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sábado, dezembro 27, 2014

O Poder Naval Português no Indico


Séculos XV-XVIII


Em 1497-1498, a armada capitaneada por Vasco da Gama ligou, pela primeira vez na história da Cristandade, a Europa Ocidental e a Ásia por via marítima, contornando o continente africano. A chamada rota do Cabo tornou-se, dessa maneira, a primeira ligação interoceânica dos Tempos Modernos e assumiu o carácter de carreira comercial anual com a viagem da armada de Pedro Álvares Cabral, saída do Tejo em Março de 1500. A partir de então, salvo em situações excepcionais, institucionalizou-se um regime anual para a partida de embarcações de Lisboa com destino ao Oriente, em particular até aos portos do litoral da Índia, que atravessou mais de três séculos. A Carreira da Índia, com maior ou menor fortuna, atravessou as várias idades do império colonial português, marcando os seus tempos mais áureos e assistindo ao seu quase completo declínio. No espaço que se segue procura-se apresentar uma panorâmica global das características e evolução histórica da Carreira da Índia, desde a viagem inaugural do Gama até ao final do século XVIII quando, após um século em que se limitou a ser uma simples memória de um passado glorioso, ensaiou um breve renascimento.


O Trajecto da Rota do Cabo

A rota seguida pelas naus da Índia, a partir de 1500, apresentou um padrão-base ao qual, ao longo dos tempos, apenas foram feitas alterações ocasionais, como resposta a condicionalismos particulares relacionados, principalmente, com questões de segurança. O modelo estabelecido no início do século XVI foi condicionado pela necessidade de ultrapassar os obstáculos naturais decorrentes de uma viagem tão longa, que exigia a articulação entre condições de navegação muito diferentes, em latitudes e longitudes bem diversas. O rumo inicial, após a saída da barra do Tejo, era no sentido do arquipélago de Cabo Verde "inflectindo daí para sudoeste, de modo a contornar o anticiclone centrado no Atlântico Sul numa derrota em arco que as levava a aproximar-se da costa brasileira, a sul do Cabo de Santo Agostinho"; a partir desse momento as naus viravam para sueste, encaminhando-se para a zona do Cabo da Boa Esperança. Esta fase do trajecto era normalmente cumprida sem qualquer escala, salvo circunstâncias de força maior que levassem à necessidade de arribar.


Nas primeiras décadas da Carreira, a ilha de Santiago era aconselhada como escala em caso de extrema necessidade, mas a sua utilização nunca se terá verdadeiramente generalizado, tornando-se recurso esporádico com o avançar dos anos. Após a ultrapassagem do Cabo, que era um dos momentos potencialmente mais arriscados da viagem, podiam surgir algumas alternativas quanto ao caminho a tomar. A regra desejada e recomendada pelas autoridades era a da chamada viagem por dentro da ilha de São Lourenço, ao longo do canal de Moçambique até à altura das ilhas Comoros, quando se fazia uma inflexão para nordeste, em direcção aos portos do litoral indostânico. Este era um percurso algo perigoso, em especial nos primeiros anos da rota, em virtude da deficiente cartografia da região e da presença de correntes, baixios, rochedos e ilhéus mal conhecidos. Apesar disso, seria este o caminho insistentemente recomendado pela Coroa como o mais aconselhável ou mesmo obrigatório. Uma das suas vantagens era a possibilidade de fazer escala em Moçambique, o que servia tanto para resolução de necessidades dos navios e tripulações (reparação, aguada, reabastecimento de víveres), como para assegurar um canal de comunicação directa e regular entre Lisboa e a costa oriental africana. A alternativa a este trajecto era a chamada viagem por fora da ilha de S. Lourenço, através do Índico Central. Em termos estritamente técnicos esta opção acarretava vantagens e inconvenientes; por um lado, permitia escapar à rigidez do regime de monções e uma maior rapidez no trajecto mas, por outro, implicava uma navegação sem escalas de apoio e com escassos pontos de referência. Embora em meados do século XVI se estudasse a alteração do trajecto e calendário das viagens, e a opção do caminho por fora chegasse a ser considerada, nada veio a ser efectivamente alterado. O peso das rotinas estabelecidas sobre os desejos de inovação e a influência económica negativa para Moçambique da mudança da rota terão sido as principais razões para a secular manutenção do trajecto tradicional. Quanto à viagem de regresso a Lisboa (a tornaviagem) as alternativas que se punham também eram na fase de navegação no Índico. A rota inicial era quase simétrica à da viagem de ida por dentro de São Lourenço. No entanto, a navegação pelo canal de Moçambique enfrentava obstáculos maiores do que na viagem de ida, sendo necessário ultrapassar ventos e correntes desfavoráveis. Para além disso, as vantagens logísticas de uma escala em Moçambique eram menos evidentes, pelo que este trajecto seria preterido em favor de um regresso por fora de São Lourenço. Neste caso, a partir de meados do século XVI existiram duas possibilidades (a da chamada carreira velha e a da carreira nova). Contudo, a partir das primeiras décadas do século XVI, as autoridades voltaram a recomendar o trajecto pelo canal de Moçambique em virtude da crescente presença holandesa no Índico Central, por onde passava a rota das embarcações da VOC, em trânsito entre o Cabo e o sueste asiático. Continuando a viagem de regresso, após a ultrapassagem do Cabo, as naus seguiam em direcção às ilhas de S. Helena (usada longamente como escala para aguada, até momento em que os holandeses a usavam como ponto de apoio para o corso) e Ascensão, continuando até ao arquipélago de Cabo Verde. A norte destas ilhas, iniciava-se a chamada volta pelo largo até à zona dos Açores, de onde se dirigiam para a costa portuguesa. Para além de S. Helena, a principal escala das armadas portuguesas ao longo do século XVI foi a do porto de Angra na ilha Terceira, onde foram criadas estruturas para apoio aos navios e tripulações que aí chegassem em piores condições. Só numa fase mais tardia e de declínio da história da Carreira, em pleno século XVII, se tornou habitual o recurso a escalas na costa brasileira para o completar o carregamento das naus e fazer outros negócios que tornassem mais rendíveis as viagens pela rota do Cabo.

O Calendário das Viagens


De acordo com o padrão dominante, e apesar de algumas excepções notáveis às regras estabelecidas, as naus com destino à Índia deviam sair do Tejo nas últimas semanas do Inverno ou no começo da Primavera, ou seja, entre o início de Março e meados de Abril. A partida nesta data era a melhor para se aproveitarem ventos favoráveis no Atlântico e, chegadas as naus ao Índico, beneficiarem da monção de sudoeste para rumarem à costa ocidental da península indostânica, a partir do momento em que completavam a viagem por dentro do canal de Moçambique. Em situações normais, as naus ultrapassavam o Cabo da Boa Esperança em Junho, chegando em finais de Agosto ou Setembro a Goa ou Cochim, se tudo corresse sem grandes contratempos. O problema nesta calendarização era que, para conciliar condições de navegação favoráveis no Atlântico e Índico, a passagem do Cabo se fazia em pleno Inverno, durante a época das tempestades mais perigosas. Se a partida de Lisboa fosse mais tardia, e a passagem do Cabo não se desse antes de meados de Julho, as naus não poderiam aproveitar a monção apropriada e seriam obrigadas a invernar num dos portos da costa oriental africana, nomeadamente no de Moçambique. Neste caso, a viagem só poderia ser completada quase um ano depois, no mês de Maio seguinte. Só na eventualidade de alguma emergência se recomendava que, feita passagem do Cabo muito tarde, se continuasse a viagem por fora de maneira a completá-la no mesmo ano. A permanência das naus no Índico, em circunstâncias normais, era de apenas três ou quatro meses até ao início da tornaviagem. A partida de Cochim ou Goa devia acontecer em finais de Dezembro ou início de Janeiro do ano seguinte, para ser aproveitada a monção de norte que levaria as naus até ao Cabo, pelo canal de Moçambique ou pelo Índico Central. A passagem para o Atlântico aconteceria assim em Fevereiro, permitindo aproveitar ventos favoráveis que levavam normalmente as naus até Lisboa durante os meses de Julho ou Agosto, após a volta pelo largo até à zona dos Açores.

As Embarcações - Tipo e Dimensão


As informações disponíveis sobre as embarcações em trânsito pela rota do Cabo não são propriamente escassas, embora nem sempre sejam esclarecedoras. A terminologia utilizada na generalidade das fontes para designar os navios envolvidos na Carreira da Índia é ambígua, variável de acordo com os autores, as épocas e as circunstâncias. É dificíl estabelecer um critério de identificação dos navios minimamente rigoroso quando as designações de nau, naveta, galeão, urca ou patacho se sucedem e intercalam sem um padrão uniforme. Apenas a título de exemplo, refira-se a oscilação na utilização dos termos nau e galeão, quer ao longo do tempo, quer numa mesma época por diferentes tipos de fontes, no que se refere à sua relação com a tonelagem da embarcação em causa. Esta falta de uniformidade é também uma das principais evidências dos dados coligidos numa recente tentativa para sistematizar as informações disponíveis para os navios da Carreira no século XVI. Até 1540, o termo nau parece aplicar-se a um navio de maior porte do que o que é referenciado como galeão; segue-se um período de alguma indefinição até 1560, a partir de quando se inverte o sentido de ambas as designações.


