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segunda-feira, agosto 19, 2013

Colecção de documentos - 1807 II


Convenção secreta, feita em Londres sobre a transferência da corte e família real da Europa para o Brasil, e ocupação da Ilha da Madeira, no caso de uma invasão de tropas francesas a Portugal.



Ratificação do príncipe regente D. João depois sexto rei deste nome em Portugal, á supradita convenção.

      D. João, por graça de Deus, príncipe regente de Portugal e dos Algarves, de aquém e além-mar, em Africa senhor da Guiné, e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arabia, Pérsia, e da India, etc. Faço saber a todos os que a presente carta de confirmação, aprovação e ratificação virem, que a 22 de Outubro do corrente ano se concluiu e assinou-se na cidade de Londres uma convenção entre mim e o sereníssimo e potentíssimo príncipe Jorge III, rei do reino unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, meu bom irmão e primo, com o fim de conservar intacta á monarquia portuguesa, a ilha da Madeira e as mais possessões ultramarinas, sendo plenipotenciários para esse efeito, da minha parte D. Domingos Antonio de Sousa Coutinho, do meu conselho fidalgo da minha casa e meu enviado extraordinário naquela corte; e da parte de sua majestade britânica o muito honrado George Canning, conselheiro privado de sua dita majestade, e seu principal secretário de estado dos negócios estrangeiros, da qual a convenção o teor é o seguinte:

      Sua alteza real, o príncipe regente de Portugal, tendo feito comunicar a sua majestade britânica as dificuldades em que se acha, em consequência das injustas exigências do governo francês, e a sua determinação de transferir antes para o Brasil a sede e a fortuna da monarquia portuguesa do que aceder á totalidade de tais exigências, e notavelmente àquelas em que o governo francês insiste sobre a apreensão dos súbitos de sua majestade Britânica actualmente em Portugal, e sobre o confisco de todas as propriedades inglesas ali existentes, bem como sobre a declaração de guerra por parte de sua alteza real, o príncipe regente, contra a Grã-Bretanha; e tendo-se sua alteza real proposto ao mesmo tempo, a fim de evitar, se é possível, a guerra com a França, a consentir em fechar os portos de Portugal ao pavilhão inglês, apesar de considerar que um acto de hostilidade da sua parte poderia justificar sua majestade Britânica, e talvez incitá-la a usar a represália, seja na ocupação da ilha da Madeira, ou de outra qualquer colonia da coroa de Portugal, e até mesmo forçar a entrada do porto de Lisboa, empregando os meios mais eficazes de hostilidade contra a marinha militar e comerciante de Portugal; considerando igualmente que só a suposição bem fundada do fechamento dos portos de Portugal poderia ocasionar a ocupação provisoria das colonias portuguesas pelos exércitos de sua majestade Britânica, quando uma marcha ou declaração hostil da parte da França contra Portugal não pudesse deixar de produzir este mesmo efeito; e fazendo sua majestade Britânica justiça aos sentimentos de amizade e boa-fé que tem caracterizado, as ultimas comunicações de sua alteza real, o príncipe regente; e estando determinado a coadjuvar por todos os meios á sua disposição a nobre resolução, que sua alteza real, o príncipe regente, acaba de manifestar de transferir a sede da monarquia portuguesa para o Brasil, antes do que assentir às proposições da França em toda a sua extensão; e querendo ao mesmo tempo, e mesmo no caso em que sua alteza real consentisse em fechar os portos á Grã-Bretanha (conduta que sua majestade britânica veria com pesar, e á qual nunca poderia julgar-se ter dado o seu consentimento), conciliar quanto é possível, os sentimentos e os interesses de um antigo e fiel aliado, e usar para com Portugal de toda a moderação compatível com o que é devido à sua honra e interesses dos seus súbitos, e com o objecto essencial, que ele não pode perder de vista, a saber: impedir que nem as colonias, nem a marinha militar, ou comercial portuguesa, em toda a parte venham a cair em poder da França; as duas altas partes, contratantes tem em consequência determinado tomar de comum acordo as medidas e providências, reciprocas, que se julgarem mais convenientes para conciliar os seus interesses respectivos, e prover em todo caso á conservação da amizade e boa inteligência, que tem subsistido á mais de um século entre as duas coroas. E para o fim de se discutirem estas medidas, e preencher este fim salutar, sua alteza real, o príncipe regente de Portugal, tem nomeado por seu plenipotenciário o cavaleiro Sousa Coutinho, do seu concelho, seu enviado extraordinário e ministro plenipotenciário residente em Londres, e el-rei do reino unido da Grã-Bretanha e Irlanda tem nomeado por seu plenipotenciário o muito honrado George Canning, conselheiro privado de sua dita majestade, e seu principal secretário de estado encarregado da repartição dos negócios estrangeiros, os quais depois de terem comunicado os seus plenos poderes respectivos, e tendo-os achado em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:
ARTIGO I

