36 com (?) Peças de Artilharia e dois enormes morteiros, ou bombardas, essencialmente para bombardeamento costeiro.


Ao largo do Cabo Matapão. Após ter feito a junção com a Armata grossa, a armada cristã começou a patrulhar o Cabo Matapão a partir do dia 3 de Julho, esperando a armada otomana que se aproximava. A Armada de Vela Aliada foi então dividida em três esquadras, como era costume: a vanguarda, o centro, e a retaguarda. Seguindo as ordens do próprio Papa, o comando supremo de toda a armada pertencia a Pisani, a bordo da armada de remo. A vanguarda aliada correspondia essencialmente à Esquadra Vermelha de Veneza, ao comando do Almirante Diedo, justamente promovido de Capitão-de-mar-e-guerra após a morte de Flangini na Batalha de Imbros. O centro aliado, essencialmente as outras duas esquadras de Veneza, ficou ao comando do Almirante Correr, de uma notável família veneziana, com um palácio na própria Praça de São Marcos. A retaguarda seria então composta pela esquadra de Portugal, as duas naus da Ordem de Malta, e a solitária ‘Fortuna Guerriera’ (70 Peças de Artilharia) veneziana, que se tinha juntado a estas em Corfu. Clemente XI dera o comando desta esquadra dos aliados de Veneza ao comandante das Naus da Ordem de Malta, Jacques-Auguste Maynard (1646-1720), cavaleiro de Bellefontaine. Isto é, o Conde do Rio Grande ficaria assim subordinado ao cavaleiro francês, e este a Pisani. No entanto, os Condes portugueses recusaram categoricamente ficar às ordens do francês, e recusaram igualmente substituir a Bandeira Real de Portugal pela Bandeira Papal nos seus navios, notificando Bellefontaine de que apenas obedeceriam a Pisani. Este procedimento, que veio a ser importante para o desfecho da batalha, reflecte dois factores. O primeiro era que a esquadra portuguesa era muito superior à modesta contribuição da Ordem de Malta, sendo qualquer uma das naus dos Condes mais poderosa que ambas as naus da Ordem juntas; isto sem contar com as outras naus portuguesas. A longa cooperação entre a Santa Sé e a Ordem de Malta no Mediterrâneo contra os turcos desde o século XVI ajuda a entender esta atribuição do Papa a Bellefontaine, mas não deixa de ser paradoxal vista a contribuição de Portugal em relação à da Ordem.


O outro factor era de ordem protocolar, os próprios Condes portugueses pertenciam a linhagens muito mais ilustres que o cavaleiro francês (principalmente o Vice-Almirante, da antiquíssima linhagem dos Távoras). (Bellefontaine tinha muito mais experiência de guerra naval que os Condes portugueses sendo quinze anos mais velho que o Conde do Rio Grande, tinha servido às ordens de Duquesne contra de Ruyter na década de 1670, e às ordens de Tourville na batalha de Beachy Head em 1690, a maior vitória naval de Louis XIV, etc.), mas aos olhos destes, a questão de precedência tomava justamente precedência. Como era frequente nesta época, questões de protocolo foram assim determinantes, ditando ou contribuindo para esta insubordinação dos dois Condes portugueses, com importantes consequências para o desenrolar da batalha.

Manobras de 3 a 18 de Julho.


Entre os dias 3 e 14 de Julho, a armada cristã permaneceu ao largo do Cabo Matapão, esperando os turcos. A armada de remo encontrava-se justamente a sudeste do promontório, estando a armada de vela um pouco mais para sul. Os otomanos foram avistados logo no dia 5, entre a ilha de Cerigo e o cabo de Santo Ângelo. No entanto, os ventos eram fracos, e as armadas não se aproximaram. No dia 6 os turcos tinham desaparecido, apenas para ser avistados novamente na tarde do dia 7, navegando ao longo da ilha de Cerigo. A 8 e 9 de Julho predominaram calmarias, e nada sucedeu. Mas de 9 para 10 o vento aumentou, soprando de W, e o mar começou a levantar-se. No meio do temporal que se fez, provavelmente com chuva e pouca visibilidade, a armada de vela cristã descaiu para sul. Então, o almirante turco soube habilmente entrar no Golfo da Lacónia, e navegando cosido com a terra soube dobrar o Matapão e dirigir-se a Coron, no Golfo da Messénia. Tinha assim passado para Ocidente da armada cristã (e importantemente, com os ventos predominantes do quadrante W, tinha ganho o barlavento, factor de suma importância na guerra naval à vela). Perante o avanço da armada turca Pisani a bordo da armada de remo suspendera e retirara para Modon com as galés. Mas no dia 11 o vento caiu e o mar abateu, e Pisani pôde, a força de remos, regressar ao Matapão e juntar-se à armada de vela no dia 12, onde as galés retomaram o seu lugar logo a sudeste do cabo, e as naus um pouco mais a sul. No mesmo dia algumas naves mercantes informaram os cristãos de que a armada turca estava em Coron, no Golfo da Messénia.


À tarde do dia 13, com vento fresco de N, foi vista a armada otomana, como que em procura dos aliados. Mas antes de chegar ao alcance de tiro meteu à orça, e regressou a Coron. No dia seguinte, manhã de 14, não se viam os turcos. Na tarde de 14 viram-se então as nove galés turcas vindas da ilha de Cerigo, a levante dos aliados; tinham ficado para trás, e tentavam agora juntar-se à sua armada de vela. Aparentemente parecem ter julgado que as naus cristãs eram as suas, quando deram pelo erro, tentaram regressar a Cerigo. Os venezianos deram sinal de ‘caça geral’ mas antes que as galés turcas fossem alcançadas caiu o vento, e estas puderam escapar. A armada de remos aliada, ainda perto do Matapão, encontrava-se demasiado longe para poder intervir. No dia 15 Pisani ordenou então que toda a armada se dirigisse para uma enseada na margem oposta do Golfo da Lacónia para fazer aguada e lenha. Isto era uma manobra que, devido aos ventos predominantes do quadrante W, muito limitaria a capacidade de manobra da armada em caso de ataque dos otomanos. A armada permaneceu na enseada no dia seguinte, tendo alguns grupos ido a terra, onde houve uma pequena escaramuça com um destacamento das forças turcas na península. Apenas as portuguesas Nossa Senhora da Conceição, do Conde do Rio Grande, e Nossa Senhora da Assunção ficaram a bordejar do lado de fora da enseada. A 17 chegou então uma corveta que tinha vigiado os turcos à enseada, com a mensagem de que estes tinham largado ferros e se encontravam a caminho dos aliados. Ao fim da tarde do dia 18 foram finalmente avistados os navios otomanos do cesto da gávea da capitana portuguesa, que cruzava ainda do lado de fora da enseada, a navegar, de vento, em popa na direcção dos aliados. A noite foi passada a fazer preparações para a batalha que se adivinhava no dia seguinte, e pelo menos a esquadra portuguesa realizou exercícios de tiro, tendo o mesmo provavelmente sido feito pelos venezianos.


