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quinta-feira, dezembro 04, 2014

Batalhas Navais-Índico-1547

Batalha do Rio Perlis
(6 de Dezembro de 1547)



A grande armada que os Turcos tinham preparado para voltarem à Índia em 1541 ou 1542 havia sido, destruída, não voltando a ser reconstituída por razões que ainda não foram devidamente esclarecidas. É possível que uma dessas razões tenha sido a política de apaziguamento posta em prática por D. João III. Poderá também ter acontecido que os Turcos tenham optado pela estratégia mais económica de auxiliar os reis da Índia contra nós, a fim de nos ir enfraquecendo, enquanto aguardavam melhor oportunidade para nos destruir. O certo é que em 1547 vamos encontrar no Achém três galeotas turcas com vinte soldados cada uma e mais vinte janízaros de origem grega idos havia pouco do mar Vermelho em duas naus. E, ou por iniciativa própria ou por conselho dos Turcos, o rei do Achém renovou a guerra contra os Portugueses ao mesmo tempo que mudava de estratégia. Até então, tinha por várias vezes tentado apoderar-se de Malaca por meio de assalto ou de cerco. Agora, resolveu construir uma fortaleza a norte dela, basear aí uma armada e cortar-lhe as comunicações com a Índia, Bengala, o Pegú e Tenassarim. Para o efeito, organizou uma poderosa armada constituída pelas três galeotas turcas e por cinquenta e sete fustas e lancharas suas, guarnecidas com cerca de cinco mil homens, entre marinheiros e gente de armas. Desta faziam parte, além dos turcos e janízaros, trezentos orobalões de manilha dourada, que eram os nobres mais valentes do reino do Achém. Para capitão da armada foi escolhido um valido do rei, de nome Bayaya Soora, que era rei de Pedir. As directivas que lhe foram dadas foram que se dirigisse primeiro a Malaca e queimasse todos os navios que estavam no porto e, ao mesmo tempo, fizesse uma demonstração de força diante da cidade para humilhar os Portugueses. A seguir, deveria estabelecer uma base no local que considerasse mais apropriado para cortar as comunicações de Malaca com o Norte. No cumprimento destas directivas, a armada de Bayaya Soora chegou a Malaca a 9 de Outubro de 1547, pelas duas da madrugada. Pensando que os portugueses estariam a dormir, os janízaros e os turcos insistiram com aquele para que autorizasse um ataque à cidade, de surpresa. Apesar de isso ser contrário ao plano da campanha, Bayaya Soora acedeu. Enquanto uma parte da armada ia lançar a sua gente silenciosamente em terra, a outra parte dirigia-se para junto da ilha das Naus, onde estavam fundeados vários navios. Mas os portugueses não dormiam! Apesar da escuridão da noite, não lhes tinha passado despercebida a aproximação da armada achém. Com os capacetes na cabeça, as couraças no peito, as lanças e as espadas nas mãos, e os morrões das espingardas acesos, aguardavam no mais absoluto silêncio o desenrolar dos acontecimentos, prontos para darem uma boa lição aos intrusos. Deixaram os inimigos desembarcar, mas, antes que tivessem tido tempo de se organizar, dispararam as espingardas e logo carregaram sobre eles. Travou-se então, na escuridão da noite, um curto combate em que os invasores foram desbaratados, sendo obrigados a reembarcar, depois de terem tido vários mortos e muitos feridos. A tentativa de desembarque redundara num fiasco. Mas o ataque aos navios que estavam fundeados na ilha das Naus foi mais bem-sucedido. Como tinham somente alguns marinheiros a guardá-los, foram facilmente incendiados uma nau e seis outros navios, provavelmente juncos ou lorchas. Curiosamente, nessa noite estava a chover. Mas o vento era muito forte e ateava de tal modo as labaredas que a própria chuva, que devia ser fraca, não chegou para apagar o fogo.



