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quarta-feira, junho 17, 2015

Batalhas e Combates-1504 V

Cranganor
(Outono de 1504)


As armadas que todos os anos iam à Índia para trazer as especiarias saíam normalmente de Lisboa nos meses de Março ou Abril e regressavam, se nada acontecesse de anormal, durante o Verão do ano seguinte. Quer isto dizer que a armada anual partia para a Índia antes de ter chegado a armada do ano transacto. Consequentemente, a organização de cada armada não era feita em função das informações trazidas pela armada que partira dois anos antes. Assim, a armada de 1504 foi organizada com base nas informações trazidas pela armada de 1502 de Vasco da Gama. Como este deixara a Índia numa altura em que o Samorim se preparava para iniciar a guerra contra Cochim e como, por outro lado, demonstrara que era possível uma armada numerosa ir e voltar sem perder nenhum navio e com eles bem carregados, o rei D. Manuel, ao contrário do que fizera em 1501 e 1503, resolveu, em 1504, enviar novamente uma grande armada.


Compunha-se essa armada, cujo comando foi confiado a Lopo Soares de Albergaria, de cinco naus de grande tonelagem, acabadas de contruir e sete naus mais pequenas e mais antigas, todas elas bem guarnecidas de marinhagem e gente de armas. Navegando sem novidades de maior, chegou a armada de Lopo Soares à ilha de Angediva em fins de Agosto, onde se lhe juntaram as duas naus da esquadra de António de Saldanha que aí tinham invernado (a terceira nau desta esquadra, depois de ter andado mais de um ano desgarrada, acabara por ir ter a Cochim havia pouco tempo). Foi pois, com uma armada imponente que Lopo Soares de Albergaria se apresentou em Cananor no dia 1 de Setembro. Pode imaginar-se a impressão que causou nos Malabares esta demonstração de força na sequência das espantosas vitórias alcançadas por Duarte Pacheco Pereira na segunda guerra de Cochim. Convençeram-se de que Portugal era de facto uma grande potência e que fora à Índia para ficar. De Cananor, Lopo Soares de Albergaria, dirigiu-se para Calicut, onde foi recebido com propostas de paz por parte do Samorim. Mas, como insistisse pela entrega dos dois italianos fundidores de artilharia, condição que aquele não podia aceitar sem se desonrar, as negociações goraram-se. Lopo Soares de Albergaria bombardeou a cidade durante dia e meio e seguiu para Cochim, onde foi festivamente acolhido. Enviou então duas naus para bloquear Calicut, quatro para carregar em Coulão e ficou com as restantes a carregar em Cochim.


Havia pimenta em abundância e as obstruções levantadas pelos comerciantes «mouros» tinham cessado completamente. Por isso, a carga fez-se rapidamente e sem qualquer dificuldade. Terminada esta e já com toda a armada reunida de novo em Cochim, foi Lopo Soares de Albergaria avisado pelo rei de que em Cranganor se encontravam cinco naus e oitenta paraus de Calicut preparando-se para recomeçar a guerra logo que regressasse a Portugal. Reunido o conselho de Capitães foram todos de opinião de que para segurança do reino de Cochim se impunha destruir aqueles navios. Com essa finalidade foi organizada uma expedição fluvial constituída por uma caravela, quinze batéis e vinte e cinco paraus, todos bem artilhados e empavesados, em que iam cerca de mil portugueses e outros tantos malabares. Largando ainda de noite de Cochim, seguiu a armada pelos esteiros e rios que ligam esta cidade a Cranganor, mas próximo de Paliporto, foi detida pela pouca altura de água, que não dava passagem aos batéis e paraus quando carregados. Tiveram, por isso, os soldados que desembarcar e seguir por terra, só tornando a embarcar à chegada ao rio de Cranganor. Mas com as delongas que daí resultaram, perdeu-se o efeito de surpresa. Diante da cidade de Cranganor encontravam-se fundeadas e amarradas uma à outra duas grandes naus de guerra, bem artilhadas e com muita gente de armas que o Capitão-mor do mar de Calicut comandava em pessoa. Nos flancos e à retaguarda delas havia grande número de paraus. Quando os nossos batéis chegaram ao alcance de tiro começaram a bombardear as naus, travando com elas um vivo duelo de artilharia. Pouco depois, cinco dos batéis abordaram afoitamente as naus e, após um rijo combate em que os homens de Calicut se bateram valentemente, tomaram-nas. Enquanto isto acontecia os outros batéis abordavam os paraus que foram também tomados, um após outro, sem oferecer grande resistência. Concluído o combate no rio, desembarcou Lopo Soares de Albergaria com os seus capitães e soldados e, após uma breve luta, pôs em fuga as tropas de Calicut que havia em terra.


Começaram então os portugueses a incendiar a cidade, mas deixaram de o fazer a pedido dos cristãos que nela viviam, embora grande parte já tivesse ardido. Limitaram-se a saquear as casas dos «mouros» e a queimar as duas naus e os paraus que tinham tomado, bem como outras três naus que estavam no porto. Feito isto, regressaram a Cochim. A respeito deste combate, o cronista não faz qualquer referência à caravela, o que nos leva a supor que ela tenha ficado retida no local, onde a pouca altura de água não dava passagem aos batéis carregados. Em Cochim, recebeu Lopo Soares um embaixador do rei de Tanor, com o pedido deste rei para se tornar vassalo do Rei de Portugal. Andava em guerra com o Samorim, tinha-lhe infligido uma grande derrota quando ia com o seu exército em socorro de Cranganor e, agora, solicitava a Lopo Soares que o ajudasse. Anuiu este, enviando a Tanor uma caravela com cem soldados que, incorporados no exército do rei, o ajudaram a desbaratar o exército de Calicut. E constou que esta derrota ainda fora mais sentida pelo Samorim do que as que sofrera às mãos de Duarte Pacheco, por lhe ter sido infligida por um vassalo seu!

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