Antes do amanhecer do dia 19 de Julho, a armada cristã posicionou-se no Golfo da Lacónia à entrada da enseada, segundo a seguinte ordem de batalha:

A Ordem de Batalha Cristã na Batalha de Matapão

Vanguarda
Almirante Diedo
(Naus de Veneza - 9 Naus - 610 Peças de Artilharia)

Madonna dell'Arsenale
(70 Peças de Artilharia)

Costanza Guerriera
(78 Peças de Artilharia)

Trionfo
Almirante Diedo
(navio Almirante)
(70 Peças de Artilharia)

Leone Trionfante
(80 Peças de Artilharia)

San Francesco
(54 Peças de Artilharia)

Aquila Valiera
(76 Peças de Artilharia)

Fenice
(56 Peças de Artilharia)

San Andrea
(56 Peças de Artilharia)

Glória Veneta
(70 Peças de Artilharia)

Centro
Almirante Correr
(Naus de Veneza - 15 Naus - 970 Peças de Artilharia)

San Lorenzo Giustinian
(70 Peças de Artilharia)

San Pietro Apostolo
(54 Peças de Artilharia)

Aquiletta
(54 Peças de Artilharia)

Terror
(88 Peças de Artilharia)

Nettuno
(50 Peças de Artilharia)

Fede Guerriera
(56 Peças de Artilharia)

Fenice
(56 Peças de Artilharia)

Corona
(80 Peças de Artilharia)

Madonna della Salute
Almirante Correr
(navio Almirante)
(76 Peças de Artilharia)

San Pio V
(70 Peças de Artilharia)

Sacra Lega
(54 Peças de Artilharia)

Valor Coronato
(54 Peças de Artilharia)

Rosa
(56 Peças de Artilharia)

Columba d'Oro
(78 Peças de Artilharia)

Grand Alessandro
(74 Peças de Artilharia)

Retaguarda
Almirante Chevalier de Bellefontaine
(Comandante da Armada de Vela Cristã)
Almirante Conde do Rio Grande
(Comandante da Esquadra da Armada Real Portuguesa)
(Naus do Reino de Portugal, da Ordem de Malta, e de Veneza - 10 Naus - 644 Peças de Artilharia)

São Lourenço
(58 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

San Reimondo
(46 Peças de Artilharia - Ordem de Malta)

Fortuna Guerriera
(70 Peças de Artilharia - Veneza)

Rainha dos Anjos
(56 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

Nossa Senhora das Necessidades
(66 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

Santa Catarina
Almirante Chevalier de Bellefontaine
(navio Almirante)
(56 Peças de Artilharia - Ordem de Malta)

Nossa Senhora do Pilar
Vice-almirante Conde de São Vicente
(80 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

Santa Rosa
(66 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

Nossa Senhora da Conceição
Almirante Conde do Rio Grande
(navio Almirante)
(80 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

Nossa Senhora da Assunção
(66 Peças de Artilharia - Reino de Portugal)

O Príncipe Eugénio conquista Belgrado, a 22 de Agosto de 1717. Enquanto Veneza e Portugal lutavam contra os turcos no mar, os exércitos imperiais derrotavam-nos em terra. Às ordens do Príncipe Eugénio desde a Batalha de Petrovaradin em 1716 e em Belgrado estava o Infante Dom Manuel, irmão mais novo do Rei Dom João V.


Batalha de Matapão
(19 de Julho de 1717)

Logo ao alvorecer do dia 19 de Julho, avistou-se ao longe a armada otomana, que tinha dobrado o Matapão e navegava de vento, em popa em direção à armada cristã, com proas a NE. A armada cristã aprontou-se para combate, tendo assumido a linha de batalha combinada nos dias anteriores. Nesta, como vimos, a esquadra portuguesa formava a ‘arrière’ ou retaguarda. Soprava então apenas uma brisa de SW, e as embarcações de remo tiveram que auxiliar a armada de vela cristã a formar a coluna. Por fim, as naus de guerra posicionaram-se numa coluna de talvez duas milhas de comprimento, com proas a NW, que quase totalmente fechava a entrada à enseada onde se encontrava a armada de remo. Esta também assumiu uma linha de batalha, com proas a SW. Assim preparados, e como a armada turca tinha o pouco vento que soprava inteiramente em seu favor, esperaram os aliados cristãos a chegada da armada otomana.

A Armada turca que se aproximava navegava numa formação em largura, isto é, com as embarcações ao lado umas das outras. Por volta das sete horas, as primeiras naves otomanas chegaram ao alcance de tiro das naus cristãs, tratava-se de algumas fragatas na ala esquerda turca, que iniciaram uma troca de tiros a longa distância com a testa da coluna veneziana. Esta troca de tiros demoraria cerca de hora e meia.

07h00-08h30

Esquema simplificado, 07h00:


Vermelho: armada otomana.
Azul: armada de remo cristã.
Branco: armada de vela cristã.

Esquema simplificado, 08h30:


Vermelho: armada otomana.
Azul: armada de remo cristã.
Branco: armada de vela cristã.

Esquema simplificado, 09h00:


Vermelho: armada otomana.
Azul: armada de remo cristã.
Amarelo: esquadras de Veneza.
Branco: esquadra de Portugal.

Esquema simplificado, 14h00:


Vermelho: armada otomana.
Azul: armada de remo cristã.
Amarelo: esquadras de Veneza.
Branco: esquadra de Portugal.

08h30-14h00

Por volta das oito e meia passou-se um episódio que, graças às suas consequências, definiria todo o resto da batalha. As mesmas fragatas na ala esquerda turca, embarcações menores de Tunes e Argel, que pelo seu pequeno tamanho eram muito mais veleiras que as naus cristãs em condições de pouco vento, pareceram tentar contornar a testa da coluna veneziana, como que para atacar a esquadra de remo no interior da enseada. Para o evitar, e manter as naves inimigas dentro do campo de tiro, a nau veneziana na testa da coluna, a Madonna dell'Arsenale (70), começou a guinar para EB (estibordo). Seguiram-se algumas salvas a curta distância, após as quais o destacamento de fragatas desistiu do intento e regressou à formação turca.

No entanto, ao guinar para EB e colocar-se de, vento em popa, a nau veneziana não teve outra opção senão continuar a manobra, e assim realizou uma viragem de bordo (uma chamada viragem em roda, em que o navio inverte o rumo), acabando assim por ficar com a proa a SE, e naturalmente descaída uma centena de metros, o espaço necessário para a manobra, da coluna cristã. Isto foi determinante para o seguimento da batalha, pois a ‘Costanza Guerriera’ (78 Peças de Artilharia) que seguia no seu encalço, ao ver a nau à sua frente virar em roda (e sem ter recebido ordem de Pisani ou qualquer outro dos almirantes para tal) fez o mesmo, virando em roda de maneira a se colocar à frente da ‘Madonna dell'Arsenale’, igualmente descaída da coluna cristã. A próxima nau, a ‘Trionfo’ (70 Peças de Artilharia) com o Almirante Diedo a bordo, fez o mesmo, e assim sucessivamente. Deste modo, e sem terem sido dadas ordens para tal manobra, toda a vanguarda e centro da armada cristã virou em roda, estando a nova coluna, agora em ordem invertida, com proas a SE e naturalmente descaída da linha original. No entanto, a nau portuguesa ‘São Lourenço’ (58 Peças de Artilharia), a primeira nau da retaguarda, ao ver a nau veneziana à sua frente virar em roda não seguiu a manobra, visto não ter recebido ordens nesse sentido da nau do Conde de Rio Grande. Todas as naus que a seguiam (toda a esquadra portuguesa, e ainda as duas naus da Ordem de Malta e a veneziana Fortuna Guerriera - 70 Peças de Artilharia) seguiram o seu exemplo.

