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sexta-feira, setembro 27, 2013

Decreto de abolição da escravatura


A abolição da escravatura

"O infame tráfico dos negros é certamente uma nódoa indelével na história das Nações modernas (...). Emendar pois o mal feito, impedir que mais se não faça, é dever da honra portuguesa, e é do interesse da Coroa de vossa majestade"

Como escreveu Maria Manuela Lucas
"Sá da Bandeira, [o protagonista do] projecto setembrista de reedificação do império, [acabou] por encontrar graves obstáculos ao pretender passar à concretização do seu plano. Em simultâneo com as constantes exigências da Inglaterra, [enfrentou], logo a partir de 1836, quando foi decretada a abolição do tráfico de escravos, não só a forte resistência dos negreiros africanos como, de uma maneira geral, a oposição de todos os agentes envolvidos nas malhas do comércio ilegal. A chamada "burguesia colonial" era detentora de um elevado grau de autonomia, que se acentuou ao longo do segundo quartel do século XIX, em virtude da instabilidade política então vivida em Portugal e até da própria legislação liberal de descentralização administrativa."
Na verdade, a escravatura no império português foi coisa que se manteve quase indefinidamente.

SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS.

SENHORA!

A civilização da África tem sido nestes últimos tempos o pensamento querido dos sábios e dos filantropos, e não menos o desvelado cuidado dos principais governos que, no antigo e no novo Continente, marcham à testa do progresso, e promovem o melhoramento da espécie humana; enquanto Portugal, que durante séculos havia trabalhado nesta grande obra, hoje, em vez de a promover, lhe põe obstáculos. O primeiro título que os nossos grandes reis, augustos avós de V. M., acrescentaram ao de Rei de Portugal, foi o de - além-mar em África, e o de Senhores de Guiné. Empunhadas pelas mãos de nossos navegadores, dirigidas pela atrevida ciência de nossos astrónomos, as Quinas Portuguesas, que desta extremidade da Europa saíram para conquistar e civilizar, primeiro foram mostrar-se nos mares de Ceuta, logo, passado o tremendo cabo Bojador, não tardaram a ganhar as férteis regiões que rega o Senegal, o Gâmbia, e o Zaire; donde, descendo e dobrando o Cabo Tormentório, passaram a descobrir a costa oriental da imensa península Africana, em cujo litoral fundaram feitorias, construíram fortes, e conquistaram povos. Sobre vários feitos de África como em tantos outros, os Portugueses têm sido caluniados por historiadores modernos, que representaram nossos guerreiros e navegadores traficando com a espada na mão dos haveres e das vidas das Nações descobertas. E todavia, não há um só documento em toda a primeira época de nossos descobrimentos, que não prove que o principal, e quase único intuito do governo português era a civilização dos povos pelo meio do Evangelho: O comércio foi secundário, posto que meio civilizador também; e a dominação foi uma necessidade consecutiva, não um objecto. Os erros de doutrina religiosa, e o vício das medidas políticas, eram do século, não dos homens. A Índia primeiro, depois o Brasil fez-nos deixar a África, nosso mais natural campo de trabalhos. Mas a colonização do Brasil, e a exploração de suas minas; e bem depressa o interesse de todas as outras potências que houvera o seu quinhão da América, foram os maiores inimigos da civilização da África, que nós sós, e com tanto sacrifício de vidas e fazendas haviam começado. O infame tráfico dos negros é certamente uma nódoa indelével na história das Nações modernas; mas não fomos nós os principais, nem os únicos, nem os piores réus. Cúmplices, que depois nos arguiram tanto, pecaram mais, e mais feiamente. Emendar pois o mal feito, impedir que mais se não faça, é dever da honra portuguesa, e é do interesse da Coroa de vossa majestade, porque os Domínios que possuímos naquela parte do Mundo são ainda os mais vastos, importantes e valiosos que nenhuma Nação Europeia possui na África Austral. Para os avaliarmos não devemos só considerar o que actualmente são, mas o de que são susceptíveis. O estado em que se acham é devido não só ao mau Governo que tem tido a Metrópole, mas a este ter prestado a sua atenção quase exclusivamente ao Brasil. Os naturais da África foram aprisionados e transportados além do Atlântico para tornarem rico um imenso país cujos habitantes se recusavam à civilização. Lê-se numa memória antiga, que houve tempo em que na ilha de S. Tomé existiram dezassete engenhos de açúcar, que o governo de Portugal mandou destruir para não prejudicarem a cultura da cana que naquele tempo promovia no Brasil!

Em nossas províncias africanas existem ricas minas de ouro, cobre, ferro, e pedras preciosas: ali podemos cultivar tudo quanto se cultiva na América: possuímos terras da maior fertilidade nas ilhas de Cabo Verde, em Guiné, Angola e Moçambique: grandes rios navegáveis fertilizam algumas das nossas províncias, e facilitam o seu comércio; naqueles vastos territórios poderemos cultivar em grande a cana do açúcar, o arroz, anil, algodão café e cacau; numa palavra todos os géneros chamados coloniais, as todas as plantas das Molucas, e de Ceilão, que produzem as especiarias; em tal abundância, que não somente bastem ao consumo de Portugal, mas que possam ser exportados em muito grandes quantidades para os outros mercados da Europa, e por menores preços que os da América visto que o cultivador Africano não será obrigado a buscar, e a comprar trabalhadores, transportados da outra banda do Atlântico, como acontece ao cultivador brasileiro, que paga por alto preço, aumentado ainda pelo risco do contrabando, os escravos que emprega. Promovamos na África a colonização dos Europeus, o desenvolvimento da sua indústria, o emprego de seus capitais; e numa curta série de anos tiraremos os grandes resultados que outrora ora obtivemos das nossas colónias. Mas para isto é necessário que reformemos inteiramente as nossas leis coloniais.

