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quinta-feira, setembro 24, 2015

A Conquista de Arzila-1471


Sempre com o pensamento em África, pensou D. Afonso V numa nova aventura ultramarina desta feita contra Tânger, que contudo o Conselho avisadamente sugeriu que o ataque se fizesse primeiro à praça de Arzila, por forma a enfraquecer as defesas que em forma de apoio essa praça não deixaria de prestar a Tanger. Lá foram mandados os habituais espiões, desta vez Pero de Alcáçovas e Vicente Simões, disfarçados de mercadores para estudar a maneira de conquistar a praça. Como habitualmente organizou-se a esquadra em 3 locais diferentes, Lisboa, Porto e Lagos, tendo posteriormente se reunindo em Lisboa as duas primeiras, navegando depois para Lagos. A força reunida em Lagos era significativa, mas com números diferentes entre os cronistas, podendo contudo estimar-se em cerca de 400 navios e 27 ou 28.000 homens, entre os quais, imprudentemente se encontrava o príncipe herdeiro, que caso acontecesse algum percalço, poderiam ficar por lá, o rei e o príncipe herdeiro. Partiram de Lagos a 18 de Agosto de 1471 chegando ao largo de Arzila, 3 dias depois já ao entardecer. 


Pretendia-se não demorar em demasia o ataque, para que os mouros não tivessem oportunidade de se precaver, pelo que o Conselho de guerra decidiu iniciar o ataque logo pelo amanhecer do dia seguinte. Algumas dificuldades no eventual desembarque, complicaram a entrada dos navios no porto interior, que só pode ser feito com recurso a embarcações ligeiras, gerando-se tal confusão, que chegaram inclusivamente algumas barcaças a despedaçar-se contra os recifes, morrendo inutilmente alguns combatentes.



Mesmo com essas baixas e deficiente armamento, porque as referidas condições de desembarque não tinham deixado que se trouxessem as bombardas maiores para terra o certo é que alguns dias depois a 24 de Agosto, as forças de D. Afonso V, tomaram a praça de Arzila, com inusitada violência, não acolhendo sequer aos pedidos de rendição que foram enviados. Na violência da refrega dizem ganhou o jovem príncipe D. João, apenas com 16 anos as suas esporas de cavaleiro, mas igualmente morreram muitos fidalgos e cavaleiros portugueses. No dia seguinte, foi a consagração da mesquita, transformando-a na igreja de Nossa Senhora da Assunção comemorando a data da saída de Lisboa. A generosidade do rei, fez-se sentir nas comendas e títulos que distribuiu, não deixando de atribuir a D. Henrique de Menezes, conde de Valença e governador de Alcácer-Ceguer, igualmente a capitania da vila recém-conquistada. 


Foram igualmente feitas cativas mais de 5 mil pessoas entre as quais as duas mulheres e filhos de Mulei Xeque senhor de Arzila, mas que nessa altura ali não estava, porque havia partido para Fez em luta contra o xerife seu, inimigo. Naturalmente este também foi um factor que contribuiu para o êxito da missão. A tomada de Arzila teve entre os mouros uma dolorosa repercussão, como se verá mais tarde. 24 de Agosto é uma data fértil em acontecimentos. Uma delas foi a conquista de Arzila, em 1471, etapa relevante do plano expansionista de D. Afonso V por terras mouras.



O Africano quis que o feito militar ficasse registado para a posteridade e encomendou às oficinas flamengas de Tournai (hoje na Valónia) um conjunto monumental de tapeçarias que retratassem os vários momentos da tomada da cidade. Assim sucedeu, mas por razões misteriosas as tapeçarias foram parar ao Ducado de Infantado, que os cedeu posteriormente à Colegiada de Pastrana, onde se mantiveram durante séculos. A grande questão é que a "transferência" não se deu durante o reinado da dinastia dos Habsburgos, entre 1580 e 1640, mas sim na primeira metade do século XVI, e não consta que fosse qualquer oferenda de casamento a uma qualquer infanta castelhana. Até hoje, não se percebe como é que as tapeçarias foram parar à colegiada da pequena cidade perdida no meio de Castela. Após a conquista de Ceuta em 1415, Tânger torna-se uma obsessão para a coroa de Portugal. Em 1437 um grande e mal planeado ataque comandado pelo infante D. Henrique fracassa, constituindo um rude golpe para as aspirações portuguesas. A opção é então tomar Alcácer Ceguer, facto que ocorre em 1458, já no reinado de D. Afonso V. No ano de 1464 D. Afonso V faz uma nova tentativa para conquistar Tânger, seguida de outros ataques “menores”, todos sem sucesso. A tomada de Tânger revelava-se como difícil de concretizar.

“Em 1471 surgiu nova oportunidade: beneficiando de um clima de volubilidade política no reino de Fez, D. Afonso V depressa organizou uma expedição que, desta vez, visaria Arzila, uma cidade desprovida de um porto seguro mas dotada de uma fértil região agrícola. Subjugada Arzila tornar-se-ia muito mais fácil o cerco da cidade de Tânger pelo sul.”

Em 1471 organiza-se uma poderosa armada, a maior até então, para voltar ao estreito. Tendo Tânger como objectivo final, Portugal opta por atacar inicialmente Arzila, por vários motivos: 



Em primeiro lugar porque o seu governador Mulay Ash-Sheikh, filho do regente Lazera que, estava ausente, empenhado num cerco a Fez para tomar o lugar do sultão. Em segundo lugar, porque tomada Arzila, Tânger ficaria isolada do resto do território de Marrocos, tornando-se numa presa fácil para Portugal. Finalmente, porque Arzila era uma praça rica, que constituía um dos locais de chegada do ouro do Mali, perspectivando-se um saque compensador. Este facto leva inclusivamente a que Martim Leme, mercador flamengo, tenha contribuído para o financiamento da expedição em troca de fazer comércio livre na praça após a sua conquista. Á semelhança das empresas anteriores, organizam-se três armadas, no Porto, em Lisboa e em Lagos, juntando-se as forças nesta última cidade. No dia 18 de Agosto de 1471 a armada parte rumo a Arzila. Segundo Ruy de Pina eram 477 navios e 30.000 homens de desembarque, segundo Damião de Góis eram 338 velas e 24.000 homens.

“Ia nela a melhor gente de Portugal: D. Afonso e seu filho herdeiro do trono, D. João, de 16 anos de idade, que combateu valorosamente, como seu pai; entre os fidalgos o conde de Valença, D. Henrique de Meneses, capitão de Alcácer Ceguer, o conde de Monsanto, D. Álvaro de Castro, o conde de Marialva, D. João Coutinho, ambos mortos no combate à vila, e muitos outros.”


A armada chegou a Arzila no dia 20 e foi tomada a decisão de atacar logo na madrugada seguinte para não permitir que os defensores se organizassem. O desembarque inicia-se de forma atabalhoada, facto determinado pelo mau estado do mar e pelos recifes que existem frente a Arzila, perdendo-se logo alguns navios e respectivas tripulações, como refere o cronista Rui de Pina:

“ (…) Porque o mar áquellas horas andava mui alevantado, e quebrava com muita braveza em um arrecife de pedra que tem, com entradas más de tomar, El-Rei todavia mandou com muito esforço e presteza remar e tomar a terra, onde elle por maior esforço de todos não quiz ser dos segundos, em que se perdeu uma galé com outras caravellas e bateis, em que no mar morreram até oito fidalgos, e da outra gente até duzentos, em que eram alguns bons cavalleiros e escudeiros.”




As dificuldades no desembarque reflectiram-se também nos equipamentos que não foram colocados em terra, como por exemplo o palanque, estrutura defensiva circular de madeira destinada a proteger o exército, e a maioria das peças de artilharia pesada, das quais apenas duas ficaram operacionais. O ataque inicia-se assim no dia 21 com bombardeamentos de artilharia que danificam seriamente as muralhas. Os defensores pedem a rendição, mas os portugueses não a aceitam. Os mouros resistem valentemente durante três dias. No final há pesadas baixas para ambos os lados e o massacre de muitos moradores inocentes.

“Ao contrário do que se passou na conquista de Alcácer Ceguer, D. Afonso V praticou uma verdadeira política de terror em Arzila, recusando-se a aceitar a rendição da cidade. Os defensores de Arzila fizeram pagar caro a vitória dos nossos, quer na povoação, quer na mesquita e no castelo da vila, onde se bateram valentemente. Na mesquita foi a peleja mais sangrenta. Os mouros, que se tinham refugiado aí, fecharam as portas e quiseram resistir nela. Foi em vão. Quebrada a porta, o conde de Marialva e um tropel de cavaleiros precipitaram-se sobre aquele mar de gente, a cavalo, de espada desembainhada, e bem se deixa ver a carnagem que fizeram naquela pobre gente.”



No rescaldo da batalha, o saque de Arzila rendeu 80.000 dobras de ouro e muitos cativos, entre os quais duas mulheres e um filho de Mulay As-Sheikh. A mesquita principal foi transformada em igreja, dedicada a S. Bartolomeu, onde o príncipe herdeiro D. João foi armado cavaleiro. A capitania da cidade foi entregue a D. Henrique de Menezes, capitão de Alcácer Ceguer. Quando ainda se encontrava em Arzila, D. Afonso V recebe a notícia que os habitantes de Tânger, temendo um massacre idêntico, tinham incendiado e abandonado a cidade.

“Com este trabalho tivemos como objectivo realizar um levantamento de todo o armamento envergado pela hoste cristã nas Tapeçarias de Pastrana, de forma a melhor conhecermos o equipamento utilizado pelo exército português durante a segunda metade do século XV, e mais propriamente nas campanhas do Norte África. Para um mais fácil entendimento do estudo, dividimos o equipamento representado em vários grupos tipológicos: o armamento defensivo, onde são incluídas as protecções de cabeça, as protecções de corpo, as defesas exteriores e o armamento ofensivo, de que fazem parte as armas brancas, as armas de haste, as armas de propulsão muscular, as armas de propulsão neurobalística e as armas de propulsão pirobalística.”


De acordo com este estudo a grande maioria dos soldados usavam como protecção da cabeça os chapéus de armas (chapéus-de-ferro, morriões ou simplesmente capacetes), enquanto os nobres usavam as celadas, fossem celadas simples, também chamadas celadas italianas, fossem celadas com diversos elementos articulados por rebites e dobradiças, como por exemplo viseiras, inspiradas nos elmos clássicos. Alguns elementos, como os trombeteiros, utilizavam toucas, barretas ou gorras.



Quanto à protecção do corpo, a esmagadora maioria das tropas utiliza as brigandines, protecções para o tronco constituídas por tecido ou couro reforçado por placas metálicas, associadas a um saiote e eventualmente a elementos metálicos para protecção do pescoço, peito, ombros, braços e pernas, aplicados através de arneses de couro. O Rei e os nobres utilizavam uma armadura de arnês completa, constituída por babeira, peitoral, ombreiras, braçais, cotoveleiras, com guardas de várias placas, avambraços, manoplas, escarcela ou panceira, coxotes, joelheiras e grevas. As defesas exteriores eram feitas com escudos, fossem os escudos de inspiração normanda, de forma oval ou triangular, de madeira e metal, fossem as adargas, de inspiração muçulmana, de forma bi-oval, fabricadas em couro, ambos utilizados pela infantaria e cavalaria.



Observam-se também paveses, escudos de grandes dimensões, canelados, utilizados sobretudo para protecção dos arqueiros e artilheiros, e manteletes ou mantas, utilizados com o mesmo fim e para proteger as tropas da aproximação às muralhas.

“Uma arma de grande utilidade para os soldados que se aproximavam da muralha era a manta. Esta peça era formada por tabuados de madeira grossa, com pegas interiores para facilitar o seu transporte, que garantiam um resguardo seguro dos ataques da muralha aos soldados”.

O palanque ou castelo de madeira, era uma estrutura defensiva colectiva, móvel, que se revelara determinante na sobrevivência de muitos soldados durante a tentativa falhada de conquistar Tânger em 1437.


“O palanque era uma estrutura defensiva construída em madeira e que servia como uma fortificação de campanha (…) No Regimento de Guerra publicado nas Ordenações Afonsinas está explícito que esta paliçada era obrigatória nas operações de sítio, sendo instalada a toda a volta do arraial, de forma a protegê-lo de eventuais ataques pela retaguarda de um exército de reforço à cidade”.

Como armamento ofensivo refira-se as armas de mão, espadas e adagas, as armas de haste, como lanças, bisarmas (alabardas ou foices de guerra), as armas de propulsão muscular, como ascumas, zagaias, dardos e pedras e as armas de propulsão neurobalística, como bestas e virotes. Dentro desta última categoria, não existe representação nas tapeçarias de “engenhos de arremesso por torsão ou contrapeso”, como catapultas ou trabucos, ainda em utilização na época, porque o Rei terá querido mostrar apenas o que tinha de mais moderno, ou seja, as novas armas de propulsão pirobalística, como trons encarrados, bombardas, colubretas, canhões de mão e espingardas de mecha ou arcabuzes, importadas pelos portugueses da Flandres e de Barcelona. Uma referência aos artilheiros ou bombardeiros, soldados que manuseavam as armas de fogo. Segundo Inês Araújo:


“não eram considerados militares mas sim mesteirais ou artífices. Muitas vezes eram vistos como homens com ligações a forças diabólicas devido ao secretismo desta arte e ao som e explosão que provocavam. Para além disso, para uma chefia militar podia ser considerado desonroso optar pela utilização das armas de fogo numa determinada operação, já que ia contra os ideais de combate medievais que davam primazia à luta corpo-a-corpo. Dentro desta lógica, as armas de fogo matam de forma «cobarde», através de um tiro à distância, e de consequências brutais, provocando muitas baixas.”


Após a conquista a cidade, Mulay Ash-Sheikh, que se encontrava em guerra aberta com o sultão de Fez, não querendo manter as hostilidades em duas frentes, celebra com D. Afonso V um acordo de paz válido por vinte anos, vindo posteriormente, já aclamado sultão, a renová-lo por mais dez com o rei D. João II. Esse acordo incluía a troca das duas mulheres suas aprisionadas pelos portugueses, pelas ossadas do Infante Santo e o envio do seu filho para Lisboa, para aprender a língua e os costumes portugueses. Por esse motivo o filho de Mulay Ash-Sheikh ficou conhecido em Marrocos como “L-Bartqiz”, o Português, ou “Mohammed Al-Burtughali”. O acordo não só previa a posse de Arzila e das outras praças por Portugal (Ceuta, Alcácer Ceguer e Tânger), mas incluía também “os lugares e aldeias do campo ou termo dos mesmos”. Apesar da criação desta área de mouros de pazes no “país Jebala”, a verdade é que Arzila é constantemente atacada, ao que parece porque o próprio tratado de paz o permitia, “…os lugares murados das duas partes, que eram da parte dos mouros de Alcácer Quibir, Tetuão e Xexuão, poderiam continuar a fazer-se guerra, sem quebra do tratado”. Esta cláusula do acordo, apesar de parecer absurda, justificava-se porque Mulay Ash-Sheikh não controlava os alcaides dessas cidades, mouriscos expulsos da Península, que faziam da guerra aos portugueses a sua principal actividade. É o caso de Sidi Ali El-Mandari, alcaide de Tetuan e Mulay Ali Berrechid, alcaide de Chefchauen.


A cidade no tempo da conquista pelos portugueses era bastante maior do que é o actual recinto muralhado, estendendo-se para o interior do território, e teria entre 6.000 e 7.000 habitantes, de acordo com Jorge Correia, baseado na crónica de Damião de Góis. Era totalmente encerrada por muralha com torreões, mas “os muros, cuja composição em taipa e inertes não resistiu ao tiro de uma bombarda pequena, careciam de maior robustez”. Para além destes aspectos, Arzila apresentava uma estrutura urbana pouco estruturada, de configuração labiríntica, e como tal desadaptada à sua utilização pelos portugueses, e integrando dois edifícios de carácter central, a Kasbah ou castelo e a Mesquita Maior. No período imediato ao da conquista, os portugueses “atalham” a cidade, construindo um muro que a dividiu em duas partes, reduzindo substancialmente a sua área com o objectivo de melhor a governarem.


“Os portugueses optaram pela realização de um atalho que veio cortar a cidade praticamente em duas partes iguais, deixando de fora a metade mais afastada do mar e que se espraiava pela planície. Arzila portuguesa viu-se reduzida a 45% da área islâmica herdada, preservando a faixa litoral imprescindível à estratégia de manutenção da praça. Um novo muro, de pedra e argila, traçava uma secante pelos baluartes que hoje se denominam Tambalalão e Santa Cruz”.

Ficavam assim constituídas a Vila Nova, onde se instalam os portugueses conquistadores, e a Vila Velha, onde são colocados os mouros que optam por continuar a viver na cidade. Esta intervenção é acompanhada de obras no Castelo e Torre de Menagem, tendo sido intervenientes Álvaro Tristão e Vicente de Avelar, vedores das obras de Arzila, e Rodrigo Anes, mestre das obras dos lugares de Africa. A população da Vila Nova, entre moradores, fronteiros, degredados, comerciantes e escravos, rondaria à época os 500 habitantes. Em Outubro de 1508 o sultão de Fez Mohammed Al-Burtughali, que sucedera a seu pai em 1504, cerca Arzila com o apoio dos alcaides de Tetuan e Chefchauen, Sidi Ali El-Mandari e Mulay Ali Berrechid, e conquista a chamada Vila Nova, ficando apenas o castelo nas mãos dos portugueses. O capitão da praça era na altura D. Vasco Coutinho, que é auxiliado pelo seu antecessor, D. João de Meneses, e por uma armada espanhola comandada por Pedro Navarro, conseguindo expulsar as tropas do rei de Fez. Arzila sofre grandes destruições nas suas muralhas, no casario e na igreja de S. Bartolomeu, que é incendiada.


No ano seguinte dá-se o segundo cerco a Arzila, abortado com a intervenção de uma armada enviada por D. Manuel. Estes dois cercos vêm comprovar as debilidades das defesas de Arzila e a necessidade de uma intervenção de fundo no recinto muralhado, “levando D. Manuel a tomar a decisão de interromper as obras do Mosteiro dos Jerónimos para que o mestre responsável pelos respectivos trabalhos pudesse orientar as obras de defesa de Arzila (…) Diogo Boytac é enviado em 1509 para Arzila, levando consigo uma avultada quantia em dinheiro e instruções para fortificar a cidade com muros de pedra e cal, em vez das habituais construções de pedra e barro.” Diogo Boitaca ou Boytac permanece um ano na cidade, durante o qual elabora um “…um plano global de intervenção assente em três vectores fundamentais para a sustentabilidade e afirmação da praça portuguesa: reforço da cerca, com particular relevo para a muralha do atalho; emergência simbólica do castelo; consolidação urbana da vila”.