Como resultado de todas estas manobras, a retaguarda cristã (a esquadra dos aliados de Veneza, incluindo a portuguesa) encontrava-se agora numa posição avançada, mais perto dos otomanos, enquanto a armada de alto bordo de Veneza, à excepção da Fortuna Guerriera, se encontrava numa coluna mais a sotavento, descaída da linha original. Enquanto a vanguarda e o centro venezianos viravam em roda, a armada otomana orçou também de forma a formar uma coluna com proas a SE, paralela à antiga coluna cristã. E logo caiu o vento por completo. Durante as próximas horas, a batalha seria assim travada entre a retaguarda cristã (essencialmente a esquadra portuguesa) e a vanguarda de quinze naves otomanas. As naus venezianas, e o centro e retaguarda otomanos, ficaram reduzidos a meros espectadores.

14h00-17h00

Esta situação, uma troca de tiros à distância, em que as naus da retaguarda cristã e vanguarda otomana provavelmente tiveram que usar os batéis para se posicionar e orientar as baterias, persistiu até cerca das duas horas da tarde. Nessa altura o vento começou novamente a soprar, agora uma aragem de SSW. Aproveitando o vento, os venezianos tentaram então um audacioso ataque com um brulote contra a armada otomana. Navegando à bolina cerrada (um raríssimo caso em ataques com brulotes), conseguiu este brulote atingir uma das naus turcas, que no entanto não teve dificuldade em se desembaraçar da embarcação ardente, que acabou por ser consumida pelas chamas ao largo, à vista de ambas as armadas. A tripulação do brulote, que não viu o seu extraordinário feito de marinharia coroado com êxito, escapou num batel. Aproveitando ainda o vento, o Almirante Bellefontaine, a quem como ficou dito tinha sido dado pelo Papa o comando da esquadra dos aliados de Veneza, terá possivelmente dado ordem à esquadra de virar em roda, de modo a alinhar com a coluna veneziana a sotavento. Para isto terá talvez contribuído o facto de que os seus pequenos navios (um deles, com apenas 46 Peças de Artilharia, nem sequer era uma nau de guerra propriamente dita) terão estado em pior estado que as maiores naus portuguesas e a veneziana na esquadra. De qualquer forma, ao regressar o vento, a São Lourenço, primeira da retaguarda, começou a virar em roda, e assumir uma posição agora na vanguarda da coluna cristã, com proas a SE. Nesta manobra foi a nave portuguesa seguida pela ‘San Raimundo’ (46 Peças de Artilharia) da Ordem de Malta, a ‘Rainha dos Anjos’ (56 Peças de Artilharia) portuguesa, a ‘Nossa Senhora das Necessidades’ (66 Peças de Artilharia) igualmente portuguesa, e por fim a ‘Santa Caterina’ (56 Peças de Artilharia), a nau do próprio Bellefontaine.


Quem não seguiu as manobras de Bellefontaine foi o Conde de São Vicente, o Vice-Almirante português que lhe seguia no encalço a bordo da almiranta ‘Nossa Senhora do Pilar’ (80 Peças de Artilharia), que como foi dito era possivelmente a melhor de todas as naus da armada cristã. Este pura e simplesmente não fez caso da manobra do francês, mantendo a linha. E as três naus que o seguiam, a ‘Santa Rosa’ (66 Peças de Artilharia), a capitana ‘Nossa Senhora da Conceição’ (80 Peças de Artilharia) do Almirante Conde do Rio Grande, e a fiscal ‘Nossa Senhora da Assunção’ (66 Peças de Artilharia) do Capitão Pedro de Castello-Branco seguiram-lhe o exemplo. Importantemente, a ‘Fortuna Guerriera’ (70 Peças de Artilharia) veneziana, ao ver as portuguesas manter a linha, não seguiu as restantes da retaguarda, mas optou por não deixar as quatro naus portuguesas sozinhas contra os turcos. O que terá levado o Conde de São Vicente a não seguir o exemplo de Bellefontaine nunca foi esclarecido. Mas é importante lembrar que este filho da linhagem Távora era neto do primeiro Conde de São Vicente, Vice-Rei da Índia 1666-1668, e ainda sobrinho do Conde de Alvor, igualmente Vice-Rei da Índia 1681-1686, ambos estes Vice-Reis tinham enviado esquadras ao Golfo Pérsico e ao Estreito de Ormuz contra os árabes de Omã. Um pouco mais tarde o Marquês de Távora seu sobrinho-neto seria também Vice-Rei no Oriente de 1750 a 1754, em guerra contra o Império Marata, e é muito possível que o vice-almirante da esquadra portuguesa em 1717, pertencendo a uma família com tão fortes tradições militares, apenas queria igualar os feitos dos seus antepassados contra os muçulmanos, não querendo assim afastar-se do inimigo. O Conde do Rio Grande tinha igualmente parentes Vice-Reis e Capitães na Índia desde o século XVI. Qualquer que tenha sido as razões que levaram os condes a não seguir a manobra, as quatro naus portuguesas e a veneziana mantiveram a linha. Na mesma altura, a coluna otomana também virou em roda, acabando por ficar com as proas a NW, e agora mais próxima das colunas cristãs. O combate ganhou agora intensidade, tendo as naus venezianas também entrado em acção. No entanto, como as quatro naus portuguesas e a veneziana se encontravam mais perto da armada turca, foi aqui que os combates mais violentos se desenvolveram.



Nesta altura, em que as naus portuguesas e a ‘Fortuna Guerriera’ ainda mantinham a linha original, com proas a NW, enquanto as restantes colunas venezianas navegam mais a sotavento com proas a SE, isto é, na direcção oposta, as primeiras naus venezianas, começando com as grandes ‘Gran Alessandro’ (74 Peças de Artilharia) e ‘Columba d'Oro’ (78 Peças de Artilharia), ficaram a coberto das naus portuguesas e sem possibilidade de disparar os seus canhões. Nesta altura, em que todas as naus turcas tentavam principalmente atingir a grande ‘Nossa Senhora do Pilar’ na testa da coluna portuguesa, a nau veneziana ‘San Pio V’ (70 Peças de Artilharia), que era agora a mais próxima à portuguesa na coluna veneziana, foi severamente atingida, tendo perdido todos os mastros como consequência do combate. A própria ‘Nossa Senhora do Pilar’ foi também a nau que mais baixas sofreu das portuguesas.