      Até que haja a certeza de alguma marcha, ou declaração hostil da França contra Portugal, ou que Portugal a fim de evitar uma guerra com a França, haja de assentir a cometer de qualquer sorte um acto hostil á Grã-Bretanha, fechando os seus portos á bandeira inglesa nenhuma expedição será dirigida pelo governo Britânico contra a ilha da Madeira, nem contra outra qualquer possessão portuguesa; e quando uma semelhante expedição se julgar necessário será notificado ao ministro de sua alteza real, o príncipe regente de Portugal, que residir em Londres, e com ele combinado.

      Pela sua parte, sua alteza real, o príncipe regente, se obriga daqui em diante a não permitir a marcha de algum reforço de tropas (excepto de inteligência e acordo com sua majestade Britânica), nem para o Brasil, nem para a ilha da Madeira, nem mandar ou permitir que ali resida algum oficial francês, quer ao serviço da França, quer de Portugal. Ele se obriga além disto, a transmitir sem demora ao governador da ilha da Madeira ordens secretas eventuais, para que não haja resistência alguma a qualquer expedição inglesa, cujo comandante lhe afiançar debaixo de palavra de honra, que a dita expedição foi preparada de inteligência e de acordo com sua alteza real, o príncipe regente.

ARTIGO II

      No caso que sua alteza real, o príncipe regente, seja obrigado a dar um pleno e inteiro efeito á sua magnânima resolução de se transportar para o Brasil, ou se mesmo sem ser forçado a isso pelos procedimentos dos franceses, dirigidos contra Portugal, sua alteza real, se decidir a empreender viagem ao Brasil, ou a fazer ir para ali um príncipe de sua família, sua majestade britânica estará pronta para auxiliá-lo nesta empresa, a proteger o embarque da família real, e a escolta-los para a América. Para este efeito sua majestade britânica se obriga a fazer equipar imediatamente nos portos de Inglaterra uma esquadra de seis vasos de linha, a qual se apresentará sem demoras nas costas de Portugal, e a ter igualmente pronta a embarcar-se um exército de 5.000 homens, que marcharam a Portugal á primeira instância do governo português. Uma parte deste exército ficará como guarnição na ilha da Madeira, mas não entrará ali senão depois de sua alteza real, o príncipe regente, ai tiver tocado, ou tiver passado a altura da ilha para o Brasil.

ARTIGO III

      Mas no caso em que infelizmente o príncipe regente, a fim de evitar a guerra com a França, se visse obrigado a fechar os portos de Portugal, aos navios ingleses, sua alteza real consente que as tropas inglesas sejam admitidas na ilha da Madeira, imediatamente depois da troca das rectificações desta convenção, declarando o comandante da expedição inglesa ao governador português, que a ilha será guardada em deposito para sua alteza real, o príncipe regente, até á conclusão da paz definitiva entre a Grã-Bretanha e a França. As instruções dadas ao dito comandante inglês para o governador da ilha, durante a sua ocupação pelas forças de sua majestade britânica, serão combinadas com o ministro de sua alteza real, o príncipe regente, que residir em Londres.