Durante a sua estada em Arzila, Boitaca inicia pessoalmente algumas das obras, caso da Torre de Menagem (ou Borj El-Kamra), de um conjunto de habitações para moradores e a abertura do fosso. A execução das obras é entregue a Francisco Danzilho, que chega a Arzila em 1511. Danzilho começa por reformular o Castelo, intervindo nas construções situadas no seu interior e nos baluartes da Praia e de Santa Cruz, nos quais são abertas canhoneiras. Posteriormente o muro do atalho é reformulado, introduzindo-se três quebras no seu traçado, para melhor se adaptar à utilização da artilharia, o fosso é construído, envolvendo também o castelo e o tramo sudoeste, e a Porta da Vila ou de Fez é também munida de canhoneiras e de uma ponte levadiça. A Porta da Vila, actual Bab Hauma, era uma porta secundária da cidade, sobretudo utilizada para saída e entrada de tropas para vigilância do campo exterior e para acesso às pequenas hortas existentes ao longo do “atalho”. A frente de mar, especialmente importante para as comunicações da cidade com o exterior, é dotada de três baluartes que se projectam sobre a água, vocacionados para a garantia do controle da linha de costa pelos portugueses e para anular qualquer ataque feito a partir do mar: São eles o conjunto Couraça e Baluarte da Couraça, no extremo Sul, o Baluarte da Pata da Aranha, que flanqueia a Porta da Ribeira ou do Mar, no extremo Norte, principal porta de entrada na cidade e de ligação ao porto, e o Baluarte de S. Francisco, que garante uma presença da artilharia a meio do pano da muralha. Mas a intervenção dos portugueses na cidade não se resumiu aos seus aspectos defensivos, nem se limitou a uma reconstrução do “miolo” intramuros “tout court”. Foi realizada uma operação de reestruturação do tecido urbano, ou seja, uma reorganização do traçado viário e dos conjuntos edificados, racionalizando a transposição das funções para o território, à luz as necessidades funcionais dos seus novos habitantes.


A Vila Nova estrutura-se em quarteirões de desenho mais regular, tendo como “espinha dorsal” a Rua Direita, que atravessa a cidade longitudinalmente, desembocando no Terreiro, espaço urbano central onde ocorriam as principais manifestações colectivas, e onde se situava o acesso ao Castelo, a Igreja de S. Bartolomeu e a principal porta da Cidade, a Porta do Mar ou da Ribeira. “O cuidado no tratamento do espaço público surge anotado no relatório de Boytac onde se percebe a presença de um chafariz na vila e de calçada no pavimento.” As atalaias que circundavam as praças tinham um papel fundamental para avisar os seus habitantes de qualquer ameaça exterior e para assegurar que o trabalho no campo se fazia em segurança.

“As atalaias ou vigias, depois de descobrirem os postos de observação criados em volta das praças, ficavam aí durante certas horas do dia, de espia ao campo. Aproveitavam-se para esses postos as pequenas elevações ou outeiros que circundavam as praças, se as tinham. (…) Em Arzila, como noutros lugares, essas elevações tomaram, por isso, o nome de atalaias, também: atalaia do Facho, atalaia Ruiva, atalaia Gorda, atalaia Alta, etc.”


David Lopes relata um episódio que mostra bem a importância que as atalaias tinham para a segurança da praça de Arzila:

“A principal Atalaia era a do Facho. A vigia do facho, ou facheiro era nessa época Álvaro Gomes Galego, que tinha grande reputação entre os nossos e muito maior entre os mouros, de modo que, acontecendo-lhes algum desastre, logo diziam que tinham sido vistos do facheiro. Por isso o rei de Fez tentou, e conseguiu tomá-lo. Mulei Naçar, irmão do rei de Fez, quis-lhe tirar os olhos. O conde de Borba escreveu ao rei pedindo-lhes que não lhe fosse feita cousa tão fora de humanidade. Nisso consentiu, de feito el-rei, mas nunca o resgatou, e em Fez faleceu depois de muitos anos de cativeiro.”

A eficácia do sistema de alerta baseado nas atalaias foi comprovada pelo vice-rei de Granada, quando fez escala em Arzila, por motivo de se encontrar em perseguição do corsário Khayr Ad-Din Barbarossa. Nessa ocasião, o capitão de Arzila D. João Coutinho fez-lhe uma demonstração do estado de preparação da sua praça para qualquer eventualidade. “ (…) Quando andavam na visita do campo, o conde mandou derrubar o facho, que estava na atalaia do Facho, e logo a torre do sino deu a rebate e em momentos viu junto de si 250 de cavalo, bem armados, o que o marquês muito admirou e louvou.” A guerra de Arzila não se fazia apenas nos muros da cidade, mas principalmente nos campos que a circundavam. Era a guerra das almogavarias, entradas e correrias. Arzila viria a ser abandonada em 1550 no seguimento da conquista de Santa Cruz do Cabo Guer pelos Saadis, mas voltaria à posse portuguesa durante um curto período de 12 anos, entre 1577 e 1589, quando é oferecida a Portugal por Mulay Mohammed como adiantamento pela ajuda de D. Sebastião para o reconduzir no trono de Marrocos, em troca da participação portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir.


Governadores Portugueses

1471 - 1480 - Henrique de Meneses, 4.º Conde de Viana (do Alentejo)


Dom Henrique de Meneses, (c. 1450-1480, em data anterior a 17 de Fevereiro) foi um militar e nobre português, primogénito do segundo casamento de D. Duarte de Meneses, Conde de Viana e, por isso, neto de D. Pedro de Meneses, fundador da Casa de Vila Real. Foi 4.º Conde de Viana do Alentejo, 3.º Conde de Viana (da Foz do Lima) (títulos herdados de seu pai e renovados em Fevereiro de 1464) e 1.º conde de Valença (título outorgado por carta de D. Afonso V, datada 20 de julho de 1464. Por acordo feito com a Coroa, Henrique de Meneses devolveu o condado de Valença, sendo compensado, por carta datada de12 de novembro de 1471, com o título de 1.º conde de Loulé outorgado por D. Afonso V, tendo este rei, já em 1476, outorgado o Senhorio de Loulé de Juro e Herdade fora da Lei Mental, permitindo que a sua Casa passasse para sua filha na falta de varão. Foi ainda alferes-mor, na sucessão de seu pai, e teve a capitania de Alcácer-Ceguer que guardou toda a sua vida. Em 1471 tomou parte na conquista de Arzila, de que foi nomeado Capitão-Mor em 27 de Agosto desse mesmo ano. "Morreu (em fins de 1479 ou princípios de 1480) no seu posto, às mãos dos mouros, como o prova uma carta de D. Manuel ao Papa em 1508, em que pede o priorado do Crato para D. João de Meneses, então conde de Tarouca, e irmão de D. Henrique". Sucedeu-lhe na capitania de Arzila Lopo Dias de Azevedo, do conselho de el-rei, craveiro de Coruche na Ordem de Avis. Em 24 de Abril de 1480, sucedeu-lhe na capitania de Alcácer-Ceguer, Rui Vaz Pereira "pela maneira que o era o conde D. Henrique «que ora naquellas partes faleceu»." Casou com Guiomar de Bragança, filha de D Fernando I, Duque de Bragança, de quem teve uma única filha, D. Beatriz de Meneses, que veio a ser 2.ª Condessa de Loulé, na sucessão de seu pai e condessa consorte de Marialva por casamento com Francisco Coutinho, 4.º Conde de Marialva.

1480 - 1482 - Lopo Dias de Azevedo


1482 - 1486 - João de Meneses, 1° conde de Tarouca


D. João de Meneses, O Trigo (c. 1460-12 de julho de 1522) foi Prior do Crato, 1° Conde de Tarouca, Comendador de Sesimbra na Ordem de Santiago, Alferes-mor e Mordomo-mor de D. Manuel I, Mordomo-mor de D. João III, Capitão de Arzila e de Tânger. Fidalgo culto e letrado, rico de teres e haveres, relevo do orgulho pátrio, filho de D. Duarte de Menezes, 3.º Conde de Viana do Alentejo e 2.º Conde de Viana da Foz do Lima. Foi capitão de Arzila (1481), governador de Tânger (1486), comendador de Sesimbra, governador da Casa do Príncipe (1489), mordomo-mor da Casa Real (1492), 1.º Conde de Tarouca (1499), Prior do Crato, (1508), conselheiro do Conselho de El-Rei (1509), e alferes-mor do Reino (1521). 27 de Fevereiro de 1480, recebe de D. Afonso V carta de Mandado de Entrega da vila e castelo de Arzila, tal como os tinha Lopo de Azevedo, capitão, tornando-se capitão-mor. Em 27 de Abril de 1481, é nomeado por carta de mercê, capitão e regedor em solido, de Arzila e seus termos, sucedendo a seu irmão Henrique de Meneses. Em 6 de Outubro de 1486, carta del rei dando atribuição oficial da capitania (capitão, regedor e governador) de Tânger. Já vinha dito em 28 de Agosto, noutra carta, para Álvaro de Faria. Governaria uma primeira vez até 1489, mas parece entretanto que seu governo de Tânger seja a maior parte do tempo simplesmente honorífico, já que nos documentos, e notavelmente na História de Tânger durante ‘la dominacion’ portuguesa, de D. Fernando de Menezes, não aparece nesses anos. O capitão de facto, de Tânger, a partir de 1487 sendo provavelmente Fernão Martins Mascarenhas, Comendador de Aljustrel, de cujos feitos "tampouco encontramos particulares noticias"; sucedendo a este, segundo o mesmo D. Fernando de Menezes, Manuel Pessanha, "de cujos sucessos temos que dizer que correram a mesma sorte..." Em Novembro de 1497 D. João, acompanha D. Manuel I na viagem de Castelo de Vide até Valença de Alcântara, para ir buscar a sua noiva, a infanta D. Isabel. Em Março de1498, acompanha o rei D. Manuel e a rainha D. Maria a Castela, a convite de D. Fernando e D. Isabel, Reis Católicos de Espanha. Pela sua ausência, foi substituído no governo da cidade de Tânger em 9 de Junho de 1489, por Lopo Vaz de Azevedo. Apesar disso, em 15 de Dezembro de 1489 ainda é nomeado capitão e governador de Tânger e Almirante. "Em 1499-1500, a república veneziana encontrava-se a braços com outro problema, sendo que o primeiro é a descoberta da Índia por Vasco da Gama] premente, para o qual, chegou a solicitar a ajuda portuguesa: tratava-se de montar uma força cristã para resistir às forças navais otomanas do sultão Bayezid II (r. 1481-1512), que andavam a atacar as possessões venezianas do Adriático e do Egeu. O embaixador veneziano em Espanha (Domenico Pisani) foi enviado à corte de D. Manuel em Janeiro de 1501, para solicitar a ajuda naval portuguesa (...) [D. Manuel] afirmou a sua própria vontade em ajudar na guerra contra os otomanos (...). Por fim, preparou-se uma frota de trinta e cinco caravelas sob o comando de D. João de Meneses, conde de Tarouca." A 15 de Junho de 1501, D. João de Meneses comanda essa armada para socorrer os venezianos, contra o Turco. Em fins de Julho "dia de São Jacó", faz-se uma surtida naval mal orientada contra o forte marroquino de Mers el-Quebir, como parte das diligências dessa frota. "Foram escorraçados no meio de grandes perdas e afronta, e perdemos aí muitos cristãos" D. João tornou porém a ser provido na capitania de Tânger, de propriedade por carta de 18 de Janeiro de 1501, quando vagou pela exoneração dada ao almirante Lopo Vaz de Azevedo. Parece, segundo D. Fernando de Menezes, que deixou essa capitania algum tempo a seu filho D. Henrique, a quem sucedeu Rodrigo de Castro, o de Monsanto, cujos feitos, Pedro de Mariz situa entre 1501 e 1503. Será pois aproximadamente a partir de 1504 que D. João de Meneses, ocupará efectivamente o posto. Deixou a capitania de Tânger a seu filho D. Duarte em 1508, que já governava em seu nome desde 1507. É feito primeiro conde de Tarouca em 24 de Abril de 1499, por carta de D. Manuel I, Almirante de Portugal, por carta de 9 de Junho de 1489 é nomeado governador da casa do príncipe, servindo também junto a ele os ofícios de mordomo-mor, vedor da fazenda, e escrivão da puridade. Depois de viúvo foi ele nomeado prior do Crato por bula de 15 de Junho de 1508, que só chegou a Portugal a 11 de Dezembro. Finalmente, nos últimos tempos da sua longa vida, foi feito alferes mor, por carta de 31 de Maio de 1521. O conde prior mordomo-mor, como geralmente é nomeado, ainda tomou parte na cerimónia do auto de levantamento de D. João III a 19 de Dezembro de 1521; porém no ano seguinte morreu, em 12 de julho de 1522. Era filho de D. Duarte de Meneses, 2° conde de Viana do Minho e de Isabel de Castro, filha de Fernando de Castro, governador da Casa do Infante D. Henrique. Irmão de Henrique de Meneses, 3° conde de Viana do Minho, 1° conde de Valença, 1° conde de Loulé, alferes-mor de D. Afonso V, 2° capitão de Alcácer e capitão de Arzila; de D. Garcia de Meneses, bispo da Guarda e Évora, capitão-mor de uma armada contra o turco, que morreu na cisterna do castelo de Palmela; e D. Fernando de Meneses ''o narizes'', fronteiro de Arzila. Casou com Joana de Vilhena, e foi pai de D. Duarte, capitão de Tânger, e governador da Índia, e de D. Henrique, que também governou Tânger.

1486 (28 de agosto) - 1490 - Álvaro de Faria


Álvaro de Faria era filho natural de Pedro de Faria, nascido cerca de 1435, mas que não se documenta nem foi legitimado, talvez por ter falecido antes de 29 de Agosto de 1475, data em que suas alegadas irmãs foram legitimadas, mas que, mais provavelmente, não foi legitimado por ser clérigo, a quem D. João II, faz mercê da igreja de São Tiago de Sarzedas, a 17 de Março de 1491, este filho não legitimado doutro Álvaro de Faria, comendador do Seixo e do Casal (Seia), o qual serviu em África na Praça de Alcácer-Ceguer governando o Conde D. Duarte de Meneses, como se vê na Crónica deste Conde Cap. 68 e 86, e de Isabel Vasques. Manuel de Faria e Sousa dá ao comendador Álvaro de Faria um filho Pedro de Faria e uma filha Beatriz de Faria, casada com D. João de Eça. Mas confunde este Pedro de Faria com outro, posterior, também filho de um Álvaro de Faria, que seria neto paterno deste Pedro. A 28 de Agosto de 1486 é nomeado capitão-mor de Arzila, em substituição de D. João de Meneses, 1.º Conde de Tarouca, nomeado capitão de Tânger. Durante este período, a 14 de Maio de 1487, recebe do rei D. João II de Portugal carta de privilégio de fidalgo, sucedendo-lhe D. Vasco Coutinho, conde de Borba que recebe oficialmente a capitania-mor de Arzila a 9 de Junho de 1490, mas que já ocupava o posto (interinamente?) desde 1488, visto que é este último que nesse ano vence e cativa o alcaide de Alcácer. A 7 de Fevereiro de 1498, Álvaro de Faria, fidalgo da Casa Real, teve instrumento de aforamento dumas casas em Lisboa, junto do hospital dos Meninos, à porta de São Vicente, freguesia de Santa Justa. A 10 de Maio de 1512 D. Manuel I de Portugal mandou dar a Álvaro de Faria, fidalgo da sua Casa, 50 cruzados de mercê. Segundo Manuel de Faria e Sousa, foi capitão-mor de Malaca, mas estava certamente confundido com seu filho, Pedro de Faria ou Pero de Faria, 10.º e 14.º capitão-mor de Malaca de 20 de Julho de 1528 a 1529 e de 1539 a 1542.

1490 - 1501 - D. Vasco Coutinho, Conde de Borba e Conde de Redondo, (primeira vez)