De acordo com a leitura de outros autores, a diferenciação entre naus e galeões teria uma natureza de ordem funcional, com implicações na arquitectura das embarcações. A nau seria uma embarcação fundamentalmente comercial, enquanto o galeão teria um papel mais activo do ponto de vista militar.  Por  tudo  isto, e  para  evitar equívocos, mesmo correndo o risco de uma excessiva simplificação, optou-se por recorrer neste trabalho à designação generalista de nau para referir, em princípio, todas as embarcações da Carreira da Índia, salvo menção expressa em contrário. Quanto à evolução da dimensão dos navios, contrariamente ao que se passa com o rigor terminológico, os autores coevos mostram-se bem mais esclarecedores. De acordo com testemunhos de autores como Gomes Solis, João Pereira Corte-Real, Estácio do Amaral e Severim de Faria, preocupados com as causas da decadência da Carreira em finais de Quinhentos e ao longo da primeira metade do século seguinte, a evolução tinha seguido uma trajectória bem clara. Nas primeiras décadas do século XVI, ainda sob o reinado de Dom Manuel I, as embarcações dificilmente ultrapassavam as 300-400 toneladas e só em casos excepcionais atingiam as 500 ou 600. Durante o reinado de Dom João III, perante as crescentes necessidades financeiras da Coroa, iniciou-se um processo  de aumento da dimensão dos navios que, em meados do século XVI, se começavam a aproximar das 1.000 toneladas. Este sobredimensionamento das naus visava o transporte da maior quantidade possível  de  carga  e, alegadamente, um maior poder intimidatório nos mares. No entanto, uma infeliz sequência de notáveis desastres ao longo da década de 1550, que muito impressionou a opinião pública e alguns espíritos mais esclarecidos e influentes, despoletou um movimento crítico em relação às consequências do excessivo carregamento das naus e à escassa funcionalidade de tão grandes navios. Contra isso foi produzida legislação durante o reinado de D. Sebastião, reduzindo-se a tonelagem média das naus da Índia. Contudo, à aproximação do final do século, sob o domínio filipino, reiniciou-se uma tendência para o aumento da capacidade dos navios, em parte devido ao arrendamento do trato da pimenta e do apresto das armadas a particulares, cujo objectivo primordial era a maximização dos seus proventos. À medida que o século XVII foi avançando, foram-se acumulando novamente os malefícios provocados pelo excessivo dimensionamento das naus e tornaram-se evidentes as suas consequências negativas para a Coroa. Para vários autores seiscentistas uma das razões para o declínio da Carreira da Índia estava na estratégia errada da construção naval portuguesa, que insistia em construir enormes "babilónias flutuantes" sem as necessárias medidas de segurança. O resultado destas críticas foi novamente a redução da capacidade média das embarcações para as 400-500 toneladas. Esta periodização, traçada fundamentalmente com base nos testemunhos dos autores da época, é parcialmente corroborada por outro tipo de dados, assim como por alguns dos resultados das investigações actuais. Maria Leonor Freire Costa apesar de utilizar uma amostra limitada, com informações parcelares e alguns lapsos cronológicos, tentou recentemente sistematizar os dados disponíveis. A leitura que resulta dos seus trabalho é um pouco menos linear do que a anteriormente proposta. Se é certo que se torna possível verificar um aumento da tonelagem média das embarcações até ao final do reinado de Dom João III, não pode esquecer-se a extrema heterogeneidade da capacidade das naus da Índia. Entre os dez navios aprestados em 1503, encontra-se um de 100 toneladas, um de 150, um de 160, um de 300, três de 350, um de 450, outro de 500 e um último de 700. Em 1537, por seu lado, numa amostra de nove casos, dois são galeões de 120 toneladas, três são naus de 150, um outro navio chega às 220, outros dois às 280 e o maior fica-se pelas 386 toneladas, o que corresponde a uma média claramente inferior à da amostra atrás citada. Entre 1550 e 1556 identificam-se três navios de 900-1000 toneladas (São João, São Bento e Graça), enquanto, finalmente, entre 1566 e 1589 apenas um galeão atinge as 750 toneladas, rondando os restantes as 400-500 toneladas. Muito mais linear parece ser a série de dados estabelecida por Bentley Duncan para a tonelagem total das armadas da Índia nos séculos XVI e XVII. De acordo com os valores propostos (tonelagem total e número de embarcações), a tonelagem média das embarcações saídas de Lisboa terá crescido continuamente ao longo de Quinhentos, das 283 toneladas em 1501-1510 às 1144 em 1591-1600. Esta leitura parece, todavia, ser excessivamente "geométrica" e pecar por alguma sobrevalorização das tonelagens potenciais das naus da Índia. Mais equilibrada e atenta às particularidades conjunturais de cada período histórico da Carreira, embora nem sempre sistemática, é a síntese proposta por Magalhães Godinho. No primeiro terço do século XVI a tonelagem mais comum rondaria os 400 tonéis, com uma variação entre as 350 e as 600; em meados do século a variação subiria para as 500-1000 toneladas. Em 1570 seria regulamentada uma tonelagem entre as 300 e as 450 toneladas mas aparentemente não foi completamente respeitada visto que no início do domínio filipino a capacidade corrente das naus era de 600 toneladas. Perto da viragem do século começariam a aparecer as enormes carracas de 1500 e 2000 tonéis, síntese, o crescimento da tonelagem média das naus parece ser um dado razoavelmente seguro para a primeira metade do século XVI, apesar da heterogeneidade de dimensões que é possível verificar entre a tonelagem das embarcações melhor conhecidas, normalmente entre as 200 e as 600 toneladas. Na década de 1550 as maiores naus atingiriam as 1000 toneladas. Na sequência de alguns grandes desastres tentar-se-ia inverter esta tendência para o sobredimensionamento dos navios com as determinações do regimento de 1570. No entanto, em finais do século voltaram a tornar-se comuns embarcações enormes, agora bem acima do milhar de toneladas, tendência que se prolonga pelas primeiras décadas do século XVII, até que uma nova sucessão de desastres e críticas aconselha novamente ao recurso a embarcações menores.