Retirada dos Otomanos


Assim continuou a batalha durante cerca de três horas, das cerca de 14h00 às 17h00, com uma troca de tiros a média distância entre as duas armadas, apenas uma muito leve aragem, e as quatro naus portuguesas e a veneziana em posição de destaque nas linhas cristãs. Durante todo o combate, as naus turcas mantiveram a distância às naus portuguesas, de modo a estar sempre fora do alcance dos tiros de mosquete dos fuzileiros e granadeiros das companhias dos Regimentos da Armada a bordo destas, a bordo da ‘Nossa Senhora do Pilar’ por exemplo várias companhias de granadeiros do Regimento de Peniche. A certa altura, pareceu que o Conde de São Vicente tentou orçar, para mais se aproximar da vanguarda turca, isto no entanto pareceu excessivo ao Conde do Rio Grande, que logo fez sinal para este manter a formação. Por volta das cinco horas da tarde, no entanto, toda a armada otomana fez à orça de forma súbita, e fazendo força de vela retirou-se então à bolina cerrada para sul. Esta manobra súbita foi logo interpretada pelos aliados cristãos como uma vitória, a armada cristã tinha posto o inimigo em fuga e parte principal desta vitória tinha sido a acção das quatro naus portuguesas e da solitária Fortuna Guerriera veneziana, cujo nome parecia mesmo sugerir (aos olhos da época) a Providência divina no auxílio dos portugueses contra os muçulmanos. No entanto, a realidade sugere mais que, após a longa Batalha de Imbros no mês anterior, e do longo combate com a vanguarda cristã em Matapão desde a manhã, a vanguarda turca estaria já com muito pouca pólvora ao fim da tarde. Podendo, sem pólvora para as peças, cair na mercê das poderosas naus portuguesas, que com salvas à queima-roupa poderiam devastar totalmente a vanguarda turca, uma retirada de toda a armada otomana faz todo o sentido. Após a batalha, a armada otomana, e a esquadra portuguesa, na batalha de Matapão não chegaram a tão curta distância uma da outra como a que vemos na imagem. Após a batalha a armada cristão não conseguiu, devido aos ventos, alcançar a otomana, em vez disso, teve mesmo que correr com o tempo em direcção à Cirenaica. Na noite de 22 de Julho conseguiu então a armada aliada virar de bordo e navegar com direcção à Calábria. No dia 24 de manhã o tempo melhorou, mais ainda assim com onda larga, de que sofriam mais as naus com os aparelhos mais avariados pela batalha, como era o caso das portuguesas. O Conde do Rio Grande propôs então, vendo uma certa hesitação de parte de Pisani, ou perseguir os otomanos, ou regressar a Corfu, escolheu-se a segunda opção. Ao passar por Zante, os portugueses reintegraram a ‘São Tomás de Cantuária’ que ali tinham deixado. Uma vez regressada a Corfu, parecem os venezianos ter pedido ao almirante português para permanecer na ilha, no caso de os otomanos regressarem, mas o Conde fez ver que lhe faltava uma longa viagem de regresso a Portugal, e insistiu em partir. A Esquadra do Conde do Rio Grande largou assim de Corfu a 16 de Agosto, chegando a Messina a 24. Em Messina a esquadra portuguesa foi alvo de enorme interesse, todos queriam ver os vencedores dos turcos. Houve novas festas, banquetes, bailes, fogos-de-artifício, etc., por exemplo um novo banquete em honra do governador da cidade a 8 de Setembro, enquanto a esquadra reparava as avarias sofridas na batalha e as notícias chegavam a toda a Europa. Houve troca de correspondência, tendo o próprio Papa Clemente XI escrito a agradecer ao Conde do Rio Grande, que também trocou correspondência com o Marquês de Fontes, o embaixador português em Roma. Justamente na mesma altura foi Belgrado conquistada pelo Príncipe Eugénio, os turcos pareciam vencidos, como efectivamente se registou, com o 'Tratado de Passarowitz' o ano seguinte. Por fim, a esquadra portuguesa largou de Messina a 2 de Outubro, voltando a entrar no Tejo a 6 de Novembro. Onze dias depois, a 17 de Novembro de 1717, por iniciava de Dom João V a construção do Palácio Nacional de Mafra. Mais tarde chegou um embaixador extraordinário de Veneza para agradecer a Dom João V pela sua esquadra. Baixas e valor estratégico da batalha, a batalha do Cabo Matapão terminou indecisa. Infelizmente, o resultado táctico também o é, os vários elementos da aliança cristã tentaram todos dar mais importância à sua participação, e os vários relatos não estão de acordo quanto ao número de baixas, principalmente as do inimigo. Os mais optimistas falam em 14 naus turcas afundadas, um número totalmente exagerado, isso seria uma estrondosa vitória, o que a batalha não foi. Outros relatos falam em duas naus otomanas afundadas, e muitas mais avariadas, o que parece ser muito mais razoável. Outros ainda não falam em naves afundadas no campo de batalha, e é possível que algumas naus turcas apenas tenham sido afundadas posteriormente pelos próprios otomanos, por não se justificarem reparos. Também as naus portuguesas ficaram com os cascos e aparelhos muito avariados como resultado dos combates, mas todas foram reparadas. Segundo alguns relatos os venezianos parecem ter tido cerca de 225 mortos e 350 feridos, o que, a ser verdade, é um rácio de número de mortos/número de feridos altíssimo. Os portugueses tiveram cerca de 50 mortos e 150 feridos, um rácio mais normal para este tipo de combates na época, mas que ainda assim evidencia a violência da batalha. Ao todo a Almiranta portuguesa, a grande ‘Nossa Senhora do Pilar’, teve cerca de 60 baixas, mais de um quarto das baixas portuguesas, o que mostra como a nau do Conde de São Vicente foi a que mais envolvida esteve na batalha. Ao longo da batalha, a ‘Nossa Senhora do Pilar’ disparou cerca de 2.300 tiros, o que equivale a 60 bordadas, a uma média de pouco menos de oito bordadas por hora. Muito interessantemente, a mesma nau disparou ao todo 948 tiros ao longo de toda a viagem para sinalização e em salvas festivas. Embora a batalha do Matapão não tenha tido qualquer relevância estratégica para a guerra contra os turcos, a batalha teve assim um papel de relevo na política externa de Dom João V, prestigiando a sua Armada Real e projectando o reino de Portugal na Europa, afirmando mais uma vez a sua aliança com o cunhado, o Imperador Carlos VI, o Papa, e no caso os seus aliados, Veneza e a Ordem de Malta. Talvez por essa razão foi o português Dom António Manuel de Vilhena cinco anos mais tarde eleito grão-mestre da Ordem de Malta em 1722, tornando-se um dos mais notáveis mestres da história da Ordem.



Na Batalha de Matapão vemos assim a Armada Real de Portugal ser usada, mais que para fins militares de defesa, como uma peça no grande jogo de xadrez da política europeia. A esquadra do Conde do Rio Grande foi assim, para citar o célebre dito de Clausewitz, uma continuação da política com outros meios. No entanto, esta foi a última vez que a Armada Real portuguesa assim foi usada. Futuramente, graças às prioridades de Dom João V e seus sucessores, limitar-se-ia a missões puramente militares de defesa do território do império português.


Outubro, 16 - Dom Luís Carlos Xavier de Menezes, 5º Conde da Ericeira, toma posse como Vice-Rei da Índia. Esta primeira nomeação, seguiu-se à do 1º Conde de Sabugosa entre 1712-1717, que havia reposto de novo o respeito pelo nome de Portugal na zona, que administrações anteriores, tinham deixado cair. Esta primeira nomeação (haveria de ter outra nomeação em 1740) foi considerada danosa para a Fazenda Nacional em 1733, tendo o tribunal de Relação emitido uma sentença de pagamento de 400$000 réis. O certo é que a situação na Índia não viria a melhorar nos anos seguintes, nem sob o ponto de vista militar nem financeiro.

O Convento de Mafra - A promessa.




Segundo José Saramago no seu livro "Memorial do convento", que põe na boca de Dom João V a seguinte frase «Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos…», corroborando esta ideia muito divulgada da promessa Real em construir um convento, contra o nascimento de um filho, o que indicia alguma pressa nesse acontecimento.




