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quarta-feira, julho 16, 2014

Batalhas e combates-1779

Moca
(8 de Junho de 1779)


Depois da humilhante derrota que haviam sofrido na guerra dos Sete Anos, os franceses ficaram à espera de uma oportunidade para se desforrarem. Entretanto, reorganizaram a sua Marinha, consilidaram a aliança com a Áustria e abandonaram a Polónia à sua sorte a fim de poderem conservar todas  as suas forças intactas para um novo confronto com a Inglaterra que mais ano menos ano, não poderia deixar de ter lugar. Em 1776 as colónias inglesas da América do Norte declararam-se independentes. Era a oportunidade por que os Franceses esperavam. Em Fevereiro de 1778 reconheceram formalmente a independência dos Estados Unidos; em Junho começava a guerra com a Inglaterra. A Espanha jutou-se à França em 1779 e a Holanda viria a fazê-lo em finais de 1780. Por esta altura a Armada inglesa dispunha de cerca de 150 «Navios de Linha» (Naus de Guerra), a França de 80 Navios de Linha, a Espanha de 60 e a Holanda talvez de 30. Quer dizer que desta vez a Inglaterra se via envolvida numa guerra de vastas proporções sem dispor da marcada superioridade naval de que dispusera nas guerras anteriores. Portugal conseguiu manter-se neutro durante este conflito, que durou até 1783. Em 1780, na previsão de que pudesse vir a ser arrastado para a guerra, foi organizada em Lisboa uma esquadra de 9 Naus e 3 Fragatas destinada a, eventualmente colaborar com a inglesa. A noticia do rompimento das hostilidades entre a França e a Inglaterra chegou à Índia em Julho de 1778 e logo os ingleses da Companhia das Índias lançaram as suas forças sobre os estabelecimentos franceses. Chandernagor e Pondichery foram tomados ainda em 1778; Mahé rendeu-se em Março do ano seguinte. Mais ou menos por essa altura chegou à Índia um embaixador do rei de França com a incombência de convencer o poderoso rajá de Mysore e os Maratas a jutarem-se aos franceses na guerra contra os ingleses. Dos Maratas procurou também o dito embaixador obter a cedência de um porto na costa ocidental da Índia que pudesse  servir de base a uma importante esquadra francesa que para lá se dirigia escoltando um comboio com tropas. Em fins de Abril ou principios de Maio de 1779 ao saberem da presença do enbaixador francês em Poona, capital da Federação Marata, e dos objectivos da sua embaixada, os ingleses de Bombaim trataram logo de pôr em campo os seus agentes para o tentarem capturar ou assassinar. Sentindo-se ameaçado, fugiu aquele com a sua comitiva para Damão, onde pediu ao Capitão da praça que lhe fornecesse um navio em que pudesse regreçar a França via Suez. Encontrava-se então ao serviço de Damão a corveta Nossa Senhora das Angústias, que ali tinha sido construida. Não nos diz o cronista exactamente qual fosse o seu armamento, mas apenas que dispunha de duas peças nas amuras, capazes de fazerem fogo para vante, e outras duas no painel da popa, a um e outro lado do leme, capazes de fazerem fogo para ré. É de presumir que tanto a bateria de BB como a de EB fossem constituidas, qualquer delas por seis a oito peças. Face ao pedido formulado pelo embaixador françês o Capitão de Damão nomeou o seu filho João Manuel de Azevedo e Brito comandante da "Angústias" com o posto de tenente de mar e ordenou-lhe que o fosse levar a Suez juntamente com a sua comitiva e respectivas bagagens. Largou a corveta em fins de Maio, portanto já com a «monção» a crescer. Estando vivamente interessados em saber exactamente o que é que o embaixador francês tinha acordado com o rajá de Mysore e com os Maratas os ingleses de Bombaim mandaram imediatamente no encalço daquela a corveta "Morning Star", sob o comando de Owart, com ordens para que sem olhar a meios, se apoderasse dele e da sua comitiva, bem como da bagagem e dos documentos que transportassem. Em principios de Junho fundeou a nossa corveta em Moca, provavelmente