Oficio
para D. Lourenço de Lima, sobre a entrada no Tejo da divisão naval de lord de
S. Vicente.
Illº
e exº sr. – Em data de 24 do mês próximo passado escrevi a vossa exª. pelo
correio do gabinete, José Sanches de Melo, participando-lhe a entrada no porto
de Lisboa de uma divisão da esquadra inglesa, comandada por lord S. Vicente,
composta por cinco naus e uma fragata. Relatei então a v. exª. a exposição de
lord Strangford sobre o motivo, que movera sua majestade britânica para mandar
por aquelas forças à disposição de sua alteza real, oferecendo ao mesmo todos
os mais socorros que fosse possível fornecer-lhe. Devo agora acrescentar-lhe
que no dia 26 entrou neste porto uma fragata inglesa em que veio lord Rosslyn,
o qual na guerra passada, com o nome de Sinclair, esteve aqui com as tropas
auxiliares britânicas na patente de major; logo que desembarcou veio a minha
casa, e me declarou estar acreditado para negociar. No dia 29 teve audiência de
sua majestade em Mafra, juntamento com lord de S. Vicente, o qual até então não
havia sido apresentado. Depois de entregar as suas credenciais, que lhe não
declaram caracter algum diplomático, me expôs extensamente o objecto da sua
missão. Nesta conferência não tratou somente das disposições hostis da parte da
Espanha, como lord Strangford fora encarregado de referir, mas principalmente
da França, dizendo que o ministro britânico recebera notícias certas de que o
governo francês intentava atacar Portugal, e que sua majestade britânica
enviara logo, como bom e fiel aliado, para este porto a esquadra de lord S.
Vicente, por ser a força que tinha mais disponível naquele momento; que
incumbira a ele lord Rosslyn de oferecer a sua alteza real todos os auxílios,
que a Inglaterra pudesse prestar-lhe em forças de terra, navais e em dinheiro.
Disse que as intenções hostis das duas potências contra Portugal não só
constavam pelo armamento das tropas em Espanha, perto das nossas fronteiras,
mas por haver mr. de Talleyrand declarado a lord Yarmouth as intenções que
havia contra Portugal; que em Paris se falava publicamente sobre este objecto;
que em Bayonne existiam 30.000 homens, de onde deviam marchar a 15 de Agosto
contra nós; e que enfim a intenção da França era destruir totalmente a
monarquia portuguesa.
Respondi
que mr. de Talleyrand sem duvida tinha falado assim a lord Yarmouth para
acelerar os preliminares de paz; que enquanto; que enquanto á partida dos 30.000
homens de Bayonne concordavam todas quantas informações havíamos recebido em
não existir ali mais do que uma brigada italiana de 1.700 homens, nem constava
que houvesse movimentos de tropas para aquele sitio; que era impossível,
segundo o caracter de sua majestade imperial e real, haver uma determinação de
nos atacar, quando não existia motivo algum de ofensa tendo Portugal estipulado
com aquele soberano a sua neutralidade, sempre observado com o maior rigor; que
alem disso o seu modo de romper a guerra contra qualquer potencia que fosse,
não era jamais dissimulando o principio das hostilidades, mas para o contrario
precedendo sempre uma declaração publica das suas intenções; que os remores de
Paris não merecem atenção alguma em política; que pelo que toca ao complemento
da lotação dos treze regimentos de infantaria e das milicias em Espanha, não
tinha por objecto senão o querer por em execução senão novas ordenanças
militares; que o príncipe da paz assim o segurara, e tínhamos razões para o
dever acreditar.
Estou
certo que sua majestade imperial e real e mr. Talleyrand reconhecerão quanto é
contrário a todo o bom senso o projecto de mandar Inglaterra uma esquadra a
este porto, de que não que não podia resultar utilidade alguma, mas somente o prejuízo
a Portugal, pois não seria com forças marítimas que nos poderíamos defender de
França e de Espanha. Em todas as hipóteses sobre as intenções que possa ter a
Inglaterra sempre este passo deve ser reputado um completo desacerto. Nestas circunstancias,
sua alteza real quis tomar uma decisão enérgica, e portanto me ordenou que respondesse
a lord Rosslyn, e que eu mesmo assim o participasse á corte de Londres, que de
nenhum modo provocaria a guerra, que não tinha motivo algum para a fazer,
existindo entre esta corte e as de Paris e Madrid a melhor harmonia, sem delas
haver recebido motivo algum de ofensa; que protestava continuar no seu sistema
de neutralidade; que por várias vezes havia feito declarações, firmando esta
determinação, e a de resistir tão somente pelos meios, que lhe fossem possíveis
aquela potencia, que quisesse ofender hostilmente; que em consequência desta
resolução agradecia, mas não aceitava nenhum dos socorros que sua majestade britânica
lhe oferecia, e que pelo contrário exigia a pronta retirada da esquadra de lord
de S, Vicente, não porque a sua entrada fosse contrária à neutralidade, sendo
composta do número de navios estipulados nos tratados, mas porque cessava o
motivo para que foi destinada. V. exª. dará a mr. Talleyrand a segurança desta
resolução de sua alteza real, e acrescentará que para prova dela o mesmo senhor
não fará neste reino preparos militares, que possam indicar da sua parte uma
guerra próxima, o que se executaria quando visse (o que não pode de sorte
alguma presumir), que havia disposições para atacar os seus estados.
A
corte de Londres pensou também que mr. Hermann vinha encarregado de alguma
negociação oculta para esta corte, o que não era provável, visto o vagar com
que fez a jornada. Chegou enfim, e não fez mais do que acreditar-se como cônsul
geral. Quando lord Rosslyn alegou as noticiais comunicadas por lord Yarmouth a
nosso respeito, eu lhe reconvim, dizendo, que não tinha prova de amizade e
aliança o não haver o dito lord comunicado a v. exª. estas mesmas noticias; mas
que eu sabia que ele não deixava de se entender amigavelmente com v. exª.
Recebi
ultimamente o oficio de v. exª. em data de 12 do mês passado, e vendo em perigo
a negociação dos preliminares, combino qual fosse a ideia sinistra de
Inglaterra a nosso respeito, dando instruções a lord Lauderdale, que
dificultavam a conclusão da paz.
Recomendo
a v. exª. a pronta entrega da inclusa a mr. de Talleyrand, em que lhe falo
sobre o nosso negocio, que v. exª. lhe exporá em todos os seus detalhes,
esperando sua alteza real da parte de sua majestade, o imperador dos franceses,
uma resolução própria do seu caracter generoso, e da sua politica, para não dar
lugar aos ingleses de se apoderarem das nossas colonias; esta corte mostrará
toda a energia para conservar o seu sistema de neutralidade e repelir
proposições capciosas.
Deus
guarde a v. exª. Palacio de Mafra, em 3 de Setembro de 1806. = Antonio de
Araujo de Azevedo.
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