ARTIGO IV

      Sua alteza real, o príncipe regente, promete de nunca ceder por nenhum caso, seja em totalidade, seja em parte, a sua marinha militar ou mercante, ou a reuni-la á de França, de Espanha, ou de outra qualquer potência. Obriga-se outro sim, no caso de ir para o Brasil, a levar consigo a sua marinha militar ou mercante, seja perfeita ou incompletamente equipada, ou mesmo, se isto se não poder executar, a transferir em depósito á Grã-Bretanha aquela porção que não poder levar imediatamente consigo, e sua alteza real se entenderá depois com sua majestade britânica sobre os meios de navegar esses vasos para o Brasil com toda a segurança.

ARTIGO V

     No caso do fechamento dos portos de Portugal, sua alteza real se obriga a fazer partir incessantemente para o Brasil metade da sua marinha de guerra, e ter a outra metade em número pouco mais ou menos de cinco ou seis naus de linha e oito ou dez fragatas meio armadas (ao menos) no porto de Lisboa, de sorte que á primeira intenção de uma intenção hostil da parte dos franceses ou dos espanhóis, esta força naval possa reunir-se á esquadra britânica destinada a este serviço, e a transportar sua alteza e a real família para o Brasil. Para efeito de segurar melhor o sucesso deste arranjo o príncipe regente se obriga a dar o comando de sua esquadra no porto de Lisboa, como também o comando da que enviar para o Brasil, oficiais cujos princípios políticos sejam de aprovação da Grã-Bretanha.

      As duas altas partes contratantes convêm em autorizar os comandantes portugueses e ingleses nas estações respectivas, ou seja em Lisboa, ou seja nas costas de Portugal, a corresponder-se directamente sobre tudo o que poder ter relações á reunião eventual das esquadras inglesas e portuguesa. Quanto á metade da marinha militar, que poderá ser enviada para o Brasil, ela será ali desarmada, logo que chegue, menos que não seja regulado de outra forma pelos dois governos.

ARTIGO VI

      Quando haja de estabelecer-se no Brasil a sede da monarquia portuguesa, sua majestade britânica se obriga em seu nome e dos seus sucessores a nunca reconhecer como Rei de Portugal a nenhum príncipe, que não seja o herdeiro legítimo da família real de Bragança, e mesmo a renovar e a manter com a regência que sua alteza real, o príncipe regente, houver de deixar estabelecida em Portugal antes de partir para o Brasil, as relações de amizade que tem ligado á tanto tempo as duas coroas de Portugal e da Grã-Bretanha.

ARTIGO VII

      Logo que o governo português for restabelecido no Brasil se procederá á negociação de um tratado de aliança e comércio entre o governo de Portugal e a da Grã-Bretanha.

ARTIGO VIII

      Esta convenção será conservada em segredo presentemente, e não será pública sem o consentimento das duas altas partes contratantes.

ARTIGO IX

      Ela será rectificada de uma e outra parte, e as rectificações trocadas em Londres no espaço de seis semanas, ou antes se for possível.

Em fé do que nós, abaixo assinados, plenipotenciários, etc.

1º ARTIGO ADICIONAL

      Em caso de fechamento dos portos portugueses ao pavilhão inglês, será estabelecido um na ilha de S. Catarina, ou em qualquer outro sítio na costa do brasil, onde todas as mercadorias inglesas, que ao presente são admitidas em Portugal, sejam importadas livremente em navios ingleses, pagando os mesmos direitos que actualmente pagam em Portugal iguais artigos, até á conclusão de novo acordo sobre este artigo adicional.

Em fé do que nós, abaixo assinados, plenipotenciários, etc.

      Assino ‘sub spe rati’, declarando que não tenho instruções a este respeito, e com a condição que ao tornarem-se a abrir os portos de Portugal, Sua alteza real, possa anular ou alterar este artigo. = (Assinado) O cavalheiro de Sousa Coutinho. 

2º ARTIGO ADICIONAL

      Fica inteiramente entendido e convencionado que desde os portos de Portugal forem fechados á bandeira inglesa, e enquanto isso durar, os tratados existentes entre a Grã-Bretanha e Portugal devem ser considerados suspensos naquilo que eles concedem á bandeira portuguesa como privilégios e isenções de que outras nações não gozam, e que pelo direito das gentes não pertencem ao estado de simples neutralidade.

