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domingo, junho 21, 2015

Batalhas e Combates-1504 I

Passo de Cambalão
(Abril de 1504)



Durante a primeira guerra de Cochim, em 1503, tinham-se passado para o Samorim de Calicut dois italianos, idos à Índia nas Naus portuguesas a mandado de Veneza, com o propósito de ensinarem os Malabares a fabricar artilharia e a servirem-se dela contra nós. Por outro lado, os Turcos tinham fornecido ao Samorim grande quantidade de canhões e espingardas. Por tudo isso, quando ele, em 1504, voltou a invadir o reino de Cochim, após a partida para Portugal de Francisco e Afonso de Albuquerque, dispunha de um exército e de uma armada muito melhor equipados que os do ano anterior. Incluindo as tropas de quatro Reis seus vassalos, o exército do Samorim ascendia a mais de oitenta e quatro mil homens. A sua armada era composta por cerca de cem Paraus, cada um deles armado com duas bombardas e cinco espingardas, cerca de cem tones com uma bombarda cada um e grande número de captures (navios ligeiros). A concentração destas forças foi efectuada em Cranganor, donde partiram nos primeiros dias de Abril em direcção a Cochim, indo a armada pelos rios e esteiros que ligam as duas cidades, não só por ser já difícil, naquele mês, a viagem por mar, mas também por causa da fortaleza e da Nau que devendiam a barra de Cochim. Para enfrentar o enorme potencial bélico do Samorim, dispunha Duarte Pacheco Pereira somente de uma Nau, em que deixou o mestre por Capitão com mais vinte e quatro homens, duas Caravelas com vinte e cinco homens cada uma e dois batéis armados, um dos quais capitaneado por ele próprio, guarnecidos, cada um, por vinte soldados. Na feitoria, estava o feitor, fazendo também as vezes de alcaide, com mais trinta e oito homens!



A inferioridade das forças portuguesas em relação às do Samorim era de um para quinhentos em homens e de um para sessenta em navios! Quando a invasão de Cochim se tornou iminente, Duarte Pacheco mandou construir uma forte paliçada diante do vau que na maré baixa dava passagem para a quase ilha em que estava construída a cidade. Além disso, mandou reforçar a protecção das Caravelas e dos batéis com paveses feitos de tábuas da grossura de dois dedos e com arrombadas construídas por sacos cheios com algodão, pendurados fora da borda, destinados a amortecer o impacto dos pelouros inimigos. Mandou também armar cada batel com quatro berços. Apesar de todos estes preparativos, a população de Cochim e o próprio Rei andavam muito descoroçoados por ver que as nossas forças eram insignificantes comparadas com as do Samorim. Para os animar Duarte Pacheco efectou vários assaltos de supresa contra as terras de Cochim que se haviam passado para o lado do invasor queimando-lhes muitas aldeias e matando-lhes muitos naires. Sabendo então que o exército e armada do Samorim se estavam dirigindo para o passo de Cambalão, resolveu ir esperá-los aí, levando consigo apenas uma Caravela e os dois Batéis, já que a Nau, devido ao seu calado, não podia navegar nos rios e esteiros e a outra Caravela ainda não tinha concluído a reparação das avarias que sofrera na guerra do ano anterior. Chegado ao local, onde o rio teria cerca de cem metros de largura, fundeou os seus três navios com fortes amarras de ferro, para que o inimigo as não pudesse cortar facilmente, e mandou passar rejeiras de uns para os outros para, alando por elas, poderem orientar à vontade a direcção dos seus canhões. Ao amanhecer do dia 16 de Abril apareceu a margem norte coberta de soldados que atroavam os ares com os seus gritos e o toque de inúmeros instrumentos bélicos. À borda de água tinha sido montada durante a noite, sob a direcção dos dois italianos, uma bateria de cinco canhões que começou logo a bombardear a Caravela. Respondeu esta acto contínuo e fê-lo tão eficazmente que a guarnição da bateria se pôs em fuga. Nessa altura começou a despontar, detrás de uma curva do rio, a imensa armada de Calicut. Á sua vista, alguns Paraus de Cochim que tinham ido em companhia de Duarte Pacheco fugiram para aquela cidade, onde espalharam a notícia de que os portugueses estavam perdidos! A verdade é que, sob o ponto de vista táctico, a escolha do local fora exelente. Devido à pouca largura do rio naquele ponto, os Paraus inimigos só podiam avançar numa frente estreita. Por isso, os nossos navios só tinham que combater de cada vez com pouco mais de uma dezena. Por outro lado, devido a falta de espaço para manobrar, os que eram obrigados a retirar, destroçados e cheios de mortos e feridos, embaraçavam e desmoralizavam os que vinham atrás. Não obstante, parecia milagre como três navios minúsculos iam conseguindo deter aquela mole imensa que avançava contra eles e que parecia submergi-los. Primeiro, vieram vinte Paraus, amarrados uns aos outros, disparando continuamente as suas quarenta bombardas e as suas cem espingardas, acompanhadas do arremesso de milhares de flechas. 