D. Vasco Coutinho (c. 1450-Abril 1522), 1° Conde de Borba, e 1° Conde de Redondo. Capitão de Arzila. D. Vasco Coutinho era filho do 4° Marechal de Portugal, D. Fernando Coutinho e de D. Joana de Castro. Era irmão entre outros, do 5° Marechal de Portugal, Álvaro Gonçalves Coutinho; de D. Guterre Coutinho; de Henrique Coutinho, Dom Prior de Guimarães; e de Dona Maria Coutinho, mulher de D. Rodrigo de Castro, capitão de Tânger. Casou com D. Catarina da Silva, irmã de D. João de Meneses que também veio a sêr capitão de Arzila. De quem teve D. João Coutinho, que lhe sucedeu, D. Bernardo Coutinho, alcaide-mor de Santarém, D. Margarida Coutinho, D. Maria da Silva, e D. Isabel de Castro. D. Vasco era impetuoso e colérico, e tinha um hábito singular que Resende nos lembra: "Ho conde de Borba Dom Vasco Coutinho de sua condição falava sempre muito alto, e às vezes quando se queria frautar falava muito baixo. E hum dia estando el-rey em hum conselho, quando veo o conde a dizer seu parecer falava tam baixo que se nam ouvia, e el-rey lhe disse: «Conde, os vossos baixos sam tam baixos que vos nam ouve ninguem, e os altos tam altos que se nam ouve ninguem comvosco». Em 1484 D. Diogo, Duque de Viseu, irmão da rainha D. Leonor, foi convencido pelos descontentes contra a política centralizadora do seu primo e cunhado D. João II, "se fizesse cabeça do seu partido para vingarem na vida do Rei a morte do Duque de Bragança D. Fernando, e as mais severidades da sua condição austera." Prepara então uma conjura para assassinar o rei e o príncipe herdeiro, o que lhe permitiria depois subir ao trono. Eram: "complices, e sabedores, o Bispo de Évora D. Garcia de Menezes; seu irmão D. Fernando [pai do capitão de Tânger D. Duarte de Meneses, o d'Évora], (…); Fernão da Silveira, Escrivão da Puridade [filho do Barão de Alvito João Fernandes da Silveira]; D. Álvaro de Attaide, irmão do Conde de Atouguia Martinho de Ataíde]; seu filho D. Pedro de Attaide; D. Lopo de Albuquerque, Conde de Penamacor, e seu irmão Pedro de Albuquerque, Alcaide Mor do Sabugal"; e "D. Guterre Coutinho, filho do Marechal", irmão de D. Vasco. Dom Guterre Coutinho, commendador de Cezimbra, fiando-se em seu irmão Dom Vasco Coutinho, contou-lhe a empreza em que estava metido: "Succedeo então, que D. Guterre Coutinho, instrumento principal do crime execravel, ferido do horror, que os casos desta natureza costumaõ imprimir nos espiritos, já duvidoso, hesitante, e como arrependido, communicou tudo a seu irmão D. Vasco Coutinho. Facilitou-se D. Guterre a esta comunicação por saber, que D. Vasco era hum dos queixosos del Rei; que por isso estava resoluto a sahir do Reino para servir a Principe, que lhe pagasse melhor; que como irmão adornado de bellas qualidades lhe seria fiel, em tão grande designio, e que a isso o obrigaria a esperança de ser mais bem recompensado pelo Duque de Viseo designado Rei." Diz a esse propósito Garcia de Resende: "Pesando-lhe [a D. Guterre] da hida do yrmão, e avendo por cousa certa a morte d' el-rey com que sua yda seria escusada, lhe mandou muyto pedir que antes de se partir se visse com ele em Cezimbra, onde se viram e Dom Goterre por lhe nam descubrir a causa principal de seu fundamento lhe disse, que o mandara chamar sentindo muyto seu despedimento e partida, e lhe pedio muito que estivesse alli alguns dias, nos quaes trabalharia remedear com el-rey seus agravos com que sua yda se escusasse. E porque Dom Vasco o nam quis fazer parecendo-lhe que eram delongas, Dom Goterre pollo segurar lhe descubrio inteiramente todo o caso e Dom Vasco lhe disse entam que ficaria e seria com elle nisso. E tanto que o soube, lembrando-lhe sua lealdade e fidalguia, e a longa criaçam que d' el-rey recebera, e nam os agravos e pouca mercee que dezia que delle tinha recebida por onde era delle despedido, determinou logo como bom, verdadeyro e leal vassalo descubrir tudo a el-rey. E muy secretamente per meo d' Antam de Faria se vio com el-rey a quem meudamente tudo descubrio; e que o que tinham determinado era matarem-no a ferro, e recolherem o principe per mar a Cezimbra, e que per logo com elle sossegarem o reino o levantariam por rey, e que o seria enquanto o duque quisesse o que ficaria en sua mão e vontade. E depoys foy el-rey de tudo avisado por Dom Vasco Coutinho", pedindo ao rei, que lhe prometeu, que não condenasse à morte o seu irmão. Depois de desfeita a conspiração, D. Guterre teve a morte comutada em prisão perpétua, no castelo de Avis "aonde a palavra, que lhe poupou a vida a ferro, pouco depois lha mandou tirar com veneno". Por carta de 16 de Março de 1486, D. Vasco é feito Conde de Borba, "em recompensa de serviços prestados na guerra com Castela, mas em 2 de Junho de 1500 foi feito Conde de Redondo, por el-rei lhe ter tomado a vila de Borba, que deu ao Duque de Bragança. Todavia, posteriormente, foi tratado de conde Borba, mesmo em documentos oficiais", e assim é sempre chamado, nos Anais de Arzila de Bernardo Rodrigues. Em 1488 encontramos D. Vasco "homiziado" (degredado) em Marrocos, não se sabendo por que razão, nem quando isso aconteceu. Esse ano é aparentemente capitão de Arzila, sucedendo a Álvaro de Faria, ou capitão ínterim, já que será apenas em 9 de Junho de 1490 que receberá oficialmente a capitania. Nesse mesmo ano de 1488, conta-nos Bernardo Rodrigues, que D. Vasco escapa a um ardil do alcaide de Alcácer-Quibir, Cide Talha Laroz, "pessoa muito principal no reino de Fez e muito fidalgo": D. Vasco ia apenas com setenta de cavalo. O Alcaide de Alcácer-Quibir, que soube da sortida, por tê-la provocado, veio esperá-lo na retirada com 500 lanças. "Saiu logo o alcaide da cilada tão de súbito que ao conde foi forçado pelejar com êle" (…), foram ambos ao chão. O conde, vendo o alcaide coberto de uma rica saia de malha, foi sôbre êle com a espada na mão, e disse-lhe: «rendei-vos alcaide», o qual, conhecendo-o pelas armas e voz, respondeu: «Almejeli (homiziado), hoje é o teu dia ou o meu». Tudo se passara em poucos instantes (…) vendo que era inútil qualquer resistência, por se achar entre inimigos, o alcaide rendeu-se. "Os portugueses" se recolhérão a Arzila sem perda, e sem soçobro. Tanto estimou El-Rei esta gentileza, que deo ao Conde o governo da Praça"Enquanto está preso, o Alcaide de Alcácer deixa no governo da sua cidade o seu primo Cide Zião, mas é rapidamente resgatado contra 15.000 dobras de banda (ouro com o peso do cruzado), 15 cativos cristãos, 20 cavalos com suas selas xerquis (orientais), deixando 18 reféns, dos principais de Alcácer, enquanto tudo não está pago. Deixou também sua saia de malha "rica e nomeada e estimada" "que servindo-se o conte de Borba vinte e cinco anos dela, a leixou por morgado ao ilustre conde Dom João, seu filho, e ele, depois de trinta anos que foi capitão, a leixou a seu filho, Dom Francisco, conde de Redondo, o qual depois do despejo d'Arzila a deu a Dom Pedro de Meneses, seu cunhado, e filho de Dom Antonio de Noronha, conde de Linhares, quando foi por capitão de Ceuta, e nela acabou sua vida sendo desbaratado e morto por Acem, alcaide de Tetuão, como em seu lugar se dirá". Nessa época o rei de Fez, Mulei Xeque estava em paz com Portugal, mas como apenas controlava sobretudo a região de Fez, outros mouros faziam guerra às praças portuguesas. Neste caso estavam os alcaides de Xexuão (Barraxe), de Tetuão, (Almandarim), e o Alcaide de Alcácer. Mas este depois de resgatado, também fez pazes por oito anos, com os portugueses. Sem deixar "de ter obediência ao seu rei natural" (o rei de Fez) tomava com o rei de Portugal "obrigações de vassalidade", prometendo "ao seu segundo senhor obediência e fidelidade (…) e nomeadamente faria guerra, sendo-lhe requerido, a Barraxe, alcaide de Xexuão". Pouco depois D. Vasco voltou ao reino, onde foi nomeado oficialmente capitão de Arzila, como já foi dito (9 de Junho de 1490) e aí ficou esse ano, pelo menos até 29 de Julho. A capitania de Arzila pertenceu desde então à família de D. Vasco até o despejo da vila. O conde exerceu esse cargo até 1514 e depois seu filho e neto até 1549. Mas com algumas ausências, voltando de vez em quando ao reino "descansar, ou cuidar dos seus negócios". Parece que governou incessantemente Arzila até 1495, ano em que têve de voltar "chamado ao reino por D. João, por enredos que na corte se teceram contra êle; substitui-o no cargo, seu sobrinho, D. Rodrigo Coutinho, que acometido dos mouros de Xexuão e Tetuão foi por êles desbaratado e morto." D. João de Meneses substituindo-o, alcançou grande vitória, e o conde de Borba voltou ao seu posto. No tempo das pazes com o rei de Fez e o alcaide de Alcácer, "foram de novo povoadas as aldeias do campo de Arzila e cheio o campo de muito gado. Ganhou o conde fama de justiceiro entre os mouros pelo bem que os tratava e favorecia, guardando justiça igual ao mouro e ao cristão" Em 1498 D. Manuel propôs a Mulei Xeque, rei de Fez, "que enviasse a Arzila pessoa com poderes para renovar as pazes". Aceitou Mulei Xeque, e enviou para isso o alcaide de Jazem (Asjen, perto de Uazane, ou Ouazzane), Alharte, acompanhado do alcaide de Alcácer. Mas este concerto não teve efeito, o conde de Borba e Alharte não puderam chegar a acordo: "As conversações foram demoradas, o alcaide Alharte pediu cousa que ao conde desagradaram e puseram em cólera (…) e não podendo conter-se mais, lhe respondeu desabridamente: «Alcaide dizei a el-rei, vosso senhor, que donde o alcaide de Alcácer está, tão leal e tão cavaleiro, e que trazendo a lança na mão sabe os negócios da guerra e da paz, que a êle devia de mandar o poder, assim da guerra com da paz, e não a outro alcaide de Fez que não sabe mais que lavando o cu e as mãos, ir faze seu çalá»"Foram então quebradas as pazes… Provavelmente em fins de 1501, D. Vasco volta mais uma vez a Portugal, deixa em Arzila sua esposa e seu filho primogénito D. João, "capitão da vila pelo conde seu pai" que em 9 de Janeiro de 1502 dá a governança da vila a D. João de Meneses. D. Vasco volta a Arzila no fim de 1505 ou princípios de 1506. Em 15 de Outubro de 1508, quinta-feira de manhã, "apareceu a vila cercada de mar a mar". Nesse ano D. Manuel tinha mandado uma armada para tomar Azamor, chefiada por D. João de Meneses. Essa empresa falhou, mas a nova dessa armada fez que Mulei Mafamede, rei de Fez, que tinha sucedido a seu pai em 1504, "reunisse um grande exército para acudir (…) ; e por outro lado, a vinda da armada para o estreito fez-lhe recear que intentasse tomar algum lugar desta costa e, por isso, foi contra Arzila, a primeira possessão portuguesa que encontrava no caminho deste lado, e assim impedir qualquer desembarque." Veio então sitiar Arzila, com os alcaides Barraxe, e Almandarim. D. Vasco tinha sido prevenido e mandou cartas para as outras praças portuguesas, e a D. João de Meneses, seu cunhado, para lhe acudirem. Os muros da vila eram fracos por serem de pedra e barro, e "não havia mais que uma bombarda na vila, e essa tomaram-na os mouros". No segundo dia do cerco o conde foi ferido de uma seta, e teve que recolher-se para receber curativo. Os mouros conseguiram entrar na vila, e os sitiados recolheram-se no castelo. A armada de D. João de Meneses chegou à meia-noite do sábado 17 de outubro, mas o mais da frota só chegou domingo depois de meio-dia, e ele-mesmo fora dos últimos a chegar, "já bastante tarde. A 2.a feira gastou-se em conselho (…), e à terça-feira não cometia D. João cousa alguma" por superstição; decidiram então de desembarcar quarta-feira. Sabendo disso D. Vasco, por dois mouriscos que tinha enviado a nado aos navios, "mandou-lhe dizer que êle tinha agouro nesse dia, como êle tinha em 3.a feira; e já que não quisera entrar à 3.a feira em tempo de tanta necessidade, não queria que entrasse à 4.a feira; e, de feito, a sua entrada no castelo só se fez na 5.a feira". Por isso, nesse dia, apenas desembarcou o capitão dos ginetes, D. João Mascarenhas, genro do conde, com mais de 300 homens, ajudados pelos sitiados que fizeram surtidas de maneira que os mouros instalados na praia não pudessem impedir esse desembarque. No dia seguinte, entrou no castelo D. João de Meneses. "com outra tanta gente ou mais, com bastante trabalho e dano, porque durante a noite os mouros fizeram muitos palanques na praia. (…) Acharam-se assim no castelo mais de mil homens (…) com muitos mantimentos que dos navios tinham sido tirados. Nesse mesmo dia chegou outro bom socorro, que foram os corregedores de Cádiz e Xerez da Fronteira, com muitos cavaleiros (…). Vendo o conde e D. João a muita gente de guerra reunida no castelo, quiseram logo dar nos mouros e lançá-los fora." Depois duma primeira luta, "os nossos recolheram-se com algum dano. Nos dias seguintes, a nossa gente não cessava de sair à vila a pelejar com os mouros." No dia 27, chegou o conde Pedro Navarro "com uma grossa armada que el-rei de Castela enviava-a nosso socorro. (…) Das galés começaram a atirar à vila e logo derrubaram algumas casas, o que vedo os do castelo, mandaram dizer que parassem o fogo, porque contavam retomar a vila e aproveitar-se das casas. Então atiraram sôbre as tendas que envolviam a vila em toda a extensão, as quais de facto, vieram logo ao chão e os mouros mudaram-se para longe do alcance da artilharia." O conde Navarro desembarcado e recebido no castelo, decidiu-se acometer a vila o dia seguinte. "Os mouros tinham feito barreiras e tranqueiras por tôdas as ruas e estavam prevenidos para receberem os nossos; mas foi tão irresistível o ímpeto que, desfeitas essas barreiras, forçaram os mouros e os levaram até o cabo da vila, que ficou em poder da nossa gente." Nos dias seguintes bombardearam as estâncias que os mouros "ainda fortes na praia" tinham aí feito. "Neste tempo, cada dia vinham navios portugueses com gente de socorro." O rei D. Manuel I, que se encontrava em Évora, prevenido do cerco, "mandou que em Lisboa e em outras cidades se apretassem muitos navios e gente e seguissem para Tavira, onde os ia esperar com intenção de passar a Arzila e recuperá-la, se estivesse perdida. Chegado a Tavira, teve nova que o castelo estava ainda em poder do capitão da vila e já tinha recebido os primeiros socorros. (…) Rui Barreto, vedor do Algarve, foi dos primeiros a embarcar para socorro, e não houve homem do mar em Tavira, Faro, Portimão e Lagos, que não fizesse outro tanto (…). Vendo el-rei de Fez a vila em poder dos nossos, a gente de socorro que não deixava todos os dias de vir e a audácia da gente da vila, que constantemente saía a pelejar, resolveu levantar o cerco e foi-se caminho de Alcácer-Quibir. Os moradores que estavam no castelo, desapressados em fim, voltaram a suas casas vazias, que tôdas como as ruas estavam cheias de lã e penas, porque os mouros desprezando estas duas cousas despejavam os colchões e cabeçais e levavam somente o pano." Partiu Pedro Navarro, e o conde de Borba, sentindo o rei D. Manuel tão perto, e o perigo passado, confiou o govêrno a seu genro, D. João Mascarenhas, capitão de ginetes, e embarcou com D. João de Meneses, para "beijar as mãos a el-rei a Tavira e dar-lhe conta do sucedido. El-rei fez-lhe muita honra e mercê." "Este favor de el-rei determinou muitos fidalgos a ir servir Arzila. Foram dos primeiros que o fizeram D. João Coutinho filho do conde de Borba, (…) Nuno Fernandes de Ataíde, que veio pouco tempo depois a ser capitão de Safim (…), D. Francisco de Portugal, que foi conde de Vimioso, com oitenta homens principais de Évora e cinquenta e cinco de cavalo, que sustentava à sua custa (…); o visconde de Vila Nova de Cerveira D. Francisco de Lima], com seu primo Diogo Lopes de Lima; D. Fernando de Castro, alcaide-mor do Sabugal, e outros mais que faziam de Arzila uma pequena côrte." Em Tavira, D. Manuel, ocupou-se da fortificação das praças portuguesas de Marrocos, e com D. Vasco, mandou seu arquitecto Boitaca: "enformado do que era necessário pera fortificar a vila, e fazendo mercê aos moradores pera se encavalgarem, pois todo avião perdido, seus cavalos, e asi alguma ajuda pera concertarem suas casas, o despedio, mandando com o conde mestre Butaca, grande mestre-de-obras que fizesse os muros de pedra e cal; e ai mandou prover como em Vila Nova de Portimão se fizesse muita cal". Depois do primeiro cerco, em 1509 o conde de Borba faz uma entrada "à bôca de Benahamede e Benarroz", e leva de presa "mais de 30 cativos e mais de 600 cabeças de gado vacum e de 1.000 de gado meúdo". Nesses tempos de guerra era o que acontecia várias vezes: quando não eram os alcaides mouros que atacavam Arzila ou outras praças portuguesas, ou pelo menos os seus campos, eram os portugueses que "entravam" nos campos, e aldeias, dos mouros e levavam presas. Nesse mesmo ano os alcaides de Alcácer, Jazém, Larache, Tetuão, e Xexuão, atacam a vila mas fazem pouco dano; mas pouco depois o rei de Fez volta a sitiar a vila, "a qual esteve em grande aperto, mas o conde tivera tempo de avisar el-rei Dom Manuel e por isso recebeu grande socorro, pelo que el-rei de Fez se retirou sem ter feito nada". Em 1510 os alcaides de Jazém, Tetuão e Xexuão "correm" Arzila, e matam D. Fernando de Castro, "que estava servindo el-rei na vila com 35 ou 40 de cavalo e muita gente de pé." Nesse ano Também D. Vasco faz uma "entrada" em Algarrafa e Benamacoma, onde faz grande preza; Jorge Vieira, "almocadém de várias almogavérias" (isto é: que dirigia almogavérias, nome que aí davam - cf. Bernardo Rodrigues - a essas "entradas" aos campos e aldeias dos mouros pelos cristãos, e aos campos portugueses pelos mouros: nestas almogavérias se distinguiram sobretudo dois mouriscos, os almocadéns Pêro de Meneses e Gonçalo Vaz, que apenas são conhecidos por esses nomes por serem os nomes que recebiam de seus padrinhos, uma vez que se tornavam cristãos), faz uma entrada até Mençara; e outro dia faz nova entrada. "até Benamacoma, o qual encontrando cide Hamete], o filho do alcaide de Alcácer, que viera armar aos nossos, foi por êle desbaratado e morto. Ficaram mortos e cativos dos nossos 23 de cavalo. (…) Entre os cativos eram Álvaro Velho e João Fernandes de Abreu e êste malferido com uma cutilada pelo rosto e, por isso, muito triste. Iam os cativos todos atados uns aos outros pelas ruas de Alcácer, diante do filho do alcaide vencedor, com «muitos atabales, anafis e outros tangeres de cornos e outros instrumentos e multidão de gente, homens, mulheres e moços fazendo alegrias, como é costume». Vendo o companheiro tão aflito, chegou-se a êle Álvaro Velho e disse-lhe: compadre, de que is triste, pois nos levam com tanta honra, tangendo gaitas e çanfoninhas, como diz a cantiga que por nós outros se fez, que diz: lhevarannos por las calhes com gaitas y çanfoninhas»? Aínda nesse ano D. Francisco de Portugal faz uma entrada onde é ferido, e participa na tomada de uma fusta de mourosEm 1511 D. Francisco de Lima faz uma entrada até Mençara; e D. Vasco até a serra do Farrobo, onde toma "a aldeia de Arrehana e muito gado, e cativou 30 almas". Sempre nesse ano D. Vasco faz uma entrada ao "campo de Mençara" e encontra os "alcaides de Tetuão, Xexuão e Alcácer na bôca de Capanes, onde pelejou com eles e os desbaratou. Foi feito de que ao capitão ficou muita fama em Arzila e de que êle se ufanava". Aínda esse ano o rei de Fez "veio correr Arzila", por duas vezes, sem fazer dano, "senão que tomou o facheiro, postado na Atalaia do facho, como muito desejava": as pequenas elevações ou outeiros que circundavam Arzila eram aproveitadas para defesa da vila. Tinham nome de Atalaias e delas os portugueses observavam o campo, para logo que ocorria alguma coisa de anormal assinalarem à torre do sino da vila, que dava rebate, e os moradores entravam na vila. A principal Atalaia era a do Facho. A vigia do facho, ou facheiro era nessa época Álvaro Gomes Galego, que tinha grande reputação "entre os nossos e muito maior entre os mouros, de modo que, acontecendo-lhes algum desastre, logo diziam que tinham sido vistos do facheiro". Por isso o rei de Fez tentou, e conseguiu tomá-lo. Mulei Naçar, irmão do rei de Fez, quis-lhe tirar os olhos. O conde de Borba escreveu ao rei "pedindo-lhes que não lhe fôsse feita cousa tão fora de humanidade. Nisso consentiu, de feito el-rei, mas nunca o resgatou, e em Fez faleceu depois de muitos anos de cativeiro. " Em 1512 os alcaides de Alcácer, Larache, Tetuão e Xexuão "correm" o campo de arzila e destroem tudo em volta da vila. Nesse ano, mais uma vez o rei de Fez, Mulei Xeque ataca Arzila. O conde peleja com ele, "com dano dos mouros, mas perdeu-se no adro da vila D. Diogo Coutinho, seu primo, que aí foi morto ". Em 1513 D. Vasco Coutinho quiz voltar para Portugal e deixar o govêrno da vila. Mas o rei pediu-lhe que participasse à empresa de Azamor, aconselhando Dom Jaime. Por isso veio juntar-se "no fim de Agosto" à armada reunida em Faro, "com seu filho, D. Bernardo Coutinho, e se achou em todo o feito". Mas de volta a Arzila no fim do ano, aí o esperava "a infausta nova do falecimento de seu filho mais moço. Os alcaides seus vizinhos mandaram visitá-lo por motivo da sua vinda e da morte do seu filho, de que lhe deram o pêsame. Logo ordenou a sua partida e, de feito, embarcou em Janeiro de 1514 para Portugal", deixando seu filho D. João Coutinho suceder-lhe. Em 13 de Outubro de 1514, o rei concedia-lhe a tença de 200.000 reais em sua vida", e a alcaidaria-mor de Santarém. Faleceu no fim do ano de 1522.

