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domingo, dezembro 07, 2014

Batalhas Navais-Índico-1526

Bintão
(Novembro de 1526)



Logo que recebeu a notícia de que fora designado para governador da Índia por motivo do falecimento de Dom Henrique de Meneses, Pêro Mascarenhas, que era então capitão-Mor de Malaca, apressou-se a regressar a Cochim. Porém, não sendo ainda a época própria para fazer a viagem, apanhou um temporal tão violento que ficou com a nau desarvorada e foi obrigado a voltar a Malaca. Diz o Povo que "há males que vêm por bens". E foi o que aconteceu neste caso! Pouco tempo antes, tinha chegado a Malaca a armada do Capitão-Mor Francisco de Sá que ia fazer uma fortaleza em Sunda e que estava aguardando a época própria para seguir para aquela região. Por isso, havia na cidade cerca de novecentos portugueses, o que era muito raro acontecer. Essa circunstância, aliada ao facto de não poder ir para a Índia antes do fim de Dezembro, fez nascer no espírito de Pêro Mascarenhas a ideia de ir destruir a cidade de Bintão e, de uma vez por todas, pôr termo a uma guerra que oprimia Malaca havia quinze anos. Tendo em mente o que acontecera a Dom Jorge de Albuquerque em 1521, começou a preparar minuciosamente a expedição, fazendo constar que se destinava à construção de uma fortaleza no estreito de Sunda (que fica entre Samatra e Java) e que era efectivamente a missão de que estava incumbida a armada de Francisco de Sá. E, a 23 de Outubro de 1526, largou de Malaca com uma armada que, pelas nossas contas, devia ser constituída por um galeão, uma nau, duas caravelas, duas navetas (naus pequenas), uma galé, duas galeotas, cinco fustas e dois batéis artilhados com "camelos" e protegidos com paveses e mantas. Nestes navios iriam embarcados perto de seiscentos portugueses, além de numerosos escravos e marinheiros malaios. Havia ainda mais quatro lancharas e cinco calaluzes, guarnecidos com quatrocentos malaios de Malaca, que acompanhavam a armada sob o comando de Tuão Mafamede, bendará da cidade. Chegado a Bintão, Pêro Mascarenhas fundeou à entrada do canal que dava acesso à cidade e mandou imediatamente os catures efectuar um reconhecimento minucioso das posições inimigas. A principal defesa da ilha de Bintão era o facto de se encontrar quase completamente rodeada por grandes extensões de lodo que tornavam o acesso à cidade praticamente impossível, salvo por intermédio de um estreito e tortuoso canal. Nele tinha o Rei de Bintão mandado construir numerosas estacadas que impediam a passagem de naus e de galés e obrigavam os navios de remo mais pequenos a andar às voltas. Numa ilhota existente à entrada do canal e numa ponta um pouco adiante, bem como no extremo ocidental da ilha, havia tranqueiras artilhadas, sobranceiras ao canal. A cidade propriamente dita estava rodeada por um fosso inçado de estacas envenenadas, por detrás do qual se erguia uma alta paliçada coroada por numerosas bombardas. Do outro lado do canal havia uma alta ponte fortificada. Finalmente, no centro da cidade, num pequeno outeiro, ficavam as casas do Rei, metidas dentro de uma outra cerca com muita artilharia. Todas estas obras defensivas estavam guarnecidas com cerca de trinta mil homens. Varadas junto da cidade, havia ainda vinte lancharas, sobreviventes da batalha de Linga. No seu conjunto, as defesas de Bintão pareciam inexpugnáveis. Para chegar à cidade, podiam os portugueses escolher entre duas linhas de acção. Uma delas consistia em deixar os navios grandes à entrada do canal e tentar o assalto só com os navios de remo mais pequenos, como fizera Jorge de Albuquerque em 1521; a outra consistia em arrancar as estacas e levar os navios grandes até junto da cidade para poder contar com o apoio da sua artilharia no assalto final. Dada a força do inimigo e o facto de ele se encontrar prevenido e devidamente preparado, Pêro Mascarenhas optou por esta segunda linha de acção, que, embora muito mais lenta e trabalhosa, era indubitavelmente mais segura.