As Tripulações


O recrutamento dos meios humanos necessários ao primento das armadas da Índia foi um problema que cedo se levantou na história da Carreira. As questões punham-se quer no plano quantitativo, quer no qualitativo. A primeira situação a ultrapassar era, com frequência, a da falta de homens qualificados para servirem na tripulação de todas as naus que saíam anualmente de Lisboa para o Oriente. As necessidades em marinharia e soldadesca para o regular funcionamento da rota do Cabo e defesa das possessões do Estado da Índia, foram substanciais desde os primeiros anos do século  XVI, em especial se atendermos à magreza dos recursos demográficos de Portugal continental. Por isso se tornou rapidamente problemático o preenchimento das vagas existentes nas armadas com pessoal devidamente qualificado. A atracção exercida pelas hipóteses, reais ou ilusórias, de lucros fáceis e imensos nas terras do Oriente nem sempre eram suficientes para fazer esquecer a elevada mortalidade provocada por doenças e acidentes vários entre os homens embarcados. Diogo de Couto afirma que dos 4000 homens embarcados em Lisboa na armada de 1571 morreu cerca de metade. De acordo com Charles Boxer, apenas 2495 dos 5228 soldados embarcados em Lisboa nas armadas de 1629 a 1634 chegou a salvamento a Goa. Testemunhos semelhantes são-nos dados ainda pelos missionários jesuítas que seguiram nas armadas da segunda metade do século XVI. O padre Pedro Boaventura descreve de forma dramática as ocorrências vividas na nau em que viajou em 1565, na qual adoeceu a quase totalidade das pessoas, chegando a morrer uma média de 6 a 9 pessoas por dia. No início do século XVI, cada nau exigia uma tripulação que rondava a centena de homens, mas esse número duplicaria com a passagem das décadas e o aumento da dimensão das embarcações. Para além disso, era comum o embarque de gente de armas com destino às armadas e praças-fortes do Estado da Índia ou mesmo com a função de defender a armada em caso de ataque. O resultado era, com frequência, a existência de várias centenas de pessoas em cada navio. Em 1500, a armada com treze velas sob o comando de Pedro Álvares Cabral levava entre 1200 e 1500 pessoas, incluindo os soldados, de acordo com diversas fontes. Em 1501, a armada capitaneada por João da Nova levava entre 350 e 400 homens em quatro navios, numa média próxima dos 100 indivíduos por nau, valor que parece ter-se mantido nos primeiros tempos da Carreira. Nos anos seguintes, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Lopo Soares de Albergaria, Francisco de Almeida e Tristão da Cunha chefiaram armadas com muita gente de guerra, mas cujos números por vezes não se sabe se incluem a gente do mar. De qualquer modo, em todos os casos embarcaram entre um e dois milhares de soldados, provavelmente para além da gente de mar. Em 1509, a armada do marechal Dom Fernando Coutinho levaria 3000 homens em apenas quinze navios, valores próximos do da terceira viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1524. Em 1518, as nove naus da armada de Diogo Lopes Sequeira embarcaram entre 1500 e 1600 soldados, para além da tripulação, e em 1528 foram perto de 4000 os homens da armada de 13 navios que saiu de Lisboa sob as ordens de Nuno da Cunha. Esta média próxima dos 300 homens por navio seria repetida em 1531, com a armada de Pedro Vaz do Amaral a levar 1500 pessoas em cinco naus. Quando os perigos no mar devidos a acção inimiga se Avolumaram, tornou-se quase obrigatório o provimento das armadas com soldados, o que fez elevar com regularidade o número de indivíduos a bordo. No final do século os números tinham aumentado substancialmente; de acordo com Inácio Guerreiro e Contente Domingues a nau S. Filipe, em actividade na década de 1590, chegou a embarcar 196 marinheiros e 352 soldados. Em 1602 a nau S. Roque levaria um total de 583 passageiros e em 1605, numa armada de quatro galeões e uma nau seguiram para a Índia 1230 homens de armas e 575 homens de mar. A composição das tripulações era variada. Entre os cerca de 130 elementos que a compunham, de acordo com Luiz Figueiredo Falcão, podiam encontrar-se bombardeiros, carpinteiros, calafates, estrinqueiros, despenseiros, tanoeiros, para além dos marinheiros propriamente ditos e dos oficiais como o meirinho, o mestre, o piloto, o sota-piloto, o contramestre e o próprio capitão, não esquecendo o sempre importante barbeiro-cirurgião  e um capelão.  Como  as  baixas  eram frequentemente elevadas e a Carreira da Índia não era a única escápula ultramarina para os braços disponíveis no  Reino, era intenso o ritmo imposto ao recrutamento de novos homens para as armadas. A consequência de tal urgência era uma evidente falta de critério na selecção da marinhagem e a sua deficiente formação técnica para assegurar devidamente as funções que eram atribuídas à gente do mar. Muitos eram os marinheiros que embarcavam apenas com o objectivo de enriquecer rapidamente à chegada ao Oriente ou então que o faziam de forma muito pouco voluntária, o que explica muitas das lamentações produzidas quanto à sua baixa motivação e desempenho. Russel-Wood sintetiza assim as consequências deste tipo de recrutamento; falta de aptidões, inadequação física e degenerescência moral. As notícias sobre motins a bordo não são frequentes mas não deixam de surgir ocasionalmente. Em 1524, numa nau de armadores conhecida por Garça e capitaneada pelo maiorquino Gaspar a tripulação amotinou-se, matando o capitão, o mestre e o piloto, abandonando o resto da armada em que seguia para se dedicar à pirataria. Mais tarde, seriam capturados por António de Miranda, sendo conduzidos à Índia onde foram sentenciados à morte, por enforcamento. Mas as deficiências do recrutamento não se faziam sentir apenas ao nível da arraia-miúda responsável pelas tarefas mais árduas da navegação. Também ao nível dos capitães, pilotos, contramestres e outros cargos de maior responsabilidade se verificavam problemas. A nomeação para o cargo de capitão-mor das armadas foi desde cedo um monopólio da nobreza, funcionando como um título honorífico, não sendo para ele exigidas especiais qualificações técnicas, do ponto de vista dos conhecimentos de navegação. O facto de ser, por vezes, um posto duramente disputado não implicava necessariamente uma melhoria dos conhecimentos náuticos dos escolhidos. Como afirma Boxer, citando o padre António Vieira, o mais comum era que a grande maioria dos capitães da Carreira da Índia nunca tivessem visto mais água do que a do Tejo. Os fidalgos-marinheiros eram uma excepção à regra. Apenas nas naus de armadores particulares era mais usual encontrarem-se capitães de origem vilã, com maior experiência dos assuntos náuticos. Perante esta situação, a figura central da tripulação, em termos de navegação, era o piloto, verdadeiro responsável pelo (in)sucesso da viagem. Por isso, foi na selecção e formação dos pilotos que a Coroa teve maiores cuidados, dada a sua escassez à média que o tempo foi passando. No Índico, tornou-se comum o recurso a pilotos locais (árabes, guzerates ou hindus) como estratégia para ultrapassar o desconhecimento inicial da navegação na região. Por outro lado, à partida de Lisboa não era raro encontrarem-se nas naus portuguesas pilotos castelhanos, maiorquinos ou de outras nacionalidades mediterrânicas. As tentativas para tornar a profissão de piloto exclusiva de uma pequena elite, limitando a difusão dos conhecimentos e ocultando os seus segredos à concorrência estrangeira, não era facilmente conciliável com a existência de um corpo de pilotos em quantidade suficiente para prover com regularidade as armadas. Para além disso, a consciência da sua importância e as repetidas recomendações de secretismo, nem sempre ajudavam os pilotos a tornarem-se figuras especialmente simpáticas, facto de que se queixa, por exemplo, o viajante italiano Pietro della Valle que os acusa "de serem esses pilotos somenos comunicativos e mal dispostos a ensinar os outros". Quanto aos restantes oficiais, as principais dificuldades ligavam-se à sua deficiente formação e adequação às funções de responsabilidade que desempenhavam. Em virtude dos benefícios materiais que podiam colher na viagem (caso das caixas forras de fretes e direitos) eram muitos os candidatos que tentavam comprar as nomeações, de forma mais ou menos legal junto dos seus directos beneficiários, ou por via do suborno e corrupção dos funcionários da Casa da Índia.

O Recrutamento dos Capitães


Pela sua importância, o caso dos capitães da Carreira merece ser destacado e analisado de forma particular. De acordo com os dados de uma pesquisa ainda em curso é possível identificar, entre 1497 e 1700, cerca de 900 capitães diferentes no comando de viagens da Carreira da Índia. Este número inclui quer os capitães nomeados à partida de Lisboa, quer os que, em qualquer fase de uma viagem redonda, assumiram esse posto, substituindo o capitão original (por morte deste ou por qualquer outra circunstância). Capitães nomeados entre 1497 e 1700.

Nomeações

Um dos traços mais característicos deste conjunto de capitães relaciona-se  com o número de vezes  que  esta  função  de  comando  foi exercida por cada indivíduo. Com efeito, confirma-se a ideia corrente de uma "não-profissionalização" dos capitães das naus da Índia, pois apenas pouco mais de duas centenas (22,9%) surge por duas vezes e unicamente 51 (menos de 6%) são referenciados em três ou mais ocasiões. Mas, mesmo nestes casos, analisando com mais atenção as incidências de cada viagem, é possível verificar que, em várias situações, uma 2ª ou 3ª nomeação se segue a uma viagem não concretizada, por arribada, naufrágio ou bloqueio da barra de Lisboa. No total, apenas dois capitães completam efectivamente mais de três viagens: Sebastião de Sousa que faz quatro entre 1505 e 1521 e o mercador Vicente Gil que atinge um máximo de sete, entre 1521 e 1542.


Número de nomeações

Capitães nomeados entre 1521 e 1542 com mais de uma nomeação:

Nomeações - 2 - Valores absolutos mais de um total 154 - persentagem 17,2%

Capitães nomeados entre 1521 e 1542.

Nomeações - 3 - Valores absolutos mais de um total 42 - persentagem 4,7%

Capitães nomeados entre 1521 e 1542.

Nomeações - 4 - Valores absolutos mais de um total 8 - persentagem 0,9%

Capitães nomeados entre 1521 e 1542.

Nomeações - 7 - Valores absolutos mais de um total 1 - persentagem 0,1%

            205 - Valores de um total de 205  com mais uma nomeação - persentagem 22,9%

            691 - Valores de um total de 691 com uma nomeação - persentagem 77,1%

Total - 896 - Valores absolutos de um total de 896 nomeações - persentagem 100%
            
Quanto a uma segmentação cronológica destes dados, constata-se uma tendência levemente decrescente da repetição das nomeações: no século XVI perto de 25% dos capitães fazem mais de uma viagem, mas no século XVII esse valor fica aquém dos 20%. Na segunda metade do século XVII apenas um capitão é nomeado mais de duas vezes: Jerónimo de Carvalho, que parte para o Índico em 1655, 1667 e 1672.


Número de nomeações

Capitães de 1497 a 1700.

Capitães nomeados entre 1497 e 1500.

Nomeações - 279 - Valores absolutos 75,6% mais de um - 90 - 24,4%

Capitães nomeados entre 1551 e 1600.

Nomeações - 153 - Valores absolutos 76,1% mais de um - 48 - 23,9%

Capitães nomeados entre 1601 e 1650.

Nomeações - 175 - Valores absolutos 78,1% mais de um - 49 - 23,9%

Capitães nomeados entre 1651 e 1700.

Nomeações - 691 - Valores absolutos 77,1% mais de um - 18 - 22,9%

A colocação  nos diferentes  períodos  é feita pela data da última viagem.