1495 - D. Rodrigo Coutinho sobrinho de Vasco (interino)


D. Rodrigo Coutinho (c. 1470 - 1495, Arzila). Militar português, capitão ínterim de Arzila. D. Rodrigo Coutinho, era filho de D. Álvaro Gonçalves Coutinho, 5º Marechal de Portugal, e de Brites Soares de Melo. Em 1495, encontrava-se em Arzila, quando o seu tio, e capitão-mor da praça, D. Vasco Coutinho teve que se ausentar, indo para Portugal. Por isso, e como tinha este capitão feito pazes com os mouros havia já alguns anos, "deixara Arzila encarregada a D. Rodrigo Coutinho". Mas os mouros, Barraxe (Mulei Ali Ibn Rachid, alcaide de Xexuão) e Almandarim (Sidi Al-Mandri II, alcaide de Tetuão), aproveitando-se desta ausência de D. Vasco, que temiam, romperam então as pazes, "levantárão tropas, e forão devastando o (…) terreno até às pórtas da Praça. D. Rodrigo se oppôz a estas correrías com um destacamento da guarnição, que sustentou o campo com valor incrível; mas opprimidos da multidão dos barbaros, D. Rodrigo perdeo a vida, e muitos com ele." D. João de Meneses, cunhado de D. Vasco, tomou então a capitania da cidade, e consegui desbaratar os mouros.

1495 - D. João de Meneses (interino)


D. João de Meneses, c. 1460-Azamor 15 de maio de 1514. Militar português, 1 ° capitão de Azamor & capitão de Arzila. D. João de Meneses, filho de D. João de Menezes, 4º senhor de Cantanhede e de Leonor da Silva, chegou a levar os seguintes títulos: Alcaide-mor do Cartaxo, Comendador de Mogadouro (Ordem de Cristo) & Comendador de Aljezur, Camareiro-mor do príncipe D. João, Governador da Casa do príncipe D. João, Guarda-mor de D. Afonso. Nos Anais de Arzila, Bernardo Rodrigues conta-nos a fatalidade da morte de D. Afonso, filho do rei D. João II, em terça-feira 13 de Julho de 1491 e como esse dia ficou maldito para D. João de Meneses: "À terça-feira Dom João de Meneses não avia de cometer cousa alguma polo que lhe aconteceo na morte do principe Dom Afonso, como é notorio e sabido a todos os deste reino. Dizem que estando no Algarve, em um lugar seu que se chama Aljazur, em uma terça-feira, lhe dérão cartas d'el-rei Dom João o segundo e do principe Dom Afonso seu filho, que fose à corte, e se fez prestes e partio a outra terça-feira, e tardando oito dias no caminho chegou a Santarem, donde el-rei e o principe estavão, outra terça-feira, e dahi a oito dias, outra terça-feira, correndo a carreira em Alfange, levando o principe pela mão, caio do cavalo, da qual queda logo morreo. Deste tão desestrado caso lhe ficou tão grand odio e agouro que nunca a terça feira cometeo cousa alguma, posto que depois foi capitão d'Arzila e d'Azamor e se lhe oferecêrão casos suficientes; e dizia Dom João que em tal dia se pudesse escusar abrir as portas o faria." Pedro de Mariz, nos seus Diálogos de Vária História diz dele: "foy hum dos mais estimados fidalgos, que em todos os Reynos de Hespanha houve em muito tempo; levando muita ventagem em armas, & prudência a muitos, que por estas qualidades, erão excellentes". Em Dezembro (ou próximo dele) de 1495 "foy cousa maravilhosa, que no mesmo dia em que [D. Manuel I] em a Villa de Montemór o Novo ordenava estas cousas em favor de Affrica [mandando prover em muita abundância todos os lugares, que naquella costa possuíamos], se alcançou nella huma grande vitória; sendo Ministro della o capitão-mor, & Governador de Arzilla, Dom João de Menezes, da casa de Cantanhede"Estando ausente D. Vasco Coutinho, capitão oficial de Arzila, tinha-lhe substituído nesse cargo, seu sobrinho Dom Rodrigo Coutinho (filho de D. Álvaro Gonçalves Coutinho, 5º marechal de Portugal). Mas logo tinha sido desbaratado pelos "dous famosos Alcaides Barráxa (Mulei Ali Ibn Rachid, alcaide de Xexuão), & Amadarim (Sidi Al-Mandri, alcaide de Tetuão), izentos da obediencia delRey de Féz (Mohammed ach-Chaykh)". D. João entrou então no Governo de Arzila, em lugar de Dom Rodrigo, e determinou, em primeiro lugar reduzir os rebeldes pela força, à obediência. Pediu socorro a Lopo Vaz de Azevedo, capitão de Tânger, que lhe enviou o adail Pedro Leitão, com cinquenta cavaleiros escolhidos. D. João tinha ele saído de Arzila com cento e cinquenta cavaleiros. Reuniram-se e marcharam durante a noite para não serem sentidos antes de chegarem à primeira aldeia de rebeldes. Mas sucedeu que ao mesmo tempo, "Barráxa (Mulei Ali Ibn Rachid) Almandarim (Sidi Al-Mandri II) com Musa e Acob, alcaides do rei de Fez", que "andavão muy alterados por a vitoria, (...) e andavão hora Senhores do campo, & vinhão [também] sobre as Aldeas nossas tributarias com duas mil lanças, e oitocentos homens de pé". Dom João não podia voltar, compreendendo que perseguido, se perderia sem remédio, com sua reputação. Resolveu investi-los por surpresa. Dividiu a armada em três exércitos. O primeiro confiado a Pedro Leitão, com os cavaleiros de Tânger, querendo-lhes fazer honra como a hóspedes, com o maior perigo; o segundo confiou-o a D. João de Meneses, (também chamado D. João da Cunha) de alcunha o ladrão, seu sobrinho, filho do conde Dom Pedro de Meneses, com trinta cavalos; e o resto reservou-o para ele mesmo. Animou os soldados com palavras de fé, e avançaram. Os mouros, ao vê-los tão poucos, confiados no seu número, não se organizaram e atacaram. Os de Tânger receberam-nos, com muito ânimo, durante um bom tempo, antes de se retirarem pouco a pouco. Chegaram então os cavaleiros de D. João ladrão, que atacandos os mouros por outro lado, deram nova confiança aos primeiros, que voltaram a suster o combate. Pareceu então a D. João de Menezes, tempo oportuno para avançar "com o restante das forças, e o fez com tanto valor e fortuna, que os mouros, depois de alguma resistência, começaram a ceder. Apertando-os o capitão (...) poz por fim em fuga, os mouros, "& lhe foy no alcance mais de duas léguas, matando quatrocentos, & dezoito de cavallo, & cativando vinte, & oito; & hum rico despojo em que entravão oitenta, & cinco cavallos de preço, & todas as bandeiras dos alcaides, que mandou a este Reyno ". Em 9 de Janeiro de 1502, por ordem de D. Manuel I a capitania de Arzila foi entregue de novo a D. João, em substituição do seu cunhado o conde de Borba D. Vasco Coutinho, que se encontrava em Portugal. Esta substituição ficou a dever-se ao aumento da conflitualidade com os mouros, e o filho de D. Vasco, D. João Coutinho sendo ainda muito novo. Sabendo D. João de Meneses que o rei de Fez, Mohammed ach-Chaykh, "& seu irmão, andavão em campanha, com doze mil homens de cavallo, & muita pionagem; & que muy furioso hia sobre Tânger: de que Dom Rodrigo [de Castro, capitão de Tânger], não podia ser avisado senão por mar, & a pressa não dava lugar a dilaçoens, mandou atar huma carta em que lhe dava esta conta, metida em cera, ao pescosso de huma cadella de Tanger, que a caso estava àquella hora em Arzilla; & à boca da noite a mandou pór fora, primeiro muy bem assoutada: & ella se deu também com o negocio, que chegou a tempo, que Dom Rodrigo foy avisado, & se aparelhou de maneira, que quando elRey chegou á Cidade, & a cometeo com tamanho exercito, sahio a elles Dom Rodrigo, & animosamente os cometeu". Mas os mouros muito numerosos, não só resistiram mas levaram o melhor e teve D. Rodrigo que se recolher, e " lhe matarão hum filho & oito cavalleiros, & a elle derão húa lançada, que lhe pregarão o rosto com o pescoço (...), & ainda com tudo isto não poderão fechar a porta, nem correr a tranca mais, que té o meyo, que fez Ruy Martinz o derradeiro, que entrou. Partido de Tanger elRey de Féz, Mohammed ach-Chaykh, foy com a mesma gente sobre Arzilla, onde Dom João de Menezes acudio logo, & sahio ao campo, com quinze de cavallo, a ver o que passava nelle, deixando os outros em a villa velha. E achando os corredores d'elRey de Féz, se começou a retirar às lançadas, com as quaes apertarão tanto com elle os Mouros, que lhe foy forçado voltar a elles; mas nesta volta não se achando mais, que com quatro, com elles somente fez tanto em armas, que os Mouros se espantavão, & não podião crer, o que seus olhos vião, & suas carnes sentião: até que acudindo cincoenta dos que ficarão atrás, derão com tanto esforço nos Mouros, que os levarão de vencida hum grande espasso, matando, & ferindo nelles. (...) Começou a passar avante pelo meyo de todo o exercito dos inimigos. Mas lá vendose sem os seus, fez volta pera se recolher, & nella lhe matarão alguns cavalleiros de nome, & lhe ferirão quasi todos, & a elle cõ huma lança de arremesso, lhe passárão as armas: cõ tudo isto chegou aos que estavam na villa, com os quaes fez huma cõprida volta aos Mouros, & os lançou fóra, da tranqueira cõ morte de muitos, e grande numero de cativos: e entre elles morreu hum famoso Alcaide (...). E entre estes trabalhos hum mouro de cavallo deu muito que rir a muitos, que lamentar a si só: porque deixando elle hum tão grande exercito já entrado nas tranqueiras de Arzilla, & Dom João Capitão della com tão poucos, metido no meyo de tantos, que todos lhe procurávão a morte: se apartou (...) & não vendo no campo mais, que sinaes de morte, deu o negocio por concluido, & se meteo pelas portas da villa muito cõfiado: onde logo foy desenganado, com a hõra que se costuma aos cativos." Isto se passou segundo Pedro de Mariz em 1501; a 6 de Março segundo o Gabinete Historico, não se sabendo de que ano, e segundo Rodrigues de Matos terá ocorrido em 6 de Março de 1503. "E porque em o porto da cidade de Larache, cinco léguas de Arzilla, estavão certas galés, & gâleotas de Mouros, que pouco havia tinhão tomado algumas naos nossas, que também tinhão naquelle porto, determinou Dom João de Menezes não sofrer aquella injuria: & pera isto armou três caravellas, & com outras tres, que andavão no estreito, as foy cometer dentro no porto da cidade; & a força de armas, rendeo huma galé real do Alcaide Almandarim (Sidi Al-Mandri), & a queimou (...) & todos os que sahirão à defenção della forão desbaratados de maneira, que pode Dom João trazer cinco galeotas, dous bargantins, & huma das nossas caravellas somente, por não estarem as outras em parte convenientes a mais que a lhe porem o fogo com que arderão. E porque quando a gente da cidade, acabou de se armar pera acudir a isso, já Dom João de Menezes tinha concluido com a empresa, (...) elle se foy recolhendo vitorioso, sem perder mais, que hum homem. Ousadia, que deu muito em que cuidar muitos dias aos Mouros: porque até quelle tempo nunca tal acontecera naquelle porto, nem depois se sabe, que acontecesse. E elRey Dom Emanoel estimou tanto este feito, que falava nelle muitas vezes por maravilha: & acabou de entender, & confessar, que Dom João de Menezes, excedia a todos os que por valerosos na guerra erão estimados no mundo. E isto foy a 24 de Julho, de 1504.". Sucede-lhe em Arzila D. Vasco Coutinho de volta da sua ida a Portugal, provavelmente "no fim de 1505, ou princípios de 1506". Em 1507 vai "com três caravelas sondar as barras dos rios de Azamor, da Mámora, de Salé e Larache, acompanhado do Duarte de Armaz «grande pintor que traçou e debuxou as entradas dêstes rios e a situação da terra». Em 1508 é capitão de uma armada a Azamor: "Neste (...) anno de mil,& quinhentos, & oito, mandou el Rey Dom Emanoel húa armada a Affrica, em que hião quatrocentos homens, de cavallo,& dous mil de pé, & por Capitão da empresa Dom João de Menezes, (...); pera que conquistasse a cidade de Azamor. E mandou elRey tão pouca gente a huma empresa tão grande, contra o parecer dos mais experimentados; & enganado de alguns, que com falsas apparencias, & demonstraçoens lho fizerão parecer assi conveniente: principalmente o moveo muito hum Mouro, que havia sido Rey de Mequinez, & andando desterrado, veyo a este Reyno, & se offereceo, que elle com todas suas valias ajudaria á conquista, por ser morador em Azamor, & se faria seu vassallo. Mas ainda que Dom João de Menezes chegou á cidade, & a esbombardeou, & desembarcou em terra animosamente, & lhe deu hum combate rijo, & bem pelejado, té pregarem as lanças nas portas dellas todavia era ella tão populosa, & forte, & estava tão bem apercebída pera aquella conquista, & tinha em sua defenção tantos mouros, que Dom João não pode mais fazer, que depois de muitas mortes de parte a parte, recolherse a salvamento". Participaram à empresa, Rodrigo de Melo, conde de Tentúgal, e D. João Mascarenhas, capitão de ginetes, e parece que também vieram D. João de Meneses, conde de Tarouca, e seu filho Dom Duarte que vinha de suceder a seu pai na capitania de Tânger. O piloto mor era Bastião Rodrigues Berrio, de Tavira, que era, segundo outra fonte (Bernardo Rodrigues ), quem tinha vindo anunciar a oferta de Azamor. "Mulei Zião, [era] senhor de Mequinez, (...) Mulei Naçar, irmão del-rei de Féz, Mulei Mafamade (Mohammed al-Burtuqâlî), o avia deitado fora dele [de Mequinez] ". Por isso pediu o auxilio do rei Dom Manuel. Mas, entretanto "tendo muitos parentes em Azamor, o chamárão e o levantárão por senhor e rei; e , por esta causa" não se quiz submeter. Quando a armada chegou a vila estava fechada e preparada. E vendo-a tão pequena, os habitantes zombavam de Bastião Rodrigues Berrio, dizendo: "Asi Berrio, com quatro caravelas, quereis tomar Azamor? ". D. João parte então para Tânger e uma parte da Armada para Alcácer-Ceguer. Mas em 15 de Outubro desse mesmo ano, o rei de Fez, Mulei Mafamade (Mohammed al-Burtuqâlî), com seus alcaides cide Alé Barraxe (Mulei Ali Ibn Rachid, alcaide de Xexuão) e Almendarim (Sidi Al-Mandri, alcaide de Tetuão), atacam Arzila com uma poderosa armada, que consegue apoderar-se da vila, ficando apenas o castelo às mãos dos portugueses. D. Vasco Coutinho seu capitão pede ajuda, e a armada de D. João, com seus principais, e o capitão de Tânger, D. Duarte, aparece dois dias mais tarde à meia-noite, mas só na quinta-feira 21 de Outubro, é que conseguem desembarcar, os primeiros dias por o mar impedir os barcos de se aproximar, e terça-feira devido a superstição de D. João de que é feita menção ao princípio do artigo. Depois com a ajuda também do conde Pedro Navarro, "com três mil, & quinhentos soldados, com que então se achava acompanhado: com estes & com os da companhia de Dom João, quiz elle dar batalha a elRey de Féz, & pera isso começou aparelhar, como quem sabia, que só a vista de semelhante ousadia, havia de quebrar os corações aos Mouros. Mas elRey o não quiz esperar por estar já desconfiado de tomar a villa, & polo muíto danno, que cada momento recebia, & esperava receber se retirou ". "AINDA, Que elRey Dom Emanoel, tinha por tributaria a Cidade Azamor em Affrica, todavia desejava ser Senhor della: porque muitas vezes lhe negava o tributo, & se ajuntava com seus inimigos; polo, que determinou mandalla conquistar. E pera isso era o anno do Senhor mil,& quinhentos,& treze, mandou fazer huma poderosa armada (...) com o Duque de Bragança Dom Gemes, (...) por General". A armada "foy surgir duas léguas de Marzagão a 28 de Agosto (...). De Marzagão partio o exercito ao primeiro de Setembro. (...) Em Azamor mandou logo dar o primeiro combate" e durante à noite os seus moradores fugiram da Cidade. "Ao outro dia, sendo o Duque avisado do que passou, deu logo graças a Deos publicamente, & com grande triumpho entrou na cidade, & muito mayor contentamento em o seu animo, por huma tão grande, & tão barata vitoria, que lhe não custou nem hum só homem. (...) E todas as mais cousas da Cidade novamente conquistada, ordenadas como convinha ao governo, & defenção della, se veyo o Duque de Bragança ao Reyno, deixando (...) por Capitão-mor do exercito Dom João de Menezes. Passada esta vitoria, logo o anno seguinte de 1514 soube Dom João de Menezes, que ainda estava em Azamor, que os Reys de Féz, & Mequinez se aparelhavão pera virem com todo seu poder sobre Azamor & pera começar a guerra, & cerco, mandavão diante dous seus Alcaides famosos, com muitos, & bons cavalleiros, & gente de guerra, que por todos erão quatro mil de cavallo, & grande numero de pé [erão eles, segundo Bernardo Rodrigues o alcaide de Mequinez Mulei Naçar, irmão do rei de Fez, Mulei Mafamade (Mohammed al-Burtuqâlî), e Latar, alcaide de Tedola]. E parecendo a Dom João de Menezes, que desbaratando estes Alcaides, se escusaria o cerco, que os Reys lhe querião por, se ajuntou com Nuno Fernandez de Attaide [capitão de Safim] com as suas quatrocentas lanças, & com o Mouro amigo Iheabenafut [(Ou Ta'Fouft), Bérbero, que se apresentava como aquele que é encarregado na cidade de Safim da execução das leis do império] com mil, & quinhentas lanças: & elle com oitocentos homens de cavallo, & mil de pé [e também com Martim Afonso de Melo Coutinho, capitão de Mazagão, o adail Fernão Caldeira de Arzila, & os xeques ou cabildas Jacó Ben Gariba, Aubdá, & Algaravia: derão todos sobre os Alcaides, que confiados em sua multidão, & fama, os receberão com muito animo,& com o mesmo se começarão a defender como cavalleiros: mas os nossos com tanto impeto, & fervor entrárão, & continuarão a batalha, que forão os Alcaides desbaratados, ficando hum delles morto no campo, com mais de dous mil, & seiscentos de cavallo: & o outro se salvou deixando a lança, adarga, & cavallo, pera com mais dissimulação, & ligeireza o poder fazer. Morrerão mais sete Xeques, pessoas entre elles de grande authoridade; & da gente de pé hum grandíssimo número". Mas vendo os inimigos desbaratados, muitos dos portugueses lançaram-se a persegui-los sem ordem, até que muitos encontrando-se separados, foram mortos: assim aconteceu a "muitos sobrinhos de D. João" e particularmente a Dom Garcia, filho do conde de Cantanhede, irmão de D. João, e Aires Téllez, e 25 outros fidalgos, e mais de 40 homens. " Teve lugar esta batalha na sexta-feira santa 14 de Abril de 1514". Desgostoso com esse desastre D. João retirou-se para Azamor, diz Bernardo Rodrigues, "não saio mais de casa, nem se ergueo de uma cama, até que faleceo, não querendo ver ninguém.". Dom Manuel "o mandou visitar com palavras de excelente principe, mandando-lhe o titulo de conde D'Aljazur", enviando-lhe segundo Pedro de Mariz "muitos agradecimentos dos assinados serviços, que lhe fazia, & das famosas obras, que em seu nome acabava, rogando-lhe muito, por seu amor quisesse ainda ficar naquella nova cidade mais dous mezes; passados os quaes viria receber o galardão de seus ferviços que lhe satisfaria como merecia". Em resposta a isso "fez um vilancete e trovas, que andão no Cancioneiro português, que dizem: “Tirai-vos lá desenganos não venhais a tempo que não prestais”. Tinha casado com Isabel de Mendanha. Sem descendência.

