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domingo, julho 26, 2015

O Leão dos Mares da Ásia-Afonso de Albuquerque (II)

II) Um Oceano Islâmico


Antes de acompanhar mais longe o nosso herói é preciso fazer o ponto da situação, ir além dos conhecimentos dos homens do século XVI e apresentar o mundo do oceano Índico na sua realidade. Na época em que as frotas portuguesas começavam a explorar as costas, a vida económica era marcada pela acção crescente das comunidades muçulmanas, que desfrutavam em absoluto das suas rotas marítimas. A situação não era nova, mas fora estimulado por acontecimentos recentes, que se mantinham em desenvolvimento e levavam a expansão, islâmica ao apogeu.

Do Golfo Pérsico ao Mar da China


Os Árabes praticavam cabotagem, havia muito tempo, nas costas do oceano Índico ocidental, quando o aparecimento do Islão deu às suas, comunidades uma dimensão politica. Datando já de 851, no tempo do califado abássida a primeira narrativa de uma viagem marítima transoceânica descreve um itinerário que parte do golfo Pérsico e vai tocar o litoral da China do Sul onde subsistem ainda hoje vestígios de mesquitas e de necrópoles. Levadas pela monção, as embarcações atingiam as costas da Índia Ocidental. Aparelhavam de seguida para Cantão fazendo escala nos portos da Insulíndia. Como todos marinheiros do mundo, os Árabes tinham uma mulher em cada porto. Não deixando nada ao sabor do acaso, as instituições islâmicas haviam previsto para os navegadores uma forma de casamento temporário que oferecia vantagens às esposas, na condição única de os filhos serem educados na lei do profeta. Deste modo se desenvolveram os núcleos da islamização nas costas da Ásia. Quase sempre marginais, nos limites de vastos Impérios brâmanes ou budistas. As comunidades muçulmanas em breve encontram a sua própria função na vida económico recendo a mais antiga rede de trocas que alguma que alguma vez unira o Mediterrâneo e o mar da China. A rota das especiarias adquire traçado. Colhidos na ilha de Banda e nas Molucas, a noz-moscada e o cravinho são levados até aos portos do arquipélago malaio a canela apanhada no Ceilão, tudo isso chega às escalas da Índia produtora de pimenta e gengibre. É ai que os negociantes do Médio Oriente os trocam pelos metais e pelo numerário da bacia do Mediterrâneo. Os ventos de regresso sopram em Janeiro e empurram as velas em, duas rotas diferentes; uma dirigindo-se para o Mar Vermelho (de onde as caravanas partem em direcção aos mercados do Egipto e da Síria), e outra para Baçorá, no golfo Pérsico onde começa e interliga os portos do Levante. A importância do comércio das especiarias não deve esconder o volume de outras mercadorias transportadas por elas; têxteis, viveres, cavalos e elefantes, porcelanas e pedras preciosas. A sua produção e distribuição mantêm a actividade de rotas secundárias que animam, Persas, Chineses, Malaios, Indianos, Judeus e Cristãos do Oriente. A partir do século XI, a companhia egípcia dos Karimis vai harmonizar todos estes tráfegos e impor-se, ao estabelecer famílias e agentes em todos grandes portos. Na costa indiana do Malabar, Calecut abre-se aos negociantes marítimos do mundo árabe, que são acolhidos pelas comunidades islâmicas locais cumulados de privilégios pelo rei hindu. Embora as novas sociedades árabes sejam ainda mantidas à parte em Coulão os novos portos vizinhos desenvolveram-se e movimentaram-se na actividade transoceânica, às quais os hinduístas se entregam de modo muito reticente. Na verdade, a moral brâmane considera a viagem por mar verdadeiro pecado, uma vez que expõe os navegadores às máculas inevitáveis que as comidas e os encontros. Tais riscos afastavam os membros das castas mais elevadas dessas viagens e não encorajavam os outros. Os interditos do mar eram particularmente rigorosos do Malabar, onde associações de judeus e cristãos haviam tomado conta do comércio marítimo durante a alta idade média; fizeram fortuna do Islão, que logo encontrou uma finalidade e um lugar nas estruturas sociais. E assim todos mercadores muçulmanos do Velho Mundo desde Tremecém até Cantão, acorriam a Calecut, onde se encontravam especiarias e pedrarias em profusão, tal como as sedas e porcelanas trazidas pelos juncos chineses. Ao mesmo tempo, a orla marítima da África foram colonizadas por imigrantes árabes e persas em pequenos sultanatos, independentes, frequentemente limitados a uma metrópole. Desde Magadoxo a Zanzibar, na orla de um continente impenetrável, essas metrópoles enriqueciam com a troca de produtos locais; Peles de animais, ouro, marfim e escravos, por arroz, algodões indianos e porcelanas da China, que lhes chegavam pelos navios dos mares do Sul.