Ao outro dia de manhã os navios inimigos embandeiraram e atroaram os ares com o toque dos tambores e sinos, ao mesmo tempo que as suas guarnições faziam grande algazarra em sinal de vitória. Apanharam então os achéns um pequeno barco de pescadores que se dirigia para a cidade, aos quais Bayaya Soora, barbaramente, mandou cortar as orelhas, os narizes e os tendões dos pés. E por estes desgraçados, horrivelmente mutilados, enviou um cartel de desafio ao capitão da fortaleza para que saísse a combater a sua armada, acrescentando que se o não fizesse passaria a considerar o rei de Portugal como o último dos vassalos do rei do Achém! O capitão de Malaca nessa altura era Simão de Melo. Lida a carta na presença dos fidalgos e soldados que estavam com ele, todos se riram dos dislates nela contidos, mas ninguém pensou em tomar a sério o desafio, uma vez que os únicos navios que haviam, em Malaca, depois de queimados os que estavam fundeados na ilha das Naus, eram meia dúzia de fustas velhas. Entretanto, a armada achém levantava ferro e desaparecia rumo ao Norte. Nesse tempo estava em Malaca o padre jesuíta Francisco Xavier, regressado havia pouco das Molucas com fama de santidade. Quando teve conhecimento do cartel de desafio de Bayaya Soora verberou a atitude do capitão e demais fidalgos e soldados dizendo-lhes que não indo combater os infiéis cobriam de vergonha o nome de Portugal e a religião de Cristo! Tentaram defender-se aqueles explicando ao padre que as poucas fustas que estavam em Malaca não se encontravam em estado de navegar. Pois que as consertassem, retorquiu aquele! Argumentou o capitão que não havia nos armazéns da fortaleza nem breu nem estopa para as calafetar. Obstinado, Francisco Xavier respondeu-lhe que havia muita gente rica em Malaca que tinha breu, estopa e tudo quanto era preciso para aprontar as fustas. E quanto a serem estas muito poucas, que não lhe viessem com um argumento tão ridículo, pois bem sabiam que combatendo com Cristo por capitão o número dos inimigos não contava! O que é facto é que a força de ânimo e a fé de Francisco Xavier despertaram os brios dos portugueses. Com a volubilidade e os entusiasmos súbitos e de pouca duração característicos da nossa raça, já todos diziam que era uma vergonha deixarem escapar os achéns sem lhes terem dado o devido castigo. E metendo mãos à obra, em oito dias de trabalho insano, em que colaborou toda a população de Malaca, aprontaram-se sete fustas e um catur em que embarcaram cento e oitenta soldados portugueses capitaneados por D. Francisco de Eça. O padre Xavier fez uma última pregação aos combatentes, elevando ao rubro o seu ardor bélico e religioso, e a armada fez-se ao mar, confiada em que, apesar da enorme superioridade numérica do inimigo, Deus lhe daria a vitória! Mas logo os ânimos esfriaram quando, após as primeiras remadas, a fusta capitânia, que fazia água como um cesto roto, foi ali mesmo ao fundo! Felizmente, conseguiu-se salvar toda a gente e praticamente todo o material que levava. Mas o efeito moral foi tremendo. Ao optimismo exagerado de momentos atrás contrapunha-se agora o mais profundo pessimismo. Que grande tolice ter dado ouvidos ao padre que não percebia nada de navios nem de guerra! Que disparate deixar a fortaleza praticamente desguarnecida! Ir combater sessenta navios apenas com sete a cair de podres era uma manifestação de soberba que até Deus poderia castigar... ! Perante o clamor público, Simão de Melo resolve pôr o assunto à votação. A maioria é de opinião de que se deve desistir da perseguição à armada achém. Mas os soldados da armada insistem em ir. Está ali o padre Xavier olhando-os fixamente e têm vergonha de abjurar tão abruptamente das promessas que minutos antes lhe haviam feito de morrer alegremente, combatendo por Cristo! Aquele conserva-se impávido e sereno. A única coisa que o espanta, diz, é a pouca fé dos que o rodeiam. Lá por terem perdido uma fusta já descrêem