1495-1501 - D. Vasco Coutinho, Conde de Borba e Conde de Redondo, de facto


1501-1502 - D. João Coutinho, conde de Redondo (interino)


D. João Coutinho (c.1480.Abril 1549), 2° Conde de Redondo. Capitão de Arzila. D. João Coutinho era filho de D. Vasco Coutinho, também capitão de Arzila, e de D. Catarina da Silva, irmã de D. João de Meneses outro capitão de Arzila. Era irmão de D. Bernardo Coutinho, alcaide-mor de Santarém, D. Margarida Coutinho (que casou com o 2° Senhor de Lavre e Estepe, D. João Mascarenhas, capitão de ginetes, D. Maria da Silva, e de D. Isabel de Castro. Casou com Dona Isabel Henriques, filha do 1° Senhor de Lavre e Estepa, D. Fernão Martins Mascarenhas, irmã do 6° vice-rei da Índia, D. Pedro Mascarenhas e de D. Manuel Mascarenhas que depois também foi capitão de Arzila. Teve 3 filhos: D. Francisco Coutinho, 3º conde de Redondo, Capitão de Arzila e 8°vice-rei da Índia, D. Álvaro Coutinho, comendador de Almourol, e D. Isabel Henriques. O rei de Fez, Fez Mulei Mafamede, quando veio ao cerco de 1516, disse "que se espantava sair de homem tão áspero (D. Vasco) filho tão contrário à aspereza do conde de Borba". Sem deixar de sêr firme no exercício do poder, diz dele Bernardo Rodrigues: "em trinta anos (aliás 20), que foi capitão de Arzila, nunca saiu homem espancado de sua mão, nem injuriado de sua bôca". Cita o mesmo Bernardo Rodrigues estas palavras do conde que reflete sua personalidade: Sendo capitão de Tânger, D. Álvaro de Abranches teve em 1532 desavença com D. Vasco Coutinho, parente de D. João e fronteiro naquela cidade. D. Álvaro quiz explicar ao conde as razões do conflito, a seu modo, e encontrou-se com ele. Ouvidas as explicações o conde respondeu-lhe: «Senhor D. Álvaro, a culpa está às vezes mais nos capitães que em quem os serve. Meu pai o conde de Borba, foi capitão de Arzila trinta anos e deu muitos mouros, ginetes, capuzes, capelares; também teve valia com os reis, que por êle deitaram hábitos e fizeram mercês a muitos homens e, contudo, não havia quem dêle dissesse bem e lhe desejavam tirar a besta. Eu tenho tudo ao contrário, que não valho, nem posso dar uma capa velha, nem el-rei por mim fez mercê a nenhuma pessoa, ainda que lho bem mereço, e não há homem em Arzila, nem em Tânger, que não venda e ponha seus filhos por mim em cativeiro; e isto bem, que já que lhe não posso dar o que merecem, dou-lhes palavras, que são dizer bem deles, e do que o faço uma vez sempre mais o faço e não digo mal. Esta obrigação tendes vós e essa deveis a quem dizeis uma vez bem». É este o conde de Redondo referido em dois passos do Clérigo da Beira, de Gil Vicente. Também Camões lhe dedicou um soneto: “Dos ilustres antigos que deixaram / tal nome, que igualou fama à memória, / ficou por luz do tempo a larga história / dos feitos em que mais se assinalaram. Se se com cousas destes cotejaram / mil vossas, cada üa tão notória, / vencera a menor delas a mor glória / que eles em tantos anos alcançaram. A glória sua foi; ninguém lha tome. / Seguindo cada um vários caminhos, / estátuas levantando no seu Templo. Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos, / ilustre Dom João, com melhor nome / a vós encheis de glória e a nós de exemplo” «Era tanta sua conversação, nobreza, umanidade, que todos desejávão viver e estar debaixo de sua governança e mando». «Muitas poucas vezes temos visto, nem ouvido, ser homem bom e capitão, bom, senão neste valeroso capitão». «Foi o mais eicelente capitão de nosos tempos, asi pera os seus como pera os imigos». Bernardo Rodrigues fala do "mar oceano" dos seus feitos. Quando foi a Portugal em 1523, passando de Almada a Lisboa, o Tejo "encheu-se de barcos e estes de fidalgos que o foram ver e acompanharam até desembarcar no Terreiro do Paço. De Cádiz a Sevilha foi festejado como príncipe poderoso". Mais tarde, em 1535, na tomada da cidade de Tunes, o imperador Carlos V, numa fase do ataque, tendo junto de si o nosso infante D. Luís, disse para êle: «Quem nos dera aqui o vosso conde do Redondo com suas duzentas lanças, para ser capitão e mandar estes ginetes». No cerco de 1516 inventou "certa carreta e certo barco armado que muito bom serviço prestara nele". Criou "uma bolsa para ajudar os moradores de Arzila que perdessem os seus cavalos a comprar outros (...) cada homem de cavalo dava por ano um tostão o conde dez cruzados; mas o fundo principal eram 20.000 reais que dava cada ano el-rei, a seu pedido". Criou um serviço de escutas ou espias do campo. "sabia poupar a vida dos moradores. Dizia que mais queria não têr vitória que arriscar um só morador". Quando o rei de Fez, com suas forças muito numerosas, vinha a Arzila, "não tinha a loucura de querer "pendencia com ele. Dizia com ironia, que a el-rei se devia ter acatamento quando honrava os nossos com sua real presença." D. João Coutinho foi capitão de Arzila em 1501, porque seu pai têve que ir a Portugal, mas logo deixou seu tio D. João de Meneses substitui-lo, por sêr muito novo. Voltou mais tarde para Portugal, onde casou. Depois do cerco de Arzila de 1508, em que a vila esteve quase a cair, D. João foi outra vez para Marrocos. Diz Bernardo Rodrigues: "E dos primeiros que com o conde fôrão foi D. João Coutinho, seu filho, que depois foi o afamado conde de Redondo, de quem os caminhos e barcas andão cheias dos seus grandes feitos, e ditos, que em Portugal estava ao tempo que os mouros em Arzila entrarão, casado com Dona Isabel Anríquez, filha do capitão de jinetes, Dom Fernão Martinz Mazcarenhas [D. Fernão Martins Mascarenhas, 1º senhor de Lavre e Estepa]." Pouco tempo depois, D. João de Meneses primo de D. João Coutinho, foi atacado por um leão na Ribeira de Bugano. Chegou então D. João, "com a voz alta e à mão tinente deu com a lança d'alto uma mortal ferida ao lião, dizendo primeiro «Alarga vilão!» mas não ficou sem a paga, porque o feroz e real lião (...) lhe lançou a mão em uma perna e abrindo-lh'a até baixo". Chegaram então os outros homens e a fera fugiu. D. João de Meneses morreu pouco depois, e D. João Coutinho, curado por "mestre diogo, por ser o milhor cerujão de seu tempo" vindo de Tânger, sobreviveu, mas "todavia, ficou eivado da perna, pola muita carne que dela faltou". O ano seguinte, de 1509, a vila é cercado pelo rei de Fez Mulei Mafamede. Pouco antes tinha chegado a mulher de D. João, e no primeiro dia do cerco chegou a caravela "carregada de fato e frasca dele e de sua mulher ": "Neste primeiro dia chegou uma caravela d'Alcacer do Sal, carregada de frasca e fato de Dom João Coutinho, (...). Dona Isabel [sua mulher] já era em Arzila, que avia ido por terra, e a frasca e fato com outras muitas joias e peças ricas, que sua mãe Dona Violante Anriquez lhe mandava, tudo ia em aquela caravela com algumas pessoas do serviço de sua casa; e entrando no arrecife, vendo a praia cheia de mouros e muitos que se deitavam a nado ao navio, o mestre, deitando duas ancoras, se meteo na barca com os marinheiros e mais gente que trazia, e se foi à porta da Ribeira, ficando o navio (...) sem gente. Os mouros vendo o navio desemparado de gente, cortando-lhe as amarras, dérão com ele à costa (...). De modo que muito bem o podião ver das janelas do conde e do muro tirar da caravela todo o fato e frasca, que avião dado em casamento ao conde". O seu pai voltando definitivamente para Portugal, D. João sucede-lhe na capitania de Arzila, em Janeiro de 1514: "Tanto que o Conde de Borba, Dom Vasco Coutinho, foi embarcado e partio pera Portugal, leixando todavia a condessa sua molher [D. Catarina da Silva] e suas filhas e Dom Bernardo seu filho em Arzila, com muita alegria e contentamento de toda a vila foi recebido e obedecido Dom João Coutinho, seu filho, por capitão". Os alcaides vizinhos mandam-no cumprimentar. Pouco tempo depois, em 22 de Fevereiro de 1514, desbaratou os alcaides cide Hamete Laroz de Alcácer Quibir, Alharte de Jazem e Amin de Larache no "Porto das Pedras". Foram 44 mouros cativos, "e fôrão mortos neste desbarate passante de dozentos e cincoenta de cavalo (...) Érão os nossos cento e corenta ou cento e corenta e quatro de cavalo; os mouros afirmão que erão novecentos ou mais. Tomaram-se noventa e oito cavalos (...) Ouve nestes cavalos, muitos e mui estremados jinetes das pesoas dos alcaides". Tinha sabido D. João da vinda ao Farrobo (perto de Arzila) de cide Zião Alcocé (ou Alaroce, Alarose, próximo parente do alcaide de Alcácer, Laroz), xeque de Benabiziquer: Este tinha criado dois "poldros irmãos, os quais saírão muito grandes e fermosos cavalos, e à fama deles Mulei Naçar [irmão del-rei de Fez, e "o mór imigo do nome cristão e o mais cruel homem do noso tempo, mandando o reino e sendo mais temido que el-rei"] l'hos mandou pedir, mas cide Zião se escusou de lh'os dar, dizendo que eles serviam na fronteira dos cristãos, e que neles esperava fazer muita guerra; e sobre estes recados pasárão alguns dias". Mas ao cabo Cide Zião teve que vir ao Farrobo para provar o que dizia e levando "os dous cavalos, dos quais era um deles Ruço Rodado e outro Amame." Aí Dom João, "saio e pondo a lança em cide Zião o lançou fora da sela muito mal ferido (...) e logo o seu cavalo Ruço Rudado ficou antre os nossos, e asi o fez o Amame, em que um sobrinho seu vinha, que logo foi morto e pasado de muitas lançadas". Afinal Cide Zião foi morto nessa jornada. Diogo do Soveral, almoxarife d'Arzila comprou esses dois afamados cavalos, e trouxe-os a Portugal, "e o Amame deu a el-rei Dom Manoel, e o Ruço Rodado deu a Dom Nuno Manoel, por naquele tempo ser senhor de Salvaterra, e ele ter certos moios [moios de terra] em Coruche". Mais tarde encontramos de novo este cavalo em Marrocos, pertencendo a Diogo Botelho: foi morto no cerco de Arzila de 1516 e enterrado junto do baluarte dos frades de S. Francisco de que Diogo Botelho era capitão. Muito concorreram ao governo de D. João os tres "mouriscos" (mouros convertidos ao cristianismo) ao serviço de Arzila, os almocadéns (o almocadém dirige almogavérias, nome que dá Bernardo Rodrigues às "entradas" aos campos e aldeias dos mouros pelos cristãos, e aos campos portugueses pelos mouros) Pêro de Meneses e Gonçalo Vaz, que já serviam na capitania de D. Vasco, e Diogo da Silveira, que o serviu na sua segunda capitania. Estes apenas são conhecidos por esses nomes por serem os nomes que recebiam de seus padrinhos, uma vez que se tornavam cristãos. Pêro de Meneses, cujos feitos foram contados por Mestre António, pai de Bernardo Rodrigues nas "Cavalgadas e boas entradas que fez Pero de Meneses, almocadém de Arzila", ou "livro das cousas de Pêro de Meneses", livro que D. João Coutinho recolheu, depois da morte de mestre António, por "seus muitos serviços teve o hábito de Cristo, a-pesar-de mourisco. Era homem sisudo e calado." Morreu no "desastre de D. Manuel de Meneses em 1523". Gonçalo Vaz, era "natural da serra de benagorfate, e muito travêsso e brigoso, e por isso andou homiziado de umas e outras serras vizinhas, benamares, Benarroz, Farrobo (...) Namorado de uma mulher muito fermosa, de Benarroz, fugiu com ela" e trouxe-a Arzila, onde se fez cristão, e ela acabou por fazer o mesmo tomando o nome de Maria Dias. Nas suas almogavérias obteve muitas vitórias e tornou-se abastado, mas "no fim de Abril de 1516, veiu el-rei de Fez mais uma vez pôr cêrco à vila". Enviado pelo conde para dar numa quadrilha, Gonçalo Vaz, de noite caiu duma rocha abaixo e quebrou uma perna. Partido para Tânger para se tratar, nada lhe valeu e "para andar lhe era necessária uma muleta". Quiz logo voltar a Arzila e apesar de todos os conselhos dos seus companheiros e capitão, embarcou numa caravela "passageira" (não armada), que ia para Arzila. A caravela foi atacada e Gonçalo Vaz prendido. Os outros que eram cristãos foram cativos, e a maior parte, depois resgatada, mas "aquele que renegou a sua fé e se pôs ao serviço do infiel só com morte afrontosa pode espiar o seu crime". Foi levado a Tetuão, em presença do seu alcaide Almendarim. Este "mandou fazer uma grade e metê-lo dentro, atado e aspado, de modo que se não podia bulir". "E posta a grade no meio da praça ou mercado" todos os habitantes e mouros de outros lugares vinham ou "cuspir-lhe uma afronta ou exercer violência". Afinal arrancaram-lhe com tenazes os dentes lábios, língua, unhas, carnes, etc. Apenas lhe deixando os olhos para "que visse os tormentos que lhe davam". Morreu ao cabo de dois dias. Seu irmão mais novo, que ele tinha trazido a Arzila, e que também se tinha feito cristão, "tirou crua vingança dos mouros desde então; não lhes poupava a vida", mas também foi tomado em Junho de 1524, "e levado à presença de el-rei (de Fez) êste mandou-o queimar vivo, não obstante o capitão (D. João) dar por êle em mouros e em dinheiro quanto el-rei quisesse pedir, e fazer valer a pouca idade do moço quando se converteu à nossa fé (14 a quinze anos)”. O "grande e muito afamado Diogo da Silveira", tornou-se cristão em 1525, depois de sua mulher e filho terem sido cativados pelos de Arzila, durante a capitania de António da Silveira. Quando Bernardo Rodrigues escreve os seus Anais de Arzila, ainda se encontra vivo, e diz dele o cronista: "Deos trouxe Diogo da Silveira em busca de sua molher e filho, com a qual vinda veio toda a felicidade e boa ventura, e com sua vinda começou levantar cabeça, trazendo presas de mouros, mouras e gado, com que a vila tornou em sua prosperidade, crecendo em jente de cavalo e em abastança, como se logo verá começando de sua vinda e grandes feitos e de sua pesoa e calidade, e certo que, ainda que é vivo, se pode sem alguma lijonja louvar". Arzila estava em grande necessidade de gado. D. João quiz provê-la, e determinou saltear Tintais, que era uma aldeia segura dos mouros por se encontrar muito perto de Alcácer. Decidiram fazer isso de noite, com 250 de cavalo, Pero de Meneses sendo almocadém. Partiram com pouca chuva. Conseguiram o que quiseram trazendo grande presa, mas agora a chuva era muito grossa e cerrada. Chegados ao ribeiro que à ida estava seco, a água "dava pelas acítaras dos cavalos". Mais longe a água da ribeira que deviam atravessar "ia por cima das árvores". Enquanto isso se passava Alcácer teve notícia do saque e os mouros perseguiram os portugueses. Mas como julgaram que os de Arzila não podiam têr ousado isso sem têr ajuda de Tânger, não ousaram atacar o conde, que têve tempo de ir até à Ponte que "acharão descuberta, mas a ribeira vinha tão cheia que, sendo os olhos da ponte cheios, trasvertia por fora". Uma vez os portuguezes do outro lado o alcaide de Alcácer nada, mais podia fazer e D. João Coutinho aproveitou para fazer descansar sua gente, e os cavalos e gado comerem as ervas. Ficaram assim até meio-dia, e só o dia seguinte pela manhã chegaram a Arzila. "Esta cavalgada ficou em muita fama e pôs grande espanto nos mouros, por se fazer tão perto de Alcácer e não ir nela mais que a gente de Arzila ". O cêrco, pelo rei de Fez Mulei Mafamede, que havia pouco obtivera grande vitória sobre os portugueses em São João de Mamora, e com isso, muito despojo, cativos e bombardas, começou a se instalar em 20 de Abril. Mas já D. João, prevenido, tinha tomado medidas, mandando "limpar a cava" e pedindo ao feitor de Andaluzia "que o provesse de carvão, cal ferro e madeira etc., tudo sem alvorôço, para não assustar". Depois "mandou que uma carreta da sua invenção, em que pôs um berço com seu bombardeiro e era puxado por dois homens, que a levavam onde havia necessidade, estivesse sempre prestes para sair e surpreender os mouros"... E da mesma forma mandou um barco dos de pescar, com dois berços a vigiar no mar. A vila foi cercada "de mar a mar" segunda-feira 30 de Abril. Com o rei de Fez estavam os famosos alcaides Barraxe e Almendarim, e "cõ cem mil homens de peleja, em que entravão trinta mil de cavallo". A "luta travou-se furiosa de uma e de outra parte". Chegada a notícia do cêrco a Portugal, "veiu do Algarve o Capitão de ginetes [e 2° Senhor de Lavre e Estepe], D. João Mascarenhas, cunhado do conde, e o irmão dele D. Nuno Mascarenhas". O feitor de Andaluzia (Nuno Ribeiro) mandou 200 homens. Vieram também muitos cavaleiros de Cádis, Xerez, e do Porto de Santa Maria. Quinze dias depois do cêrco vieram do Algarve 12 caravelas, com "Rui Barreto, provedor do Algarve, e Garcia de Melo com 500 ou 600 espingardeiros e besteiros. E no dia 1 de Junho, dia do Corpo de Deus, chegou de Lisboa a armada de Diogo Lopes de Sequeira [futuro governador da Índia]; de mais de 30 velas, que fez perder aos mouros a esperança de render a vila; e por isso, no dia 3 do dito mês, levantaram o cêrco, indo el-rei para Fez e os alcaides para suas casas, cansados e de ânimo quebrado". Depois do cêrco, o conde "quis mostrar aos mouros que não ficara quebrado da pancada de el-rei de Fez". Em fins desse ano de 1516 Foi por isso tomar Agonia, na serra de Benagorfate. Mas os mouros das outras aldeias acudiram rapidamente e mataram dois portugueses de cavalo. A presa foi apesar disso importante: "30 almas e muito gado grosso e meúdo. Esta tomada de Agoní pôs muito mêdo nas outras aldeias da serra de Benagorfate, de maneira que fez despovoar algumas delas". Perto de Arzila encontrava-se o rio Doce. Em 1520, apesar da presença nos arredores do rei de Fez, de que foi prevenido D. João pela artilharia de Tânger, alguns homens foram se banhar aí e lavar os cavalos. O alcaide Amelix surpreendeu-os, mas conseguiram recolher-se, nus, para Arzila. Estando em Arzila o capitão geral duma Armada do Estreito que devia impedir as atividades corsárias de Barba Roxa, D. Pedro Mascarenhas (futuro Governador da Índia), decidiu D. João, seu cunhado, de "correr" ao Campo de Mençara, que ficava de outra parte da serra de Benamares. "A subida da serra foi muito trabalhosa (...), cortando paus, braços de sobreiros e de carvalhos, (...) com grande dano dos cavalos que caíam muitas vezes nos corgos e ribeirões. Nesta subida gastaram grande parte do dia." E quando chegaram alegraram-se muito os homens. D. Pedro não percebia isso dizendo que "donde mais certo está o perigo se alegram"; e se tomais os mouros "com êste trabalho, digo-vos que os não quero, nem cobiço vossa capitania". Fizeram uma grande presa de mais de 30 almas, 400 cabeças de gado vacum e 1.000 do meúdo. O medo foi tão grande nos mouros da região, que "muitos deles, deixando suas casas, foram povoar uma aldeia a que deram o nome de Benamares, da outra parte do rio de Larache, entre esta cidade e Alcácer Quibir". Em 1521 houve grande fome em Marrocos, o clima fez que a terra pouco produziu, e os mouros até se vendiam entre parentes. D. João foi acometer o campo de Alcácer Quibir, coisa que os mouros nem podiam imaginar. Pediu a D. Henrique de Meneses, capitão de Tânger, se o queria acompanhar, mas este não podia. Fez seu intento, e perseguido pelo alcaide, conseguiu voltar a Arzila com grande presa, 2.000 cabeças de gado e 48 almas. "Foi muita mercê de Deus esta grande presa, porque à falta de pão (...) a vila fartou-se de carne, e comia carne em vez de pão". O ano de 1522, depois da fome, veio a peste em Marrocos. O conde tomou muitas precauções, e não aceitava nenhuma "cáfila de mercadores, nem suas mercadorias", e proibiu as almogavérias. Mas "sete ou oito moradores" deixaram-se ficar de noite fora da cidade, e "tomaram três mouros e oito bois". Ao outro dia chegaram aos muros da cidade e festejaram a sua presa, comendo e bebendo. Depois como o conde não os queria receber disseram que iam para Tânger. O condo mandou-os prender, queimar os vestidos de todos, e lavar com a água do mar aos mouros. Depois fê-los entrar a dormir com os outros, por que se dizia que nas serras donde vinham não havia peste. Mas os mouros tinham realmente a peste, e comunicaram-na à cidade. Em 12 de Janeiro morreram os primeiros da maladia que atingiu a maior força em Março, com 20 a 25 mortos por dia, vindo a desaparecer em Junho. Em fevereiro, o conde aproveitou-se então da visita duma caravela de Lisboa, para "embarcar para Tavira a condessa e seus filhos. Seguiram o seu exemplo, muitos mercadores e outros moradores". Entre "Fevereiro e Março desembarcaram em Tavira mais de 500 pessoas, mulheres e crianças." A condessa ficou alojada "na Renilha e as outras mulheres na ilha dos cães". No dia de S. João, a peste acabada D. João foi visitar os moradores, e fizeram então uma grande festa. Depois voltaram as mulheres que "chegaram à vila na entrada de Setembro". Em Abril de 1522, morreu o pai de D. João, D. Vasco Coutinho, em Portugal, e por isso D. João decidiu ir a Portugal. Deixou como capitão de Arzila D. Manuel de Meneses, seu sobrinho, em Abril de 1523, mas este pouco tempo depois foi morto com muitos outros moradores, por gente do rei de Fez. Acudiram então à vila, muitos portugueses e espanhóis, até que Garcia de Melo, alcaide-mor de Castro Marim e anadel-mor dos besteiros, chegou do Algarve com sua armada de 600 homens. Quiz este mandar em tudo, mas não lho permitiram e quem governou a vila até o regresso de D. João, em fins de Setembro, foi Fernão Caldeira, contador de Arzila. Como já dissemos João Vaz, irmão de Gonçalo Vaz, foi mandado queimar vivo pelo rei de Fez, Mulei Mafamede, apesar das ofertas de D. João. Isso aconteceu no mês de Junho de 1524, quando o rei veio correr a vila, "para fazer gazua, por alma do seu irmão, Mulei Naçar, senhor de Mequinez, recém-falecido". Os mouros queriam queimar os "pães" das hortas que os portugueses tinham em redor da povoação. "Andava fora uma quadrilha de oito almogáveres" e dela fazia parte João Vaz. Foram tomados, e toda a gente sabia o que significava para João Vaz. Mulei Abrahem apenas obteve do rei que o não fizesse queimar à vista da vila. Depois, à tarde foi visitar o conde. Este, apesar de muito ressentido, aceitou esta visita por saber que se "estivesse no poder de Mulei Abrahem dar-lhe a vida êle lha daria". Veio então o alcaide com apenas seis de cavalo e desarmado, e o conde fez o mesmo, e assim passearam a conversar. "Disse-se que entre êles viera incógnito o filho de el-rei e outras pessoas principais desejosas de vêr de perto o capitão de Arzila, tão afamado entre êles." No dia seguinte, sábado, dia de S. João, o rei de Fez partiu para Tânger, continuar sua obra de destruição, mas o capitão Duarte de Meneses, o d'Évora avisado pelo conde, "os moradores recolheram os pães a tempo e os mouros ficaram frustrados." Mas antes disso, o rei e seus cavaleiros quiseram vêr a vila de Arzila "por de fora". Mulei Abrahem pediu a autorização ao conde que aceitou. Vieram então "os cavaleiros em muito grande número, talvez mais de 4.000 de cavalo, e rodearam tôda a vila a examinar o muro e a cava." Alguns (que falavam português ou espanhol) até gracejaram com as mulheres, porque todos os moradores estavam à janelas ou sobre os muros. Chegou então uma nau francesa, mas quando a sua tripulação vio a "praia cheia de gente que parecia entrar e sair da vila livremente" pensou que a vila estava em poder dos mouros, e voltaram, anunciar a notícia para Ceuta, e depois Tânger: "A nova correu veloz e logo alvoroçou os lugares de Andaluzia. Felizmente, o conde, vendo ir a nau, suspeitou do engano, e mandou após ela um barco a Tânger que desfez a má nova." Pouco mais tarde, o conde tendo assuntos a por em ordem em Portugal, pediu ao rei D. Manuel, "que lhe mandasse para ser capitão António da Silveira, parente da condessa sua mulher". Assim foi feito e D. João deixou a vila em 1° de Maio de 1525. Em 1526 morreu o grande inimigo dos portugueses o rei de Fez Mohammed al-Burtuqâlî ou Mulei Mafamede. Sucedeu-lhe seu filho Ahmed el Outassi, com a ajudo do seu amigo Mulei Abrahem. Este apesar de lutar contra os portugueses, era como se viu, também amigo de D. João. D. João voltou a Arzila em 29 de Setembro de 1529, e depois de António da Silveira se ter embarcado para o reino, em 10 de Outubro de 1529, começou a governar a vila. Então vieram cumprimentá-lo D. Duarte de Meneses, o d'Évora, capitão de Tânger, assim como os representantes do Alcaide de Alcácer, e do Senhor de Mequinez, cunhado do rei, "justiça maior do reino" (Mulei Abrahem), que lhe ofereceram cada um dois formosos cavalos. D. João, acompanhado de D. Duarte, capitão de Tânger, tomou Algorfa que se encontrava perto de Alcácer, em 12 de Maio de 1530. Aqui se assinalou D. Francisco Coutinho. A presa foi muito importante: "e foi tanta a carne que a arroba valia um tostão e no açougue dois reais e meio". Em 1531, depois do desastre em Tânger, com a morte dos filhos do capitão D. Duarte, vieram muitos fidalgos de Portugal acudir a Tânger. Depois, quiseram aproveitar dessa estadia em Marrocos para tomar Alcácer, e foram por isso hospedados em Arzila. Eram 700 de cavalo. Mas afinal contrariamente ao conde, D. Duarte estimou que nesse tempo o seu propósito não podia ser bem-sucedido, e tornaram-se para Mençara, que ficava muito longe, e que afinal ficou de muito pouco proveito: "A presa deste ajuntamento não chegou a pagar as perdas, por nos rebentarem alguns cavalos e emmanquecerem outros, da corrida ser grande, perto de duas legoas. Este ajuntamento foi o de mais fidalgos que no campo de Arzila fôrão juntos, em setenta e oito anos que foi de cristãos, da tomada d'el-rei Dom Afonso até a deixar el-rei Dom João o terceiro." Benjija, alcaide de Jazém, casando sua filha com Mulei Omar Abdesalam, alcaide de Xexuão por seu irmão, o famoso Mulei Abrahem, quiz "de caminho de Jazém para Xexuão cometer algum feito que propiciasse esse casamento. (...) Arzila foi o seu objectivo". Vinham com ele "Caroax, xeque dos Alarves, cide Alexacorão, irmão do alcaide da alcáçova de Fez, e cide Naçar, alcaide de Larache, sendo o número da gente para cima de 1.800 de cavalo". Entraram no campo de Arzila, num dia em que D. João regressou de uma corrida a Alião, sem fazer nada. O dia seguinte, 13 de Setembro de 1532, Benjija "amanheceu no Xercão, junto da vila" e têve notícia do estado dos portugueses, cansados. D. João, quando têve sinal da presença dos mouros, pensou que era o alcaide de Alcácer, por sêr o mais próximo dos que habitualmente os atacavam. Decidiu de sair ao encontro. Enviou o Adail na dianteira, mas que não travasse batalhe antes que chegasse, e mandou buscar a bandeira de Cristo à vila. Todos queriam ir à frente, mas D. João lhes disse: «Senhores e amigos, até agora todos falastes e cada um disse seu parecer, e todos quereis vamos pelejar com estes mouros: o que vos peço e encomendo é que não haja homem que fale, nem se ponha ante mim, nem se atravesse diante, para que o veja, pois muito bem conheço a todos e sei que o que fica de trás deseja ir diante: e vos lembro que êste é o alcaide de Alcácer e a mesma gente, o mesmo caminho em que não há muitos anos que mataram nossos pais, irmãos e amigos, sendo trinta para cada um, e eu confio em Deus êle nos dará a vitória (...)». Mandou o mourisco Diogo da Silveira, almocadém, "que guiasse o alferes, e junto da bandeira ordenou que fosse seu filho, D. Francisco". Os mouros muito numerosos já perseguiam o Adail, quando D. João chegou e atacou, "de modo que todos, mouros e cristãos de mistura, deram na batalha e bandeira do alcaide e, rompendo a sua gente, a puseram em completo desbarate". Perseguindo os mouros certos portugueses foram muito longe do lugar da batalha, como D. Francisco, filho do capitão, "o qual depois o repreendeu asperamente". O despojo foi muito grande. Durante a Batalha Bernardo Rodrigues tomou a bandeira do alcaide, e orgulhoso a pôs à sua porta; "e não houve homem nem mulher que não fosse vêr o seu troféu e dar-lhe parabéns do seu feito". Também aconteceu que o alcaide Benjija foi jugado morto ou perdido. Afinal encontraram-no sozinho com a lança de um português. Mandou à vila um recado, pedindo que o português que o tinha atacado e a quem, defendendo-se, pegou a lança, o escrevesse e assinasse para que o rei de Fez não pensasse que tinha fugido. Assim foi feito, o português sendo um criado de D. João, e este certificando que o alcaide tinha lutado "como um lião". O alcaide Benjija voltou menos de três meses depois, desta vez com o alcaide de Alcácer e Mulei Abrahem. O dano foi pequeno mas o conde foi ferido por uma seta. Tratou-o o doutor Duarte Rodrigues, irmão de Bernardo, que este foi buscar a Fez onde estava por têr sido chamado là para tratar a mulher de Mulei Abrahem, Leleaxá (ou Lalla Aicha), irmã do rei Ahmed el Outassi. Marrocos estava vivendo um período de transformações. O rei de Fez já pouco poder tinha sobre Marrocos, eram os Xerifes (o irmãos Ahmed al-Araj e Mohammed ech-Cheikh) que estavam a impor-se. O rei de Fez pensou então fazer pazes com o rei de Portugal: "era um inimigo a menos". O tratado de paz foi negociado por de uma parte Mulei Abrahem e do outro D. João Coutinho. O acordo foi assinado sobre o rio doce, perto de Arzila, que separa os "dois reinos". "Êste acordo dizia que por tempo de onze anos haveria paz entre os dois reinos (e o imperador)". Foi este tratado pouco respeitado. Partiu-se então (em 7 de Outubro de 1538) D. João para Portugal, onde viveu como conselheiro de Estado. Morreu em Abril de 1549. Bernardo Rodrigues diz que foi a sua morte foi devida à ferida do leão: "Eu tenho para mim, que ao cabo de corenta anos que depois viveu, se lhe afistulou (a perna), e da pouca virtude dela se lhe causou a morte ".