Já casado desde 1708, só em 1711 havia nascido a infanta D. Maria Bárbara, sendo provável que entretanto essa promessa tenha sido feita. Se a razão da construção foi essa promessa, então começou a ser cumprida um pouco mais tarde, quando lançou a primeira pedra da igreja em Novembro de 1717, para a construção dum convento para capuchos arrábidos. Se a razão da promessa foi não o nascimento de um filho, mas a cura de uma doença então o prazo de cumprimento do prometido, já é mais aceitável, pois há noticia que El-Rei esteve retirado em 1716 em Vila Viçosa, por motivo de doença de cariz melancólico. Deve ter sido uns anos mais tarde que surgiu a ideia de anexar um palácio, ao que estava destinado a servir apenas para a vida conventual, com um modesto projecto para abrigar 13 frades. Talvez não se tenha tratado apenas de devoção, a ideia da construção do convento-palácio de Mafra, mas também o desejo de ostentar o seu poder e riqueza, pois o dinheiro do Brasil começou a entrar nos cofres, pelo que D. João e o seu arquitecto, Johann Friedrich Ludwig, iniciaram planos mais ambiciosos.



Representando um enorme esforço quer em dinheiro quer em pessoas, "milhares de trabalhadores que vêm de todo o reino para Mafra" lia-se numa gazeta manuscrita em Setembro de 1729. Construído em pedra lioz da região de Pero Pinheiro e Sintra, o edifício ocupa hoje uma área de cerca de 40.000 m2, com cerca de 1.200 divisões, mais de 4.700 portas e janelas, 156 escadarias e 29 pátios e saguões.


'Dezembro - Primeira reunião no palácio do Conde da Ericeira, da futura Academia Real da História de Portugal, que para alguns autores e identificado com a fundação da Academia de História.


Alexandre de Gusmão, embaixador em França.


A corte francesa significava para Dom João V o 'Sol' da sua existência que procurava sempre imitar, pelo que a nomeação dum embaixador, na altura chamava-se agente diplomático, para aquele País requeria algum cuidado na escolha da pessoa a nomear. Em Fevereiro de 1717 nomeia um brasileiro nascido em Santos, Alexandre de Gusmão para esse cargo. Pessoa de larga cultura diversificada quer pelo conhecimento de várias línguas, estudioso de matemática e filosofia experimental, estudou teologia em Coimbra que interrompeu quando embarcou para França como secretário do Conde da Ribeira Grande na sua missão de embaixador. Aproveitou o tempo para estudar direito em Sorbonne. Após alguns anos em Roma, regressou a Portugal tornando-se secretário do Rei. O papel de secretário particular que primeiramente desempenhou, era de extrema importância junto do Rei, como seu principal conselheiro, tratando da correspondência, que se não limitava a redigir em nome do Rei, pois frequentemente apresentava pareceres sobre os mais variados assuntos, desde o sistema de capitação a ser aplicado nas minas de ouro do Brasil, até à questão da saída de ouro para outras nações europeias, sobretudo para Inglaterra.

Ano de 1719

O papa criou o Bispado do Grão-Pará. 
No dia 4 de março de 1719, o papa, através da Bula Copiosus in Misericórdia, criou o Bispado do Grão-Pará, sendo nomeado o seu 1º Bispo, D. Frei José Bartolomeu do Pilar, da Ordem dos Carmelitas Calçados.


Bartolomeu de Gusmão patenteia uma máquina voadora (a Passarola). A Inquisição persegue-o. Ele foge.

Outubro, 26 - A 23 viu a Corte um combate de Touros no lugar de Odivelas, de que foi mantenedor D. António da Silveira, festejando o casamento de D. Brás Baltazar da Silveira seu irmão, e fez tudo com muito luzimento, e mui ajustado aos preceitos de tourear.

Manuel de Azevedo Fortes é investido no cargo de engenheiro-mor do reino.



Integrando-se na corrente das Luzes, Azevedo Fortes foi engenheiro do exército tendo a sua formação na área das ciências exactas muito contribuído para a coloração da sua obra. É autor do primeiro tratado sobre lógica integralmente escrito em português, quebrando o anterior monopólio do latim, a Lógica Racional Geométrica e Analítica, publicada em Lisboa em 1744.



Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749) morreu em 28 de Março de 1749. Integrando-se na corrente das Luzes foi autor do primeiro tratado sobre lógica integralmente escrito em português: a Lógica Racional Geométrica e Analítica, publicada em Lisboa em 1744. Nomeado Engenheiro-mor do Reino em 1719, tendo também escrito o Tratado do Modo mais fácil e exacto de fazer as Cartas Geográficas, de 1722 e O Engenheiro Português, obra em 2 tomos publicados em 1728 e 1729.


Parte de Haia para Madrid Dom Luís da Cunha na qualidade de Embaixador Extraordinário. Célebre diplomata no tempo de D. João V, comendador da ordem de Cristo, arcediago da sé de Évora, desembargador do Paço, enviado extraordinário às cortes de Londres, Madrid e Paris, e ministro plenipotenciário de Portugal no congresso de Utreque; académico da Academia Real de História, etc. Nasceu em Lisboa a 25 de Janeiro de 1662, e faleceu. em Paris a 9 de Outubro de 1749. Era filho de D. António Álvares da Cunha, guarda-mor da Torre do Tombo, e sobrinho de D. Sancho Manuel, conde de Vila Flor. Seguiu muito moço os estudos da Universidade de Coimbra, onde se graduou na faculdade de direito canónico, e tendo desde logo mostrado extraordinário talento, foi nomeado em 1686, quando terminou o curso, desembargador da relação do Porto, contando apenas 20 anos de idade, passando depois para a de Lisboa. Em 1696 foi nomeado embaixador na corte de Londres, em que revelou exuberantemente a sua grande vocação para a diplomacia. No ano de 1712 recebeu a nomeação de ministro plenipotenciário no congresso de Utreque, para auxiliar o conde de Tarouca, que já estava encarregado das negociações da paz. Assinou nesse ano a suspensão das armas, a que se seguiu o tratado, celebrado entre Portugal, França e Espanha, que veio a ser assinado em 1715, o qual pôs termo à guerra da sucessão de Espanha. Depois voltou a Londres como embaixador extraordinário, a felicitar o rei Jorge I, de Inglaterra, pela sua elevação ao trono, acompanhou este monarca a Hanôver, donde novamente partiu para Londres. Em seguida foi enviado a Madrid, que estava sendo governada pelo cardeal Alberoni. Teve graves contendas com este fogoso ministro, que numa ocasião, por causa duma reclamação de 600.000 patacas que Portugal apresentava, o tratou injuriosamente, chegando a voltar-lhe as costas. D. Luís da Cunha procedeu então com toda a energia. Dotado dum fino tacto diplomático, percebeu que nessa ocasião não convinha à Espanha ter guerra com Portugal; era no tempo em que o embaixador espanhol em Paris, o príncipe de Cellamare, conspirara contra o regente, sendo a conspiração descoberta. A França declarara guerra à Espanha, o marechal de Berwick invadira as províncias setentrionais da península, e Alberoni não podia desejar que um exército português o obrigasse a chamar para as suas fronteiras ocidentais uma parte das forças, que lhe eram tão precisas nos Pirenéus. Por isso, D. Luís da Cunha mostrou-se resoluto e exigente, e conseguiu da Espanha pleníssimas satisfações, dando melhor seguimento aos motivos que levaram a sua nomeação em 16 de Fevereiro