Em fé do que nós, abaixo assinados, plenipotenciários, etc.

      Assino ‘sub spe rati’, declarando que não tenho instruções a este respeito, e salvo que o efeito desta suspensão não seja retroactivo, e não motive a perda das propriedades portuguesas, confiadas á fé dos tratados existentes. = (Assinado) O cavalheiro de Sousa Coutinho. = Londres, 22 de Outubro de 1807. 

DECLARAÇÂO

      O abaixo-assinado, principal secretário de estado de sua majestade Britânica, encarregado dos negócios estrangeiros, consentindo em subscrever ao ‘ARTIGO II’ desta convenção, recebeu ordem do rei para declarar que a execução da parte do dito artigo, na qual se estipulou que se enviasse uma esquadra e tropas de sua majestade para o Tejo, a fim de proteger o embarque da família real de Portugal, depende da segurança que for dada de que os fortes á margem do Tejo a saber: as fortalezas de S. Julião e do Bugio, serão entregues antecipadamente aos comandantes das tropas britânicas, assim como a fortaleza de Cascais, se o embarque tiver nesta costa, ou então a de Peniche, em caso que a família real se tenha retirado a esta península, e ficarão em possessão do dito comandante, até que o objecto pelo qual as tropas são enviadas esteja preenchido, ou que sua alteza real determine a quem as tropas inglesas as devem entregar.

      O cavalheiro de Sousa Coutinho, plenipotenciário de sua alteza real, o príncipe regente, não se achando autorizado pelas instruções de que se acha actualmente munido, a contratar alguma obrigação a este respeito, o abaixo-assinado recebeu ordem de acompanhar o tratado com esta declaração explicadora, e pedir acima mencionada seja enviada com a rectificação do príncipe regente.

Feito em Londres, a 22 de Outubro de 1807. = (Assinado) George Canning.



      E sendo-me presente a mesma convenção, cujo teor acima fica incerto; e bem visto, considerado e examinado por mim, o que nela contem, a aprovo, ratifico e confirmo assim no todo, como em cada uma das suas clausulas e estipulações, exceptuando algumas expressões do preambulo; o 1º do ARTIGO IV; o 1º do ARTIGO V; a declaração ao ARTIGO II, que se rectifica com restrição, e o 1º ARTIGO ADICIONAL, pelas razões indicadas nas observações, que a esta convenção vão juntas, assinadas pelo meu ministro e secretário de estado dos negócios estrangeiros e da guerra; prometendo em fé e palavra real observa-la e cumpri-la inviolavelmente, e faze-la cumprir e observar, sem permitir que se faça cousa alguma em contrário, por qualquer modo que possa ser. E em este testemunho e firmeza do sobredito, fiz passar a presente carta por mim assinada, selada com o selo grande das minhas armas, e referenciada pelo dito meu ministro e secretário de estado dos negócios estrangeiros e da guerra, abaixo-assinado.

Dada no Palacio de N. S. da Ajuda, a 8 de Novembro de 1807. = O príncipe com guarda (L.S.) = Antonio de Araujo de Azevedo.

Observação a que se refere a rectificação supra.

      O preambulo da convenção de 22 de Outubro de 1807 principia por uma suposição, qual é a que se acha nas seguintes palavras (ayante fait communiquer a sa majesté britannique sa determination de transferer au Brésil le siége et la fortune de la monarchie portugaise, plutôt que d’accederà la totalité de ces demandes), sua alteza real, sim prometeu sempre a sua majestade britânica, já directamente, já por meio dos respectivos ministros, não aceder á proposição da apreensão das pessoas e confiscações de bens; mas nunca disse que antes queria transferir para o Brasil o assento da monarquia portuguesa do que aceder a todas as proposições. Os lugares em que se acha feita e repetida esta promessa são os que se seguem.