Na manhã seguinte ao dia da chegada, quase no fim da enchente, o galeão e a nau, acompanhados dos dois batéis, aproximaram-se da ilhota situada à entrada do canal, onde o inimigo tinha construído uma tranqueira artilhada, e começaram a bombardeá-la com os "camelos", isto é, com os canhões de maior calibre, dos quais o galeão e a nau dispunham de seis e cada batel de um. Responderam os da tranqueira com "berços" e "falcões", peças de pequeno e médio calibre, prolongando-se o duelo de artilharia por cerca de uma hora. Mas os tiros dos "mouros" pouco efeito faziam nos nossos navios porque os batéis estavam protegidos pelas mantas e paveses e o galeão e a nau por arrombadas feitas com cabos grossos (uma espécie de grandes coxins) que levavam penduradas à borda e que eram mais do que suficientes para absorver o impacto dos pequenos pelouros lançados pelos "berços" e pelos "falcões". Pelo contrário, os pesados pelouros disparados pelos nossos "camelos" eram uma espécie de furacão de ferro que fustigava impiedosamente a tranqueira. Quebradas as paliçadas que sustentavam os parapeitos de terra, começou aquela a desfazer-se, ao mesmo tempo que as bombardas que nela se encontravam instaladas principiavam a voar pelo ar, acompanhadas pelos braços, pelas pernas e pelos corpos dos seus ocupantes. Não podendo suportar por mais tempo o fogo terrível dos navios portugueses, a guarnição da tranqueira fugiu a nado para a que se encontrava um pouco mais adiante. Imediatamente os nossos batéis abicaram à ilhota e recolheram as vinte bombardas que nela haviam. Eliminada assim a primeira tranqueira, passaram o galeão, a nau e os batéis à tranqueira seguinte dispostos a aplicar-lhe a mesma receita. Mas como a maré já estava muito baixa o galeão e a nau encalharam no lodo. Prevendo essa eventualidade, todos os navios de alto bordo levavam escoras que foram imediatamente colocadas para evitar que adornassem. No entanto, a colocação dessas escoras, debaixo do fogo da tranqueira, não se fez sem que alguns homens ficassem feridos. Ao outro dia, com a subida da maré, o galeão e a nau voltaram a flutuar e repetiu-se a cena do dia anterior. Esmagada pelo fogo da nossa artilharia, a segunda tranqueira ficou completamente destruída e teve de ser abandonada pela sua guarnição. Começou então a parte mais árdua da empresa: desfazer as estacadas. As estacas eram feitas de uma madeira muito rija chamada pau-ferro, que não apodrecia dentro de água, e estavam encastradas em grandes pedras com o feitio de mós, profundamente enterradas no lodo. Para levantar as estacas, tinham sido montados no galeão, na nau e em uma das caravelas fortes gavietes (espécie de braços salientes com uma roldana na extremidade). Depois de abraçada uma estaca com um cabo de bitola (grossura) adequada, era este passado ao gaviete e daí ao cabrestante, onde era rondado até a estaca despegar do fundo. Com as mãos agarradas às barras dos cabrestantes e os pés fincados no convés, chusmas de soldados portugueses, escravos e marinheiros malaios, alagados em suor, faziam-nos rodar lentamente, dia após dia, na tarefa interminável de arrancar estacas. Era um trabalho extremamente fatigante e muito demorado, porque só podia ser feito com a maré cheia, dado que era necessário levar os navios à prumada das estacas. Em média, gastava-se cerca de meia hora para arrancar cada uma. E elas eram às centenas! Iam já decorridos dez dias no penoso trabalho de desfazer as estacadas quando foram avistadas, vindas do lado do mar, cerca de trinta lancharas. Tratava-se de uma armada que o Rei de Pão enviara em auxílio do seu aliado de Bintão, ao saber que estava sendo atacado pelos Portugueses, com muitos mantimentos e dois