Ano de 1720


Emigração para o Brasil sob controlo. Foi só a partir da descoberta do ouro em 1695 em Minas Gerais, que se começou a observar o fenómeno dum progressivo povoamento do interior do Brasil à custa do abandono dos engenhos situados no litoral e do surto de emigrantes que saíam de Portugal com destino ao Brasil. A partir do século XVIII a emigração portuguesa no Brasil alcança números jamais alcançados, naturalmente que o grande número de pessoas que demandavam o Brasil, faziam-no pela miragem da descoberta do ouro, mas obviamente que o desenvolvimento económico do Brasil, também se deveu ao surto de evolução do tecido urbano com o aparecimento de pequenos comerciantes que faziam crescer as ofertas de emprego. A emigração açoriana para a Região Sul do Brasil, foi exemplo da situação referida pois, esses colonos portugueses fixaram-se predominantemente ao longo do litoral, onde fundaram pequenas vilas e lugarejos, vivendo da produção de trigo e da pesca. A maior parte da emigração contudo, foi de pessoas originárias do Minho. Inicialmente a Coroa Portuguesa incentivou a ida de minhotos pobres para o Brasil, que se fixaram principalmente na região de Minas Gerais e na Região Centro-Oeste do Brasil. Porém, a emigração tomou proporções altíssimas, e a Coroa passou a controlar a ida de portugueses para o Brasil, proibindo a saída sem passaporte, com o intuito de estancar o despovoamento do Reino. Cujos números andariam nessa altura pelas 8 a 10 mil saídas anuais. A língua portuguesa tornou-se então dominante no Brasil em substituição ao tupi-guarani.

Setembro, 8 - Nasceu o Infante D. José filho ilegítimo de D. João V e de Madre Paula freira em Odivelas. D. José nasceu, em Lisboa e faleceu na mesma cidade, a 31 de Julho de 1801. Está sepultado no Mosteiro de S. Vicente de Fora), filho da Madre Paula, freira em Odivelas. Foi doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e inquisidor-mor em 1758. Esteve desterrado no Buçaco, com seu irmão D. António, de 1760 a 1777, por ordem do Marquês de Pombal.

Dezembro, 8 - É fundada a Academia Real de História. Academia Real da História Portuguesa. Foi fundada em Lisboa, por decreto de D. João V, de 8 de dezembro de 1720, sendo inspirada a fundação por D. Manuel Caetano de Sousa. Estabeleceu-se numa das salas do palácio dos Duques de Bragança, que o Rei mandara mobilar luxuosamente para esse efeito. A Academia devia ter um director e quatro censores.


1.º Director Dom Manuel Caetano de Sousa.

1.º Secretário o Conde de Vilar Maior.


1.º Censore Marquês de Alegrete


2.º Censore Marquês de Fronteira



3.º Censore Marquês de Abrantes



4.º Censore Conde da Ericeira


Nessa sessão de 8 de Dezembro de 1720 estiveram presentes 31 académicos, que eram os que até essa data se achavam eleitos. Os estatutos foram confirmados por decreto de 4 de janeiro de 1721, e neles se ordenava que houvesse cinquenta académicos de número, os quais se encarregavam de escrever a História eclesiástica, militar e civil do país. A divisa da Academia Real de História Portuguesa era a frase latina Restituet omnia. As publicações deste instituto eram isentas de qualquer censura que não fosse a dos seus quatro censores privativos. Em 1736, começou esta academia em decadência, até que terminou de todo. Entre os seus sócios contavam-se muitos homens notáveis: D. Manuel Caetano de Sousa, os Marqueses de Abrantes, de Alegrete, de Fronteira, de Valença, o Conde da Ericeira, D. António Caetano de Sousa, Manuel Teles da Silva, Diogo Barbosa Machado, Alexandre Ferreira, Jerónimo Contador Argote, Raphael Bluteau, Padre António dos Reis, etc. Esta academia deixou uma colecção de 15 volumes (1721-1736) de memórias e documentos, e muitas outras dos seus sócios, entre as quais a História de Malta, por frei Lucas de Santa Catarina; Memórias de D. Sebastião, por Diogo Barbosa Machado; História dos Templários, por Alexandre Ferreira; História cronológica da Casa Real, por D. António Caetano de Sousa, as obras de Bluteau, etc.



Carlos Seixas - Um compositor. Neste país pródigo em situações caricatas é frequente ouvir nos nossos auditórios, compositores estrangeiros do Barroco de duvidosa qualidade, quando por incúria se não promove devidamente um dos maiores do seu tempo como é o caso de Carlos Seixas. José António Carlos de Seixas, nascido em Coimbra a 11 de Junho de 1704, é o maior compositor português para música de tecla do Barroco. A sua obra não se limita só ao cravo (o maior número) e algumas obras para órgão. Compôs igualmente obras sacras e obras para orquestra (a sinfonia em Si bemol, por exemplo). Filho de Francisco Vaz, organista da Sé de Coimbra e de Marcelina Nunes. Carlos Seixas substitui o pai aos 14 anos de idade naquele cargo. Em 1720 muda-se para Lisboa, sendo nomeado organista da Sé, e um pouco mais tarde ascende ao distinto cargo de Vice Mestre da Capela Real, algo notável atendendo a que o Mestre de Capela era Domenico Scarlatti. Morre apenas com 38 anos, ocupando então o cargo de Mestre da Capela Real: o mais alto cargo na música portuguesa de então. Compôs belíssimas obras de música sacra, entre as quais se contam o "Ardebat Vicentius" , para a festa de S. Vicente, a Missa em Sol, e um "Te Deum" para duplo coro e orquestra, entretanto desaparecido muito provavelmente com o terramoto de 1755, assim como grande parte das 700 sonatas para instrumento de tecla (umas para cravo e outras para órgão), das quais restam cerca de cem, um concerto para cravo, uma sinfonia em Si, uma abertura em Ré, e um outro concerto para cravo que lhe é atribuído.