O Financiamento das Viagens


Na esteira de abordagens preliminares clássicas de Virgínia Rau, Gentil da Silva, Jacques Heers e Magalhães Godinho (quase todas com um quarto de século ou mais) passámos a dispor na última década de mais alguns interessantes e úteis contributos para um melhor conhecimento das condições financeiras em que assentou a expansão portuguesa para Oriente e, em particular, que estiveram na base do funcionamento inicial da Carreira da Índia. Entre outros estudos, o papel da Coroa e dos particulares no financiamento das armadas, permitem-nos aprofundar a análise sobre o esforço financeiro exigido pela manutenção do funcionamento regular da rota do Cabo. Por outro lado, a divulgação de trabalhos sobre a estrutura das receitas e despesas da Coroa nesta época, também nos possibilita avaliar actualmente com maior rigor o peso dos custos e proventos da Carreira da Índia no orçamento do Estado português de Quinhentos. As ideias de um monopólio monolítico da Coroa sobre o trato das especiarias ou, em contrapartida, da completa dependência dos soberanos portugueses em relação aos financeiros estrangeiros, são assim reduzidas às suas reais proporções. Quer o investimento régio nas armadas da Índia, quer a participação de capitais particulares, nacionais ou estrangeiros, podem ser assim colocados em perspectiva, sublinhando-se a interdependência entre ambos os contributos para o sucesso do empreendimento. Com efeito, se a Coroa assumiu um papel decisivo na condução da empresa expansionista, mercadores e banqueiros, nacionais e estrangeiros, revelaram-se igualmente fundamentais para o arranque e consolidação de uma rota comercial regular entre Lisboa e o Índico. Isto aconteceu por duas vias: uma mais imediata, através do financiamento e preparação directa de algumas das naus incluídas nas armadas, e outra, em certa medida indirecta, através da concessão de empréstimos à Coroa para assegurar a armação das suas próprias embarcações. O interesse dos investidores particulares, contudo, só se tornou maior quando se tornou claro o interesse comercial da rota do Cabo. Estes investidores eram, em primeiro lugar, italianos (florentinos, genoveses e cremoneses) e alemães e, num segundo grupo, portugueses e burgaleses. Entre os italianos, avultavam os nomes de Bartolomeo Marchione, Girolano Sernigi, Lucas Geraldi, Andrea Corsali, Leonardo Nardi e as famílias Frescobaldi, Gualterrotti e Affaitadi, estes através de representantes seus em Lisboa ou, mais tarde, em associação com os portugueses Mendes. Quanto aos alemães, a quem Dom Manuel I deu importantes privilégios por possuírem minas de cobre e prata, o destaque ia para os Welser, Fugger e Hoechstetters de Augsburgo, os Imhoff e Hirschvogel de Nuremberga e ainda outros menos conhecidos como os Herwarts, Schetz ou Cron. Todos estes capitalistas participaram no envio de navios à Índia, armando naus e chegando mesmo a nelas embarcar (caso de Sernigi e Corsali, por exemplo). Outros estrangeiros envolvidos neste negócio foram os mercadores de Burgos, como os Haro ou Malvenda, sendo comum a referência a naus "burgalesas" a caminho do Índico. Mas também alguns portugueses, cristãos-novos ou não, foram mobilizados, isoladamente ou em sociedade com estrangeiros; Dom Álvaro de Bragança, Jorge Lopes 'Bixorda', a família Mendes, Dom Nuno Manuel, Fernando de Noronha, Job Queimado e mesmo navegadores como Afonso de Albuquerque e Tristão da Cunha participaram com capitais próprios no financiamento de algumas viagens. Mas os mais frequentemente citados na documentação são Duarte Tristão e o seu filho Vicente Gil, que por várias vezes enviaram naus suas à Índia. A avaliação do peso relativo dos capitais régios e particulares é problemática porque, em grande medida, os meios financeiros da Coroa resultavam de empréstimos contraídos junto das casas financeiras instaladas em Lisboa. Era, aliás, uma estratégia muito mais segura para os banqueiros apostar no financiamento da Carreira através da Coroa do que arriscar directamente os seus recursos. A partir do quadro de síntese proposto por Marques de Almeida para a identificação dos principais investidores nas armadas da Índia entre 1500 e 1549 é possível constatar que o investimento particular directo nas viagens se reduz bastante depois do reinado de Dom Manuel I. Em 1500, três das treze embarcações da armada de Álvares Cabral eram de privados (Sernigi, Marchione, Frescobaldi, Dom Álvaro de Bragança e outros). Em 1501 eram duas em quatro; em 1502 cinco em vinte e no ano seguinte, sete em nove. 


Até 1521 a presença de naus de particulares é quase constante. A partir de então esta tendência diminui; Duarte Tristão ou Vicente Gil participam com uma nau nas armadas de 1524, 1525, 1526, 1528, 1532, 1536, 1540 e 1542, mas são excepções; Jorge Lopes participa em 1523 e 1530. Só na década de 1540 se voltam a encontrar outros nomes; Jacome Tristão, Diogo Rabello, Lucas Geraldes e Bernardo Nacer ou Misser Bernardo, por exemplo. Na segunda metade do século XVI, é só na década de 1570 que se vulgariza o recurso pela Coroa ao contrato com armadores particulares que se comprometiam a preparar um determinado número de navios por ano, para além dos aprestados pela Coroa. Com o domínio 'Filipino' regressou-se inicialmente à administração régia directa das viagens, mas pouco tempo depois vulgarizou-se o arrendamento do trato das especiarias a particulares. O recrudescimento do investimento particular na rota do Cabo foi da responsabilidade de armadores como Luís César, Manuel Caldeira e, finalmente devido às dificuldades enfrentadas pelos anteriores, de uma sociedade de Jacome Gomes Galego, Jerónimo Duarte, Manuel Mendes da Índia, Marcos de Góis, Manuel Jorge de Lisboa e outros. No final do século, com o objectivo de garantir receitas a priori e transferir parte dos riscos envolvidos nas viagens da Carreira, a Coroa optaria pelo regime de contratos, quer na realização das viagens como na própria construção e abastecimento das naus.

A Evolução Histórica da Carreira da Índia


A situação material do reino e das possessões portuguesas no Oriente e a vitalidade da Carreira eram variáveis estreitamente ligadas e interdependentes, agindo todas entre si de forma bastante activa. O nível de aproveitamento e rendibilidade da Carreira era não apenas um sinal importante da situação global do Império português, mas de igual modo um elemento que o condicionava activamente. Era um fenómeno compósito, em interacção permanente com as conjunturas que o envolviam. E isto tem sentido não apenas para as conjunturas internas  de Portugal e do seu Império mas igualmente no plano das conjunturas internacionais, na Europa e no Índico.