As Etapas da Islamização


Durante os dois séculos que precederam a chegada dos Portugueses, outras forças se estabeleceram conjugando-se para dar brilho ao desenvolvimento do Islão. A Índia sofrera, choques sucessivos de invasões turcas e afegã que se tinham lançado na planície indo-gangética e aí se estabelecera um sultanato em Deli. Várias incursões haviam infligido aos reinos do Decão a passagem de exércitos devastadores que, em geral se perderam nas florestas, deixando os templos profanados, os ídolos quebrados e as cidadelas em chamas. Estas conquistas malogradas mobilizaram os senhores hindus em volta do rajá de Vijayanagar, cujo domínio em breve cobriria todo o Sul. Na fronteira do Norte os governadores, muçulmanos que os invasores tinham instalado em lugar dos reis destronados rejeitavam uns após outros a longínqua tutela de Deli, mantendo-se fiés no entanto à fé islâmica. Alguns juntaram-se para formar para formar o império Vijayanagar. O antagonismo entre estas duas potências iria acender. No coração do Decão uma guerra duas vezes secular. No alvorecer do século XV, os factores do poder mercantil islâmico começaram a inclinar-se par o oceano Indico Oriental. Os sultanatos de Bengala e do Guzarate acabavam de obter a independência, o que reconfortou as comunidades islâmicas estabelecidas nos seus portos havia já muito tempo. O seu campo de actividade estendeu-se até à Insulíndia, onde disputaram os mercados têxteis aos negociantes de Vijayanagar. Implantada nos centros produtores daqueles três países, a indústria algodoeira indiana era a primeira do mundo e a base das suas trocas. Os Bengalas conseguiram estabelecer-se na costa Norte de Sumatra. O reino hindu de Majopahit dominava então Java e o arquipélago, impondo a sua influência até às Molucas as tão invejadas ilhas da noz-moscada e do cravinho. Bengalas e Guzarates asseguraram a sua empresa económica, multiplicando no litoral comunidades de fiéis que tediam a ser autónomas à medida que iam aderindo à fé muçulmana. No preciso momento em que a sua expansão tomava novo impulso, a cidade de Malaca nascia sobre as ruinas um ninho de piratas, no ponto de encontro das monções do oceano Índico e do mar da China. Este lugar privilegiado, no extremo da península, cedo foi explorado pêlos mercadores que reagrupavam os seus juncos nas águas calmas do arquipélago. Malaca dispensava os Chineses da longa viagem ao Malabar, uma vez que lhes era possivel da longa viagem ao Malabar, uma vez que lhes era possivel a longa viagem ao Malabar, uma vez que lhes era possivel trocar ali as sedas e porcelanas pelos algodões e outros produtos que os Guzarates traziam do ocidente; os mercados abriram-se a Persas, Árabes e Indianos que, doravante, podiam eximir-se à cabotagem através das ilhas. Em 1403, quando o Rajá de Malaca se converteu ao islamismo, a rota das especiarias caiu totalmente nas mãos dos Muçulmanos. Enquanto a actividade marítima se reorganizava em função da nova ordem estabelecida, a presença dos Chineses ia-se tornando cada vez mais densa. E se, aos mercadores bastava em geral dirigirem-se a Malaca, já um movimento totalmente diverso fazia ao largo os juncos dos Imperadores Ming rumo ao oceano ocidental. Por sete vezes em trita anos de 1403 a 1433, uma centena de navios, armados com bocas-de-fogo navegou para o golfo de Bengala, Ceilão, Malabar, até à África Oriental, tendo em vista levantar tributos e estudar mercados. Os homens do mar que subiam a bordo, eram na grande maioria, muçulmanos chineses cuja descendência se misturou nas comunidades islâmicas, locais.