        Um ofício para o ministro de sua alteza real em Londres de 12 de Agosto de 1807. Disse nele:

      «Ordena-me sua alteza real que expresse a v. s.ª a sua firme resolução de não assentir jamais á confiscação dos bens dos vassalos ingleses; isto deve v. s.ª segurar ao ministério britânico, mas sua alteza real espera em reciprocidade desta tão justa, como decorosa acção, que esse governo não dê ordens aos seus comandantes das forças marítimas para fazer hostilidade sobre os navios portugueses. Qualquer procedimento desta natureza serviria para a França e a Espanha clamassem altamente contra a nossa renitência sobre a sua proposição»

Em outro ofício de 20 de Agosto para o mesmo ministro:

      «Os bens dos ingleses não andam de ter perigo algum, e quando seja preciso comboiá-los, ou transporta-los, não se faz necessária uma esquadra para esse fim; um ou dois navios de guerra fora ou dentro do Tejo parece ser quanto basta; mas torno a segurar a v. s.ª que sua alteza real está determinado mais depressa a perder o seu supremo domínio neste país do que sacrificar os sujeitos britânicos e os seus cabedais».

No mesmo ofício se acrescenta:

      «Por esta mesma rasão reservo, escrever a v. s.ª em outra ocasião, para v. s.ª tratar nessa corte sobre o modo com ela poderá contribuir para segurança da família real, protegendo com as suas forças navais a sua retirada. No caso que as circunstancias obriguem a esta mesma resolução, tomarei as ordens de sua alteza real a respeito deste triste e importante negócio, que interessa tanto os nossos corações, pois que só por este modo poderá salvar uma parte da monarquia portuguesa, e transmiti-la aos seus descendentes».   

Finalmente em outro ofício para o dito ministro, de 7 de Outubro, disse:

      «Devo participar a v. s.ª para que o comunique verbal e confidencialmente a esse ministério, que sua alteza real tomou a resolução de mandar aprontar a sua marinha para o caso de ser urgente a sua retirada e da real família. Dois acontecimentos podem obrigar a esta resolução: o primeiro a determinação de uma conquista, e o segundo a pretensão de introduzir tropas no país para guarnecer as costas debaixo do pretexto de amizade, o que seria para a monarquia mais perigoso do que a conquista».

Em outro ofício de 23 de Setembro se confirma esta mesma causa nos seguintes termos:

      «Sua alteza real está firme em não assentir á proposição, a este respeito da apreensão de pessoas e confiscação de bens»: e outro sim se acrescenta: «Contudo não é justo precipitar-se esta partida da família real para os estados do Brasil, porque sua alteza real não deve mostrar que abandona sem justa causa os seus vassalos na Europa».

      Sua alteza, escrevendo directamente a sua majestade britânica, lhe deu seguranças análogas ao que ordenou ao seu ministro em Londres, para ser participado ao governo britânico.

Ultimamente na nota dirigida a lord Strangford, em 17 de Outubro, diz o seguinte:

      «Sua alteza real, não havendo assentido á totalidade das proposições da parte das duas potências aliadas, de que ressoltou o retirarem-se desta corte os seus agentes, tem a intima satisfação de que, não obstante o perigo a que se expôs, os súbditos de sua majestade britânica ficarão ilesos na sua liberdade pessoal e nas suas propriedades.

      «Sua alteza cumpriu quanto foi possível a sua palavra, dando todo tempo para os súbditos ingleses se retirarem e exportarem os seus efeitos com isenção completa de direitos; agora porém, instando a França pela execução da sua preposição a este respeito com ameaças e com a marcha do exército de Baiona para o interior de Espanha, foi sua alteza real obrigado, bem que muito a seu pesar, a fazer a demonstração exigida, a fim de ver se ainda por este modo evita o ataque de Portugal; e sua majestade britânica, pode estar certo de que os súbditos britânicos experimentarão nas suas pessoas e em algum resto dos seus bens os efeitos possíveis da sua real protecção.»

(Os que ficaram em Portugal são aqueles que por sua livre vontade, e apesar das reiteradas instancias dos agentes de sua majestade britânica, preferiram não deixar os seus estabelecimentos.)

      Em nenhum dos lugares acima citados se diz, que sua alteza real preferia transferir-se para o Brasil, ao aceder á proposição feita pela França, mas antes positivamente se afirma e repete que só em última extremidade é que tomaria, o partido de abandonar este reino.

