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sexta-feira, dezembro 05, 2014

Batalhas Navais-Índico-1538 II

Beadalá
(1538)

Em Tuticorim, Martim Afonso de Sousa foi informado de que a armada malabar se encontrava abrigada num pequeno rio, logo adiante de Calecare, posição excelente donde podia atacar com toda a facilidade os navios que, naquela época, regressavam da costa do Coromandel. Aliás, é muito provável que tenha sido essa a principal razão que levou Patemarcar a não se dirigir imediatamente para Colombo. Convencido de que a armada portuguesa não seria capaz de passar para leste do cabo Comorim, terá decidido conservar-se durante algum tempo no golfo de Manar fazendo presas, antes de se ir envolver na guerra de Ceilão. Amigos, amigos... negócios à parte! A verdade é que, ao sacrificar o objectivo principal da sua missão, que era o auxílio ao Maiadune, em favor de um objectivo claramente secundário, como era o de fazer presas, cometeu um grave erro estratégico que acabaria por lhe ser fatal. Encontrando-se perfeitamente tranquilo e senhor de si, não deverá ter sido pequena a surpresa de Patemarcar quando os navios que tinha de vigia o foram informar de que a armada portuguesa já se encontrava muito perto. Num primeiro impulso, mandou embarcar a sua gente e, de velas içadas, foi ao encontro dos portugueses, parecendo disposto a travar com eles uma batalha decisiva. Mas, pouco depois, mudou de ideias. Antes de as duas armadas terem chegado ao alcance de tiro, mandou arriar as velas, inverteu o rumo e, navegando a remos, pôs-se em fuga para leste. E, como tinha os seus remadores muito mais folgados que os nossos, a breve trecho deixou de ser avistado. As razões que levaram Patemarcar a evitar o combate com a armada portuguesa, apesar de dispor de grande superioridade numérica e de ter o vento e o mar a seu favor, poderão ter sido de vária ordem. Em primeiro lugar, é natural que tivesse um certo receio de enfrentar Martim Afonso de Sousa que havia granjeado grande fama na defesa da ilha de Repelim aquando das tentativas que recentemente o Samorim fizera para lá entrar. Em segundo lugar, é possivel que tenha pensado, embora tardiamente, que a estratégia mais correcta seria evitar o combate no mar para poder chegar a Ceilão com as suas forças intactas.