O Impacto da Rota do Cabo


A avaliação do impacto causado pela abertura da rota do Cabo nos circuitos do comércio internacional pode subdividir-se em duas vertentes principais, conforme tomemos como objecto de análise os circuitos comerciais europeus ou as redes comerciais do Oceano Índico. Embora bem distintas no espaço e nos seus protagonistas, funcionando autonomamente ao longo de muitos séculos, estes dois sistemas internacionais de trocas comerciais já se tocavam desde a Idade Média, através das rotas levantinas de redistribuição das especiarias e outros artigos de luxo orientais pelo Mediterrâneo. Esta foi uma tarefa longamente dominada pelos mercadores venezianos, a partir das escápulas de Beirute, do Cairo e de Alexandria, até onde os comerciantes árabes traziam as suas valiosas mercadorias. A abertura da rota do Cabo por Vasco da Gama, mesmo a finalizar o século XV, vai trazer uma forte transformação ao status quo existente, ao permitir o estabelecimento da primeira ligação comercial directa, com um único intermediário, entre a Europa e o Oriente. Para alguns autores, este é um momento decisivo para o tímido arranque de uma economia à escala mundial; para outros, apenas um elemento adicional, não particularmente relevante, a acrescentar às redes de trocas previamente estabelecidas. Esta oposição de perspectivas resulta, em grande medida, da perspectiva que adoptemos para a focalização do problema. Se centrarmos a análise da Europa, o empreendimento português pode ser encarado como fundador dos Tempos Modernos, ao permitir a criação de uma nova rede de redistribuição dos produtos orientais que entra em concorrência e substitui o velho sistema medieval, centrado no Mediterrâneo. A regularização de um ritmo anual de armadas da Carreira da Índia vai implicar uma fortíssima perturbação nos circuitos tradicionais do comércio deste produto, tendo efeitos quase imediatos na contracção da quantidade de especiaria canalizada pela rota do Mar Vermelho. Os indicadores disponíveis apontam para uma severa redução do seu fluxo através do Egipto e para o seu consequente encarecimento, o que foi encarado com muita apreensão em Veneza. Entre 1500 e 1530, a rota do Cabo suplantou amplamente a rota do Levante como principal fonte de fornecimento de especiarias à Europa, só não a cortando completamente por não ter sido possível suprimir ou controlar o comércio pelo Mar Vermelho. No entanto, Lisboa e Antuérpia (onde os portugueses estabelecem uma feitoria) são os pólos por onde as especiarias irradiam para a Europa, atraindo as principais famílias de negociantes e banqueiros alemães e italianos. As margens de lucro revelavam-se extremamente elevadas e o volume deste comércio equivalia a cerca de 75% do valor do comércio de cereais de todo o Mediterrâneo. A década que se segue (1530-1540) é quase unanimemente apontada como o momento em que se dá uma importante inversão na tendência, o tráfico levantino reanima-se e o papel da rota do Cabo, no abastecimento dos mercados europeus, reduz-se. Sublinhando este facto, Dom João III encerra a feitoria portuguesa de Antuérpia em 1549, marcando claramente o momento em que Portugal renuncia à pretensão de  monopolizar o provimento do mercado europeu de especiarias. O Mediterrâneo voltava a ser uma importante opção para a satisfação das necessidades europeias e em Veneza voltavam a florescer as reservas de especiaria, atingindo níveis semelhantes aos dos tempos áureos do século XV. Mas os níveis de consumo deste tipo de produtos estava em crescimento e, apesar da concorrência, Lisboa continua a ser um importante centro de difusão de mercadorias orientais. Apenas em finais do século XVI a posição portuguesa foi remetida a um papel secundário, em virtude de alterações geoestratégias globais vividas na sequência das lutas pela hegemonia europeia, em que Portugal se viu envolvido, embora com um papel menor. A União Ibérica implicou o envolvimento de Portugal nas disputas europeias dos Habsburgos e isso trouxe consequências quase imediatas à segurança da rota do Cabo no Atlântico. A partir da segunda metade da década de 1580, as perdas de naus da Carreira, devidas a ataques inimigos e a excesso de carga ou mau estado dos navios, aumentam significativamente. Enquanto entre 1571 e 1575 regressaram 20 das 23 naus enviadas para o Oriente, acrescidas de duas fabricadas nos estaleiros do Estado da Índia (um sucesso de cerca de 90% das viagens redondas), entre 1586 e 1590 apenas se registam 17 regressos (alguns de naus feitas no Oriente) para 30 partidas e nos cinco anos seguintes apenas retornam 9 em 24 (valor inferior a 40 %). A situação melhora ligeiramente entre 1596 e 1605 (retornos na ordem dos 50%), mas nos anos seguintes a decadência é bastante acelerada: 10 retornos a salvamento em 46 embarcações preparadas para partir de Lisboa (taxa de sucesso pouco acima dos 20%) Quando analisamos a evolução dos níveis de retornos a salvamento da Carreira da Índia com a cronologia do interesse comercial holandês pela rota do Cabo, quase somos impelidos a concluir que a concorrência estrangeira nasce um pouco da própria incapacidade portuguesa em assegurar a  sua  parte do comércio de especiarias na Europa. Alguns cálculos sobre o consumo europeu destes produtos e a tonelagem disponível para os transportar cerca de 1590 apontam para uma solução como aquela, visto a debilidade da Carreira da Índia começar a pôr em causa a complementaridade entre as rotas do Cabo e do Levante. No início do século XVII vai ser a Vereenigde Oost-Indisce Compagnie (V.O.C.) a lutar pelo domínio do trato das especiarias e mostrar-se a principal adversária do trato levantino, suplantando rápida e decisivamente a enfraquecida posição portuguesa. A outra perspectiva pela qual podemos abordar o impacto internacional da rota do Cabo é a que se centra nas transformações causadas pela chegada dos portugueses ao Índico. Neste caso, as posições dos diferentes autores tornam-se bem mais contraditórias. Os mais severos relativizaram bastante a importância portuguesa no Oriente - é o caso de Van Leur, Steensgaard e Das Gupta. O primeiro destes autores pode ser considerado o iniciador de uma leitura que não atribui aos portugueses mais do que um papel superficial na organização do comércio do Oceano Índico no século XVI. Na sua opinião, a estratégia portuguesa ainda era fundamentalmente medieval, baseando-se no saque e nas ambições pessoais, não apresentando um projecto coerente de exploração dos recursos disponíveis, nem um espírito moderno de busca do lucro. Esta leitura, que tinha um forte conteúdo anticolonialista marcado pela época em que surgiu, teve vários seguidores, entre os quais podemos destacar Niels Steensgaard e Ashin das Gupta. Suavizando um pouco a abordagem de Van Leur, Steensgaard não atribui um carácter puramente medieval ao empreendimento português. Ele prefere caracterizá-lo como um momento de transição entre as soluções medievais e as estruturas modernas de um capitalismo comercial e financeiro em gestação, que irromperia com a política das Companhias, cristalizada na criação da V.O.C., grande vencedora da disputa com os portugueses no Índico durante a primeira metade do século XVII. Ashin das Gupta, por seu lado, retoma o essencial da argumentação de Van Leur e considera que a chegada dos europeus ao Oceano Índico permaneceu longamente como um evento lateral, com reduzidos efeitos na estrutura do comércio da região durante os séculos XVI e XVII. No caso português relativiza a dimensão dos fluxos comerciais controlados pelo Estado da Índia, realçando o papel das redes comerciais locais e regionais de outros produtos como os têxteis e os bens alimentares de primeira necessidade, que teriam muito maior volume e em que os portugueses tinham papel reduzido. Contrariando estas leituras muito redutoras da presença portuguesa, em particular da visão de Van Leur, Sanjay Subrahmanyam destaca o seu carácter estruturalista e a sua pouca sensibilidade perante a diversidade temporal dos fenómenos estudados. Ao caracterizar a instalação portuguesa no Índico como arcaica em comparação com o modelo holandês, esquece-se que cada uma é fruto do seu tempo e têm um século de intervalo. M. N. Pearson, denuncia, por sua vez, as leituras fortemente influenciadas por uma visão oitocentista e com "explicações racistas derivadas de um darwinismo e uma auto-estima vitoriana" que tendem a desvalorizar o papel pioneiro dos portugueses no Oriente. K. S. Mathew matiza, por outro lado, o carácter destrutivo que alguns atribuem à chegada dos portugueses, sublinhando que os seus ataques se dirigiram principalmente contra os muçulmanos. É também este autor que sublinha o carácter regular e centralizador do comércio português no Índico, o que era algo muito diferente das práticas esporádicas e descontínuas do comércio tradicional da região. Contra os que afirmam que o Estado da Índia desempenhou um papel menor nos jogos e equilíbrios de poder na Ásia, é Chaudhuri que responde com uma explicação mais prudente, que pode ser reforçada pela tipologia exposta por Subrahmanyam para a caracterização dos principais Estados asiáticos do século XVI. O facto de os portugueses não influenciarem decisivamente a evolução da história desses Estados resultou, em grande parte, do carácter marítimo da sua instalação e do seu escasso interesse em instalar-se no continente. Por outro lado, apesar de se imporem como grande potência naval, os portugueses não terão sido vistos como uma séria ameaça política e militar por nenhum dos grandes Estados asiáticos, não perturbando as redes de distribuição dos bens procurados pelas suas elites aristocráticas. De qualquer forma resta uma evidência, mesmo no plano exclusivo do comércio das especiarias, o volume transportado pelos portugueses para a Europa terá permanecido sempre minoritário em relação ao consumo local, apenas 25% das especiarias em trânsito no Índico se dirigiam para os mercados europeus, muito longe, por exemplo, do volume absorvido só pelo mercado chinês. Em suma, conciliando os diversos contributos de todas estas leituras parecem ser evidente que a abertura da rota do Cabo teve efeitos sensíveis, quer na Europa, quer no Índico, mesmo se aqui a sua importância relativa foi menor. Em primeiro lugar, a rota levantina sofreu um forte abalo até 1530-1540 e, mesmo quando recuperou parte da sua anterior vitalidade, perdeu o exclusivo da ligação comercial entre a Europa e o Oriente. No Oceano Índico, por outro lado, a chegada dos portugueses não pode ser menosprezada, mesmo se o volume das mercadorias transportadas pela rota do Cabo está longe de ser decisivo para o volume global das transacções comerciais do Oceano Índico. A imposição de um sistema de salvo-condutos para a navegação (os cartazes) foi por si só uma medida que, eficaz ou não, perturbou sensivelmente a navegação local. Nesta perspectiva, a rota do Cabo foi certamente a primeira grande rota interoceânica dos Tempos Modernos e aquela que inaugurou uma relação comercial regular entre dois mundos até então economicamente activos mas pouco comunicantes. Mais do que a travessia do Atlântico, ligando Sevilha ao Novo Mundo, foi a Carreira da Índia que colocou em movimento as primeiras engrenagens de uma rede comercial à escala mundial.