para se reabastecer. Um ou dois dias depois chegava ali a corveta inglesa. A 8 de Junho a "Angústias" deixou o porto e fez rumo para Judá. O mesmo fez a "Morning Star", começando a segui-la. Já fora da zona de jurisdição do porto, Azevedo e Brito, querendo tirar o caso a limpo, deu ordens para carregar o pano e fundear. Duas horas decorridas a corveta inglesa fundeava ao lado e a curta distância da nossa. Veio então a bordo da "Angústias" um oficial inglês que solicitou a Azevedo e Brito que lhe entregasse o embaixador francês, dado que a Inglaterra estava em guerra com a França. Refira-se que de acordo com o Direito Maritimo Internacional da época os beligerantes Podiam exigir dos neutros a entrega das mercadorias e das pessoas que transportassem, pertencentes ao inimigo. Era a norma de que «a bandeira não cobre as mercadorias nem as pessoas». Á exigência inglesa respondeu o nosso comandante que não era hábito dos Portugueses entregar aqueles que se tinham acolhido à sua protecção. Foi-se o oficial inglês com esta resposta, mas pouco depois vieram outros dois oficiais inglêses dizendo que tinham ordens do seu comandante para passarem revista à nossa corveta a fim de verificarem se efectivamente transportava ou não mercadorias francesas. Desta vez Azevedo de Brito nem sequer os deixou pisar o convés. Regressada à "Morning Star", a embarcação que os conduzira, foi o próprio Owart que gritou de lá que se não lhe fossem entregues imediatamente os franceses não respondia pela segurança da "Angústias"! Respondeu-lhe Azevedo de Brito dizendo que confiava que a bandeira que tinha içada, de um país amigo e aliado da Inglaterra, seria bastante para garantir a sua segurança; mas que, se isso não fosse o suficiente, ainda dispunha dos canhões! Irritado com a firmeza do seu opositor, o comandante inglês perdeu a cabeça e mandou abrir fogo, convencido de que os Portugueses não teriam a ousadia de resistir a uma acção de força. Mas enganou-se. Os artilheiros portugueses estavam a postos e logo que a "Morning Star" disparou a sua bombarda recebeu outra em troca. Pela segunda vez a corveta inglesa disparou todos os seus canhões sobre a nossa; pela segunda vez lhe respondeu a "Angústias" taco a taco. Cada vez mais irritado com o desplante dos portugueses e querendo acabar rapidamente com a contenda, Owart suspendeu, fez um bordo para o largo, virou por de avante e veio passar com o seu navio pela proa do nosso. A sua ideia era esmagar a "Angústias" com uma salva de enfiada disparada á queima-roupa.(Em guerra naval, tiro de enfiada (em inglês raking fire) é o disparo dirigido paralelo ao eixo longo de um navio inimigo. Ou seja, alvejando as Naus ao comprido. Embora cada tiro seja dirigido contra o perfil de um alvo menor ao invés de se atirar no costado do navio e, portanto, mais propenso a errar o navio alvo tanto para um lado quanto para o outro, um único tiro de canhão que atinge o alvo irá passar por uma parte maior do navio, aumentando assim os danos ao casco, as velas, e a tripulação. Um tiro de popa causa mais danos do que um tiro de proa porque os tiros não são desviados pela proa curva (e reforçada). Nas batalhas entre navios à vela, onde a maioria dos canhões se encontram ao longo do costado do navio, uma das maiores preocupações era evitar receber ‘Tiros de Enfiada’. Assim, como as áreas da proa e da popa de um navio eram altamente vulneráveis, a táctica de tiro de enfiada era o desejo furtivo de cada Capitão em Batalha). Só que os seus cálculos sairam errados por não ter entrado em linha de conta com os problemas relacionados com o disparo das peças. Vindo a navegar perpendicularmente à direcção do vento e, portanto, atravessada à vaga, a "Morning Star" teria necessariamente de estar sujeita a um apreciável balanço de BB e EB. Ora, acontecia que nos tempos antigos, tal tipo de balanço tornava muito dificil o tiro da artilharia porque no