Aprisionamento feito no Tejo do bergantim de guerra inglês “Richmond”.
Oficio para D. Domingos Antonio de Sousa Coutinho ministro de Portugal em Londres
27 de Julho de 1806
Illº Sr.- Devo responder aos ofícios de
vossa sª nº 180, 181, 182 e 183, o primeiro contudo não tenho presente, porque
subi-o à presença de sua alteza real, e os últimos acabam de chegar pelo
paquete “Principe de Gales”. Neles me admiro de ver como lord Howick tomou os
embargos feitos ao bergantim “Richmond” e ao parlamentário, ou transporte
“Harbinger”, depois dos insultos que cometeram neste porto. Eu remeti a v. sª
copia da nota, que me passou por ordem desse ministério lord Strangford, o qual
sabe muito bem r confessa particularmente o procedimento ofensivo do comandante
do bergantim “Richmond”. Remeto agora a v. sª
a copia que tive ordem para responder ao mesmo encarregado de negócios.
Antonio Januário, no momento em que entrou, como consta da parte que me deu,
cujo original remeto a v. sª. Alem disto mandou sua alteza real proceder a uma devassa,
para se conhecerem todas as circunstâncias do mesmo acontecimento, a qual
também remeto a v. sª. No seu original, para se instruir que esta corte não
obrou, nem com paixão, nem com precipitação, e que não pôde haver maior
desprezo de todas as atenções havidas a um estado, e uma ofensa mais positiva
dos seus direitos do que conduzir pelo modo como conduziu o capitão do “Richmond”
aquele navio português a este porto, para o visitar, nele como visitou, a fim
de dissidir se o devia reputar como presa. É impossível que se o ministério
britânico, ou o almirantado, conhecer o facto tal qual é, deixe de confessar a
razão que teve sua alteza real para proceder ao embargo, a fim de evitar que o
comandante do “Richmond” o obrigasse a sair com ele deste porto como presa, o
que seria caso inaudito, e tão contrário à decência de sua alteza real, como ao
decoro e rectidão de sua majestade britânica. V. sª. fará o uso que lhe parecer
conveniente dos documentos que agora lhe remeto, e que lhe não remeti logo, por
julgar que era desnecessário. Falando v. sº. com lord Howich a este respeito, pode
v. sª. segurar-lhe que sua alteza real deseja em tudo quanto lhe seja possível
condescender com a vontade do seu antigo aliado, el-rei da Grã-Bretanha, e
conservar a melhor harmonia entre as duas nações; mas é preciso que da parte
dos empregados na marinha se não operem irregularidades tão ofensivas, que se
deprimam os direitos e o decoro da sua coroa, o que certamente è contrario ao
ânimo e á política de sua majestade britânica. Eu sei que em Inglaterra à toda
a atenção para com os oficiais de marinha, conheço as razões para que isso
existem, mas castigando-se de tempos a tempos alguns deles por prepotências
tais como esta, se evitariam discussões desagradáveis entre os governos de duas
nações, que tanto pelos seus interesses mercantis, como políticos, devem sempre
conservar-se na mais perfeita inteligência. Pelos documentos que remeto se
conhece que o comandante do “Richmond” inventou o que lhe pareceu na carta de
que v. sª. me remeteu a cópia para se justificar, nem ele tinha direito para
apresar o navio ainda que fosse, como se disse de construção espanhola, nem por
vir de um porto de Espanha, nem por ter cargas de fazendas espanholas, quando
elas propriedade portuguesa. Logo que lord Strangford me representou a
necessidade que havia de ser posto em liberdade o bergantim para o serviço de
sua majestade britânica, tomei sobre mim mandar-lhe imediatamente o embargo,
apesar de não poder receber ordem para este fim de sua alteza real por se achar
em Mafra, e de ter sido o precedente procedimento determinado positivamente
pelo mesmo senhor. O dito encarregado de negócios acrescentou nesta requisição
verbal, que o capitão corria o risco de perder a cabeça pelo insulto que havia
praticado, e que deu motivo à detenção com a qual retardava a expedição que
fora ordenada. Não exigi de lord Strangford senão que ele me comunicasse em uma
nota que esperava que o governo britânico, conhecendo o procedimento do dito
comandante, daria a esta corte a satisfação que lhe parecesse justa com qualquer
demonstração de castigo, sobre o que lhe tergiversou depois, como v. sª. terá
observado na cópia das duas notas que lhe mandei.