1502 (9 de janeiro) - 1505 - D. João de Meneses (segunda vez)


1505 - 1514 - D. Vasco Coutinho, Conde de Borba e Conde de Redondo (segunda vez)



1514 - 1524 - D. João Coutinho, conde de Redondo, (primeira vez)


1523 (abril) - 1523 (junho) - D. Manuel de Meneses (interino)


D. Manuel de Meneses (Arzila (?) c. 1500-Junho de 1523 perto de Arzila). Militar português, capitão de Arzila. D. Manuel era filho de D. João de Meneses, também chamado D. João da Cunha, de alcunha o Ladrão, e de Dona Guiomar Coutinho. De acordo com os Anais de Arzila de Bernardo Rodrigues, que conheceu pessoalmente D. Manuel, nasceu provavelmente em Arzila, onde seus pais moravam em 1508, quando ele era ainda uma criança. Nessa data seu pai foi morto por um leão e sua mãe trouxe-o então para Portugal. Mas pouco tempo mais tarde foi ela assassinada por suas escravas mouras, que também tentaram raptar a criança. Esta escapou e as criadas foram capturadas e enforcadas. Mais tarde é fronteiro em Azamor. Em Abril de 1523, o capitão de Arzila, D. João Coutinho, partindo para Portugal na ocasião da morte de seu pai, D. Vasco Coutinho, nomeou D. Manuel por capitão em sua ausência. Mas levado pelo grande desejo de Fernão Mascarenhas, adail de Arzila, de fazer uma surtida à terra dos mouros, foi desbaratado e morto por gente do rei de Fez, Mulei Mafamade (Mohammed al-Burtuqâlî), em Junho de 1523.

1524 - 1529 (outubro) - António da Silveira


António da Silveira (c. 1490 - c. 1531), capitão de Arzila, Comendador de Arguim (Ordem de Cristo), Copeiro-mor de D. Manuel I. António da Silveira, era filho de Jorge da Silveira, alcaide-mor de Castelo Rodrigo, e de Maria (ou Margarida) Furtado de Mendonça. Bernardo Rodrigues diz que era primo como irmão de D. João Coutinho. Em realidade era primo de Isabel Henriques (filha de D. Fernão Martins Mascarenhas, 1° senhor de Lavre e capitão de jinetes), mulher de D. João Coutinho. Casou com Dona Genebra de Brito (ou Jenebra) de quem têve um filho, Vasco da Silveira, que nasceu um dia depois da chegada dos pais a Arzila (morrerá em 1578, cativo em Fez, depois da Batalha de Alcácer Quibir, sendo conselheiro do Rei D. Sebastião, e um dos quatro coronéis levando as forças portugueses na batalha: "Vasco da Silveira, aquelle valeroso fidalgo, a quem tanto contra sua vontade na batalha emprestou a morte tam pequeno espaço de vida."). António da Silveira era "freimático e sem cólera", "muito magnífico, nobre, prudente, sofrido e sua cavalaria era mais da que a um capitão é necessária". Antes de vir para Arzila, António da Silveira, foi comendador de Arguim. Seu filho Vasco, também o foi mais tarde. D. João Coutinho, capitão de Arzila, tendo de partir para Portugal para tratar de seus negócios, pediu ao rei D. Manuel, "que lhe mandasse para ser capitão António da Silveira, parente da condessa sua mulher". Assim foi feito e "António da Silveira chegou à vila na véspera do Natal de 1524" com sua mulher grávida. No dia seguinte 25 de Dezembro, "dia de Natal, D. Genebra teve o seu parto, para a qual ia preparada com parteira e ama". D. João ficou presente até o 1° de Maio de 1525 para dar conselhos ao novo capitão. Quando D. João partiu, alguns queixaram-se, mas "António da Silveira deu-se tal manha que, uns de medo, outros de amor, de todos foi obedecido e folgaram de o servir". Logo nesse mesmo ano, depois de sua mulher e filho terem sido cativados pelos de Arzila, o "grande e muito afamado Diogo da Silveira", tornou-se cristão. Não se sabe seu primeiro nome, e seu nome cristão foi-lhe dado pelo seu padrinho, o capitão. Ficou de Almocadém de Arzila. Amelix era almocadém do Farrobo (Jebel Sidi Habib). Jovem tinha sido cativo e levado a Portugal, mas consegui fugir, juntou-se ao almocadém Arroax, e depois, deste ter sido morto pelos de Arzila, ficou ele a chefiar a quadrilha de 20 cavaleiros. Fazia muitos danos aos portugueses, matando mais de 100 cavaleiros, e D. João Coutinho nunca o pode apanhar. Até que no dia de S. Miguel de 1525 Amelix veio com alguns companheiros perto de Arzila, e desceu, com dois "primos seus", perto do rio para vêr se encontrava algum português. Só que encontrou "oito ou des dos nossos, e entre êles D. Jorge de Noronha e D. João de Sande. Fugir em tal caso não era covardia" mas assim não fez Amelix e "logo pôs a lança nos nossos e estes receberam-no nas suas e o derrubaram e mataram às lançadas", assim como a seus primos. Assim morreu "o mais afamado homem que em aquele tempo havia em toda a África e o que mais dano tinha feito em cristãos". "A sua cabeça foi trazida à vila que a recebeu com muito alegria (…) e o seu cavalo mandou António da Silveira a el-rei, mais pela fama do seu dono do que por ser formoso." Os seus companheiros, foram perseguidos, já com a chegada do capitão, e sete foram mortos e um cativo. Dia do Corpo de Deus (29 de Maio de 1526), os alcaides de Xexuão, Mulei Abrahem, e o de Alcácer cide Amete Laroz, seu cunhado, irmão da sua mulher Cite Olim, vieram pôr-se em cilada perto de Arzila com 1.500 de cavalo. Mulei Abrahem "mandou ainda a Alebenaix, almocadém do Farrobo, sucessor de Amelix (…), que se metesse com 22 de cavalo" para atrair as atalaias de Arzila perto do rio onde as esperavam. Assim foi feito, e as atalaias, mas também o almocadém de Arzila Diogo da Silveira e o adail João Moniz, seguiram-nos, pensando que "estaria só com a sua gente". Chegou o capitão António da Silveira, que vendo isso, ficou "muito contrariado" e "logo quis mandar dizer ao adail que não fosse atras de almogáveres e se recolhesse". Mas chegou outro homem dizendo «mouro tomado, mouro tomado!» o que fez que alguns 60 de cavalo também foram atrás de Alebenaix, apesar do capitão tentar de os impedir. Desses eram alguns fidalgos como Álvaro Pires de Távora (que aí foi morto), seu irmão Lourenço, D. Jorge de Sande, e o próprio primo do capitão, Manuel da Silveira (filho de Francisco da Silveira, 2º senhor de Sarzedas). Os mouros saíram então da cilada e desbarataram os portugueses, e cativaram estes últimos fidalgos. Mesmo o capitão esteve em perigo, e mataram-lhe o cavalo. Logo depois o alcaide de Alcácer mandou um desafio a António da Silveira, querendo zombar dele. O capitão aceitou mas Mulei Abrahem repreendeu o alcaide, e em vez disso mandaram pêsames pela derrota, que era o que costumavam fazer. O rio de Larache (Rio Lucos) fazia uma fronteira muito difícil a passar pela gente de Arzila. Não tinha vau. António da Silveira decidiu construir uma almadia que podia levar doze homens que deviam atar duas cordas grossas com que de uma parte e outra puxassem a embarcação. Com isto fez passar 50 homens armados que deviam conduzir o gado que pastava na outra borda, não menos de 2.000 cabeças, a nado até à margem de cá. Mas aos gritos dos portugueses, o gado em vez de passar o rio fugiu para o interior, como, parece, lhe tinham ensinado. António da Silveira tentou então mais tarde outro meio, que foi mandar dois barcos de remos armados até Larache, que deviam passar de noite sem serem vistos e pelo rio acima até Xeimes e Alhaute que eram as aldeias dos mouros a que pertencia o gado, onde ele os esperava. Mas o barco foi visto, ouviu-se a artilharia de Larache, e o capitão mandou Artur Rodrigues com 20 de cavalo os encontrar, o que foi feito e os barcos vieram até ao capitão. Decidiu-se então que esses barcos tentariam de voltar para Arzila rio abaixo, mas os homens acabaram por desanimar e sair em terra, recuperando alguma artilharia e afundando os navios. Bernardo Rodrigues diz que em 1543, durante a capitania de D. Manuel Mascarenhas, esse ardil teve êxito. No dia de Natal de 1528, o capitão mandou espias que vieram com a notícia que muitos mouros vinham correr a vila. Era o alcaide de Alcácer Talhar Laroz com 800 de cavalo, que vinha desafiá-lo, mas apenas queria tomar algumas atalaias e mostrar-lhe que não tinha medo dele. Mas António da Silveira quis dar-lhe batalha, mesmo com apenas 120 de cavalo e outros tanto de pé. Convenceu sua gente e saíram ao encontro. O alcaide vendo isso fugiu, mas os portugueses conseguiram tomar-lhe 7 homens e "94 cavalos, 3 azémolas, mais de 80 adargas, outros tantos capuzes e 60 saias de malha"… e mataram-lhe 105 mouros. Também um Xeque foi cativo, pessoa importante, que se chamava Afam, que o capitão comprou por 200.000 reais. Mas como regressou a Portugal o ano seguinte, levando com ele o Xeque, que morreu pouco tempo depois, sem ter pago seu resgate, perdeu António da Silveira, dessa maneira o dinheiro que lhe custou. Em Abril de 1529 o rei de Fez (Ahmed el Outassi), correu à vila, "quebrar o contentamento e soberba que mostravam os cristãos daquela fronteira". Mas o capitão tinha sido prevenido e os mouros não puderam fazer dano apesar de ter cingido a vila toda de mar a mar. Foi então para Tânger, mas António da Silveira consegui prevenir o capitão D. Duarte de Meneses, o d'Évora e o rei também não pode fazer dano algum aos portugueses. Então "para que aquela demonstração de força não fôsse vã, el-rei vingou-se nas lavouras que os moradores da cidade tinham nos campos dos arredores, e na sua destruição se ocupou três ou quatro dias". Depois voltou a Arzila e fez o mesmo durante quatro dias, sem que os portugueses pudessem fazer alguma coisa para se defender. O capitão jurou de se vingar, e logo no mês de Maio fez destruir grande parte do milho dos campos de Mençara; e depois no mês de Junho foi até perto de Alcácer, em Algarafa, e meteu fogo às colheitas. O fogo foi tão alto, que com o vento, atravessou a ribeira Makzen, e foi ter aos campos de Alcácer. Por isso o ano seguinte, sendo já de novo capitão de Arzila o conde D. João Coutinho, "êle e Mulei Abrahem entraram em acordo que as sementeiras não fossem danificadas e nelas se não fizessem represálias". Chegou D. João Coutinho a Arzila em 29 de Setembro de 1529 e "aos dez dias d'Outubro do dito ano de mil e quinhentos e vinte nove, se embarcou com muita saudade de toda a vila" António da Silveira. O ano seguinte, em Portugal, morreu seu refém Xeque Afam, como já foi dito, e ele mesmo pouco depois: "não tardou muito que este valeroso capitão faleceo, e tudo acaba".