As Potências Politicas e as Metrópoles Mercantis


A partir de 1430, em toda a extensão do oceano Índico factos simultâneos redistribuíram o papel de uns e outros. Os Ming cessaram de repente, as expedições para Ocidente, ao mesmo tempo que eram desmanteladas as rotas árabes por um rápido desenvolvimento das associações dos Karimis, espoliados pelo sultão do Egipto que se arrogava o monopólio das especiarias. Emigraram então para a Índia costeira, associando-se aos mercadores locais. O grande negócio continuava sob a égide do sultão, mas este ficara privado dos elementos mais dinâmicos e deixava a oportunidade aos negociantes marítimos da Índia muçulmana que souberam tirar proveito do afastamento dos Chineses e do manifesto declínio árabe. Quando os Portugueses entraram em cena, a situação política dos costeiros sintonizava com a expansão marítima do Islão. De Zanzibar a Malaca, o litoral fora ponteado com pequenos sultanatos ou metrópoles, sobretudo muçulmanos de um lado e outro dos grandes, estados do Médio Oriente. No Egipto o sultão mameluco acreditava ainda no seu poder absoluto e no apoio dos Turcos otomanos que mantinham Constantinopla, chegavam à Síria e continuavam a sua marcha irreversível. À entrada do mar Vermelho Adem acolhia os navios da Índia, no Corno Africano e Arábia, carregados de mercadorias e peregrinos a caminho de Meca. Todas as especiarias destinadas à Europa passavam pelas alfândegas da região. Conduzidas em pequenos barcos até ao Suez eram depois levadas em caravanas com destino a Alexandria, Alepo ou Beirute onde galés venezianas as esperavam. No Irão, o jovem Xá Ismael, fundador da dinastia Safávida, impunha o xiismo a todo o país. Situados no estreito do Golfo Pérsico, os reis de Ormuz mantinham a sua independência e controlavam o tráfego nas duas margens. Na Índia o poder político do islão não cessava de alastrar em populações de maioria Hindu. O sultanado de Deli estendia-se pela vasta planície do Ganges; Bengala e o Guzarate caminhavam para o apogeu. O império Bahmani desintegrava-se, dando lugar aos princepes de Bijapur e de Ahmadnagar, que não desarmavam nas fronteiras do vasto império hindu de Vijayanagar. Devido aos obstáculos naturais e ao estado precário das estradas, as cidades eram pouco afectadas pelos acontecimentos do interior. Quiloa na África Oriental, Adem e Ormuz, Diu e Cambaia no Guzarate, Calecut e Malaca estavam mais estreitamente ligadas entre si do que às capitais dos Estados que se faziam e desfaziam no interior do país. Aquelas cidades marcavam o esquema onde o império oceânico português iria procurar os seus pontos de apoio.