Ano de 1722

Fundação da fábrica Vidros em Coina. Foi a abundância de lenha da Mata da Machada e a invulgar pureza das areias que determinaram a instalação em Coina da Real Fábrica de Vidros Cristalinos. Inicialmente pensada para ser construída no Forte da Junqueira, conforme determinação real de 11 de Abril de 1714, por contrato estabelecido com um tal João Palada, que não terá desempenhado com eficácia a sua parte do contrato, foi decidido provavelmente pelas razões logísticas acima referidas, retomar esse projecto em Coina, sob a direcção de João Butler a quem se deu a laboração por tempo de doze anos, ao mesmo tempo ordenando Sua Magestade a proibição de se introduzirem vidros estrangeiros, como fazenda de contrabando. Esta manufactura vidreira, ficou instalada no espaço do antigo largo do mercado do gado. Estudada pelo investigador Jorge Custódio em “A Real Fábrica de Vidros de Coina (1719-1747) e o Vidro em Portugal nos séculos XVII e XVIII” O autor realizou escavações no período entre 1983 e 1990 à procura de “fragmentos” explicativos. E não foi difícil encontrar pedaços de vidro de tipo cristalino, espelhos e vidro verde, elementos caracterizadores da sua produção. Explicando o autor que houve uma preocupação em encontrar testemunhos de tudo o que “fosse vivo” e o resultado é o “cruzamento de perspectivas históricas, tecnológicas e arquitectónicas”. Durante os trabalhos de escavação arqueológica foram encontrados “vários fornos e um conjunto de vestígios materiais” que permitiram reconstituir a produção do vidro nesta localidade. A riqueza dos vestígios de 28 anos de laboração, permite ao investigador afirmar que o trabalho desenvolvido na Real Fábrica tem qualidade técnica igualável ao que era feito por “italianos, finlandeses, irlandeses, venezianos e alemães”. A qualidade da produção pareceu contudo, decair logo que a fábrica foi contratado pela coroa, principiou a correr outro influxo porque os vidros se faziam de mais inferior qualidade, sendo os mestres e os fabricantes os mesmos, e pouco a pouco foi decaindo a laboração, de sorte, que conhecidamente parecia estímulo o que principiou agrado, e eram frequentes os clamores contra a fábrica e contra os vidros. Contra a fábrica, porque não dava vidros bastantes para o uso das gentes, dependia de que viessem de fora os mestres e materiais, e destruía as lenhas nos seus consumos em prejuízo grave dos moradores de Lisboa. Contra os vidros, por serem de inferior qualidade, poucos, caros, e de ruim feitio; e também o ofício dos vidraceiros proclamava contra a Fabrica por lhe faltarem os vidros precisos para os menesteres da sua subsistência, e surtimentos das suas lógeas. Houve de tudo um pouco, no decorrer da relativamente curta história desta Fábrica de Vidro em Coina, desvio de fundos e consequentes desaguisados entre sócios, tráfico de influência das manufactureiras de vidro estrangeiras, etc, até ao encerramento em 1744. Em 1748 a manufactura de vidro viria a ser transferida para a Marinha Grande.

Revolta dos sobas angolanos no Quilengues.


No dia 9 de Junho travou-se enorme batalha, de enormes desproporções entre os contendores, muito embora da parte portuguesa houvesse mais organização e experiência, resultou aquele combate na província de Quilengues enorme mortandade, entre os revoltosos, tendo na ocasião o Príncipe Quiambollas fugido para lá do rio Catumbela, onde acabou por se render com a promessa de não mais se revoltar. Foi colonizada pelos portugueses a partir de 1770.


Embaixada da China em Portugal.



Quando o imperador Kangxi da China, enviou ao Rei D. João V no dia uma embaixada saída da China a 3 de Março de 1721, o Padre António de Magalhães (missionário em Macau desde 1696 e em Pequim a partir de 1716) essa embaixada era um sinal de que entre Portugal e a China as relações podiam continuar no recíproco respeito e com o apoio e a protecção necessários aos jesuítas lusitanos, insinuou-se a possibilidade de reconstituir aquele tecido sociopolítico que a «questão dos ritos» e as divisões internas à mesma igreja tinham profundamente desgastado. Essa embaixada trazia presentes para o Rei contidas em 60 caixas cuja avaliação foi de 300.000 cruzados. Só as 7 pérolas foram estimadas cada uma em 14.000 cruzados e entre outras coisas contavam-se flores artificiais feitas pelo próprio Imperador. A recepção à embaixada teve lugar no dia 22 de Dezembro

Violento sismo no Algarve. 
Rezavam assim as crónicas de época:

Em 27 de Dezembro, entre as 5 e as 6 da tarde, sentiu-se em Portugal um forte tremor de terra, mais intenso no sul do País. Foi sentido fortemente do Cabo de S. Vicente a Castro Marim e provocou estragos em Loulé, Tavira, Faro, Albufeira e Portimão. Houve muitos mortos, edifícios destruídos e muitas casas ficaram inabitáveis. O tremor de terra, que não durou mais espaço que o de huma Ave-maria; mas tam violento, que fez hum grande abalo, e se abrirão algumas fendas na abobada da Igreja do Colégio, estalando algumas pedras das tribunas e portas. O mesmo padeceu a Igreja, e mais oficinas do Convento dos Capuchos, onde se tocarão per si as campainhas, que costumam estar junto aos altares. Tem-se notícia de vir correndo este movimento desde o Cabo de S. Vicente, e de se ir dilatando pela extensão do reino: experimentando-se maior violência nas Villas de Albufeira, e Loulé, e nas cidades de Faro e Tavira. (...)”. Segundo Moreira de Mendonça, “padeceu o Reyno do Algarve um Terramoto fatalíssimo, que durando pouco mais espaço, que o de uma Ave-Maria, foram tão grandes os abalos, que causou muitos estragos. Em Villa Nova de Portimão, ficarão arruinadas a Igreja do Colégio da Companhia, e a Igreja do Convento dos Capuchos. Em Tavira acabou como hum horroroso trovão, cairão 27 moradas de casas, a as mais ficarão arruinadas. No rio se apartarão as águas, de forma, que huma Caravela, que por elle hia sahindo ficou em seco por muito tempo. O Convento de S. Francisco ficou muito arruinado. Em Faro cairão muitas casas, em que morreu alguma gente, ficando as mais abertas. O mesmo sucedeu á Torre da Igreja Catedral, na qual fez o movimento de tocar os sinos.

Ano de 1723

Casamento do Marquês de Pombal. Quando era ainda apenas um fidalgo sem grandeza, aos 23 anos, Sebastião José, casou-se com uma viúva e importante dama aristocrata, D. Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada (1689-1737), dez anos mais velha, sobrinha do conde de Arcos, o que criou a Sebastião de Carvalho problemas com a família da mulher. Em circunstâncias pouco convencionais: rapta a noiva uma vez que ele não era aceite pela família desta, extremamente poderosa, que o considerava "um mau partido". Este casamento permitiu a integração de Sebastião José no grupo representante da alta fidalguia. Não houve descendência neste primeiro casamento.


Surto de Febre-amarela em Lisboa. A febre-amarela é uma doença que, infelizmente, vitimou muitas pessoas antes que se descobrisse que este tipo de moléstia era transmitido por dois tipos de mosquito do género: Aedes aegypti e Haemagogus. Antes das descobertas expansivas da Europa, os Europeus nunca haviam ouvido falar de tal doença, somente com a descoberta da América e da África que os primeiros infectados puderam ser conhecidos. Este tipo de moléstia é causado por um vírus. Ainda hoje há dúvida sobre o lugar de origem do vírus, mas a África Ocidental e as Antilhas são os mais prováveis refugio deste tipo de vírus. Os primeiros relatos dessa doença, só foram feitos em meados do século XVII. Em pouco tempo os europeus tiveram a desagradável experiência. Em 1665 uma esquadra inglesa perde em Santa Lúcia – pequena ilha do Caribe – 1.440 tripulantes, numa expedição cujo total de homens era de 1.500. Em 1700 a febre-amarela já estava na Europa. A península Ibérica foi o primeiro lugar em que a epidemia se manifestou, provocando 10 mil mortes em Cádis, em 1714. Em Lisboa, 6.000 pessoas morrem de febre-amarela em 1723.