da ajuda divina? Que importância tinha serem seis ou sete fustas quando iam combater contra sessenta? Neste ponto, a História e a Lenda misturam-se, sendo difícil afirmar com segurança onde começa uma e acaba a outra. Perante o desânimo dos circunstantes, Francisco Xavier teria então anunciado que para substituir a fusta perdida Deus enviaria duas muito melhores naquele mesmo dia! Meio incrédulos, os soldados e os populares sobem às muralhas e aos outeiros e perscrutam ansiosamente o mar. Eis se não quando, um pouco antes do pôr-do-Sol, aparecem no horizonte duas velas latinas! No meio de um alvoroço e uma comoção enormes é enviada uma embarcação ao seu encontro, que regressa já noite fechada com a boa nova de que se tratava de duas fustas com sessenta portugueses capitaneados por Diogo Soares que vinham de Patane e se dirigiam ao Pegú para fazer negócio. A profecia do padre Xavier cumprira-se! Tendo os da embarcação dito que as fustas não tinham querido aproximar-se da zona do porto para não terem de pagar direitos pelas mercadorias que transportavam, Francisco Xavier meteu-se naquela e foi pessoalmente falar com os seus capitães. Contou-lhes a aflição em que estava a cidade e rogou-lhes, em nome de Deus e do Rei, que se juntassem à pequena armada que estava prestes a partir contra os achéns. - Sim senhor, disseram eles -, combater por Cristo e pelo Rei, claro que sim! Não estavam ali para outra coisa! Mas... pagar direitos à alfândega de Malaca, é que não! Só entrariam no porto depois de terem na mão um documento assinado pelo capitão da fortaleza e pelos oficiais da alfândega, isentando-os do pagamento dos direitos! Infatigável, o padre Xavier veio a terra, obteve o documento pedido e altas horas da noite voltou às fustas para o entregar a Diogo Soares e aos seus companheiros. No dia seguinte de manhã vieram aquelas fundear junto da cidade, sendo recebidas com grandes manifestações de alegria. Durante quatro dias limparam o fundo, embarcaram artilharia grossa e meteram munições, mantimentos e água, ficando prontas para combate. A armada portuguesa de Malaca contava agora com oito fustas e um catur, guarnecidos, além dos marinheiros, remadores e escravos, com duzentos e trinta aventureiros, combatentes de respeito pela prática que tinham do mar e da guerra. Não obstante, Simão de Melo, não querendo arriscar demais, deu por regimento a D. Francisco de Eça que não continuasse a perseguição aos achéns para norte de Pulo Sambilão. Tendo-se feito ao mar a 25 de Outubro, chegou a nossa armada àquelas ilhas quatro dias mais tarde sem ter encontrado a armada do Achém nem ter conseguido obter qualquer informação acerca do seu paradeiro. Nesta situação, D. Francisco de Eça reuniu conselho. A maior parte dos capitães e soldados eram de opinião que se devia continuar para norte em busca dos inimigos. Mas D. Francisco não seguiu esse parecer e decidiu voltar para Malaca, de acordo com as ordens que tinha. Porém, quando os navios puseram as proas ao sul, levantou-se um vento muito forte de sudoeste que lhes barrou o caminho e os obrigou a fundear. Em Dezembro, já é habitual predominarem naquela região os ventos do norte e de nordeste. Mas, nesse ano, contra todas as expectativas, o sudoeste manteve-se, soprando sempre com força. A vida a bordo das fustas era miserável. Confinados num pequeno espaço, sem terem nada para fazer, os homens maldiziam tudo e todos, num ambiente de constantes questiúnculas. Passados vinte e três dias sem que a situação se modificasse, e estando os víveres praticamente no fim, D. Francisco de Eça viu-se forçado a reunir novo conselho, no qual ficou assente seguir imediatamente com a armada para Tenassarim a fim de se reabastecer. Entretanto, crescia a angústia em Malaca. Apesar de o padre Xavier continuar confiante na protecção divina, por cada dia que passava mais se arreigava na mente dos habitantes da cidade a ideia de que qualquer coisa havia corrido