As Variáveis em Presença: Partidas, Perdas e Retornos


Para um conhecimento rigoroso da evolução do movimento da Carreira da Índia é necessário articular a análise de mais variáveis do que apenas o ritmo de partidas de naus de Lisboa, como por vezes é usual. Para esse efeito, para além da seriação estatística das armadas, convém proceder ao desdobramento dos diversos tipos de ocorrências (arribada, naufrágio, ataque inimigo, invernada, retorno a salvamento) que podiam afectar as naus ao longo de uma viagem redonda. As principais séries de dados estatísticos disponíveis sobre o movimento da Carreira ficaram, durante muito tempo, a dever-se a Magalhães Godinho e Charles Boxer, sendo normalmente repetidas por todos os que, por um qualquer motivo, necessitaram de recorrer a esse tipo de informação. O primeiro grande contributo para uma sua revisão pode atribuir-se, com justiça, a João Vidago, apesar das discordâncias que se possam ter quanto ao método de apresentação da informação. Procurando avançar um pouco mais nesse caminho, foi feito recentemente um esforço de sistematização dos dados acessíveis, alguns inéditos e ainda não definitivos, que servirão de base fundamental para esta análise. De acordo com esses elementos podemos acompanhar a evolução das principais variáveis ao longo do período que aqui nos interessa. Em relação ao número de partidas, se fizermos o seu desdobramento quinquenal verificamos que a tendência é rapidamente descendente a partir da primeira década de Quinhentos. Excluindo a armada de Vasco da Gama, até 1510 partem de Lisboa 166 navios, numa média de 15 por ano, valor que não voltará a ser atingido. Nos quinquénios seguintes as partidas descem para valores entre as 46 e as 48 embarcações (média de 9-10 por ano), entre 1526-1530 e 1536-1540 ficam-se pelas 37-42 (média anual de 7-8 navios) e, após algumas oscilações à aproximação da segunda metade do século XVI, os números estabilizam longamente em armadas de 5-6 navios. Desta forma, verifica-se, num primeiro momento, uma tendência decrescente rápida, após os anos de estabelecimento do Estado da Índia, em que foi necessário o envio de grandes armadas, com bastantes navios destinados a permanecer no Índico para aí consolidarem a presença portuguesa (caso das armadas de 1502 e de 1504 a 1510, todas bem acima da dezena de navios). Segue-se um período com algumas oscilações, ao nível das partidas, que se estende até meados do século, o que parece resultar do cruzamento da tendência para estabilizar o número de partidas, de acordo com o modelo de uma Carreira comercial regular, e as exigências militares do Estado da Índia periodicamente ameaçado pelos seus inimigos e com necessidade de reforços substanciais, como se pode constatar  em conjunturas  específicas como as  de  1533 (armada  de  19 navios) e de ambos os cercos a Diu, em 1537-1538 e 1547-1548 (com o envio de 23 navios em cada um destes biénios). Na segunda metade do século XVI as oscilações são muito menores, sendo visível a estabilização do movimento de partidas para Lisboa; só em dois anos ultrapassam as sete naus (1551 e 1590) ou descem abaixo das quatro (1594 e 1597). Quanto às arribadas (situações em que os navios, por dificuldades de navegação, mau estado ou outro obstáculo, se viam obrigados a regressar a Lisboa, não seguindo viagem nesse mesmo ano), podemos constatar que ao longo de quase todo o século se mantiveram em níveis inferiores aos 5% e apenas ocasionalmente subiram dos 10% (1541-45, 1551-55 e 1581-1590). No entanto, após 1581 as arribadas aumentam bastante, ultrapassando os 15%. A merecer abordagem mais detalhada, entre todas as variáveis analisadas, temos a questão das perdas de naus da Carreira da Índia. Este é um tema que tem sido tratado normalmente sob a sombra do imaginário gerado pela História Trágico-Marítima. Embora lhe seja dedicado, mais adiante, um espaço específico mais detalhado, convém, desde já, salientar um valor que ronda os 19% de insucessos para o conjunto das viagens redondas realizadas neste período. Das 754 embarcações saídas do Tejo entre 1497 e 1600 naufragaram 143 num dos momentos do trajecto (ida ou volta) ou em trânsito no Índico em missões de carácter essencialmente comercial e relacionadas com o carregamento das armadas de tornaviagem. Este é um valor acima de alguns valores anteriormente propostos, que não tomaram como base de cálculo a chamada viagem redonda e que fizeram a média das perdas separadamente nos dois sentidos da viagem, esquecendo que era geralmente a mesma nau que realizava todo o trajecto. Este é, para além disso, um  valor  muito acima do que se verificou na Carreira das Índias castelhana onde, segundo Chaunu, as perdas se terão ficado por valores bastante inferiores. Entre 1601 e 1700 perdem-se 86 embarcações das 400 preparadas para partir de Lisboa, o que equivale a um valor pouco acima dos 20%. No século  XVI, os períodos mais críticos, em termos de perdas totais, foram os das viagens iniciadas em 1500-1510 (cerca de 20% das viagens redondas) de 1521-1530 (26,5%, com 1526-1530 a chegar aos 32,4%), de 1551-1565 (26,6%, com 1551-1555 a atingir os 33,3 %) e 1581-1595 (em que os insucessos crescem de 21,4% para mais de 54%). No século XVII, as perdas totais mantêm-se normalmente acima dos 20%, atingindo valores acima dos 30% em 1606-1610 e 1621-1625. O desdobramento destas perdas, por fase de viagem, local e causa, será feito mais adiante. As chegadas à Índia terão rondado os 85 % (641 casos em 754), mantendo-se entre 1564 e 1575 nos 100% e normalmente entre os 89-90%. Em termos decenais, só na última década do século os valores ficam nos 70% das naus saídas de Lisboa, tendência que se mantém na centúria seguinte. O movimento das tornaviagens levanta maiores problemas de acompanhamento, em particular nos primeiros anos do século XVI, quando as fontes são omissas, vagas ou contraditórias na indicação das armadas de retorno a Lisboa. Muitas naus permaneciam no Índico em missões militares e outras voltavam só alguns anos depois de terem chegado, assim como é habitual a alteração do capitão entre a viagem de ida e a de volta, em virtude do primeiro ir provido de alguma nomeação para o Estado da Índia. Os números estabelecidos até ao momento permitem-nos apenas calcular valores mínimos de retornos, que apontam para perto dos 80% das naus chegadas ao Índico no século XVI (cerca de 67% das partidas de Lisboa). Significa isto, se estes valores provisórios estiverem minimamente próximos da realidade, que pelo menos 4 em cada 5 navios chegados ao Índico iniciavam a tornaviagem (2 em cada 3 das embarcações que saíram do Tejo). No século XVII, estes valores descem bastante, dos 400 navios preparados para partir de Lisboa e dos cerca de 300 que chegam ao Índico, apenas temos registo do regresso de 189. Relativamente à taxa de sucesso final das viagens redondas (regressos a salvamento a Lisboa) verificamos que, no século XVI, se fica pelos 57,5%, embora com bastantes oscilações conjunturais e por razões diferentes. No início do século XVI muitas naus não chegam a salvamento a Lisboa porque se destinavam, desde a partida, a permanecer no Oriente, caso que ainda acontece em outros momentos de toda a primeira metade de Quinhentos. Só com a estabilização do movimento de partidas da Carreira e a redução das armadas com objectivos militares os retornos sobem regularmente acima dos 50%: entre 1531 e 1545 chegam perto dos 70% e entre 1561 e 1575 acima dos 90% (95,7 % em 1571-1575, embora neste caso se incluam nas armadas de regresso algumas naus feitas na Índia. Não esqueçamos, contudo, que o reverso desta taxa (que seríamos atraídos a designar erradamente como taxa de insucesso) inclui não apenas as arribadas e perdas mas igualmente as naus que permaneceram no Índico. No século XVII, embora os dados disponíveis sejam lacunares e nem sempre fiáveis, a taxa de sucesso é bem menor, apenas 35,5% entre 1601 e 1650. A partir de então, e até às últimas décadas do século XVIII, é muito difícil obter dados completos sobre as tornaviagens, embora seja possível verificar um aumento do sucesso das viagens realizadas. Esta melhoria explica-se, em certa medida, pela própria situação de decadência da carreira portuguesa, reduzida ao envio de 2 a 3 navios por ano para o Oriente.

As Perdas da Carreira da Índia


Os desastres marítimos da Carreira são, como se referiu atrás, um tema merecedor de análise particular, em virtude da sua importância para o estudo da história marítima portuguesa, para um melhor conhecimento da relação estabelecida entre Portugal e o Índico e, não o esqueçamos, para uma aferição da posição político-militar portuguesa no contexto europeu. Uma abordagem deste tipo foi ensaiada recentemente, embora continuem ainda muitas questões em aberto. Aqui irá proceder-se apenas a uma síntese dos resultados obtidos nessa tentativa de periodização, geografia e tipologia das perdas da Carreira da Índia. Até 1550, a maior parte das perdas acontece na viagem de ida (61,3%), enquanto no período seguinte a tendência é completamente invertida, passando mais de 70% dos navios a desaparecer durante a tornaviagem. A explicação para tão forte oposição encontra-se naturalmente na conjuntura vivida em cada um dos períodos. O primeiro é marcado pela fase de exploração da nova rota e pelas perdas, em muitos casos, provocadas pelo desconhecimento de muitos dos seus perigos, quando se analisam as causas destas perdas vemos que muitas resultam de tempestades ou do puro e simples desaparecimento dos navios, sem deixarem rasto. Mais tarde, as perdas no regresso resultam, numa primeira fase, do excesso de carga das naus e, em seguida, do crescimento dos ataques inimigos às embarcações carregadas de produtos do Oriente. Se tratarmos com maior detalhe as causas das perdas podemos tentar estabelecer uma tipologia para melhor arrumação dos diversos casos registados: existem naufrágios causados por tempestade, erro de navegação, acção inimiga de corso ou pirataria, mau estado de conservação das embarcações, acidentes vários (incêndio, por exemplo) ou factores desconhecidos. Em alguns casos, mesmo esta tipologia pode ser redutora, tornando-se necessário articular diversas causas para uma mesma perda, um navio com excesso de carga era mais vulnerável a ataques inimigos, assim como o mau estado de conservação podia ser agravado por uma tempestade, etc. (má navegação, tempestades, mau estado dos navios, sobrecarga, ataque inimigo, incêndio, desconhecida).


Infelizmente, atendendo a que não deixaram sobreviventes ou outros elementos que nos permitam conhecer o que se passou, parte importante dos naufrágios registados no século XVI (mais de 40%) ficou a dever-se a causa desconhecida ou não existem elementos seguros para a sua caracterização. Nos restantes casos, a má navegação é a causa mais citada, seguindo-se as tempestades e, por ordem decrescente, o mau estado das naus, o seu excessivo carregamento, os incêndios na barra ou em viagem e, apenas em último lugar, os ataques inimigos. Existem, no entanto, linhas de evolução interessantes: o número de casos desconhecidos é inferior a 30% na segunda metade do século (52,5% até então), subindo o peso conjunto do mau estado e excesso de carga das naus e dos ataques inimigos (mais de 40%  a  partir de  1551  contra  pouco  mais de 6%  no  período  anterior), enquanto descem os valores combinados da má navegação e tempestades (de 35% para 25%). No caso das perdas por excesso de carga ou mau estado da nau é possível apontar o momento em que isso se passou a verificar com uma frequência inusitada: entre 1581 e 1595 são 19 os navios cujo desaparecimento se atribui a esses factores, sempre durante a tornaviagem. Antes dessa data, apenas alguns casos tinham ocorrido, também concentrados nos primeiros anos da década de 1550. As perdas por acção inimiga, por seu lado, mostram-se muito esporádicas até 1587, data em que Francis Drake toma a nau S. Filipe junto aos Açores, abrindo um ciclo em que os ataques inimigos levam, directa ou indirectamente, à perda de mais uma meia dezena de embarcações. O maior número de perdas verificava-se na zona que ia desde o Atlântico Sul, nas proximidades do Cabo, até ao fim da travessia do canal de Moçambique (52 perdas no total de 145 casos, o que equivale a perto de 40%). Seguiam-se o litoral da Índia (18 casos), o oceano Índico (13 perdas) e a costa oriental africana, a norte do canal de Moçambique (11). As perdas em local desconhecido elevam-se acima dos 13% (19 ocorrências). Mas, também aqui, a distribuição foi evoluindo à medida que o século foi avançando: as perdas do Atlântico Sul até à costa oriental  africana desceram dos 60%, no seu conjunto, para pouco mais de 30%, enquanto aumentaram as perdas na região dos Açores (de 1,3% para 12,3%) ou em local desconhecido (de 8,8% para 18,5%). As restantes zonas registaram variações bem menores. Se cruzarmos os dados da localização da perdas com os relativos à fase da viagem e às causas verificamos que na primeira metade do século existem mais perdas no trajecto de ida, desde o Cabo da Boa Esperança até à costa da península indostânica, sendo a maior na sequência de causas desconhecidas, de má navegação ou de tempestades. Na segunda metade do século XVI, as perdas acontecem mais durante a tornaviagem, ainda no Índico e canal de Moçambique, mas cada vez mais na região dos Açores ou em local desconhecido, presumivelmente no Atlântico, devido a excesso de carga, mau estado das embarcações, tempestade ou ataque inimigo. Em qualquer dos casos, as perdas são sempre mais frequentes nas fases terminais de ambos os trajectos, à ida, na região do Cabo ou no Índico, à volta, cada vez mais nas proximidades da costa portuguesa.