Ano de 1725

Na sequência dum incidente em que o embaixador francês o abade de Livry, ofendido porque o secretário de estado Diogo de Mendonça, não lhe ter feito uma primeira visita particular, decide retirar-se de Lisboa. De imediato o embaixador português em Paris D. Luís da Cunha, fez o mesmo retirando-se para Bruxelas. As relações entre Portugal e a França ficaram interrompidas durante 14 anos, as missões diplomáticas entre as duas coroas, ficando a França representada em Portugal por um cônsul e Portugal em França por um encarregado de negócios. Diga-se contudo que as relações económicas e culturais sempre se mantiveram. Entretanto desde Bruxelas, D. Luís da Cunha sempre esteve negociando com o governo francês para pôr termo a este estado de coisas, o que efectivamente conseguiu, chegando a um acordo com o Marquês de Fénelon, Ministro francês em Haia.

Maio, 24 - Instruções dadas a José da Cunha Brochado para ajustar com Espanha uma liga ofensiva e defensiva. Esta ofensiva diplomática, ao que parece pagas pelo "bolsinho" de sua Majestade (uma espécie de ‘saco azul’ moderno), acabaram por vir a resultar no acordo pré-nupcial duplo que viria a ser assinado ainda este ano em 7 Outubro. Assim a Princesa D. Maria Bárbara, casaria com o Príncipe das Astúrias e D. José casaria com D. Mariana Vitória, ficando assim seladas pelo casamento dos dois Príncipes herdeiros, o compromisso de ajuda mútua. Curiosamente ambas as princesas haviam estado na lista de casamento de Luís XV, a portuguesa fora chumbada porque "não estava em condições de corresponder ao objectivo, por serem frequentes os casos e loucura e de má saúde na família", receando-se que não pudesse vir a ter filhos. A princesa Mariana Vitória que teria estado "á experiência" na corte francesa, acabaria por ser devolvida a Filipe V, pelo que ficaram então reunidas as condições para o futuro enlace.




Outubro, 28 - Nomeação de João Saldanha da Gama como Vice-rei da Índia.



O Vice-rei da Índia João Saldanha da Gama nasceu a 19 de Março de 1674 e faleceu em Lisboa, a 5 de Maio de 1752, foi também governador e capitão-general da ilha da Madeira. Filho de Luís Saldanha da Gama, Capitão-General de Mazagão (Marrocos), iniciou a carreira das armas ainda muito jovem, servindo com o pai em Mazagão. Foi, depois, Coronel de Infantaria e camarista do Infante D. António. Em 1725, foi nomeado Vice-rei da Índia, cargo em que se manteve até 1732, regressando então ao Reino. Durante a sua brilhante governação as forças portuguesas obtiveram vários êxitos militares, conseguindo reconquistar Mombaça. Chefiou ainda a embaixada portuguesa que se deslocou a Pequim, encarregada de saudar o imperador.



Termina a construção da fachada actual do Mosteiro de Alcobaça, restando do gótico primitivo o portal de arcos ogivais e o aro da rosácea.



Nicolau Nasoni - A vinda para Portugal. Não é conhecida a data em que Nicolau Nasoni terá chegado a Portugal, mas o certo é que aqui havia ouro, chegado do Brasil e vontade de construir obra, ambiente propício ao interesse de grandes artistas, pelo nosso País. A cidade do Porto também não quer ficar atrás e é também ali pelo norte do País que se encontram muitos entalhadores e pedreiro, para trabalharem o género que esta agora na moda a decoração nas fachadas e talha nos interiores, o barroco. As ligações das famílias abastadas do Norte, a ligação destas à igreja e desta á Ordem de Malta, onde Nasoni se tinha fixado, para pintar um tecto no palácio de La Valeta, obra dirigida ao frei D. António Manuel de Vilhena, Grão-mestre da Ordem de Malta. Assim a este arquitecto italiano foi dirigido o convite para vir para Portugal. Modificou-se o acesso aos claustros do século XIV e à Capela de São Vicente. Uma graciosa escadaria também de Nasoni que conduz aos pisos superiores, onde os painéis de azulejos exibem a vida da Virgem e as Metamorfoses de Ovídio. Esta obra iniciada em Novembro de 1725, demoraria alguns anos, pois só terminaram em 1731, por aqui se casou com uma fidalga napolitana, enviuvou e voltou a casar desta feita com uma analfabeta de Santo Tirso, para que não esteve viúvo mais do que 3 meses, ao que parece devido aos bons ofícios do deão da Sé do Porto. Trabalho porém, não mais lhe há-de faltar, seguiu-se a casa e o jardim da quinta da Prelada para um fidalgo portuense ligado a uma irmandade, a Irmandade de Clérigos Pobres de N.ª Sr.ª, da Misericórdia, S. Pedro e S. Filipe Nery, que tinham como necessário a construção de uma sede onde pudessem realizar a sua actividade e praticar o culto, daqui nasce a ideia da construção da Igreja dos Clérigos, que se irá iniciar em 1731 e que lhe dará trabalho por mais de 30 anos. O edifício data do séc. XII, em estilo românico de acordo com a sua época mas foi sofrendo transformações ao longo dos séculos até que chegado ao séc. XVIII como não poderia deixar de ser haveria de vir a receber as inevitáveis influências barrocas. Extraordinário artista multifacetado, pois além de arquitecto, foi pintor, escultor, fez trabalhos em ourivesaria e que inexplicavelmente viria a morrer pobre em 1773, encontrando-se sepultado na Igreja dos Clérigos não se conhecendo, porém, o local exacto onde se encontra o seu túmulo.



Vivaldi estreia as "4 estações". António Vivaldi nascido em Veneza, violinista e compositor de música barroca, padre, ficou conhecido pelo sobrenome de "padre vermelho", pelo seu cabelo ruivo, foi dispensado da celebração devido à sua saúde fragilizada, dedicando-se por esse motivo ao ensino de violino, mais de quinhentos concertos (210 dos quais para violino ou violoncelo solo), dos quais se destaca o seu mais conhecido e divulgado trabalho "As quatro estações" estreada em 1725. Menos conhecido é o facto de a maior parte do seu repertório ter sido descoberto apenas na primeira metade do século XX em Turim e Génova, mas publicado na segunda metade. A música de Vivaldi é particularmente inovadora, quebrando com a tradição deu brilho à estrutura formal e rítmica do concerto, repetidamente procurando contrastes harmónicos, e inventou melodias e trechos originais. Johann Sebastian Bach foi deveras influenciado por Vivaldi contudo, nem todos os músicos demonstraram o mesmo entusiasmo, Igor Stravinsky afirmou em tom provocativo que Vivaldi não teria escrito centenas de concertos mas um único, repetido centenas de vezes. Apesar do seu estatuto de sacerdote, é suposto ter tido vários casos amorosos, um dos quais com a cantora Anna Giraud, com quem Vivaldi era suspeito de manter uma menos clara actividade comercial nas velhas óperas venezianas, adaptando-as apenas ligeiramente às capacidades vocais da sua amante. Vivaldi, tal como muitos outros compositores da época, terminou sua vida em pobreza. Igualmente desafortunada, sua música viria a cair na obscuridade até aos anos de 1900. Apesar de todos os detractores, de todas as críticas negativas que Vivaldi recebeu, o seu talento é inegável, foi o compositor que inventou, ou pelo menos, estabeleceu a estrutura definitiva do concerto e da sinfonia. A sua facilidade na escrita era impressionante, escrevia tão rápido quanto a pena o permitia. Consta que demorava a escrever um novo concerto em menos tempo que um copista a copiá-lo.