1529 (outubro) - 1539 - D. João Coutinho, conde de Redondo (segunda vez)


1539 - 1547 - Manuel Mascarenhas


D. Manuel Mascarenhas (c. 1480-1546) Comendador do Rosmaninhal (Ordem de Cristo), Capitão de Arzila. D. Manuel era filho de D. Fernão Martins Mascarenhas, 1° senhor de Lavra e Estepa, Comendador de Almodôvar (Ordem de Santiago), Alcaide-mor de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal, Capitão de Ginetes de D. João II, e de D. Violante Henriques. Era irmão do 6° vice-rei da Índia, D. Pedro Mascarenhas. Um dos seus cunhados era D. João Coutinho, que o precedeu na capitania de Arzila (casado com sua irmã D. Leonor Henriques). Casou ele com D. Luísa (ou Leonor) Henriques (filha de Francisco Palha, alcaide-mor de Fronteira), com quem têve 4 filhos: D. Fernando, D. Francisco, Capitão de Ormuz, D. Vasco e D. Beatriz (ou Isabel). Depois da partida de D. João Coutinho, em 7 de Outubro de 1538, D. Manuel tomou o governo de Arzila. Apesar das pazes assinadas esse mesmo ano por D. João com o rei de Fez Mulei Hamete, as lutas continuavam entre os mouros e os portugueses. Por isso em 1543, o rei de Fez declarou as pazes "rôtas". Em 14 de Novembro de 1543, D. Manuel com D. João de Meneses, capitão de Tânger, passaram o rio de Larache, e tomaram a aldeia de Alhaute, e Buxarém. António da Silveira já tinha tentado a mesma coisa, por duas ocasiões, quando era capitão, mas nunca com êxito. Trouxeram "2.000 cabeças de gado vacum e muitas éguas e poltros, cativaram 162 almas e mataram cerca de 200”. Em 15 de Maio de 1545 D. Manuel, mais uma vez com D. João de Meneses, faz uma entrada ao campo de Alcácer, aldeia de Bugiham. Aí fazem muita presa de gado, mas à volta são perseguidos pelos mouros, e D. João decide de "voltar contra eles". Foi com D. Jorge da Silva, que estava por fronteiro em Arzila. Os portugueses conseguiram vencer os mouros mas D. João foi derrubado e D. Jorge morto. Nesse mesmo ano D. Manuel renova as pazes com o rei de Fez, mas tal como as pazes de 1538, nunca foram cumpridas, "os alcaides de Tetuão e Xexuão continuaram a não as acatar, e o de Alcácer, com o favor dos Xerifes, também as não respeitava". Provavelmente doente D. Manuel partiu no fim desse mesmo ano de 1545, para Portugal, sendo substituído pouco mais tarde por D. Francisco Coutinho, filho de D. João. Morreu o ano seguinte, ou pelo menos uma carta de cavaleiro da chancelaria de D. João III, datada de 30 de Julho de 1546, fala dele como já falecido.

1547 - 1549/50 - D. Francisco, 3.º Conde de Redondo


Francisco Coutinho (1517-Goa, 19 de fevereiro de 1564) foi um nobre e militar português. Foi o 3.º Conde de Redondo, Capitão de Arzila, e o 8.º Vice-Rei da Índia. Francisco era filho de João Coutinho, e neto de Vasco Coutinho, dois Capitães de Arzila como ele. A sua capitania começou em princípios de 1546, sucedendo a Manuel Mascarenhas. Dos seus feitos guerreiros pouco nos resta porque Bernardo Rodrigues, autor dos Anais de Arzila deixou seu livro incompleto, e não chegou a esse ano. Sabe-se que em 15 de Junho, ajuntando-se com Francisco Botelho, capitão de Tânger, foi correr uma aldeia, que pela muita névoa que havia não chegou a encontrar, mas na volta conseguiram cativar 15 mouros, e recolhendo-se foram perseguidos por muitos outros, "mas voltaram sobre êles e mataram e cativaram muitos". Também nesse mesmo ano, e novamente com o capitão de Tânger, em 21 de Julho, fizeram uma outra corrida com sucesso. Também em 20 de Janeiro de 1548, sempre com Francisco Botelho, correu ao "campo de Alexarife, para além de Alcácer, e tomou muitos mouros, e trouxeram de gado grosso mais de 500 cabeças. Recolhendo-se a nossa gente, vindo às portas de Alcácer, saíram dêle a ela 400 mouros de cavalo e 1.000 de pé, que investiram com os nossos furiosamente, mas os dois capitães voltaram sobre êles até junto da povoação e mataram cento e tantos mouros de cavalo e de pé. João III agradeceu aos dois capitães tão famosa vitória". Provavelmente em 1548, antes do 10 de Novembro, vieram correr Arzila os três alcaides de Alcácer, Tetuão e Xexuão, "com cerca de 2.500 de cavalo. Francisco saiu da vila a pelejar com eles e desbaratou-os". Mas em Janeiro de 1549, o "Xerife, Mohammed ech-Cheikh, toma Fez e reunifica Marrocos. O perigo é grande para as praças portuguesas. Francisco informa "el-rei (João III) que se dizia que os filhos do Xerife com muitos alcaides se preparavam para virem sôbre os lugares de África, principalmente sobre Alcácer e Arzila". Logo João mandou buscar socorro ao Algarve e Andaluzia, por Luís de Loureiro, que estava em Alcácer. Mas isso era apenas fingimento, porque o despejo de Arzila estava já decidido, em Conselho, porque esta praça não tinha porto seguro, e porque o Imperador Carlos I de Espanha reagiu pela indiferença ao pedido de ajuda do rei de Portugal. Devia Luís de Loureiro recolher nos navios todos os moradores, "a artilharia, as munições; que se derrubasse a igreja S. Bartolomeu e o mosteiro de S. Francisco, os clérigos e objectos sagrados dela fossem levados para a Sé de Tânger, e os frades dêle para o mosteiro de Tânger, da mesma ordem", que se metesse fogo à vila, mas antes que se avaliasse os bens dos moradores para os indemnizar. Quanto a Francisco, devia falar aos fidalgos, cavaleiros, moradores, "animando-os e pedindo-lhes que fossem servir el-rei a Tânger; e que isto feito se embarcasse com sua mulher e mais família e viesse à sua côrte, porque desejava compensá-lo do dano que sofria com a perda da sua capitania". Assim foi, só que Luís de Loureiro ficou como capitão, com os soldados e fronteiros, porque o rei esperava resposta de negociações com o "rei de Beles" (Abû Hassûn `Alî, tio do antigo rei de Fez Ahmed el Outassi, que propôs ao rei de ficar com Arzila, para lutar contra o Xerife. João quando Francisco voltou fez-lhe mercê de 300.000 reais de tença, e pouco depois foi nomeado regedor da casa da suplicação, e em 1561, vice-rei da Índia. Durante seu vice-reinado, Luís Vaz de Camões escreveu uma ode em sua homenagem, a primeira composição camoniana a ser impressa. A obra foi inserida por Garcia da Orta nos seus Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, publicados em Goa, em 1563. Casou-se com Maria de Blaesvelt, de origem Flamenga. Desta união, teve 7 filhos, dentre os quais destacam-se: Luís Coutinho, 4.º Conde de Redondo, que morreu na Batalha de Alcácer-Quibir. João Coutinho, 5.º Conde de Redondo, 21.º Vice-Rei da Índia

1549/1450-1550 (24 de agosto) - Luís de Loureiro


Luís de Loureiro, por vezes Luís do Loureiro [Viseu (?), Silgueiros (?), c. 1490-Tânger, 13 de Março de 1553], ao qual vulgarmente se chama o Grande Luís de Loureiro, foi um nobre português. Exerceu os cargos de Adail-Mor do Reino de Portugal, Capitão de Safim, de Santa Cruz do Cabo de Gué, novamente de Safim para a sua evacuação, de Mazagão, de Arzila para a sua evacuação, e de Tânger, e foi um dos heróis mais esclarecidos na Nação. Nascido no reinado de D. João II de Portugal, era filho de Henrique de Loureiro, por vezes Henrique do Loureiro, o qual consta duma Decisão de Phebo ser filho natural legitimado, que foi Senhor da Casa de seu Pai e grande Cavaleiro em África, onde assistiu muito tempo e onde serviu com valor, e foi Fidalgo da Casa Real de El-Rei D. Manuel I de Portugal, como consta do Livro dos Registos da Câmara de Viseu, e de sua mulher Brites ou Catarina Rodrigues Cardoso ou Cardosa, filha de Diogo Rodrigues Cardoso e irmã de Pedro Rodrigues Cardoso, chamado o Surdo. O seu pai teve uma filha bastarda, ... de Loureiro, mulher de Diogo Lopes, sem geração. Tendo o Capitão da praça-forte de Safim, D. João de Faro, sido morto pelos Mouros, foi substituído por Rui Freire que, entretanto, era muito jovem. Por essa razão, o Rei D. João III de Portugal enviou para governar Safim como seu 11.º Capitão Luís de Loureiro, antes de enviar outro Capitão, D. Garcia de Noronha. Luís de Loureiro apenas exerceu a função por um mês, de Março a Maio ou de 28 de Maio, data em que chegou, até Junho de 1534, defendendo-a do ataque dos Mouros. Nessa foi enviado para Santa Cruz do Cabo de Gué, em substituição a D. Guterre de Monroy que o rei chamava para Portugal. Começou a exercer o governo da Fortaleza de Santa Cruz do Cabo de Gué como seu 13.º e penúltimo Capitão entre Junho e 3 de Novembro de 1534. Apesar de pazes "quasy feitas de Dom Goterres", teve que combater várias vezes "e sempre sahya com o milhor d'elles". Então celebrou a paz com o Xarife Mohammed ech-Cheikh por seis anos. Ao cabo de quase cinco anos, em 1538, Dom Guterre voltou para governar Santa Cruz, e três anos mais tarde Luís de Loureiro foi novamente nomeado Capitão de Safim. Entre 1541 e 1542 voltou a ser 15.º Capitão de Safim, de cuja capitania foi o último titular antes da sua evacuação, após o que foi nomeado Capitão-Mor de Mazagão. Em 1541 ou 1542 foi nomeado 8.º Capitão-Mor de Mazagão. O Marrocos, nesse período, conhecia o poder cada vez mais forte dos "Xarifes" Ahmed al-Araj e, sobretudo, Mohammed ech-Cheikh, marcado pela intenção de reunificar o país, e que no ano anterior havia obtido uma expressiva vitória sobre os cristãos, apoderando-se da Fortaleza do Cabo de Gué (12 de Março de 1541). Em paz com Portugal, o rei de Fez Ahmed el Outassi que, embora sultão legítimo do país, apenas reinava efectivamente sobre Fez e os seus arredores, não opunha grande resistência aos seus inimigos de Marraquexe e do Suz. Os portugueses compreendem que, se derem a oportunidade duma unificação do país, não terão meios para atender às necessidades de todas as vilas e fortalezas que controlam na região. Por esse motivo, em 1547 Luís de Loureiro, propôs a João III de Portugal que se atacasse o Xerife pelo Suz, enquanto o rei de Fez preparava uma armada contra ele. Com essa armada Ahmed el Outassi partiu de Fez em 25 de Janeiro de 1548, mas retornou sem ter executado nenhuma ação. No ano seguinte Fez foi tomada pelo Xerife Mohammed ech-Cheikh (29 ou 31 de Janeiro de 1549). Nesse contexto, D. João III mandou fortalecer as suas praças no Marrocos, erguer o forte do Seinal e, para "guarnecer convenientemente todos estes lugares mandou vir ao reino Luís de Loureiro (…) muito experiente nas cousas d'África, e no fim de Fevereiro enviou-o a Andaluzia a recrutar a gente de guerra necessária". Permaneceu no cargo até 1548, sendo nomeado 18.º Capitão de Arzila em 1549 ou 1550. Nesse mesmo ano D. Francisco Coutinho que então era Capitão de Arzila, informou "el-rei [D. João III] que se dizia que os filhos do Xerife com muitos alcaides se preparavam para virem sôbre os lugares de África, principalmente sobre Alcácer e Arzila". Assim, o Rei ordenou, buscar o resto do socorro ao Algarve e à Andaluzia, por Luís de Loureiro, que estava em Alcácer Ceguer. Mas isso era apenas uma manobra de diversão, uma vez que a evacuação de Arzila já estava decidida em Conselho, uma vez que esta praça não tinha porto seguro, e que o Rei Carlos I de Espanha mostrou indiferença ao pedido de ajuda formulado pelo Rei de Portugal. As reais ordens de Luís de Loureiro, que tinha a missão declarada de socorrer os lugares de África, devia ajuntar no porto de Arzila 60 navios "que se julgaram bastantes para a embarcação de todos os moradores da vila". O motivo do segredo era que os "mouros o não soubessem (…) para não estorvar o despejo". Devia Luís de Loureiro recolher nos navios todos os moradores, "a artilharia, as munições; que se derrubasse a igreja de S. Bartolomeu e o mosteiro de S. Francisco, os clérigos e objectos sagrados dela fossem levados para a Sé de Tânger, e os frades dêle para o mosteiro de Tânger, da mesma ordem", que se metesse fogo à vila, mas antes que se avaliasse os bens dos moradores para os indemnizar. O capitão devia também partir. Mas houve contratempos, e o "Rei de Beles" (Abû Hassûn `Alî, tio do antigo Rei de Fez Ahmed el Outassi), propôs ao Rei ficar com Arzila, para lutar contra o Xerife. Por isso foi apenas em 17 de Agosto de 1549 que o soberano determinou a Luís de Loureiro fazer a evacuação, mas ele devia ficar, com os soldados, até outro recado que lhe daria "logo que viesse resposta de el-rei de Beles sôbre os fundamentos do seu pedido". A operação de evacuação foi concluída a 28 de Agosto, permanecendo os soldados de prontidão, com Luís de Loureiro como capitão. As negociações com Abû Hassûn `Alî não produziram fruto e, finalmente, Luís de Loureiro "acabou de despejar Arzila em 24 de Agôsto de 1550, isto é no mesmo dia e mês em que, em 1471, D. Afonso V entrara na vila". Acrescentou-lhe D. João III suas Armas por Carta de 26 de Julho de 1551/1552, em atenção aos muitos serviços que lhe prestou, tanto na Corte como fora dela e em África, na guerra contra os Infiéis, e principalmente no ano de 1534, quando foi por Capitão à Cidade de Safim, assim como no tempo em que esteve por Capitão da Vila de Mazagão e em muitas outras ocasiões, nas quais deu sempre provas do seu grande valor. O acrescentamento de armas concedido foi ordenado desta forma: esquartelado, o primeiro de vermelho, com uma cidade de prata, aberta, iluminada e lavrada de negro, ladeada à esquerda de uma escada de ouro, lançada contra as suas ameias, a segunda e a terceira de vermelho, com cinco folhas de figueira de verde, nervadas e perfiladas de ouro, com os pés do mesmo, postas em sautor (de Figueiredo, armas que os de Loureiro usaram por não terem armas próprias, cujo timbre é um braço vestido de azul, com um ramo de figueira de ouro na mão, folhado de cinco peças de verde, ou dois braços de leão de vermelho, passados em aspa, e cada um com uma folha de figueira de verde nas garras), e o quarto de ouro, com uma bandeira de verde, hasteada de vermelho com ferro de prata, partido de vermelho, com uma bandeira de prata, hasteada de ouro, com ferro de sua cor; timbre: meio Mouro de sua cor, com as mãos atadas de ouro (o Alcaide de Azamor), sustido por dois braços de leão de vermelho, passados em aspa, tendo cada um na mão uma folha do escudo. Em 1552 Luís de Loureiro foi nomeado 19.º Capitão da praça-forte de Tânger. Aí chegou a 19 de Novembro do dito ano, e três dias mais tarde o seu predecessor João Álvares de Azevedo entregou-lhe o governo da cidade. Mas, a 13 de Março de 1553, foi «desbaratado e morto pelos mouros, fora da cidade». Tinha enviado «o almocadém João de Meneses com trinta de cavalo para favorecer os atalhadores que tinha mandado fora a descobrir e assegurar o campo. Encontraram alguns mouros e acometendo-os mataram um dos mais importantes. Parecendo-lhes que não eram mais empenharam-se em seguilos contra a ordem que levavam. Têve o General aviso e mandou tirar oito peças de artilharia para que a gente se retirasse. Vendo que não obedeciam, saíu fora para favorecer os seus que via em perigo. Chegou até a atalaia alta, onde se deteve (...). Vindo a noite retiraram-se e as atalaias recolheram-se, sem esperar que o fizesse o General, como eram obrigadas. Com isto os mouros, que eram muitos, tiveram tempo de melhorar a sua situação (...). Vendo o General que já se tinham recolhido os atalhadores e a gente que tinha mandado em seu favor, como o Adail, atacou os mouros, que eram mais de cem de cavalo, e dispersou-os e pôz em fuga com grande dano. Não obstante, no mesmo ponto desceram ou baixaram duas bandeiras com grande número de gente. Como vinham de refresco e encontraram os nossos cansados e divididos, acometeram-nos por toda a parte. Voltaram também e ajuntaram-se a eles os que fugiam, e apesar do capitão fazer o que devia, foi vencido e morto com a maior parte dos que tinha consigo que antes quizeram perder a vida com seu general, que conserva-la com infamia e deshonra. Morreram cinquenta e nove (...). Cristóvão Lobo e Sebastião Banha caíram cativos. O resto do pessoal retirou-se com o sentimento que pedia tão grande perda, sendo a maior a da pessoa do General Luís de Loureiro, que depois de têr governado com grande opinião de valente e sensato, Alcácer, Arzila e Mazagão, e de têr alcansado dos mouros muitas insignes vitórias, morreu entre eles, mais por desordem e desobediência dos seus que pelo valor dos seus inimigos». Foi Senhor do Morgado de Loureiro, tendo sido o primeiro Morgado deste Apelido, para além de Senhor da Casa de Loureiro, e doutro em Penalva, Fidalgo do Conselho de El-Rei D. João III de Portugal e Fidalgo da sua Casa Real, Comendador de Vila de Rei e doutra Comenda, a de São Tomé de Penela, na Ordem de Cristo, Adail-Mor do Reino, vinculou ao seu Morgado de Loureiro as duas partes da Igreja de Silgueiros, por Breve Apostólico do Papa Júlio III, tendo sido, por isso, Padroeiro da Abadia de Silgueiros, e foi muito valoroso e rico. E El-Rei lhe deu 200.000 réis de juro, os quais, por sua morte, anexou sua filha Isabel de Loureiro ao Senhorio do Morgado de Santar ou Assentar. El-Rei D. João III de Portugal lhe escreveu cartas de muita honra, que teve em seu poder o seu sucessor Nuno de Barros de Loureiro. Escreveu a sua vida Lourenço Anastácio Mexia Galvão. Granjeou muita fama no seu tempo, a prová-lo o poema D. Jaime de Tomás Ribeiro: Que belo tempo foi esse / Das bravas de Mazagão! Lhe tornou Pinto Ribeiro / Com rosto mais prazenteiro / Com mais elevada voz. Mas no tempo em que vivemos / Teremos-lhe invejo nós? / De quê? Do Garife Hamet / Rei do Marrocos guerreiro / A quem Luís do Loureiro / Susteve iras de pé? / Que lhe fez Luís Loureiro / Que lhe rendeu o seu valor / Em ser bravo primeiro / Na tomada de Azamor? Desposou Guiomar Machado ou Machada, filha de Jorge Machado, Fronteiro de Mazagão, a qual mulher ele matou, dizem que sem razão, em Mazagão, entre 1542 e 1548 com a qual teve: Henrique de Loureiro, que mataram os Mouros em África, de 18 anos, sem geração. Ambrósia de Loureiro, por vezes Ambrósia do Loureiro, que foi desposada por Lopo Peixoto de Melo, 5.º Senhor de Penafiel, Adail-Mor do Reino em sucessão a seu sogro, primo-sobrinho-neto de Nicolau Coelho e primo-sobrinho-neto em 2.º grau de Pedro Álvares Cabral, e, por este casamento, entrou na família dos, Peixoto o ofício de Adail-Mor, cuja única filha foi: Joana de Melo, 6.ª Senhora de Penafiel, casou com D. Álvaro de Castro, Adail-Mor do Reino em sucessão a seu sogro, sem geração. Isabel de Loureiro, segunda mulher de D. Luís da Cunha, 3.º Senhor de Santar ou Assentar, Barreiro, Ovoa e Senhorim, sem geração. Teve duma mulher solteira, Brites de Escovar, dois filhos bastardos e uma filha bastarda: Luís Anes ou Eanes de Loureiro, que alguns fazem filho legítimo, a quem seu pai deixara o Morgado, que mataram os Mouros numa escaramuça com 14 anos, sem geração. Henrique de Loureiro, que alguns fazem filho legítimo, que se meteu Frade da Ordem de São Domingos e se chamou Frei Luís ou Diogo de Loureiro. Genebra de Loureiro, que alguns fazem filha legítima, também Religiosa, Freira na Conceição de Lisboa.  Brites de Loureiro, que alguns fazem filha legítima, Freira no Convento da Madre de Deus, em Xabregas, nos arredores de Lisboa. O seu Vínculo passou à linha de Nuno de Barros de Loureiro.