mil homens de reforço. Pêro Mascarenhas mandou imediatamente ao seu encontro as galeotas, as fustas, as lancharas e os calaluzes, que, graças ao seu pequeno calado, podiam passar por cima da zona baixa que fica a oeste da ilha de Bintão. Logo que os nossos navios tiveram o inimigo ao alcance de tiro principiaram a alvejá-lo com a artilharia. De princípio, as lancharas de Pão ainda responderam animosamente. Mas, quando começaram a ser repetidamente atingidas e a sofrer estragos e baixas, desmoralizaram e, invertendo o rumo, puseram-se em fuga, perseguidas pelos navios portugueses. Numa tentativa desesperada para se salvarem, dezoito lancharas foram varar numa ilhota que havia um pouco adiante, fugindo as guarnições para terra. Indo em seu seguimento, os nossos navios tomaram-nas. As restantes, aproveitando o facto de os portugueses estarem entretidos com a captura daquelas, conseguiram escapar-se. Regressando com as presas para junto da armada, foram os pequenos navios de remo recebidos com grandes manifestações de regozijo por parte das guarnições dos navios grandes para quem esta vitória constituiu uma espécie de tónico que as ajudou a suportar com estoicismo o ingrato trabalho de arrancar estacas que, entretanto, ia continuando. Porém, por cada dia que passava a tarefa ia-se tornando mais difícil. À medida que os nossos navios se aproximavam das tranqueiras instaladas no extremo da ilha, o tiro destas tornava-se mais incomodativo. Mas nada os fazia desistir. Como um mastim que já tem a presa filada pelo pescoço e por nada do mundo a larga, continuavam a avançar implacavelmente em direcção à cidade. Agora, de manhã até à noite, era quase continuo o ribombar dos canhões. Açoitadas pela fúria destruidora da nossa artilharia, as tranqueiras iam sendo sucessivamente destruídas, ao mesmo tempo que as estacadas eram arrancadas, uma após outra. Ao fim de mais doze dias de trabalhos de Hércules, tendo sido arrasada a última tranqueira e levantada a última estacada, a nossa armada foi fundear perto da ponte, em frente ao principal baluarte das fortificações que protegiam a cidade! Nessa noite, os "mouros" ainda conseguiram cortar a amarra da caravela que estava mais próximo da ponte mas, antes que ela encalhasse na margem, a sua guarnição conseguiu aguentá-la com um outro ferro talingado (ligado) a uma corrente. Amedrontado com a forma como a campanha estava decorrendo, o Rei de Bintão ordenou a Laqueximena que fizesse uma última surtida para tentar destruir os navios portugueses. Ao outro dia, ainda muito cedo, aproveitando a vazante, as lancharas de Bintão aproximaram-se sorrateiramente da caravela de Fernão Serrão e da galé, que eram os navios mais avançados da nossa armada, e atacaram-nos de surpresa. Tirando partido da sua superioridade numérica e da rapidez com que tudo se passou, os "mouros" conseguiram entrar em ambos os navios, pondo os portugueses que neles se encontravam em sérios apuros. Na galé, empurraram-nos até ao mastro; na caravela, obrigaram-nos a refugiar-se no castelo da popa. Logo que foi dado o alarme, os navios de remo tentaram acudir à caravela e à galé mas levaram muito tempo a fazê-lo por causa da força da corrente. Salvou a situação Pêro Mascarenhas, que, metendo-se numa pequena embarcação com vinte soldados, foi atacar as lancharas que tinham aferrado a galé, lançando-lhes para dentro algumas panelas de pólvora. Com esta ajuda a guarnição da galé recuperou o ânimo e conseguiu expulsar os inimigos que a tinham entrado. Mais algumas panelas de pólvora lançadas no momento exacto e as lancharas que tinham aferrado a caravela foram também obrigadas a afastar-se. Então, Pêro Mascarenhas, com os seus vinte companheiros, entrou