mal. E, de repente, começaram a circular boatos de «fonte segura» que a armada portuguesa tinha sido destroçada e que todos quantos a guarneciam eram mortos ou cativos dos «mouros»! Cerca de uma semana mais tarde, para agravar a situação, entrou em cena, na força de trezentas velas, a armada do rei de Ugentana, que, sob o seu próprio comando, veio fundear no rio de Muar a sul de Malaca. Tinha aquele rei preparado uma grande armada para ir fazer guerra a Patane, cidade da outra costa da península Malaia que mantinha excelentes relações com os Portugueses. Mas, quando soube que a nossa armada tinha sido destruída pelos achéns, apressou-se a mudar de objectivo, pensando que seria uma ocasião única para se apoderar de Malaca. Por isso, logo que chegou ao rio de Muar, enviou um emissário a Simão de Melo para lhe apresentar condolências pela derrota sofrida e informá-lo que estava ali com a sua armada pronto para o ajudar, uma vez que era certa a vinda dos achéns vitoriosos sobre Malaca. Que lhe desse licença para ir fundear junto da cidade e desembarcar as suas forças! Bem percebeu Simão de Melo a manha do inimigo, respondendo-lhe que nunca esqueceria tão generosa oferta mas que, felizmente, de momento não precisava de qualquer ajuda porque tinha muita gente na fortaleza e, além disso, acabara de receber notícias de que a nossa armada tinha alcançado uma grande vitória sobre os achéns! Entendendo pelo teor da resposta que a sua astúcia não resultara, o rei de Ugentana resolveu continuar no rio de Muar enquanto enviava alguns balões para o Norte a fim de colherem informações. Enquanto isto se passava em Malaca, a nossa armada navegava a caminho de Tenassarim. A 5 de Dezembro entrou no rio de Perlis para fazer aguada. Concluída esta, já ao cair da noite, foi capturada uma pequena embarcação de pescadores. Por eles souberam os nossos que a armada de Achém se encontrava dentro do rio! Tinha tomado Perlis e as povoações vizinhas, matando ou cativando a maior parte da população. Agora estavam os achéns construindo uma fortaleza junto da cidade na intenção de se fixarem ali. Blasonavam que haviam de apanhar todos os navios que se dirigissem para Malaca e que haviam de matar com morte crua todos os portugueses que neles encontrassem! De posse destas informações ficaram os nossos tão alvoroçados e indignados que, imprudentemente, começaram a fazer grande alarido e a disparar as espingardas e as bombardas, ao mesmo tempo que embandeiravam os navios, tão certos estavam de que o estranho vento que os impedira de regressar a Malaca e a entrada fortuita no rio de Perlis para fazer aguada tinham sido obra de Deus, que não deixaria de lhes dar a vitória no dia seguinte, tal como tinha profetizado o padre Xavier. Acalmados um pouco os ânimos, D. Francisco de Eça mandou pelo rio acima três balões em reconhecimento, cada um deles levando um capitão e dois soldados escolhidos. Percorridas cerca de seis léguas, ou seja, a meia distância de Perlis, apesar da escuridão da noite, foram avistados quatro balões que vinham em sentido contrário. Tendo ouvido o estrondo da artilharia e da espingardaria, Bayaya Soora apressara-se também a enviar algumas embarcações em missão de reconhecimento. E logo ali se travou o primeiro combate entre os portugueses e os achéns, que terminou com uma vitória completa dos primeiros. Foram tomados três dos balões contrários e feitos seis prisioneiros, enquanto o quarto balão fugia rio acima à força de remos. Como os balões capturados eram bastante melhores que os seus, os portugueses queimaram estes e passaram-se para aqueles, com o que regressaram triunfantes para junto da armada. Metidos a tractos os prisioneiros, acabaram por confirmar todas as informações dadas pelos pescadores, acrescentando que a armada achém se estava aprontando para no dia seguinte de manhã ir dar combate à portuguesa. Ao outro dia, pouco depois do nascer do Sol, os nossos balões que estavam de