Por um Reino Cristão Universal



Era este o quadro em, que devia ser realizado o projecto concebido pelos reis de Portugal a partir de uma visão fragmentaria e nebulosa do mundo. Desígnio grandioso que parecerá irrisório nas circunstâncias expostas. O plano nascera na Europa, movido pelas nostalgias e ressentimentos do fim das cruzadas, cujo, o malogro não destruíra a certeza que reanimava os reis cristãos, de conseguirem abater o poder islâmico e libertar Jerusalém, preparando assim o advento do reino de Deus. Desde 1318 que o monge inglês Guilherme Adam (levado para a Índia pelas suas peregrinações) escrevia, ser possivel apanhar as forças árabes pela retaguarda e destruí-las através de um bloqueio da saída do mar Vermelho. Planeava uma estratégia com base na ilha de Socotorá, em pleno Oceano Índico. Mas ainda teria sido necessário estabelecer a rota. Os seus escritos haviam circulado pela Europa, contribuído para alimentar o desejo sempre vivo de uma expedição à Terra Santa e o esmagamento do Sultão do Cairo, cidade que, na mesma infâmia, era confundida com a antiga Babilónia. Tais ideias, plenas de quimeras, eram sustentadas pela esperança de se formar uma aliança com os povos cristãos do Oriente, cuja existência era conhecida mas que não se podia situar nem avaliar. A tradição Bizantina perpetuara a memória da comunidade cristã do Malabar que se reclamava da pregação do apóstolo Tomé e cuja presença os viajantes medievais tinham confirmado. Aliás procurava-se contactar um rei cristão mais poderoso, e talvez mais próximo, designado pelo nome de Preste João. A ideia desenvolveu-se a partir dos escritos de Guilherme Adam e de informações arménias e venezianas. A dita personagem misteriosa seria em breve reconhecida como soberano da Etiópia. Ao longo do século XV, estabeleceu-se uma correspondência intermitente entre o rei de aragão e os Negus Issac e Zara Jacob. Era o tempo em que, sob o impulso do Infante D. Henrique, os Portugueses prosseguiam a conquista de fortalezas em Marrocos e o reconhecimento da costa de África, que se julgava ser mais estreita, e onde se tentava a passagem que permitiria chegar à Etiópia pelo ocidente. Os exploradores do Rei D. João II, subindo os rios do Senegal, Nigéria e Zaire, procuraram longamente e sem descanso, e em vão, o reino desses cristãos. A Etiópia mantinha-se inacessível tanto pelo Atlântico como pelo Mediterrâneo. Encerrados nas montanhas, os Negus tentavam, por seu lado conquistar uma via de acesso ao mar Vermelho, através de Maçuá e Suaquém que pontualmente conseguiam dominar, e que os vizinhos muçulmanos lhes disputavam, em nome da guerra santa. A aliança com o chamado Preste João revelava-se impossível, mas o desejo de liderar uma nova cruzada, não perdera o vigor. Os reis de Inglaterra, os imperadores da Alemanha, tal como os Duques da Borgonha, alimentavam esta ambição, onde o projecto de Guilherme Adam era conhecido e dera origem a esperanças difusas. Felipe, ‘o bom’, mantinha elos estreitos com a corte de Portugal, sobretudo a partir do casamento da infanta D. Isabel de Portugal, irmã de D. Henrique de Portugal ‘o navegador’, e mãe de Carlos ‘o temerário’. A ideia pairava no ar, de tal modo, se tinha como certa e inelutável a destruição do mundo islâmico, desde que se encontrassem os meios para as realizar. Entretanto havia que impor sanções económicas, decretadas em 1291 pelo Papa Nicolau V, em vista de um bloqueio absoluto. Ao longo dos anos, essas medidas foram abrandadas, a pedido dos mercadores cristãos do Mediterrâneo, chegando mesmo a ser reduzidas a um simples embargo de víveres e material militar. Embora não insensíveis aos ideais messiânicos dos príncipes, os mercadores Italianos estavam bem atentos a projectos que entendiam ligados ao acesso directo às fontes de produção das especiarias e ás fabulosas riquezas de uma Índia cada vez mais conhecida pelos viajantes genoveses e venezianos. Disfarçados com traje mouro e muitas vezes convertidos ao Islão, por algum tempo, conseguiam introduzir-se nas caravanas e depois nos navios árabes, indo em busca de musselinas e pedras preciosas. Nos países Ibéricos enredou-se o feixe dos interesses, estratégias e vocações messiânicas, sem dúvida porque tais aspectos facilmente podiam reinscrever-se nas tradições sempre vivas da ‘reconquista’, a qual se dava como concluída em Espanha, sob o impulso de Fernando de Aragão e de Isabel de Castela. Os ‘Reis Católicos’ tinham enfim conseguido eliminar da Península, uma presença muçulmana, seis vezes secular. Granada fora tomada em 1491, um ano antes de Colombo chegar ao ‘Novo Mundo’. Embora tivessem vencido, os seus ocupantes magrebinos no século XIII, os Portugueses continuavam mobilizados pelo espirito da ‘reconquista’, perpetuada agora, em favor das campanhas marroquinas, o Rei D. João I em 1416, depois da conquista de Ceuta em 1415, começou a usar o título de ‘Rei de Portugal dos Algarves e de Aquém e Além-mar em África’. Afonso de Albuquerque estava imbuído daquela tradição, indissociável do serviço do rei e promoção dos seus direitos; a exigência de tributos e, a construção de fortalezas em pontos estratégicos (prerrogativas realengas, que ditarão as regras, da estratégia a ser desenvolvida por Afonso de Albuquerque, no Oriente). A descoberta a ‘Rota do Cabo’ propunha alternativa à asfixia do mundo árabe pelo Mediterrâneo, a qual não se podia cumprir sem lesar os mercadores da cristandade. Não