Em terceiro lugar, e muito principalmente, é provável que não tenha querido sujeitar aos azares de uma batalha os valiosíssimos despojos das presas que tinha feito até essa altura e que iam embarcados nos seus navios. Por tudo isto, não será de estranhar que, no último instante, Patemarcar tenha recusado a batalha em Calecare e se tenha posto em fuga. O que é de estranhar é que se tenha dirigido para leste, em vez de seguir imediatamente para Colombo. Uma explicação poderá ser que tal rumo implicaria navegar com vaga grossa pelo través, o que era impraticável com navios de remo. Apesar de o inimigo se ter furtado ao combate e se ter afastado com grande facilidade, Martim Afonso de Sousa não desanimou e continuou a persegui-lo, lutando contra um vento cada vez mais fresco e contra uma vaga cada vez mais alterosa e também contra um certo desânimo, fruto do cansaço, que se ia apossando dos seus. Passados mais alguns dias de penosa navegação, foi novamente avistada a armada malabar, varada em terra, nas proximidades de Beadala. À aproximação dos portugueses, Patemarcar fez-se ao mar e, mais uma vez, furtou-se ao combate, fazendo força de vela rumo a sudoeste. Encontrando-se francamente a sotavento dos malabares, a nossa armada não tinha qualquer possibilidade de os interceptar. Tal como tinha acontecido em Calecare, ao fim de algumas horas os navios inimigos perdiam-se de vista, ficando todos com a impressão de que iam a caminho de Colombo ou das Maldivas. Não dispondo de mantimentos suficientes para uma viagem tão demorada, Martim Afonso de Sousa, depois de ouvido o conselho dos capitães, resolveu regressar a Cochim para se reabastecer. A chegada da armada a esta cidade, sem ter conseguido destruir o inimigo, provocou, como é natural, uma certa decepção, mas não enfraqueceu a determinação do nosso capitão-mor. Tendo recebido uma carta do Governador em que lhe era ordenado que fosse a Ceilão dar auxílio ao rei de Cota contra o Maiadune, Martim Afonso de Sousa, reabastecidos os navios e reforçadas as guarnições com mais uma centena de fidalgos e soldados que se embarcaram voluntariamente, voltou de novo ao mar. Não querendo deixar nada ao acaso antes de seguir para Colombo, resolveu passar novamente por Tuticorim para colher informações. Decisão particularmente feliz, porque ao largo desta cidade apresou algumas embarcações de serviço da armada malabar que por ali andavam, por intermédio das quais soube que, afinal, Patemarcar voltara a Beadalá! Mais uma vez a cobiça havia-lhe ofuscado o raciocínio. Tendo sido informado pelos catures que tinha mandado espiar a nossa armada, quando esta retirara para Cochim, de que os portugueses já estavam para lá do cabo Comorim, convencera-se de que tinham retirado definitivamente e resolvera voltar a Beadalá e continuar às presas. Sendo a costa aberta, os paraus estavam, normalmente, varados em terra, só se fazendo ao mar quando aparecia algum navio à vista. No meio dos palmares fora construído um grande acampamento, onde se encontrava instalada a gente de armas, reforçada com dois a três mil soldados naturais da terra. Vivendo como um nababo numa tenda de seda ricamente ornamentada, Patemarcar iria, possivelmente, entretendo o tempo na contemplação do riquíssimo tesouro que já conseguira juntar, constituído por numerosas moedas de ouro, jóias e pedras preciosas. Porém, certo dia, foi bruscamente arrancado dos seus sonhos de riqueza pela notícia de que a armada portuguesa estava novamente à vista! Desta vez, confiado na grande quantidade de tropas de que dispunha, Patemarcar resolveu não sair para o mar e, com o seu exército formado na praia, junto dos paraus, ficou à espera, a ver o que os portugueses fariam. Depois das informações que colhera em Tuticorim, Martim Afonso de Sousa tinha navegado cosido com a terra na intenção de cair de surpresa sobre a armada malabar antes de ela ter tempo de se fazer ao mar e fugir, que era o que mais temia. Nas proximidades de Beadalá passaram para os catures os principais fidalgos e os soldados mais experimentados que deviam constituir a primeira vaga de assalto. Um pouco atrás, seguiam as fustas com o resto da gente. A ideia de Martim Afonso de Sousa era, à chegada a Beadalá, desembarcar imediatamente diante dos paraus e dar combate ao inimigo em terra, já que, por os seus navios serem mais lentos, não tinha maneira de o forçar a combater no mar. Subitamente, os catures, que iam mais junto à costa do que as fustas, encalharam num banco de areia que havia (e ainda existe) antes do local onde se encontravam varados os paraus, o que, até certo ponto, talvez tenha sido uma sorte para os portugueses, pois que nos parece bastante duvidoso que as escassas centenas de homens que Martim Afonso levava consigo tivessem sido suficientes para vencer os milhares de malabares que os esperavam na praia, devidamente formados e organizados.

18 de Fevereiro

Logo que os catures encalharam, os malabares levaram para o local algumas bombardas com que os começaram a bater, embora sem consequências de maior por serem aquelas de pequeno calibre e a distância relativamente grande. Não obstante, um dos seus pelouros ainda acertou no balão em que Martim Afonso de Sousa se meteu para ir ver o que tinha acontecido, matando-lhe um tripulante e provocando-lhe algumas avarias. Entretanto, as fustas, navegando mais no mar, passaram adiante e foram colocar-se em frente à praia onde estavam os paraus malabares, tirando-lhes a possibilidade de se poderem escapar para o mar alto sem combater. Ao cair da noite, com a subida da maré, os catures desencalharam, sendo mandados para uma posição a leste das fustas e mais perto da terra a fim de impedir que a coberto da escuridão a armada inimiga pudesse fugir a remos navegando junto à costa. Sendo já noite fechada, Francisco de Sequeira, o Malabar, por ordem de Martim Afonso de Sousa, mandou pôr em terra alguns dos seus homens para, misturando-se com o inimigo, colherem informações.