Mas os paveses e as arrombadas dos nossos navios funcionaram às mil maravilhas, aguentando bem o impacto dos pelouros, das balas e das flechas, enquanto os bombardeiros e espingardeiros portugueses chacinavam as guarnições dos Paraus inimigos que não dispunham de qualquer espécie de protecção. Ao fim de pouco tempo, dos vinte Paraus que tinham iniciado o ataque, quatro já estavam meio alagados, cheios de mortos e feridos e incapazes de manobrar, os restantes, também com avarias diversas, mortos e feridos, viram-se obrigados a retirar. Mas foram logo substituídos por outro grupo de cerca de uma dezena de unidades que não teve melhor sorte. E depois, veio outro grupo, e outro, e outro... Mas o resultado era sempre o mesmo, após algum tempo de duelo de artilharia com a nossa Caravela e os nossos batéis, os Paraus do Samorim eram obrigados a bater em retirada com muitas avarias e cheios de mortos e feridos. Pelo meio-dia, estando já a água do rio tinta de sangue, a armada de calicut cessou os seus ataques e bateu em retirada. Ao mesmo tempo, as tropas de terra , que durante a batalha não tinham parado de lançar flechas sobre os nossos navios, afastaram-se também para fora do alcance da sua artilharia. Nesta primeira batalha, coforme veio a saber-se mais tarde, teve a armada de Calicut para cima de mil e trezentos mortos. Dos portugueses não morreu nem ficou ferido nenhum! Abençoados paveses e arrombadas!


Poucos dias depois depois desta primeira batalha, veio juntar-se à flotilha de Duarte Pacheco a Caravela que ficara em Cochim a acabar as reparações. Vexado com a derrota sofrida, o Samorim resolveu fazer uma segunda tentativa no domingo seguinte, que era Domingo de Páscoa, começando por enviar sessenta Paraus, por outro rio, contra a Nau que estava no porto de Cochim, na esperança de que Duarte Pacheco fosse imediatamente em seu auxílio, deixando livre o passo de Cambalão. Daí resoltou que, cerca das nove horas, chegou uma embarcação com um recado do Rei de Cochim para Duarte Pacheco pedindo-lhe que fosse ajudar a sua Nau que estava em apuros. Mas este não se deixou impressionar. No entanto, como a maré estava a vazar, resolveu ir com uma Caravela e um batel em socorro da nau, pensando que poderia regressar, logo que a maré começasse a encher, a tempo de apoiar a outra Caravela e o outro batel que ficavam defendendo o passo. E assim aconteceu! Logo que Duarte Pacheco chegou perto da Nau, os Paraus que estavam a atacar, temendo ficar entre dois fogos, puseram-se em fuga e ele aproveitando a enchente, tal como se previa, voltou rápidamente para o passo de Cambalão, onde a outra Caravela e o outro batel estavam aguentando sozinhos todo o peso da armada de Calicut. E repetiram-se as cenas da semana anterior. Os Paraus do Samorim, durante mais de três horas, lançaram repetidos ataques sobre os navios, portugueses, em tentativas desesperadas para os abordar, sendo de todas as vezes rechaçados com muitas avarias e um número elevado de mortos e feridos. Depois de terem perdido dezanove paraus, incendiados ou afundados e terem tido cerca de duzentos mortos não tiveram outra alternativa senão retirar. No dia seguinte, em vez de aproveitarem para repousar das fadigas da véspera, os portugueses foram atacar de surpresa uma povoação da ilha de Cambalão, tendo no caminho combatido com catorze Paraus, que desbarataram! E no dia imediato a esse teve lugar a terceira batalha que, tal como a primeira, começou com um bombardeamento cerrado dos nossos navios, por parte da bateria de terra. Mas o tiro desta era pouco certeiro e Duarte Pacheco deu ordem aos seus homens para não responder, a fim de dar confiança à armada inimiga para se aproximar. O estratagema resultou. Quando os navios que constituíam a sua vanguarda se aperceberam que os navios portugueses já não respondiam ao fogo de terra, convenceram-se que teriam sofrido graves perdas e lançaram-se sobre eles atabalhoadamente, certos que desta vez os iriam finalmente abordar. Só que no momento em que estavam prestes a chegar junto deles foram recebidos por uma salva disparada à queima-roupa de todos os canhões e todas as espingardas das Caravelas e dos batéis que lhes mataram muita gente e meteram no fundo, de uma assentada, oito Paraus!



O primeiro ímpeto do inimigo fora quebrado. Mas continuaram a vir mais e mais Paraus que, uns após outros, ou eram afundados ou obrigados a retirar cheios de mortos e feridos. Por volta do meio dia, quando a batalha estava já a esmorecer, um dos nossos Batéis começou a arder. Reanimaram-se os malabares e todos os Paraus que o puderam fazer concentraram sobre ele o seu fogo e os arremessos de flechas, na esperança de o tomarem. Mas, mais uma vez, as suas expectativas foram goradas. A guarnição do Batel conseguiu dominar o incêndio e continuou a combater com a mesma eficácia de antes. Só restava ao inimigo retirar. Foi o que fez, tendo perdido nesta terceira batalha mais vinte e dois Paraus e sofrido, mais de seiscentos mortos. Logo que a armada de Calicut iniciou a retirada, Duarte Pacheco, apesar de ter os seus homens exaustos, foi em sua perseguição, com os dois infatigáveis Batéis e, saltando em terra, matou muitos naires do senhor de Cambalão e queimou-lhe mais duas povoações, sem perder um único soldado! E com tudo isto andavam os Malabares e os «Mouros» assombrados e diziam que o Deus dos Portugueses estava combatendo por eles, pois que de outro modo não se podia explicar como é que, sendo tão poucos alcançavam sempre a vitória, tanto em terra como no mar, contra inimigos tão numerosos!

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