nesta e em poucos minutos todos os "mouros" que a tinham invadido estavam estendidos no convés ou tinham saltado para a água! Entretanto, tinham finalmente chegado os dois batéis com os seus temíveis "camelos". Amontoadas na sua frente estavam as vinte lancharas de Laqueximena que, por causa da corrente, tinham muita dificuldade em voltar para trás. Não podiam desejar os nossos bombardeiros melhor alvos. Foi uma autêntica carnificina! Trucidadas pelos pesados pelouros dos "camelos" as guarnições da maior parte das lancharas lançaram-se à água e fugiram a nado para terra, deixando treze nas nossas mãos. As restantes sete voltaram à ribeira de Bintão pejadas de mortos e feridos. Entre estes últimos contava-se o próprio Laqueximena. Durante o combate conseguira fugir para os portugueses um moço malaio natural de Malaca que aconselhou Pêro Mascarenhas a desembarcar na margem norte do canal e a entrar na cidade através da ponte, por ser o lado menos bem defendido. Nessa mesma noite conseguiu também chegar junto dos nossos navios, caminhando pelo lodo e ainda com as grilhetas nos pés, um português cativo que conseguira igualmente fugir e que disse a Pêro Mascarenhas exactamente a mesma coisa que o moço de Malaca. Baseado nestas informações pôde aquele elaborar o plano para o assalto final. Ao outro dia, de manhã, um corpo de cerca de uma centena de portugueses e de trezentos auxiliares malaios desembarcou a oeste do baluarte principal, sob a protecção da artilharia dos navios, e construiu uma tranqueira com pipas cheias de terra, onde foram instalados alguns "berços" e "falcões". Tal movimento fez crer aos «mouros» que o ataque iria ter lugar por aquele lado, levando-os a concentrar a maior parte das suas forças no baluarte fronteiro. Por volta da meia-noite, no mais absoluto silêncio, Pêro Mascarenhas meteu-se nas embarcações miúdas com trezentos portugueses, acompanhados por uma centena de escravos que lhes levavam as espingardas e as lanças, e foi desembarcar no banco de lodo que ficava a norte do canal! Depois, enterrados na vasa, por vezes até à cintura, os portugueses começaram a caminhar penosamente em direcção à costa, na mais completa escuridão, guiando-se apenas pelas sombras dos que iam adiante. Mas ninguém desfalecia, porque à frente de todos ia o próprio governador da Índia, exemplo vivo de coragem e determinação, ladeado pelo português e pelo moço malaio, ex-cativos de Bintão que, melhor ou pior, lhe iam indicando o caminho. A parte mais difícil da travessia foi a faixa de mangal que se estendia junto à terra firme. Mas os portugueses lá se foram infiltrando por entre os ramos e as raízes escorregadias até que começaram a sentir terreno mais consistente debaixo dos pés. Alcançada a terra firme, foi feita uma pausa para que os homens pudessem comer alguma coisa, recuperar as forças e armar-se convenientemente. E, logo que surgiram os primeiros alvores, a coluna retomou a marcha, sempre no mais absoluto silêncio, em direcção ao pequeno baluarte que defendia o topo norte da ponte. Não pensando que alguém pudesse chegar ali por aquele lado, a sua guarnição encontrava-se quase toda a dormir. E se alguns vigias havia, estavam certamente com a atenção fixada no que se passava do lado onde se encontrava fundeada a nossa armada. Subitamente, as panelas de pólvora começaram a estoirar dentro do baluarte, ao mesmo tempo que os portugueses rebentavam as portas e escalavam as paliçadas, surgindo de todos os lados com as lanças e as espadas em riste! Apanhados completamente de surpresa, os «mouros», após uma curta resistência, puseram-se em fuga. Entretanto, logo que avistaram os clarões provocados pelo rebentamento das panelas de pólvora na