Se pelo resultado se pode julgar o sistema duma Legislação, nenhuma poderá ser pior do que a das nossas possessões: séculos têm decorrido depois que se acham no domínio português, e pouco diferentes estão em civilização do que eram no tempo da conquista, enquanto, como contraste, a vizinha Colónia do Cabo de Boa Esperança em muito menos tempo tem crescido rapidamente em população branca, e em riqueza. A glória de continuar a grande empresa começada pelo Rei Dom João II estava reservada a vossa majestade. A civilização de África de que tantas nações poderosas têm desesperado, é mais possível à rainha de Portugal, que em suas mãos tem as chaves das principais portas por onde ela pode entrar e cuja autoridade é obedecida em vários pontos do interior daquele vasto continente, que se acham situados a mais de duzentas léguas do mar. E assim como foi possível aos soberanos de Portugal abrir estradas para a civilização, que nenhum outro príncipe ousou fazer cometer, ser-lhes-á também possível aclimatizar, e fazer prosperar naquelas regiões esta planta benéfica.

Como preliminar indispensável de todas as providências, que para este grande fim, de acordo com as Cortes Gerais da Nação, vossa majestade não deixará de dar em sua alta sabedoria, religião, e humanidade, os seus secretários de Estado têm hoje a honra de propor a vossa majestade, no seguinte projecto de decreto, a inteira e completa abolição do tráfico da escravatura nos domínios portugueses.

Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, em 10 de Dezembro de 1836.

= (Assinados) Visconde de Sá da Bandeira.

= António Manuel Lopes Vieira de Castro.

= Manuel da Silva Passos.

Tomando em consideração o Relatório dos secretários de Estado das diferentes Repartições, Hei por bem Decretar o seguinte:

Artigo 1.º

Fica proibida a exportação de escravos, seja por mar ou por terra, em todos os Domínios Portugueses, sem excepção, quer sejam situados ao norte, quer ao sul do equador, desde o dia em que na Capital de cada um dos ditos Domínios for publicado o presente Decreto.

Artigo 2.º

E do mesmo modo proibida a importação de escravos feita por mar, sob qualquer pretexto que se pretenda fazer. Todo o escravo que for importado par terra deverá ser competentemente manifestado à sua chegada ao Território Português.

Artigo 3.º

É exceptuada das regras estabelecidas nos Artigos 1.º, e 2.º a exportação e importação dos escravos feita por um Colono, quer nacional, quer estrangeiro, que de uma parte dos Domínios Portugueses em África for estabelecer-se em outra parte dos mesmos Domínios no Continente, ou Ilhas Africanas. É do mesmo modo exceptuada da regra estabelecida no Artigo 2.º a importação de escravos por mar feita por um Colono, quer nacional, quer estrangeiro, que de qualquer país não sujeito à Minha Coroa vier estabelecer-se em algum dos Domínios dela em África. (...)

Artigo 4.º

O presente Decreto será publicado na forma do costume pelos Governadores dos Domínios Ultramarinos, logo que por eles for recebido; mas dando além disso um exemplar dele a cada uma das Câmaras Municipais respectivas Alfândegas, e aos Juizes de Direito. Pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros serão remetidos exemplares do presente Decreto às Legações, e Agências Consulares de Portugal em todos os países Estrangeiros. Os Secretários de Estado das diferentes Repartições assim o tenham entendido e façam executar. Palácio das Necessidades, em dez de Dezembro de mil, oitocentos trinta e seis.

= RAINHA.

= visconde de Sá da Bandeira.


 = António Manuel Lopes Vieira de Castro.


= Manuel da Silva Passos.


[Anexo] 

Relação dos objectos, que sendo achados a bordo de qualquer Navio, se devem considerar como indícios de, que ele se destina ao tráfico de escravos, e o tornam sujeito às disposições do Decreto de 10 de Dezembro de 1836, de que esta mesma Relação faz parte.

1.º Escotilha com grades libertas, em vez de serem fechadas segundo é prática nos Navios mercantes.

2.º Repartimentos, Coberta corrida, ou separações em maior número do que é costume, ou necessário nos Navios que fazem o Comércio lícito.

3.º Tábuas, aparelhadas para, formar uma segunda Coberta, conforme praticam os Navios de escravatura.

4.º Gargalheiras, algemas, anjinhos, ou Cadeias.

5.º Maior quantidade de água em pipas ou tanques, do que a necessária para o consumo da equipagem de um Navio mercante.

6.º Uma quantidade extraordinária de pipas ou barris para conter líquidos, uma vez que o Capitão não possa apresentar Certidão da Alfândega onde despachou, mostrando que os donos do Navio prestaram fiança , e que essas pipas ou barris são destinados para azeite de palma ou de peixe, ou para qualquer outro Comércio lícito.

7.º Maior quantidade de celhas, gamelas, ou bandejas para rancho, do que as necessárias, para uso da equipagem de um Navio mercante.

8.º Uma Caldeira de maior dimensão do que a usual, e maior do que aliás seria necessário para uso da equipagem; ou diversa Caldeiras em maior número do que as necessárias para este efeito.

9.º Uma quantidade extraordinária de arroz, feijão, carne e peixe salgado, farinha de pão, mandioca, milho, ou farinhas de qualquer espécie além da que posa ser necessária para o sustento da equipagem, quando qualquer destes objectos não faça parte da carga, e como tal se ache no Manifesto.

Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros em 10 de Dezembro pie 1836.

= (Assinado)


= Visconde de Sá da Bandeira.


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