      Tão pouco considerou jamais sua alteza real que a clausura dos portos, pudesse justificar sua majestade britânica a excita-lo a usar a represália de ocupando a ilha da Madeira, ou qualquer outra colonia portuguesa. Sua alteza real em todas as ocasiões desta negociação mostrou sempre estar persuadido que sua majestade britânica reconheceria de que só circunstancias muito imperiosas e irresistíveis é que poderiam obrigá-lo á clausura dos portos aos navios ingleses; e o exemplo de 1801, em que a Grã-Bretanha assentiu a um igual passo, tranquilizava a sua alteza real, assim como o reconhecido caracter de justiça e moderação de sua majestade britânica, e não menos o comum interesse de ambas as monarquias; como pois podem ter lugar os termos do preambulo, ‘et considerant qu’un te lacte d’hostilité, até às palavras, ne pouvait manquer ce même effect; e como podem ter lugar os termos, demande à laquel sa majesté britannique ne pourrait jamais être censé avoir donné son consentement? 

      Quando, ainda que sua majestade britânica não expresse este consentimento, ele se devia presumir tacitamente dado, pois que a presente convenção deve ser fundada neste motivo! É pois evidente que estas expressões do preâmbulo não podem servir de base á convenção, que tem por objecto conservar intacta á monarquia portuguesa a ilha da Madeira e as mais possessões ultramarinas.

ARTIGO I – Este artigo não é concebido conforme as instruções dadas ao ministro de sua alteza real em Londres. Nelas se declara que, enquanto não houvesse a certeza de passo algum, ou declaração hostil da França contra Portugal, não poderia o governo britânico intentar expedição alguma contra a Madeira, ou outra qualquer possessão portuguesa; e do artigo estipulado entende-se que terá lugar esta expedição, logo que Portugal cometer de qualquer modo um acto hostil contra a Grã-Bretanha, fechando os seus portos á bandeira inglesa. O grande perigo a que esta ocupação da Madeira arriscaria Portugal se acha exposto nas instruções sobre o ARTIGO III, e por isso aqui se não repete.

      Contudo no momento presente, não por hostilidade da parte de Portugal, mas pela marcha das tropas francesas e espanholas, que se aproximam às fronteiras, pode a Inglaterra pôr em prática o que se estipula no dito ARTIGO I, sem ser preciso participa-lo ao ministro de sua alteza real em Londres, que dali se deve retirar.

      O último parágrafo, deste artigo, que principia ‘Il s’engage’, até ao fim, está muito bem concebido, e se aprova; mas é preciso que o comandante inglês guarde sobre ele o mais inviolável segredo.

ARTIGO II – É aprovado.

ARTIGO III – Este artigo fica aprovado, em consequência do que se disse no fim das observações sobre o ARTIGO I, reflectindo somente que não é justo alegar para isto a clausura dos portos, mas o que estava apontado no projecto da convenção, como já acima se disse.

ARTIGO IV – O primeiro paragrafo deste artigo, que diz respeito a obrigar-se sua alteza real a não ceder em caso algum a marinha de guerra ou mercante, nem tão pouco a reuni-la ás de França ou de Espanha, não se pode estipular; e a este respeito repito as instruções que foram dadas (ARTIGO V).

      É do interesse de sua alteza real que em nenhum caso a marinha portuguesa de guerra e mercante passe ao poder dos franceses, e cuidará muito em fazer partir a marinha real para o Brasil, impedindo, quanto lhe seja possível a sua reunião á da França ou Espanha. Tanto a marinha real, como a mercante, se retirará quando sua alteza real, for obrigado a sair de Portugal. Neste sentido pode v. s.ª traçar este artigo. No caso porém de se achar alguma parte da marinha real neste porto, a Inglaterra pode impedir a sua saída por meio de forças de observação.

      Sua alteza real, ainda que persiste nestas mesmas intenções, não deve estipular uma cláusula a que pode ser forçado a faltar para o futuro, ao menos por uma promessa, porque não haveria outro meio de o fazer cessar instancias apoiadas pela força. A Inglaterra tem os meios de evitar o efeito desta violenta condescendência.