Uma Proposta de Periodização

O estabelecimento de uma relação de tipo causal entre a evolução da Carreira da Índia e as conjunturas históricas do império português, em geral, ou do Estado da Índia, em particular, é algo que levanta diversos problemas metodológicos e conceptuais. Em primeiro lugar, é difícil estabelecer um sentido dominante a qualquer causalidade, em virtude da reciprocidade de influências entre a saúde financeira da metrópole imperial, a eficácia militar e económica da Índia portuguesa e a vitalidade do movimento  de naus pela rota do Cabo. Mas, para além desta questão, levanta-se outra, tão ou mais problemática: que periodização podemos aceitar para a história do Estado da Índia no século XVI? Onde estão os seus períodos de expansão, contracção ou estabilização, para além das evidências regularmente repetidas? Com efeito, para além da aceitação do período áureo inicial de instalação dos portugueses no Índico (até à morte de Afonso de Albuquerque em 1515, quando o Estado da Índia já ganhou a sua estrutura fundamental) de que leituras globais dispomos? Nas perspectivas mais pessimistas, tudo o mais é um longo declínio. Ashin das Gupta, partindo do estudo dos fluxos comerciais de especiarias para o Ocidente, aponta a década de 1530 como o momento que marca o fim do maior impacto português no Oriente. Outros, menos severos, suavizam esta datação. Chaudhuri concorda que entre 1500 e 1515 se dão os maiores feitos dos portugueses, mas atribui ao período seguinte (1515-1560) o apogeu do Estado da Índia. Após 1560 detecta dois desenvolvimentos paralelos, por um lado, a perda das pretensões quanto ao monopólio do trato das especiarias para a Europa; por outro, o prolongamento da rede comercial portuguesa para o Estremo Oriente, até à China e o Japão. Contra os que encontram na segunda metade do século XVI os sinais evidentes da decadência portuguesa, James Boyajian contrapõe que foi esse o momento de maior vitalidade do comércio privado dos portugueses no Oriente, enquanto Luis Filipe Thomaz desdramatiza igualmente qualquer situação de maior crise, afirmando que, de 1515 a 1622, "conquanto não haja mais conquistas espectaculares, a malha de posições portuguesas adensa-se, as mais das vezes mediante acordos com os potentados locais". Uma outra periodização, mais compartimentada, é proposta por Sanjay Subrahmanyam. A criação das bases fundamentais do império português no Oriente ter-se-á desenrolado até 1540, em dois momentos: até 1525 ficaram definidos os modelos de instalação a oeste e leste do Cabo. Comorim, enquanto só de 1525 a 1540 o sistema entrou em funcionamento regular. Entre 1540 e 1570, viver-se-ia um ciclo recessivo, em virtude do aparente esgotamento das possibilidades de expansão do Estado da Índia, após a longa governação de Dom Nuno da Cunha e perante o ressurgimento da rota levantina das especiarias. O período posterior a 1570, apesar da existência de reorientações e novas linhas de expansão para os portugueses, anunciaria e prepararia o declínio dos portugueses no Oriente, consumado no século XVII. Se tentarmos conciliar as várias leituras em presença, podemos delimitar três momentos principais na história da presença portuguesa no Oriente, durante o século XVI, até 1515, de rápida expansão, de 1515 a 1560, de oscilações conjunturais de crescimento e contracção, com o alargamento da rede comercial para Oriente e a gestão possível, em proveito próprio, de diversos conflitos locais, finalmente, de 1560 em diante, de estabilização territorial e em que, perante a impossibilidade de se monopolizar o comércio das especiarias para a Europa, se aprofunda o relacionamento com o Extremo Oriente e se desenvolve o tráfico inter-regional, estendendo-se o Estado da Índia até Macau e Nagasaki. O século XVII é marcado pelo gradual declínio do poder português no Índico, acelerado após a perda simbólica de Ormuz em 1622. Como se pode articular este esboço de periodização com a evolução do movimento da Carreira da Índia e que relações se poderão estabelecer entre ambos os fenómenos? Em alguns momentos, a história da Carreira parece conter dados que antecipam e anunciam determinadas fases da história do Estado da Índia. Em outros, a influência é menos evidente e a causalidade parece recíproca. Nos primeiros anos do século XVI, o vigor do ritmo de partidas da Carreira indicia a expansão das possessões portuguesas no Oriente, visto serem as armadas saídas de Portugal a fonte do poderio naval português na região. Após 1510, as partidas de Lisboa decrescem, antecipando a estabilização territorial do Estado da Índia, embora respondendo conjunturalmente às situações de maior crise militar. Entre 1510 e 1555, o movimento das armadas pela rota do Cabo sofre flutuações directamente resultantes das solicitações provenientes de Goa, como no caso dos cercos de Diu. O envio de várias embarcações fora de época com correio e avisos vários, relacionados com as notícias conhecidas no Mediterrâneo sobre a preparação de armadas muçulmanas, é outro sinal da preocupação da Coroa em ter um contacto mais frequente com os seus domínios orientais. A partir de meados do século verifica-se um movimento paralelo de acalmia, quer da situação militar e territorial do Estado da Índia, quer do movimento da Carreira. Ao mesmo tempo, a Coroa parece querer redireccionar as suas prioridades expansionistas e procura criar um quadro legislativo para as naus da Índia, que evite alguns excessos anteriores e assegure o seu funcionamento regular (caso do regimento de 1570). O número de partidas mantém-se relativamente estável e nas décadas de 1560 e 1570 o nível de regressos a salvamento sobe bastante. São poucas as naus que permanecem no Índico e as perdas são pouco numerosas. É apenas com a União Ibérica, em particular depois de 1586, que se verifica uma importante inversão na evolução  de diversas variáveis do movimento da Carreira da Índia. No Atlântico faz-se sentir com mais intensidade a concorrência marítima, comercial e militar, das potências do noroeste europeu. O corso e pirataria aumentam significativamente, em especial por parte de navios ingleses na zona dos Açores. O envolvimento de Portugal nas disputas dos Habsburgos pela hegemonia na Europa, têm, a curto prazo, custos evidentes para os interesses marítimos e comerciais portugueses. Em 1595-1596, a situação da Carreira apresenta-se com um futuro sombrio e incerto. Das 24 naus das armadas de 1591 a 1595, 13 perdem-se por diversas razões, podendo acrescentar-se ainda mais duas fabricadas na Índia (a Chagas e a Madre de Deus). Ingleses e holandeses preparam-se para dobrar o Cabo em direcção ao Índico. O monopólio português da rota do Cabo está prestes a terminar. Na primeira década de Seiscentos ensaia-se um ressurgimento da Carreira, com a preparação de 84 navios, mas esse é um esforço infrutífero, visto que mais de 25% arriba ao Reino pouco depois da partida ou não chega mesmo a sair da barra, como é o caso da armada de 1605. Para além disso, as perdas são muito elevadas, sendo disso exemplo aquela que se pode considerar a última grande armada da Carreira, ou seja, a de 1608, com 14 velas sob o comando do Vice-rei Dom João Forjaz Pereira. Para além de rês arribadas, perdem-se outras seis naus à ida, pelo que apenas cinco atingem o litoral da Índia. Dessas perdem-se mais duas no Índico, apenas regressando  uma a salvamento a Lisboa. Das outras 5 naus saídas em Outubro do mesmo ano para o Índico, 4 permaneceram lá, apenas regressando uma. Em 1621 volta a ser preparada uma armada de razoáveis dimensões, com 10 velas, mas tem um destino ainda menos glorioso, visto que 9 são obrigadas a regressar a Lisboa, apenas seguindo viagem a S. João Baptista de Luís de Moura Rolim que, contudo, se vem a perder no regresso, na sequência de um combate com navios holandeses. Finalmente, em 1629, sai de Lisboa nova armada de dez velas, das quais sete conseguem chegar à Índia, onde permanecem quatro, regressando três, das quais duas com sucesso. A partir de então, a Carreira da Índia entra em perfeita situação de decadência e estagnação. Entre 1636 e 1645 o número de perdas diminui e os retornos voltam a ultrapassar ligeiramente os 50%, mas essa é apenas uma pausa antes de entre 1646 e 1650 ser dado o último golpe: 8 perdas em 20 naus partidas e apenas 4 regressos confirmados ficam a marcar o fim da Carreira da Índia como concorrente minimamente credível à navegação das companhias inglesa e holandesa entre a Europa e o Oriente. A partir de 1650, os portugueses têm um papel periférico e irrelevante na navegação pela rota do Cabo, apesar das opiniões que procuram realçar os seus sucessos relativos nas últimas décadas de Seiscentos. Os números disponíveis são lacunares, mas a simples análise do ritmo das partidas até meados do século XVIII não alimenta grandes equívocos, a rota do Cabo deixara de ser uma rota portuguesa.