19 de Fevereiro

Ao outro dia, logo que começou a clarear, os portugueses puderam verificar que os malabares tinham construído um entrincheiramento na praia, em frente ao local onde estavam fundeados os nossos catures, guarnecido com algumas bombardas, com as quais começaram a bombardeá-los. Responderam os catures e durante algum tempo travou-se um vivo duelo de artilharia entre eles e o entrincheiramento. Porém, como o calibre das peças que ambos estavam utilizando era pequeno e a distância relativamente grande, o efeito dos disparos era praticamente nulo. Não querendo nem uns nem outros gastar pólvora sem proveito, a intensidade do fogo foi gradualmente abrandando, até que cessou por completo. Durante o resto do dia a situação não se alterou. As tropas malabares mantiveram-se formadas na praia protegendo os paraus e Martim Afonso de Sousa, perante a força do dispositivo inimigo, não se atreveu a ordenar o assalto. Cerca da meia-noite foram recolhidos os malabares que haviam sido lançados em terra na noite anterior e que trouxeram informações preciosas. Não tendo os portugueses tentado o desembarque nesse dia, os inimigos tinham-se convencido que estavam à espera de reforços de Cochim. Por isso, a gente de guerra, ao anoitecer, tinha ido dormir para o acampamento, ficando a tomar conta dos paraus somente os marinheiros e os bombardeiros. Tanto no acampamento como nos paraus a vigilância era frouxa. De posse destas informações, Martim Afonso de Sousa, depois de ter reunido um rápido conselho, decidiu atacar imediatamente para aproveitar a escuridão da noite e a excessiva confiança que reinava no campo inimigo. Os oito catures, apenas com cem soldados, lançariam um ataque de diversão bastante a leste, na direcção do acampamento dos malabares. Catorze fustas, também com uma centena de homens de armas, atacariam frontalmente os paraus por forma a darem a ideia que constituíam a força principal. As restantes oito fustas, em que iam embarcados quatrocentos portugueses comandados em pessoa por Martim Afonso de Sousa, iriam desembarcá-los sub-repticiamente cerca de um quarto de légua (pouco mais de um quilómetro) a oeste dos paraus. Daí os portugueses marchariam em silêncio pela praia por forma a atacarem de surpresa os defensores dos paraus no preciso momento em que fosse desencadeado o ataque por mar. O sinal combinado para o início da acção era um tiro de bombarda disparado pela fusta em que ia o capitão-mor.