1577-1578 - D. Duarte de Meneses


Dom Duarte de Meneses (Tânger, 6 de dezembro de 1537-Goa, 4 de maio de 1588) foi um nobre e militar português. Foi Capitão de Tânger e Capitão de Arzila; foi o 30.º governador da Índia e o 14.º vice-rei da Índia. Era neto de Duarte de Meneses, que também foi governador da Índia, entre 1522 e 1524. D. Duarte nasceu em Tânger duma família que governava a cidade quase por sucessão hereditária: o mais antigo sendo D. João de Meneses, 1.° Conde de Tarouca (que governou entre 1486 e 1489 & 1501-1508); os filhos deste, Duarte de Meneses, seu avô (1508-1521 e (1536-1539), e Henrique de Meneses (1521-1522); João de Meneses, o Púcaro, seu pai (1539-1546), e seus tios Pedro (1520-1550) e Fernando (1553). D. Duarte foi nomeado governador em 1574. Sucedeu a D. António de Portugal, Prior do Crato, que voltou para Portugal. Pouco depois atacou os mouros, fazendo muitos mortos e «mais de cento e cinquenta cativos, sem contar grande número de cavalos e outros despojos». Diz D. Fernando de Menezes, que em previsão da sua Jornada, D. Sebastião «mandou chamar (...) a D. Duarte para tratar com ele o referente à África». Entretanto substitui-o Pedro da Silva, seu cunhado. Nesse mesmo ano Chegou D. Sebastião a visitar Tânger, com D. Duarte, tomando de novo o governo da Praça. O rei «saía ao campo a caçar com toda a confiança como se estivera em Almeirim (...). Atemorizado ElRei de Fez com estes principios, reuniu tanta gente que cobria os campos; pelejaram os nossos contra eles, servindo a presença do Rei de estimulo ao valor natural; mas como era tão desigual o número, foi-lhes necessário valerse das defesas da cidade e arredores, que fizeram com a artilharia consideravel dano aos mouros. Assistia ElRei desde a torre mais alta do Castelo, donde via a batalha e a retirada dos mouros pelo prejuizo que recebia. Alegrou-se muito com o éxito, querendo a fortuna lisonjeá-lo em estes começos para empenhá-lo depois em maiores ruinas». Voltou então o rei para Portugal, sempre acompanhado de D. Duarte. Pedro da Silva ficou governando a praça. Mas D. Duarte voltou pouco depois. Em 1576, Cid-Abdelcherim, filho de Bentude, «senhor de Alcácer-Quibir, Arzila, larache, Taleg, Carife, Agéra, e outros muitos lugares e comarcãos», por morte de seu pai, «lhe succedeo no estado e autoridade e esforço (...). E como foi sempre leal vasallo do Xarife Mulei-Hamet, por o ter jurado rei, (...) estando em Alcácer-Quibir, tendo posto seu irmão Cid-Hazus por capitão de Arzila, e temendo Mulei maluco o prendesse ou matasse, se recolheo secretamente, com as mulheres, filhos e fazenda, a Arzila, onde o irmão estava, e não se dando por seguro na fortaleza, querendo-se encomendar ao emparo de elreide Portugal, escreveo a dom Duarte de Menezes (...) que em hum dia certo viesse, e lhe entregaria Arzila. Dom Duarte de Menezes, que não desprezou a ocasião, com toda a pressa fez cinco navios prestes, com a gente necessaria, e chegou a Arzila no dia e hora aprazados, a quem Cid-Abdelcherim abrio pacificamente as portas; e os portugueses entrárão sem resistencia». O rei D. Sebastião prevenido «extremadamente se alegrou». «Passou esta entrega d'Arzila no anno de 1577 (...). D. Duarte de Menêzes, como tomou posse de Arzila, não se sahio delle, até não ter recado de el rei; mas porque Tangere ficava sem capitão na absencia de dom Duarte, ficando lá sua mulher e filhos, mandou el rei a Pero da Silva por capitão a Tangere, por ser cunhado de Dom Duarte e irmão de Dona Leanor da Silva, sua mulher». Quando D. Sebastião voltou a Marrocos, em 1578, foi para a infortunada expedição que acabou com sua morte. Mais uma vez vinha acompanhado de D. Duarte, mas «governando-se só por sua opinião, resolveu a batalha, sem valer para nada as indicações de D. Duarte, a quem encarregou o governo do Exército. Disse-lhe D. Duarte, que já que queria pelejar, lhe desse licença para atacar de noite aos mouros em seus alojamentos, pois que a experiencia, que de eles tinha, o assegurava a vitória, sem muito derramento de sangue». O rei não quis aceitar, e foi de dia, em 4 de Agosto de 1578, que formou o exército e passou o rio, começando a batalha que acabou desastrosamente. D. Duarte ficou prisioneiro em Alcácer Quibir. Quando o corpo do rei lhe foi apresentado, a ele e aos outros fidalgos cativos, reconheceram-no. Fizeram um conselho dos fidalgos cativos «& assentarão que se deviam resgatar todos juntos, assi por ficar o preço mais favoravel, como por atalhar o dano que resultaria do muito que por si prometessem alguns mal sofridos impossibilitando-os mais. Depois desta resolução pareceo bem aos do conselho, a quem os mais avião dado sua authoridade que se devia pedir ao Xarife, mandasse pôr em guarda do corpo del Rey algum fidalgo, assi por authoridade, como por não acontecer ficar de maneira que se pudesse outro pôr em seu lugar, dando-se daqui occasião, a nunca se ter aquelle por verdadeiro, tornou dom Duarte com isto ao Xarife, o qual o concedeo muy facilmente, & foy ordenado que Belchior do Amaral fosse acompanhar o corpo, & dar-lhe sepultura. Partio Belchior do Amaral pera Alcaçar, & nas logeas das casas de Abraen Sufiane Alcayde da mesma villa lhe fez a sepultura, ajudado de hum Tudesco, onde no caixão em que vinha foy enterrado, cuberto de cal & area, & de infinitas lagrimas, pondo-lhe alguns sinaes de pedras & tijolos, pera se conhecer a todo o tempo». Quando, resgatado, regressou a Portugal, foi nomeado pelos cinco governadores do Reino, capitão-geral do Algarve, por carta de 24 de Março de 1580. Devido ao seu grande prestígio nobiliárquico, político e militar, foi nomeado vice-rei da Índia por carta de 18 de Fevereiro de 1584, tendo Filipe I atribuído a D. Duarte de Menezes, o título de conde de Tarouca, com que deveria partir para a Índia, mas que este rejeitou por não lhe ser atribuído de juro e herdade. D. Duarte partiu de Lisboa a 10 de Abril de 1584, aportando em Cochim a 25 de Outubro. Pouco depois da sua chegada decidiu a polémica nomeação do seu tio, Rui Gonçalves da Câmara, para fundar a fortaleza de Panane, com base nos acordos firmados no vice-reinado anterior, por D. Gil Eanes Mascarenhas, com o Samorim de Calicut, e de o colocar no comando de uma esquadra enviada ao Estreito, encarregada de destruir uma alegada armada turca que estava ser preparada para atacar os Portugueses. Esse mesmo ano mandou, por ordem régia, submeter Solor, praça construída e guarnecida por frades, à jurisdição da Coroa e elevou Macau ao estatuto de cidade, aprovando a constituição do Senado da cidade. Nas naus que partiam da Índia para o Reino durante o ano de 1586, seguia a bordo o arcebispo de Goa, frei Vicente, que se tinha demitido do seu cargo, por várias desinteligências com o vice-rei e oficiais da Coroa, estando em causa conflitos jurisdicionais de poder. Morreu na viagem, algures envenenado. Diz [Manuel de Faria e Sousa: «deixava seu arcebispado, por não poder sofrer Vice-Reis, e Ministros; nem mesmo os próprios Eclesiasticos. Vinha (dizia ele) informar o Rei, e o sumo Pontífice. Com sua morte morreram as culpas»... Em Abril de 1588, pouco antes da sua morte, enviou uma carta ao Daimiô Toyotomi Hideyoshi, unificador do Japão («suas vitorias, e obras, e fama, & nome, que ainda nas partes, que estão mui longe se ouve de Vossa Alteza e como sujeitou a seu império os mais senhores e reinos das quatro partes de Japão cousa que nunca foi ouvida desde os antigos até gora»), agradecendo-lhe de proteger os padres («Soube também que os Padres, que estão nesses reinos recebem muitos favores de V. A. e com o resplandor de seu favor vão promulgando, pregando, e ensinando a lei para salvar aos homens») e enviando-lhe um embaixador, a pedido dos jesuítas («por elles me pedirem que escrevesse a Vossa alteza e lhe mandasse um embaixador dandolhe as graças disto, folguei de o fazer. E porquanto o Padre Visitador estes anos atras foi outra vez a esses reinos de V. A. e eh ai conhecido nessa terra lhe encarreguei esta embaixada, e peço a V. A. por esta carta que daqui adiante mais, e mais o queira favorecer»), com presentes («dous montantes; 2 corpos de armas; 2 cavalos com seus arreos; 2 pistoletes e hum tersado; 2 pares de guademecins dourados, e hua tenda pera campo»). No Japão a situação estava longe do que indica a carta. O Daimiô, tinha interdito aos Senhores japoneses de se converterem ao cristianismo, receando que estes se tornem em uma força contraria aos seus projetos, e se deixava os padres mais ou menos livres, era porque o comércio com Portugal e Espanha era-lhe indispensável... Morreu em 4 de maio de 1588, logo depois de têr celebrado em presença de Manuel de Sousa Coutinho, a vitória deste que tinha quebrado o cerco de Colombo por Raju, rei de Sitawaka: abertas as vias da sucessão, nas quais primeiramente surgiu o nome de Matias de Albuquerque, então estante no Reino, na segunda via de sucessão apareceu Manuel de Sousa Coutinho indigitado governador da Índia. D. Duarte tinha casado com D. Leonor da Silva, filha de Diogo da Silva, Senhor de Vagos, embaixador ao Concílio de Trento, e de D. Antónia de Vilhena (filha do 2.° Barão de Alvito, D. Diogo Lobo da Silveira), de quem têve: D. João, morto sem descendência. Era o mais velho, e «morreu na batalha com ElRey D. Sebastião, estando naquelle tempo vencendo huma Comenda em Tangere, em companhia de seu pai, que era Capitão, e Governador daquella cidade». D. Luís de Meneses, 2.º Conde de Tarouca. D. António de Meneses, Comendador do Sardoal, Governador de Malaca, morto na Índia sem posteridade. Dona Maria de Vilhena (c. 1570), que casou com D. Francisco da Gama, 4.º Conde da Vidigueira. Dona Luísa e D. Antónia de Meneses, freiras em Santa Clara, Santarém. Dona Francisca, religiosa na Anunciada de Lisboa.

1578-1578 - Pedro de Mesquita

1578-1580 - Pedro da Silva, 1.º Conde de São Lourenço


Pedro da Silva, 1.º conde de São Lourenço [(ca. 1570-(?)], foi um administrador português, governador-geral do Brasil. Filho de Lourenço da Silva, 7º senhor de Vagos e Inês de Castro. Elevado a conde no derradeiro ano do governo de D. Filipe III por carta régia de 26 de Junho de 1640. Casou-se com D. Luísa da Silva Pereira, filha de Fernão da Silva, alcaide-mor de Silves, e de D. Madalena de Lima. Deixa uma única herdeira, D. Madalena da Silva, que se casou com um dos conjurados da Revolução de 1640, D. Martim Afonso de Melo, 2.º Conde de São Lourenço. Não há quaisquer vestígios da casbá construída por al-Qasim ibn Idris e Mousa ibn Abi al-Afiya nos séculos IX e X. Em contrapartida os grandes trabalhos de fortificação dirigidos por Diogo Boitaca no século XVI rodeiam a parte antiga contrastam com a brancura das casas e o azul do mar. Uma muralha imponente com fosso, em forma de paralelogramo com sete hectares de área, rodeia a almedina. Há cinco portas na muralha, que datam de épocas diferentes; duas delas são de origem portuguesa: a Bab al-Homer ("Porta da Vila" ou "da Terra") e Bab al-Bahr ("Porta da Ribeira" ou "do Mar"). Sobre a primeira ainda se pode ver o brasão de armas de Portugal. Entre os bastiões e as torres mais espetaculares, caraterísticas das praças-fortes portuguesas, destacam-se a "Couraça" (Borj al-Bahr) e a Torre de Menagem (Borj al-Kamra). A primeira foi construída entre 1508 e 1516, avança sobre o mar e servia de apoio ao embarque e desembarque de aprovisionamentos e reforços. A segunda, a torre a mais importante da fortaleza, domina com a sua altura imponente a almedina. Foi construída em 1509 e aparece numa gravura célebre de Arzila do século XVI. Era coberta por um telhado de duas águas e dotada de guaritas em cada um dos quatro cantos, caraterísticas da arquitetura militar portuguesa da sua época. Apesar da sua imponência, a torre tinha uma função mais pública e cerimonial do que propriamente militar, veiculando uma imagem de poder. É um vestígio do palácio do governador português, que foi construído sobre o local do palácio do governador marroquino da época medieval. Junto à Porta do Mar e à torre de menagem, situa-se a praça Sidi Ali ben Hamdush. Igualmente junto ao mar há um antigo cemitério muçulmano, onde há sepulturas de cerâmica multicolor, e o mausoléu de Sidi Ahmed el Mansur, o rei saadiano que reconquistou a cidade depois da batalha de Alcácer-Quibir. A almedina é formada por casas brancas muito limpas, com pinturas murais muito coloridas. 

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