Pode v. sª. dizer a esse ministério que sua alteza real, sempre pronto a procurar todos os meios de evitar qualquer ocasião que motive discussões desagradáveis e contrarias á boa inteligência, esta pronto a concordar sobre o modo que se à de praticar em casos semelhantes aquele que acabo de referir, contanto que o mesmo método contribua para conservar o decoro das duas coroas. Também lhe pode perguntar qual seria o procedimento que ele mesmo praticaria com semelhante facto, estando neste governo. Quanto ao navio parlamentário, ou de transporte, já referi a v. sª. que ele estava muito perto de terra, e que depois de se revoltarem os prisioneiros franceses para fugirem, a guarnição continuou a atirar-lhes, quando já estavam em terra, de maneira que algumas balas vieram dar nos muros da casa do marquês da Angeja, e puseram em perigo, tanto a gente que estava nas embarcações junto ao cais de Belém, como a que passava naquela praça. Julgue v. sª. se não deve haver demonstração contra semelhantes desordens. É natural a cegueira em semelhantes combates; mas sua alteza real tem o direito no seu território de proceder com a força contra tais desordens, e se em terra se haviam de mandar segurar os dois partidos, este rio é igualmente possessão da coroa, e por atenção se não mandaram prender imediatamente os que atiraram de bordo, assim como se capturaram os fugitivos.
Lord Strangford teve culpa na omissão a respeito deste facto, porque não havia requerido força para conter os prisioneiros a bordo, com encarregado de negócios de França lhe havia pedido. A requisição dos dois encarregados foram presos e restituídos antes e depois deste facto os fugitivos á excepção dos que ficaram presos, Ainda não vi as gazetas que chegaram neste paquete “Principe de Gales”, em que v. sª. me diz que à artigos contra estes procedimentos da nossa corte, e também algum que me respeita. A liberdade de empresa nesse país se facilita á publicação de relações não verdadeiras ou aproximadas. Também dá lugar a rectificá-las e a conhecer a verdade. V. sª. está autorizado para mandar inserir os artigos que quiser, quando lhe pareçam convenientes para os interesses e decoro da nossa corte. No que me toca em particular, não tenho receio de ser julgado por pessoas desapaixonadas no que respeita à imparcialidade nas funções do meu ministério.
V. sª. deverá agradecer a esse governo
da parte do nosso soberano as ordens que passou ao vice-almirante Collingwood
para nos não comprometer, e evitar as repetidas irregularidades de se fazerem
presas perto das nossas costas e fortalezas, no que os corsários se fazem culpados
com frequência como v. sr. sabe.
Lord Strangford me comunicou verbalmente o que avisara a esse governo contra o afixar editais nesta praça para arrematações de víveres, que devem ser fornecidos às esquadras; ele conhece quanto este método é para nós prejudicial e perigoso, porque os inimigos da Grã-Bretanha diriam com rasão que consentimos aqui armazéns de provimentos para as esquadras que bloqueiam os portos de Espanha, e inútil para a Inglaterra, porque até agora este governo tem favorecido a exportação dos necessários mantimentos, e até lhe fez expedir uma considerável partida de bois do reino do Algarve, o que lord Strangford alega também no seu oficio.
Deus guarde a v. sª. Palácio de Mafra,
em 27 de Julho de 1806. = Antonio de Arujo de Azevedo.
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