20 de Fevereiro

De princípio, como geralmente sucede, tudo correu conforme estava planeado. As oito fustas conseguiram abicar à praia sem ser pressentidas e desembarcar os quatrocentos homens que transportavam, os quais se puseram imediatamente em marcha, ao longo da praia, com Martim Afonso de Sousa à sua frente. Ao mar, a uma certa distância, acompanhavam-nos as fustas que os tinham transportado, para lhes dar apoio de artilharia se fosse necessário. Nessa altura, o plano começou a descarrilar. As fustas foram avistadas de uma posição malabar instalada a oeste dos paraus, que disparou um tiro contra elas. Eram cerca das três da madrugada. As fustas que tinham ficado em frente dos paraus, quando ouviram o tiro, julgaram tratar-se do sinal combinado e lançaram-se ao assalto, fazendo um barulho ensurdecedor com as trombetas e a gritaria dos soldados, dos marinheiros e dos remadores. Acordando sobressaltados, os soldados malabares que estavam a dormir no acampamento pegaram atabalhoadamente nas armas e acorreram em defesa dos paraus. Mas logo voltaram atrás, quando novas trombetas e novos gritos, vindos dos catures, soaram à sua retaguarda dando a impressão de que o inimigo se estava a dirigir para o acampamento. E foi tal a confusão que se estabeleceu no campo malabar que entre os que iam para os paraus e os que voltavam atrás se chegaram a travar violentos recontros! Quando ouviu o clangor das trombetas, Martim Afonso de Sousa compreendeu que tinha havido qualquer erro. Mas proibiu terminantemente que se acelerasse a marcha para não chegar com a sua gente esfalfada ao local do combate. Junto aos paraus, a situação dos portugueses que ali tinham desembarcado e se viam agora confrontados com uma torrente de inimigos que desciam do acampamento ia-se tornando de minuto a minuto mais difícil. Os dois principais fidalgos que comandavam a força foram os primeiros a cair mortos. Os restantes, entrincheirados nos paraus que haviam tomado, defendiam-se desesperadamente a tiro, à lança e à espada, procurando aquentar-se até à chegada da coluna que vinha pela praia, cuja demora não entendiam. Mas, de repente, ali mesmo ao pé, soou, mais uma vez, o toque vibrante das trombetas, acompanhado por uma medonha algazarra, e, nesse mesmo instante, uma massa de homens armados, a que a escuridão dava formas gigantescas, precipitou-se como um furacão sobre o flanco direito dos malabares! Apanhados completamente de surpresa, estes desordenaram-se e puseram-se em fuga para o acampamento, perseguidos de perto pelos portugueses. Entretanto, nasceu o dia. Na zona do acampamento o terreno era mais aberto. Isso permitiu que os malabares se reorganizassem e, vendo quão poucos eram afinal os nossos, começassem a procurar envolvê-los, tirando partido da superioridade numérica de que dispunham. Neste ponto será de chamar a atenção do leitor para o facto de que essa superioridade não era de oito mil para seiscentos, conforme os cronistas referem. É muito provável que mais de metade dos malabares fossem marinheiros e remadores, o que reduz para cerca de quatro mil o número de homens aptos para combate, incluindo os naturais da terra. Por outro lado, é natural que os portugueses, como de costume, estivessem acompanhados pelos seus escravos de peleja, o que aumenta, possivelmente, o número dos nossos combatentes para cerca de mil. Mesmo assim, a superioridade numérica do inimigo seria de quatro para um, o que colocava os nossos numa posição extremamente desvantajosa quando tinham de combater em campo aberto. Além disso, quando abandonavam a sombra das palmeiras, os portugueses ficavam com os capacetes e as armaduras a escaldar por acção do calor do sol. Nestas circunstâncias, não será de estranhar que tenham sido obrigados a retirar da zona do acampamento e a vir procurar abrigo junto dos paraus, sempre acossados pelos malabares. Mas, uma vez aí chegados e depois de terem descansado um pouco, voltaram novamente à carga, e com redobrado vigor levaram pela segunda vez o inimigo de vencida até ao acampamento. Porém, quando ali chegaram já o seu ímpeto se tinha esgotado e foram novamente forçados a acolher-se aos paraus. E neste vaivém se manteve o combate durante várias horas sem que nenhum dos contendores conseguisse quebrar a vontade de continuar a lutar do adversário. Nessa altura, Francisco de Sequeira, que conhecia bem a psicologia dos seus patrícios, chegou-se ao pé de Martim Afonso de Sousa e disse-lhe: - Se queres acabar com isto, manda pôr fogo aos paraus! Embora desejoso de conservar os navios inimigos para os integrar na sua armada, Martim Afonso compreendeu que o prolongamento do combate podia ser fatal aos portugueses e aceitou imediatamente o alvitre, dando ordem aos marinheiros para irem queimar os paraus com panelas de pólvora. Poucos minutos depois começavam a sair deles alterosas labaredas, acompanhadas