Movimento da Carreira da Índia
(1651-1770)

Anos       Partidas de Lisboa

1651-1660                 31
1661-1670                 21
1671-1680                 26
1681-1690                 19
1691-1700                 24
1701-1710                 23
1711-1720                 26
1721-1730                 21
1731-1740                 29
1741-1750                 33
1751-1760                 23
1761-1770                 15

A partir de meados do século XVIII, as fontes para o estudo do movimento marítimo português baseiam-se fundamentalmente nos diversos tipos de registos oficiais sobre a entrada e saída de navios nos portos portugueses e, em particular no de Lisboa. Estes dados encontram-se compilados na imprensa da época (Gazeta de Lisboa, por exemplo) ou podem ser colhidos nos próprios  documentos  oficiais. Um dos núcleos disponíveis e mais completos é o dos Livros do Marco dos Navios do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, onde se encontram registados todos os navios em trânsito pelo porto de Lisboa nas últimas décadas do século XVIII. É a partir destes registos que é possível identificar uma certa retoma do comércio português com o Oriente. Entre 1778 e 1810 entram no Tejo 204 navios provenientes de portos da Ásia, quase todos eles de grande tonelagem. Entre 1781 e 1790, chegam a Lisboa 129 embarcações, o que eleva o ritmo anual de chegadas a um valor desconhecido desde o início de Quinhentos. O ano de maior movimento é 1784, quando chegam 19 embarcações (10 de portos da Índia, 8 de Macau e 1 da Batávia). Estes números são confirmados pela imprensa da época (caso dos Almanaques publicados no início de cada ano civil), embora os registos  do  porto  de Lisboa só os permitam confirmar parcialmente, por se encontrarem incompletos. No fim de tudo, como podemos nós encarar e sistematizar os dados que nos restam sobre a evolução do trânsito de naus portuguesas pela rota do Cabo e com base em que fundamentos deveremos nós desenvolver a nossa leitura dos indicadores disponíveis? Será aconselhável fundamentá-la apenas sob uma perspectiva quantitativa, baseada nos fluxos de embarcações entre Lisboa e o Índico, o que aponta para um constante declínio após 1510, apenas travado conjunturalmente? Ou será mais adequado encará-la do ponto de vista da rendibilidade, comparando os recursos investidos com o retorno alcançado? E, ao longo deste processo, de que forma podemos introduzir na nossa apreciação outras variáveis como a concorrência externa e o seu contributo para o declínio da Carreira? A posição tradicional, que de alguma forma se manteve dominante até meados do nosso século, encarou as primeiras décadas da rota do Cabo como um período heróico da nossa história, em que as naus da cruz de Cristo singravam os oceanos como suas absolutas dominadoras, enfrentando corajosamente os obstáculos naturais com bravura e engenho, então inigualados por qualquer outro povo. O declínio seria um fenómeno que se desenrolaria de forma algo articulada com os próprios problemas políticos nacionais, relacionados muito em particular com a questão da sucessão de Dom João III e Dom Sebastião. Os primeiros grandes naufrágios, com maior impacto público, de que nos chegaram os relatos, datam dos últimos anos do reinado de Dom João III, quando já se adivinham problemas de sucessão. A decadência definitiva surgiria depois, com a União Ibérica, responsável primeira pelas dificuldades enfrentadas por Portugal no final de Quinhentos e primeira metade da centúria seguinte. A leitura que assim se faz é fundamentalmente política e explica a decadência do monopólio português da rota do Cabo e o crescendo de desastres com a conjuntura política desfavorável para Portugal que se estende entre as últimas décadas do século XVI e a Restauração. Leituras mais modernas da evolução da rota portuguesa do Cabo preferiram enveredar por um leitura mais global da sua ascensão e declínio, mesmo quando a cronologia proposta não difere muito da anterior. A oscilação dos ritmos de navios em trânsito entre a metrópole e o Estado da Índia é integrada numa abordagem conjunta dos fluxos comerciais entre a Europa e o Oriente e na evolução das conjunturas económicas internacionais. Em termos internos, passaram a privilegiar-se igualmente os aspectos socio-demográficos e económico-financeiros para explicar o aparente esgotamento da rota do Cabo na viragem do século XVI para o XVII. Se a datação do declínio da vitalidade da rota do Cabo não difere substancialmente da anterior, a sua fundamentação é diferente. Os momentos decisivos não têm uma explicação prioritariamente política e integram-se em processos de longa duração que lhes dão sentido. Desta forma, a União Ibérica não é encarada como um factor, por si só, determinante para o declínio da rota do Cabo, apenas se inscrevendo numa tendência de baixa que se poderia rastrear até um momento mais ou menos longínquo na primeira metade do século, porventura nas décadas de 1530 ou 1540. Neste caso surge uma desvalorização da conjuntura política de 1580-1581, que seria apenas um elo numa cadeia mais vasta de acontecimentos que explicariam a estagnação e declínio da Carreira, não tendo um papel particularmente catalisador em todo o processo. Seria apenas uma perturbação do tempo curto da história que só integrada numa tendência longa, de natureza económica, ganharia o seu verdadeiro significado. Em certa medida, entre outros factores, poderia inclusivamente ser a situação de estagnação dos rendimentos imperiais portugueses a explicar muitas das opções políticas tomadas nesse período e a fazer pender a balança, em muitos espíritos, para a união com Castela. Mas o que nos dizem os dados efectivamente disponíveis? De que maneira podem confirmar, ou não, alguma das perspectivas em confronto ou a cronologia tradicionalmente proposta para o declínio da rota do Cabo e a dramatização dos efeitos das perdas? Em primeiro lugar que a delimitação do período áureo da Carreira da Índia pode ser encontrada a partir de dois caminhos diferentes, conforme adoptemos um critério meramente quantitativo ou outro mais preocupado com os níveis de aproveitamento atingidos em relação ao investimento feito. Se formos pelo primeiro caminho, a história da Carreira da Índia é um longo processo de decadência, apenas conjunturalmente mais ou menos (des) acelerado. Neste caso, a partir da primeira década de Quinhentos o movimento de partidas e retornos de «naus da Índia», em números absolutos, decresce de maneira rápida e dá início a uma longa tendência de baixa, que apenas estaciona entre 1560 e 1580. Se optarmos pela segunda via, já se torna mais complexa qualquer tentativa de datação de uma hipotética "época de ouro" da Carreira. Seguindo este método alternativo são as décadas de 1560 e 1570 que apresentam os melhores níveis de aproveitamento dos investimentos feitos, visto que é nesse período que o peso das viagens interrompidas (arribadas e perdas) é menor e se eleva o dos retornos a valores nunca alcançados até então e que não voltariam a ser igualados até às últimas décadas do século XVIII.



Sintetizando todos estes elementos e articulando as diferentes perspectivas, podemos esboçar, em termos de síntese, as seguintes tendências dominantes:

Até 1510, um período de grande vitalidade da Carreira, com um elevado número de embarcações em trânsito, destinadas a consolidar a presença militar portuguesa no Índico e o seu domínio sobre o trato das especiarias. As perdas são elevadas em números absolutos, mas estão associadas ao período áureo das conquistas e formação do Estado da Índia, assim como a uma fase exploratória da própria rota do Cabo.

Entre 1510 e 1555, vive-se uma sucessão de oscilações de curta duração, provocadas pelo cruzamento de um desejo de estabilização do tráfego comercial de naus pela rota do Cabo e o imperativo de responder às necessidades militares conjunturais do Estado da Índia, quando este se vê perante situações de excepção. Por um lado, existe a tendência para fixar o número de partidas anuais numa média estável ditada pelos interesses comerciais mas, por outro, é necessário enviar reforços militares para o Índico.

A partir de 1555 e até cerca de 1585, atinge-se um certo estado de estabilização da Carreira da Índia, com poucas oscilações no número de partidas e um alto nível de aproveitamento das viagens. Apesar do renascimento da rota do Levante, este parece ser o período de maturidade da Carreira.

Após 1585 e, em termos  gerais,  até 1635  assiste-se  ao  assalto holandês e inglês ao monopólio português da rota do Cabo, que conduz à irremediável decadência da Carreira da Índia que, a partir de cerca de 1620, se mostra já perfeitamente incapaz de se opor com sucesso à concorrência.

Entre 1635 e meados do século XVIII, a Carreira da Índia é apenas um pálido reflexo da sua história e tem um papel meramente simbólico na navegação europeia pela rota do Cabo, mesmo se consegue estabilizar e reorganizar-se parcialmente nas últimas décadas do século XVII, fundamentalmente com base no comércio de produtos do Extremo Oriente e o recurso a escalas intermédias no Brasil, para completar a sua carga.

Nas últimas décadas do século XVIII, a rota do Cabo reanima-se subitamente. O ritmo de embarcações em trânsito entre Portugal e a Ásia multiplica-se, distribuindo-se este comércio pelos portos da Índia e do Extremo Oriente. Em suma, de acordo com a nossa leitura, a Carreira da Índia nunca vive um momento que se possa considerar de ascensão e verdadeiro apogeu; o zénite do seu movimento coincide com a sua primeira década de vida e a partir de então vai vivendo conjunturas mais ou menos favoráveis, com melhor (1560-1585) ou pior (1550-1555) aproveitamento dos recursos disponíveis, antes de iniciar um processo de declínio irreversível que tem um momento decisivo de viragem entre 1585 e 1595, quando a concorrência externa se afirma por uma via agressiva e, a muito breve prazo, demolidora e eficaz. Apesar dos esforços desenvolvidos para recuperar posições entre 1600 e 1610, essa vai ser uma tentativa, a curto, médio e longo prazo, votada ao fracasso.


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