outra margem, os navios abriram fogo com toda a sua artilharia sobre o baluarte principal, ao mesmo tempo que as tropas que estavam na nossa tranqueira tocavam as trombetas e faziam grande algazarra como se estivessem prestes a lançar-se ao assalto. Toda esta encenação continuou a desviar a atenção do inimigo para aquele lado. É certo que também ele via que alguma coisa se estava passando na outra margem. Mas pensava que se tratava de uma diversão sem importância de maior. Eis senão quando atrás de uma onda de fugitivos avança pela ponte em formação cerrada a coluna do Governador com a bandeira real à frente! Percebendo finalmente o logro em que haviam caído, a maior parte dos capitães que estavam no baluarte principal abandonaram-no e foram fazer frente aos portugueses que estavam desembocando da ponte. Mas, nesse instante, os que estavam na tranqueira arremeteram de rompante contra o baluarte e, aproveitando-se da confusão que ia nele, tomaram-no, começando a atacar pelas costas os que o haviam deixado! Em poucos minutos, as melhores tropas de Bintão, completamente desorientadas pela genial manobra de Pêro Mascarenhas, tresmalharam-se e puseram-se em fuga! Não dando tempo ao inimigo para se recompor, o Governador reuniu todas as suas forças num só corpo e foi acometer o outeiro fortificado, que era o último reduto do Rei de Bintão. Aqui a peleja foi mais áspera. Apesar do ardor com que os nossos combatiam, animados pelo exemplo de Pêro Mascarenhas que deitara fora a adarga (escudo) para ficar com os movimentos mais livres e esgrimia com uma lança, protegido apenas pela armadura, a mole imensa dos defensores ia consumindo, a pouco e pouco, as energias dos atacantes. Desta vez, foram os marinheiros que ajudaram a dominar a situação. Cheirando-lhes que o saque da cidade devia estar para breve, tinham deixado os navios e vindo para terra com as únicas armas que sabiam manejar: as panelas de pólvora! E, metendo-se pelo meio dos combatentes, começaram a lançá-las para cima dos "mouros". Os que ficaram queimados pelas chamas puseram-se em fuga e em breve o movimento de debandada propagou-se a todo o exército, tanto mais que o Rei de Bintão fora o primeiro a dar o exemplo. Ainda não eram dez horas da manhã quando a batalha terminou. O chão ficara juncado de cadáveres dos inimigos. Dos portugueses não morreu nenhum, embora muitos tivessem ficado feridos! Seguiu-se o saque da cidade, que foi muito rendoso, sobretudo porque nas casas do rei estavam acumuladas grandes riquezas. Nunca pensando que os portugueses pudessem chegar até ali, não as tinha mandado levar a tempo para um lugar mais seguro. Do despojo fizeram parte para cima de trezentas bombardas, muitas delas com as armas portuguesas. Pêro Mascarenhas mandou pôr fogo às fortificações, que arderam durante três dias. De igual modo foi queimado o que restava da armada de Laqueximena. Com a ajuda das tropas do Rei de Linga, que chegou poucos dias depois de a batalha ter terminado, com uma armada de dezoito lancharas e calaluzes para auxiliar os portugueses, foram feitas várias incursões ao outro lado do canal para tentar capturar o Rei de Bintão. Mas este conseguiu escapar-se. Por fim, sentindo-se acossado, sem dinheiro e sem gente, resolveu fugir para a península Malaia, onde morreu alguns meses mais tarde. Quando soube da derrota do Rei de Bintão, apresentou-se a Pêro Mascarenhas o antigo senhor da ilha, a quem aquele tirara o reino, pedindo-lhe que o aceitasse como vassalo do rei de Portugal. Concedeu-lhe o Governador o que pretendia, com a condição de não construir fortificações nem ter armada. Quinze dias após a conquista de Bintão e depois de ter despachado a armada de Francisco de Sá para