por espessos rolos de fumo negro. E, conforme Francisco de Sequeira previra, muitos dos soldados malabares, pensando que já não valia a pena continuar a lutar, principiaram a debandar. Sentindo os seus a fraquejar, Cutialemarcar foi ter com o tio, que desde o início da batalha se tinha conservado dentro da sua tenda, e exortou-o a vir cá para fora para animar os soldados com a sua presença. Mas Patemarcar era um homem completamente derrotado. A única coisa que nessa altura o preocupava era a forma de salvar o seu tesouro. E, antes que o desbarato das suas tropas se generalizasse, escapou-se com vinte e cinco homens da sua confiança, levando consigo, dentro de um cofre, as moedas de ouro e a pedraria que eram todo o seu enlevo. Mais tarde, para poder escapar-se mais à vontade, mandou enterrar o cofre numa das bermas do caminho. Ao tempo em que o seu capitão-mor já ia fugindo vergonhosamente, a resistência dos malabares desmoronava-se por completo. Contagiados pela fuga dos companheiros, os que ainda estavam a combater iam-se juntando a eles em número cada vez maior, até que não ficou nenhum. Eram onze da manhã e o sol escaldava. A batalha tinha durado oito horas ininterruptas! Além de muitos feridos que se escaparam, ficaram estendidos no terreno para cima de oitocentos malabares. Dos portugueses foram mortos dezoito e mais de uma centena ficaram feridos. O despojo capturado foi imenso: vinte e dois paraus em bom estado, além de vinte e cinco que tinham sido queimados; quatrocentas bombardas, muitas delas de bronze; mil e quinhentas espingardas, além de muitas outras armas! Para dar mais sabor à vitória, foram ainda libertados alguns portugueses e numerosos escravos que os malabares tinham em seu poder. Entre os cativos libertados figurava um menino de Cochim cuja mãe havia pedido encarecidamente a Martim Afonso de Sousa que lho restituísse. Da batalha de Beadalá diz o historiador cingalês Pieris: -... one of the greatest battles in the history of the Portuguese in Índia (... uma das maiores batalhas da história dos Portugueses na Índia.) Tanto no delinear da estratégia que conduziu à batalha como na sua execução táctica, Martim Afonso de Sousa foi magistral. Mas, acima de tudo, o que mais impressiona, tanto nas fases preliminares como na fase final da batalha, é a persistência de buldogue dos portugueses, que perseguem incansavelmente a presa durante mais de um mês e meio e, depois de a terem abocanhado, nunca mais a largam, por mais pancadas que recebam, até a desfazerem. Sob o ponto de vista estratégico, a vitória de Beadalá não podia ter ocorrido em melhor altura. A destruição da armada malabar em Fevereiro de 1538, seguindo-se à captura da armada de Cambaia que tivera lugar um ano antes, deixou aos Portugueses as mãos livres para enfrentar os Turcos, que nesse ano passaram pela segunda vez à Índia. Depois de ter enviado para Cochim duas fustas com os feridos mais graves e a boa nova da estrondosa vitória que alcançara sobre os Malabares, Martim Afonso de Sousa, levando consigo os paraus capturados, dirigiu-se a Colombo, e dali, por terra, a Cota, capital do reino do mesmo nome, que se encontrava cercada pelas tropas do Maiadune. À vista dos portugueses, este levantou imediatamente o cerco e refugiou-se nas montanhas. Pouco depois, perdida a esperança do socorro malabar, fazia novamente a paz com o rei de Cota. Cumulados de honrarias e de riquíssimos presentes, os portugueses regressaram triunfantes a Cochim. Poderá imaginar-se a recepção apoteótica que teve naquela cidade quando ali chegaram levando os vinte e dois paraus de Patemarcar, entre os quais se contava o que fora a capitânia da armada malabar, um parau de grandes dimensões, que mais parecia uma galeota ricamente ornamentado com entalhes e dourados, no qual ia embarcado Martim Afonso de Sousa. Repicaram os sinos das igrejas, troaram as bombardas da fortaleza e dos navios, celebraram-se missas, enquanto nas ruas o povo dava largas ao seu contentamento, tanto mais que a maioria dos marinheiros e dos remadores da nossa armada eram malabares de Cochim e dos arredores. Quanto a Patemarcar, logo que chegou a Calecute, apressou-se a mandar alguns dos seus homens de confiança buscar o cofre com o tesouro que tinha escondido durante a fuga. Mas um deles, provavelmente na mira de alcançar uma choruda recompensa, foi desvendar o segredo ao capitão português de Coulão. Este montou uma emboscada no lugar apropriado e apossou-se do cofre! Disseram depois a «más-línguas» que o teria aberto só para ver o que lá estava dentro e que, por esse facto, uma parte importante das moedas de ouro e da pedraria que continha se evaporou sem deixar rasto! Era assim a Índia dos Portugueses: rasgo de heroísmo sublimes a par de mesquinhas manifestações da mais sórdida cobiça.

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