vigia a montante, vieram dar aviso de que o inimigo se aproximava. Ao mesmo tempo que os navios faziam os últimos preparativos para o combate, D. Francisco de Eça percorria a armada numa pequena embarcação recordando a todos as palavras do padre Xavier e as juras que haviam feito de combater até ao último alento por Cristo e por Portugal numa batalha em que, bem sabiam, não haveria quartel para ninguém. Momentos depois surgia detrás de uma volta do rio a armada achém, fazendo uma algazarra diabólica e atroando os ares com o toque dos seus instrumentos bélicos. É a altura de dizer que o facto de a batalha se ter travado no interior de um rio estreito e não no mar largo foi particularmente favorável para os portugueses, uma vez que impediu os achéns de tirarem partido da enorme superioridade numérica de que desfrutavam. Além disso, deve-se realçar que, pelo menos, algumas das nossas fustas estavam armadas com bombardas de calibre médio, ao passo que os navios inimigos apenas dispunham de peças de pequeno calibre. E no combate naval, para além da ajuda de Deus, o peso da bordada é um dos factores que mais conta. A nossa armada, segundo parece, estava disposta em duas fileiras de quatro fustas cada uma. Na armada inimiga, vinha à frente uma grande lanchara, que era a capitânia, acompanhada das três galeotas turcas. Nestes quatro navios, além dos turcos e dos janízaros, vinham embarcados a maior parte dos orobalões de manilha dourada. Seguiam-se nove fileiras, compostas cada uma delas por seis fustas ou lancharas mais pequenas. Como sempre, habituados a combater à matroca, espantaram-se os portugueses com o rigor da formatura inimiga. Os navios achéns, navegando à vela e a remos e arrastados pela corrente do rio que era muito forte, vinham animados de grande velocidade, o que fazia prever que o embate com os nossos seria terrível. Mas, quando se aproximaram da nossa armada, os bombardeiros inimigos precipitaram-se e abriram fogo cedo demais, do que resultou a maior parte dos seus tiros terem caído curtos. Mais experientes, os bombardeiros portugueses aguardaram até que os navios inimigos chegassem a curta distância e só então puseram fogo à pólvora. Os resultados desta primeira salva foram devastadores, ficando a batalha praticamente decidida. As três galeotas turcas ficaram logo arrombadas e cheias de mortos e feridos. Mas muito mais importante do que isso foi o facto de o tiro de um «camelo» disparado pela fusta de Diogo Soares ter aberto um grande rombo na amura da capitânia inimiga no preciso momento em que esta abalroava a nossa capitânia. Alagando-se por completo em poucos minutos, a capitânia do Achem foi ao fundo, perecendo afogados mais de cem dos seus tripulantes! Logo que viram o navio-chefe a afundar-se, as galeotas que a acompanhavam suspenderam o seu movimento em direcção à nossa armada e procuraram acercar-se dele para salvar o que restava da sua guarnição. O pior é que a sua paragem súbita, inesperada para as fustas que as seguiam, fez com que estas se emaranhassem umas nas outras. Em poucos minutos, a poderosa armada achém estava reduzida a um montão de navios incapazes de se moverem e que, em conjunto, constituíam um alvo ideal para os nossos bombardeiros! Aproveitando-se da confusão em que estava mergulhado o inimigo, as nossas fustas dianteiras meteram-se pelo meio dele, descarregando incessantemente as espingardas e lançando para dentro das contrárias grande quantidade de panelas de pólvora. Enquanto isto acontecia, as outras quatro fustas que constituíam a segunda linha continuavam a massacrar o inimigo com o fogo bem dirigido da sua artilharia. Além da capitânia, foram rapidamente afundadas a tiro de canhão mais nove fustas ou lancharas. Completamente desorientados pelo vendaval de ferro e fogo que os estava açoitando, os tripulantes dos navios inimigos mais expostos iam-se lançando sucessivamente à água, onde, na sua maior parte, morriam afogados devido