      O parágrafo deste mesmo artigo, que principia ‘Il s’engage en outre’, até ao fim, é aprovado, pois que é a intenção de sua alteza real.

ARTIGO V – O primeiro parágrafo deste artigo não pode ser tratado, pela razão de ser preciso que toda a monarquia portuguesa esteja sempre á disposição de sua alteza real para a contingência de ser necessário transportar para o Brasil os efeitos preciosos, assim como as pessoas e bens dos que o seguirem.

      Esta foi a razão, assim como a falta que houve subitamente de marinheiros, por causa dos comboios, que obrigou sua alteza real a desistir da partida do príncipe da Beira para o Brasil, e a reserva-la para quando toda a real família se ausentasse, e para este fim tem sempre continuado os preparos da marinha.

      A pretendida aprovação da parte do govern,o britânico dos oficiais que houverem de comandar a esquadra no porto de Lisboa, assim como a que for para o Brasil, é indecorosa, e mesmo de alguma sorte é impraticável, porque só sua alteza real compete esta aprovação; e quando sua majestade britânica tivesse que opor aos princípios políticos de tais oficiais, sua alteza real nenhuma dúvida teria de remove-los destes destinos, e empregar outros em seu lugar, posto que não tem suspeita alguma contra os oficiais da sua marinha, que o faça vacilar sobre a escolha.

      O parágrafo que principia ‘Les deux hautes parties contractantes sont convenues’, até ‘des escadres anglaise et portuguese’, é aprovado.

      O parágrafo que principia: ‘quant à la moitié de la marine militaire’, até ‘par le deux gouvernemens’, fica sendo inútil, visto que sua alteza real a reserva em totalidade para se retirar, quando as circunstâncias o exijam.

ARTIGO VI – Este artigo é aprovado.

ARTIGOS VII, VIII e XIX – Estes artigos são aprovados.




Declaração assinada por s. ex.ª, George Canning, respectiva ao ARTIGO II da convenção.

      Sua alteza real não tem dúvida em dar ordem para que as fortificações de qualquer porto donde saia sejam entregues ao comandante britânico; mas isto só deve ser no momento da sua saída, porque antecedentemente a ela seria indecoroso a sua alteza real, e por isso é assinada com esta restrição.

1º ARTIGO ADICIONAL - Sua alteza real tinha concebido o projecto de estabelecer na ilha de S. Catarina um porto para o comércio do Brasil, quando intentou mandar para aquela colonia seu filho primogénito, o príncipe da Beira; mas como não se efectuou a sua partida, não se pode por ora estabelecer um plano de comércio, instituindo uma alfândega geral para esse fim. Se caso sua alteza real, partir com toda a real família, fica tirada toda a dúvida, quando não será preciso convir com a Inglaterra de algum meio (o que é possível) de dirigir o comércio, que o mesmo senhor quer favorecer, tanto para com prazer com sua majestade britânica, como para as facturas inglesas permitidas são de primeira necessidade para os habitantes daquela colonia. Mas no momento actual o estabelecimento na ilha de Santa Catarina faria irritar as duas potências aliadas do continente, o que sua alteza real, quer por último evitar. Resta pois a convir com a Inglaterra em um meio mais disfarçado para se fazer este comércio, para o que se tratará com o governo Britânico, quando ele queira.

      Para a execução de qualquer plano a este respeito é preciso termos a certeza de haver comunicações para o Brasil, a fim de se poderem dar ordens competentes aos governadores, porque presentemente não existe comunicação com aquele continente, estando o comércio na maior incerteza.

      Necessita-se também estipular a segurança dos navios, que forem avulsos e a concessão para cruzar contra os argelinos para protecção deste comércio, como já foi ordenado ao ministro de sua alteza real em Londres, que o requereu.

2º ARTIGO ADICIONAL – É aprovado.

Palacio de Nossa Senhora da Ajuda, 8 de Novembro de 1807. – Em conformidade com o original = Araujo.





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