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sábado, dezembro 20, 2014

Batalhas Navais-Índico-1507 I

Dabul
(Inverno de 1507)


Na guerra, especialmente na guerra naval, acontece, por vezes, ganharem-se ou perderem-se batalhas sem se chegar a combater. É um desses casos que passamos a relatar. Após o começo da «monção» de 1506, o Sabaio de Goa tinha posto cerco á fortaleza de Angediva durante quatro dias. Conseguiram os portugueses repelir todos os assaltos, mas não poderam evitar que fossem queimadas três naus da armada de Pêro de Anaia (que havia largado de Lisboa depois da armada de D. Francisco de Almeida) que ali estavam invernando provavelmente varadas na praia, bem como o bergantim, ao serviço da fortaleza. Sabedor disto D. Francisco de Almeida pôs em conselho a questão se seria ou não de continuar a manter a fortaleza de Angediva. A opinião geral foi que não, uma vez que só dava despesa e não sevia praticamente para nada, a partir do momento em que a amizade do rei de Cochim, permitira ao vice-rei estabelecer-se com toda a segurança nesta cidade. D. Francisco de Almeida ordenou então a seu filho que fosse com a sua armada a Angiva e desmantelasse a fortaleza e que ao mesmo tempo desse proteção a algumas naus de Cochim que iam para Chaul. Assim fez D. Lourenço de Almeida aproveitando também para, durante a viagem, ir dando caça às «naus de Meca» e de Calicut que encontrava pelo caminho. Concluído o desmantelamento da fortaleza de Angediva continou para norte com as naus de Cochim que levava à sua guarda. Certo dia, ao fim da tarde, estando a armada de D. Lourenço de Almeida, fundeada perto de Dabul, vieram ter com ele uns «mouros» que lhe disseram que estando dentro do porto daquela cidade muitas naus de Cochim e de Cananor, tinha ali aparecido uma armada de Calicut, ricamente carregadas, cujo capitão se preparava para as tomar. Por isso lhe pediram encarecidamente que fosse destruir a armada de Calicut, pois que, de outro modo, as naus de Cochim e de Cananor estavam perdidas. D. Lourenço de Almeida decidiu logo ir dar combate às naus do Samorim, mas não o quis fazer sem ouvir primeiro, a opinião do conselho de capitães, conforme estipulava o regimento que seu pai lhe dera.


E na manhã seguinte, reuniu o referido conselho. Regra geral, as opiniões dos conselhos inclinam-se mais para a prudência do que para a ousadia. Foi o que aconteceu neste caso. Seis dos dez capitães foram de opinião contrária à de D. Lourenço de Almeida, argumentando que Dabul era uma cidade muito forte, que não conheciam a barra, que era imprudente travar batalha no interior de um rio, donde não seria fácil sair se alguma coisa correse mal, que o pedido de auxìlio podia não passar de um embuste, que a missão de que estavam incumbidos era de dar proteção às naus que iam em sua companhia e não às que estavam em Dabul, etc. Colocado numa posição difícil devido à sua pouca idade e ao teor do regimento que seu pai lhe dera, D. Lourenço de Almeida resignou-se a seguir a opinião da maioria exigindo, no entanto, que todos os capitães dessem os seus votos por escrito. Diga-se, de passagem que a decisão de não combater foi muito mal recebida pelos fidalgos e pelos soldados e marinheirs que, além de sentirem o que isso representava um desprestígio para os Portugueses, viam perder-se a oportunidade de um vultuoso saque. Partida a armada, aconteceu o inevitável. As naus de Cochim e de Cananor foram saqueadas e incendiadas e a maioria dos seus tripulantes morta. Em seguida, a armada do Samorim fez-se ao mar, triunfante, a caminho de Calicut. E iam os Malabares tão satisfeitos com esta vitória que à passagem pela nossa fortaleza de Cananor ainda lhe foram atirar umas bombardadas em jeito de escárnio!


Quando se soube em Cochim do que acontecera em Dabul a população começou a chorar em altos gritos os parentes e amigos mortos e os bens perdidos, ao mesmo que o rei se lamentava junto de D. Francisco de Almeida. Este estava perplexo, não entendendo como fora possível seu filho ter tido um procedimento tão cobarde. Entretanto D. Lourenço de Almeida, depois de as naus que levava à sua guarda terem completado a carga em Chaul, voltou a Dabul, na esperança de que a armada de Calicut ainda ali se encontrasse. Mas, aí chegado, nada mais pôde fazer do que constatar que a tragédia se consumara. Cabisbaixo, regresou a Cochim, onde chegou em fins de Abril, para ouvir as mais severas recriminações de seu pai. D. Francisco de Almeida mandou imediatamente julgar seu filho e todos os capitães e, em consequência desse julgamento, os capitães que haviam dado o voto de não combater foram destituídos dos seus cargos, presos e, mais tarde, enviados para Portugal. Na realidade, grande parte das culpas por toda esta ocorrência cabia ao própria vice-rei, pela deficiente estrutura de comando que criara. Querendo que seu filho fosse capitão-mor da armada da Índia mas não querendo ferir as susceptibilidades dos capitães mais velhos e experientes, tinha pelo regimento que dera àquele, transformado o conselho dos capitães de um órgão consultivo num órgão deliberativo, colocando o capitão-mor numa posição de mero executivo. Agora, no seu íntimo acusava o filho de não ter tido a ousadia de passar por cima das opiniões do conselho e do próprio regimento que lhe dera! Mas não ficaram por aqui os aborrecimentos e as preocupações do vice-rei. Depois de acabada a «monção» de 1506, não chegara à Índia uma única nau portuguesa, o que estava causando grande agitação, entre os comerciantes «mouros» de Cochim e de Cananor que temendo não poder dar saída à pimenta que tinham em armazém, se começavam a lamentar de não poderem vender ao Samorim de Calicut como nos tempos antigos. A razão de não ter chegado nenhuma nau à Índia, nesse ano foi que a armada de Tristão da Cunha, composta por quinze navios, que largara de Lisboa a 6 de Março de 1506, gastara tanto tempo na viagem até Moçanbique, onde só conseguira chegar em Dezembro, que se viu forçada a invernar na costa oriental da África. O abandono da fortaleza de Angediva, o facto de D. Lourenço de Almeida de não ter dado combate à armada de Calicut em Dabul e o facto de nesse ano não terem chegado naus da carreira da Índia, em conjunto, abalaram consideravelmente o prestígio dos Portugueses em toda a costa do Malabar.


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