Participação feita ao governo inglês por Lord Strangford do embarque da família real de Portugal para o Rio de Janeiro.
Navio de Sua Majestade, ‘Hibernia’ defronte do Tejo, 29 de Novembro de 1807.- Senhor. – Tenho a honra de anunciar-vos que o príncipe regente de Portugal efeituou a sua sábia e magnânima resolução de se retirar de um reino, que não podia conservar por mais tempo, senão reduzindo-se a vassalo de França; e que sua alteza real e família, acompanhado pela maior parte dos seus navios de guerra e por grande multidão de seus fiéis vassalos e aderentes, partiu, hoje de Lisboa, e se acha em caminho para o Brasil, debaixo de escolta de uma esquadra inglesa.
Este grande e memorável acontecimento não se deve atribuir somente ao susto repentino, excitado pela presença de um exército francês dentro dos limites de Portugal. Foi sim isto o resultado genuíno do sistema constante de confiança e moderação, adoptado por sua majestade a respeito deste país, e por cujo resultado final, eu me tinha de certo modo feito responsável; e que em obediência às vossas instruções continuei sempre a suportar uniformemente, até debaixo de circunstâncias que mais tendiam a desanimar.
Eu representei por muitas vezes e mui distintamente á corte de Lisboa, que convindo sua majestade em não ressentir-se da exclusão do comércio britânico dos portos de Portugal, havia sua majestade exaurido todos os meios de sofrimento, que fazendo esta concessão às circunstâncias peculiares da situação do príncipe regente, sua majestade tinha feito tudo quanto amizade e a lembrança de uma antiga aliança podia, com justiça requerer; porém que um simples passo, além da linha de hostilidade modificada, em que se convinha com muita repugnância, deveria necessariamente levar as cousas á extremidade da guerra actual.
O príncipe regente com tudo permitiu-se por um momento o esquecer-se de que no estado presente da Europa se não podia sofrer que país algum fosse impunemente inimigo da Inglaterra; e que por mais que sua majestade, pudesse estar inclinado a dar descontos á falta de meios que Portugal tinha para resistir ao poder da França, com tudo nem a sua dignidade, nem os interesses do seu povo permitiam a sua majestade a aceitar esta desculpa para conceder toda a plena extensão de peditórios sem fundamento. Aos 8 do corrente foi sua alteza real induzido a assinar uma ordem para a detenção de alguns súbditos britânicos, e da considerável porção de propriedade britânica que ainda existia em Lisboa. Ao publicar-se esta ordem eu fiz tirar as armas de Inglaterra, que se achavam nas portas da minha residência, pedi os meus passaportes, apresentei a minha representação final contra o procedimento, que acabava de praticar a corte de Lisboa, e dirigi-me pra a esquadra, comandada pelo cavalheiro Sir Sidney Smith, que chegou á costa de Portugal, alguns dias depois de eu ter recebido os meus passaportes, e com quem me ajustei aos 17 do corrente mês.
Eu sugeri imediatamente ao cavalheiro Sir Sidney Smith, a utilidade de estabelecer um bloqueio mais rigoroso á entrada do Tejo; e tive depois a satisfação de achar, que tinha nisto antecipado as intenções de sua majestade, pois os vossos despachos (que recebi pelo mensageiro Silvester aos 23), ordenavam-me que autorizasse esta medida, no caso em que o governo português ultrapassasse os limites, que sua majestade tinha julgado conveniente pôr á sua benignidade, e tentasse dar algum passo ulterior, que fosse injurioso á honra ou interesses da Grã-Bretanha. Estes despachos foram ditados na suposição de que eu ainda me achasse em Lisboa; e ainda que eu os não recebi senão depois de ter actualmente partido daquela corte, com tudo considerando maduramente o teor das vossas intenções, pensei que seria justo obrar como se tal não tivesse acontecido. Resolvi portanto passar a examinar imediatamente o efeito que tinha produzido o bloqueio de Lisboa, e propor ao governo português, como única condição, debaixo da qual cessaria o bloqueio, a alternativa por vós estabelecida, ou de entregar a esquadra a sua majestade, ou de empregar imediatamente em transportar o príncipe regente e a sua família para o Brasil. Eu tomei sobre mim a responsabilidade de renovar as negociações, depois de haverem cessado actualmente as minhas funções públicas, por estar convencido de que não obstante ser a determinação fixa de sua majestade o não sofrer que a esquadra de Portugal caísse nas mãos dos seus inimigos, contudo o primeiro objecto de sua majestade continuava a ser o mesmo de aplicar esta esquadra para o fim originário de salvar a real família de Bragança da tirania de França.
Consequentemente, requeri uma audiência do príncipe regente, e juntamente seguranças de protecção e salvo-conduto, e havendo recebido de sua alteza real, parti para Lisboa aos 27 no navio de sua majestade ‘Confiance’ que levava a bandeira parlamentária. Tive imediatamente as interessantes comunicações com a corte de Lisboa, os particulares das quais serão plenamente desenvolvidos em outra carta. Bastará lembrar aqui que o príncipe regente sabiamente dirigiu todas as suas apreensões para um exército francês, e todas as suas esperanças para uma esquadra inglesa; que ele recebeu de mim as mais expressas seguranças de que sua majestade generosamente disfarçaria estes actos de momentânea e constrangida hostilidade, para que se tinha extorquido o consentimento de sua alteza real; e que eu prometia a sua alteza real pela fé do meu soberano, que a esquadra britânica na boca do Tejo seria empregada em proteger a sua retirada de Lisboa e viagem para o Brasil.
Ontem se publicou um decreto no qual o príncipe regente anunciou a sua intenção de retirar-se para a cidade do Rio de Janeiro até á conclusão da paz, e de nomear uma regência para ter a administração do governo de Lisboa durante a sua ausência da Europa. Esta manhã a esquadra portuguesa largou do Tejo. Eu tive a honra de acompanhar o príncipe na sua passagem da barra. A esquadra consistia em oito naus de linha, quatro fragatas, vários brigues armados e grande número de navios do Brasil, montando tudo, segundo penso, em trinta e seis velas por todas. Eles passaram pela esquadra britânica, e os navios de sua majestade, salvaram com vinte e uma peças, o que foi respondido com igual número. Deixando o navio do príncipe regente, foi para bordo do ‘Hibernia’, mas voltei imediatamente acompanhado do cavalheiro Sir Sidney Smith, que eu apresentei ao príncipe e foi recebido por sua alteza real com sinais da mais benevolência.
Tenho a honra de incluir listas dos navios de guerra, que se sabia terem largado de Lisboa esta manhã, e que á poucas horas estavam á vista. Ficam em Lisboa quatro navios de linha e o mesmo número de fragatas; porem só um de cada qualidade está capaz de servir. Julguei que não devia perder tempo em comunicar ao governo de sua majestade a importante novidade conteúda neste despacho; tenho portanto de rogar que me escuseis a presa e imperfeição com que esta, escrevo. Tenho a honra de ser, etc. = (Assinado) Strangford =.
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