à força da corrente. No auge da contenda, um tiro perdido derrubou gravemente Bayaya Soora que se havia passado para uma fusta depois do afundamento da sua capitânia. Na tentativa de o salvar, o capitão dessa fusta, acompanhado por mais duas, forçou o caminho através da nossa armada em direcção à foz do rio, conseguindo, graças à sua ousadia, alcançar o mar largo. Entretanto, o combate prosseguia encarniçado, nuns pontos à lança e à espada, noutros a tiro de espingarda e de bombarda. Uma após outra, as fustas e as lancharas do Achém iam sendo tomadas pelos portugueses, morrendo afogados a maior parte dos seus tripulantes quando tentavam a nado alcançar as margens. Apesar de se terem batido valentemente durante cerca de uma hora, os achéns começaram a desfalecer quando deixaram de ver o seu capitão-mor e começaram a sentir que a derrota era inevitável. Quase sem oferecer resistência, as guarnições das últimas fustas abandonaram-nas e procuraram fugir para terra, perecendo a maior parte dos seus tripulantes nesta tentativa. A batalha chegara ao fim com uma vitória completa dos Portugueses. Dos cinquenta e oito navios que tinham entrado em acção (dois haviam ficado em Perlis) apenas três tinham conseguido escapar-se; dez foram afundados pela nossa artilharia e quarenta e cinco foram capturados! Do despojo faziam parte trezentas bombardas, das quais sessenta e duas com as armas do rei de Portugal, oitocentas espingardas e uma infinidade de lanças, terçados, arcos, flechas, crises (punhais) e azagaias, muitos deles guarnecidos com incrustações de ouro e pedraria. Dos inimigos morreram para cima de quatro mil; dos portugueses morreram oito, além de vinte e um escravos e marinheiros. Os nossos feridos foram em número de cento e quarenta e sete, dos quais sessenta e sete portugueses. Ao saber da derrota dos achéns, o rei de Perlis, que andava fugido nas imediações, reuniu quinhentos homens e foi atacar de improviso os que tinham ficado na cidade, a maior parte deles doentes, chacinando cerca de duzentos. Seguidamente, meteu-se nas duas fustas que haviam sido deixadas por Bayaya Soora em Perlis e foi apresentar-se a D. Francisco de Eça, a quem agradeceu emocionado a libertação do seu reino, ao mesmo tempo que em sinal de eterna gratidão se declarava vassalo fiel do Rei de Portugal! Reza a tradição que em Malaca, no preciso momento em que começou a batalha, o padre Francisco Xavier, que estava rezando a missa de Domingo, entrou em transe, ficando alheado de tudo quanto se passava à sua volta durante cerca de uma hora. Depois, com semblante alegre e sereno, pediu aos fiéis que agradecessem a Deus a grande vitória que acabava de conceder aos Portugueses. Terminada a batalha, D. Francisco de Eça enviou imediatamente um balão a Malaca com a boa nova. Vinte dos navios inimigos capturados que se encontravam em pior estado foram queimados; uma das galeotas que tinha sido tomada por Diogo Soares ficou para este, que, poucos dias depois, continuou a sua viagem para o Pegú; as duas restantes galeotas e mais vinte e duas fustas e lancharas foram levadas para Malaca. Como é fácil de imaginar, a chegada da nossa armada a esta cidade acompanhada por tão significativo despojo deu lugar a esfusiantes manifestações de regozijo. Com esta espantosa vitória, os Portugueses assombraram mais uma vez o Sueste Asiático. Cresceu igualmente a fama de santidade de que o padre Francisco Xavier já gozava. Humilhados e confusos, os reis nossos inimigos convenciam-se de que efectivamente Deus nos ajudava e que, consequentemente, era inútil continuar a lutar contra nós. Entretanto, o rei de Ugentana, por notícias que lhe trouxeram os balões que enviara em reconhecimento, soubera da derrota dos achéns ainda antes de ela ter sido confirmada em Malaca. Receoso que os Portugueses pudessem ter alguma ideia sinistra a seu respeito... desapareceu discretamente!

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