Sunda, Pêro Mascarenhas regressou a Malaca, onde foi festivamente recebido. Pouco depois, tendo deixado por capitão da cidade Jorge Cabral, partiu para a Índia. A conquista de Bintão é um dos feitos mais espectaculares da História Militar Portuguesa, constituindo um exemplo raríssimo daquilo a que se pode chamar a "batalha perfeita". Magistralmente planeada, tanto sob o ponto de vista estratégico como logístico, ela constituiu uma verdadeira obra-prima de execução táctica em que se fica sem saber o que mais admirar: se a coragem e a disciplina dos soldados, se a coragem e o talento do chefe. Em Bintão, Pêro Mascarenhas conseguiu aquilo que todos os generais pretendem e quase nenhum consegue: aniquilar completamente as forças inimigas e alcançar todos os objectivos estratégicos previamente fixados sem perder um único homem! Contudo, a vitória de Bintão pouca atenção mereceu, mesmo aos contemporâneos. Malaca estava tão longe que era como se pertencesse a um outro planeta. Além disso, pouco rendimento dava à coroa portuguesa. As notícias do que se passava no Sueste Asiático levavam cerca de um ano a chegar a Cochim ou a Goa e dois a chegar a Lisboa. Daí que nas Histórias de Portugal raramente seja feita qualquer referência à estrondosa vitória alcançada em Bintão, em 1526. Quanto a Pêro Mascarenhas, o prémio que recebeu pela conquista de Bintão foi... ser atacado à lançada, quando pretendeu desembarcar em Cochim, e ser metido a ferros, quando chegou a Goa! A razão disso conta-se em poucas palavras. Por intrigas de Afonso Mexia, vedor da Fazenda Real e capitão de Cochim, Dom João III, em 1526, mandou para a Índia novas vias de sucessão, para substituir as que Vasco da Gama levara, nas quais, levianamente, alterou a ordem daquelas, pondo Lopo Vaz de Sampaio à frente de Pêro Mascarenhas. A maior parte dos fidalgos era de opinião que havendo Governador não se justificava abrir as novas vias. Mas Afonso Mexia, apoiado por outros fidalgos, entendia que deviam ser abertas por exprimirem a vontade mais recente do Rei. E abriu mesmo a primeira via, na qual era nomeado Lopo Vaz de Sampaio para Governador da Índia na eventualidade do falecimento de Dom Henrique de Meneses. A partir daí foi um nunca acabar de disputas, conflitos e rixas entre os partidários de Lopo Vaz de Sampaio e os de Pêro Mascarenhas. Entretanto, Dom João III, sabedor da morte de Dom Henrique de Meneses e de que Pêro Mascarenhas havia sido nomeado Governador de acordo com as sucessões de Vasco da Gama, quis emendar a mão e mandou a toda a pressa um navio à Índia dando o seu acordo ao que fora feito. Mas, por infelicidade, esse navio naufragou na ilha de São Lourenço. Para tentar pôr cobro às desavenças entre os fidalgos da Índia, resolveram estes submeter o caso a uma comissão de arbitragem. Após um processo nem sempre límpido, a dita comissão julgou a favor de Lopo Vaz de Sampaio, pelo que Pêro Mascarenhas se viu forçado a regressar a Portugal na torna-viagem de 1528. Afinal o Rei, que fora o causador de todo este "imbróglio", acabou por lhe dar razão, obrigando Lopo Vaz de Sampaio a entregar-lhe todos os ordenados que tinha recebido durante o tempo em que desempenhou o cargo de Governador da Índia, aliás, diga-se, com elevado mérito. Para a História, Pêro Mascarenhas ficou como tendo sido 6º governador e Lopo Vaz de Sampaio o 7º, sem contar os dois vice-reis que os haviam precedido. E com toda esta confusão ninguém mais se lembrou da grande vitória alcançada por Pêro Mascarenhas em Bintão, que restituiu Malaca ao seu antigo esplendor e fez com que os Portugueses voltassem a ser temidos e respeitados em todo o Sueste Asiático.

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