seria possível arruinar doravante o comércio egípcio, interceptando os navios de especiarias tanto ao largo do Malabar como à saída das embarcações do mar Vermelho? Não seria mais proveitoso para os comerciantes europeus abastecerem-se em Lisboa, evitando deste modo o risco dos mercados do Levante, onde o regateio e as troças não lhes eram poupados? Esta eventualidade não encantava os Venezianos, informados de tudo o que se preparava em Lisboa através dos seus espiões, preferiam manter o domínio das especiarias na Europa, apesar das violências que lhes infligia o sultão do Cairo, o qual mandava pôr a ferros os cônsules da República quando recusavam um aumento de preços. A exploração das costas africanas fora seguida com interesse na florença dos Médicis, onde o humanista Angelo Poliziano saudava na pessoa de Elrei Dom João II, a grande figura que fazia alterar com as suas iniciativas a visão da época sobre os homens e o mundo. Numa perspectiva mais materialista os homens de negócios sentiram a mudança dos ventos para a Península Ibérica e tinham-se estabelecido na praça de Lisboa, já havia há muito tempo. Não estariam os Portugueses a forçar os limites do universo, abrindo brechas onde todas as esperanças se aventuravam, incluindo a de suplantar Veneza? Em 1495, a ascensão de D. Manuel ao trono ultrapassava as expectativas deles. O começo deste reinado ficou marcado por uma conjectura em que o rei viu os sinais da sua predestinação. Sexto na ordem de sucessão ao trono, maravilhava-se com o fúnebre encadeamento dos factos que o tinham elevado ao poder. Aplicou-se imediatamente a executar o projecto da descoberta da rota para a Índia e de alianças com os soberanos cristãos do Oriente, a única capaz, na sua óptica de gerar a confusão entre as forças islâmicas e constituir um império messiânico de que ele seria Rei dos reis. Tal designio não era incompatível com o desejo de enriquecer o país. Em qualquer tempo, é o móbil conjugado das ideologias e dos interesses económicos que sustém o dinamismo dos grandes empreendimentos. Na própria Ásia, a ligação entre o negociante e o pregador dera força à expansão do budismo primeiro, e do islamismo em seguida. As iniciativas portuguesas tinham origem nessa dualidade, que habitava em todos os grupos sociais, mesmo se em graus diversos. O sonho de se ilustrarem através de uma nova cruzada não iria impedir grandes senhores de investirem no comércio, armar navios e enviar agentes à Índia. Desde o regresso de Vasco da Gama que D. Manuel tomara para si os títulos de ‘Rei de Portugal dos Algarves e de Aquém e Além-mar em África e Senhor da conquista, da navegação e do comércio, da Etiópia, da Arábia, da Pérsia e da Índia’, em nome dos quais se arrogava o controlo dos mares, o direito ao corso e o direito de ingerência nos territórios infiéis. Não se tratava, naquele momento, de os converter ao cristianismo, mas de congregar, debaixo da sua bandeira, todos quantos imaginava poder mobilizar para esmagar o Islão. Este é o sentido da carta dirigida em 1500 ao rei de Calecut, quando o julgava ainda cristão; «Se quereis considerar a grandeza da actualidade e o mistério da chegada dos nossos navios até voz (…), fareis nos países do Oriente o que todos fazemos no Ocidente», incitava-o a louvar a Deus por lhes ter dado a graça de viverem numa época em que podiam ver-se e conhecer-se, as gentes das suas terras, tão afastadas uma das outras, desde o começo do mundo, tinham vivido naquela esperança e Deus agora manifestara vontade que ela fosse realizada. Esta carta não apresentava qualquer ameaça contra o Islão sem dúvida para não acordar a desconfiança dos Muçulmanos de Calecut. Ano após ano, de regresso em regresso, o plano das Índias ia-se adaptando às realidades, o Negus parecia inatingível, os reis do Malabar eram idólatras, apoiando os Muçulmanos, de preferência aos Cristãos, além disso estes não estavam ligados ao Papa, mas ligados ao Patriarca da Mesopotâmia. Só as riquezas não, constituíram decepção, mas todos sabiam previamente que ia ser preciso baterem-se para agarrar cada um o seu quinhão. A partir de 1497, o concelho do rei desaprovara as expedições à Índia. E o mesmo conselho reiterou a sua opinião depois da chegada de Cabral, apoiado por todos aqueles que mediam a temeridade da empresa com a hostilidade dos Muçulmanos, o desconhecimento de um espaço apenas entrevisto e as estranhas e inumeráveis multidões. Não iriam os Portugueses perder-se, em pessoas e bens, numa nova aventura, quando o reino contava apenas um milhão de almas? O Rei D. Manuel retirava argumentos daquela desmesura. Dando fé às Escrituras, não eram os pequenos escolhidos por Deus para destruir os poderosos? A descoberta do caminho marítimo para Índia não decorria de um prodígio onde era possivel ler a predestinação de Portugal? Apesar, do vigor dos protestos, o rei foi mais longe, seguro do apoio dos mercadores, bem decididos a recorrer a todos os meios para ganharem uma posição, nos mercados asiáticos. Afonso de Albuquerque era dos que tinha fé na missão carismática do rei. Também é provável que não pusesse em dúvida a sua própria vocação para a realizar. Movido pelos ideais da Idade Media, forjado pelas campanhas de Marrocos, não receou assumir um dos maiores riscos da História nem fazer inflectir o seu curso por vários séculos, abrindo as portas da Ásia aos Europeus.

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