momento em que os canhões passavam pela horizontal e eram disparados, os projécteis eram afectados, além da força resultante da explosão da pólvora, por uma outra força, originada pelo balanço, que conforme o caso, os puxava para cima ou para baixo. Foi o que provavelmente aconteceu quando ao passar pela proa da nossa a corveta inglesa começou a disparar; uns tantos tiros foram para as nuvens e os restantes para a água! Conforme já referimos, possuia a "Angústias" dois canhões instalados nas amuras que estando o navio fundeado e aproado à vaga, se conservavam praticamente imóveis. Não devem, por isso, os artilheiros portugueses ter tido qualquer dificuldade em meter dois pelouros na "Morning Star". Ao passar pela proa da nossa corveta devia ir aquela a navegar com a escotas folgadas, para reduzir a velocidade e consequentemente, a bater muito. Para não ficar com a popa voltada para o navio português e ser vitima daquilo que lhe procurara fazer. Owart viu-se forçado a arribar e a passar ao lado dele, a contra bordo, a uma distância que não devia ser muito grande. Aproveitando a opurtunidade, os nossos artilheiros cujos os canhões pelas razões atrás apontadas, praticamente não mexiam, dispararam sobre a "Morning Star" uma bombarda que deve ter acertado em cheio. Tendo as suas peças descarregadas, os ingleses não puderam responder! Em desespero de causa Owart meteu à orça e passou pela popa da "Angústias" numa segunda tentativa para liquidar por meio de um salva de enfiada. Mas o que acontecera na passagem pela proa repetiu-se na passagem pela popa. Com os seus canhões sujeitos a forte balanço transversal os artilheiros ingleses perderam a maior parte dos tiros. pelo contrário os dois canhões da ré da "Angústias" terão provavelmente conseguido mais dois impactes. A respeito da manobra idealizada por Owart se poderá dizer com propriedade que «foi buscar lã e ficou tosquiado»! Tendo sofrido doze mortos, entre os quais a sua própria mulher e um filho, e dez feridos graves, viu-se aquele na necessidade de regressar a Moca a fim de transferir estes últimos para o hospital da cidade. Entre a guarnição da "Angústias" não se registaram mortos nem feridos, tendo somente morrido um intèrprete árabe que se encontrava a bordo. Não querendo que os Árabes pudessem pensar que, apesar das perdas sofridas os ingleses tinham saido vitoriosos da luta, Azevedo de Brito regresou tambem a Moca e foi fundear nas proximidades da "Morning Star" que se encontrava muito maltratada. Imediatamente as autoridades locais mandaram prevenir os comandantes dos dois navios de que não consentiriam que praticassem qualquer acto de hostilidade dentro do porto. Depois de ter desembarcado os feridos graves, remediado as avarias e obtido a garantia dos Árabes de que não deixariam sair a "Angústias" senão vinte e quatro horas depois, Owart humilhado, iniciou a viagem de regreso à Índia. Terminado o prazo de segurança, habitual em circunstâncias idênticas, Azevedo e Brito seguiu para Suez, onde deixou o embaixador e a sua comitiva, que não se cansavam de tecer elogios aos Portugueses. Concluida com pleno êxito a missão de que fora incumbido, regresou a Damão. Tanto na Índia como mais tarde no reino a forma coma Azevedo de Brito se comportara mereceu os maióres encómios, sendo tomada pelos Portugueses em geral como uma espécie de desagravo em relação ao ingleses, que apesar de nossos aliados, nos submetiam a constantes vexames e humilhações. Quem não gostou do que se passara foi o vedor da Fazenda de Goa, que acusou Azevedo de Brito de ter gasto munições... sem autorização (!) e lhe mandou levantar um auto. Como seria de esperar, o despacho da Rainha foi de que a conduta daquele era para ser louvada e não para censurar ou punir. Azevedo de Brito e todos os restantes oficiais da "Angústias" foram promovidos por distinção ao posto superior.


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